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Dor pélvica crônica: o papel da síndrome do quebra-nozes

Resumos

A dor pélvica crônica é um problema subdiagnosticado e relativamente comum nas mulheres. Alguns autores evidenciaram prevalência de até 15% entre mulheres de 18 a 50 anos, com repercussões sobre a qualidade de vida e sobre a economia. Dentre as causas de dor pélvica crônica, destaca-se a síndrome de congestão venosa pélvica, com quadro clínico caracterizado por diversos graus de dor, disúria, hematúria, dismenorréia, dispareunia e congestão vulvar, que pode ser acompanhado de varizes vulvares, descrito em 1949 por Taylor. Relatamos o caso de uma paciente portadora de dor pélvica crônica, na qual se diagnosticou o pinçamento da veia renal esquerda entre a aorta e a artéria mesentérica superior, com conseqüente quadro de hipertensão do plexo gonadal esquerdo, varizes pélvicas e sintomas de congestão pélvica. O tratamento realizado constou de embolização das varizes pélvicas, por método minimamente invasivo endovascular, com sucesso técnico e resolução dos sintomas em menos de 24 h.

Dor pélvica; varizes; veias renais; embolização; angioplastia


Chronic pelvic pain is a problem at the same time common and underdiagnosed in women. Some literature reports show an incidence of up to 15% in women aged between 18-50 years, with impact over quality of life and economy. Among the causes of chronic pelvic pain, pelvic congestion syndrome stands out, characterized by pain, dysuria, hematuria, dysmenorrhea, dyspareunia and vulvar congestion, often accompanied by vulvar varices, described in 1949 by Taylor. We herein report a case of a patient with chronic pelvic pain in whom we diagnosed a nutcracker syndrome, characterized by stenosis of the left renal vein between the superior mesenteric artery and the aorta, with consequent status of left gonadal plexus hypertension, pelvic varices and symptoms of pelvic congestion. The treatment was varicose pelvic veins embolization, through a minimally invasive endovascular approach, with immediate technical and clinical success in less than 24 hours.

Pelvic pain; varicose veins; renal veins; embolization; angioplasty


RELATO DE CASO

Dor pélvica crônica: o papel da síndrome do quebra-nozes

Marcelo FerreiraI; Luiz LanziottiI; Giafar AbuhadbaI; Marcelo MonteiroI; Luis CapotortoI; José Luiz SpicacciII

IServiço Integrado de Técnicas Endovasculares (SITE), Rio de Janeiro, RJ

IIHospital Samaritano, Rio de Janeiro, RJ

Correspondência Correspondência: Marcelo Ferreira Rua Siqueira Campos, 59/203, Copacabana CEP 22031-070 - Rio de Janeiro, RJ Tel.: (21) 3816.0160 Email: mmvf@uol.com.br

RESUMO

A dor pélvica crônica é um problema subdiagnosticado e relativamente comum nas mulheres. Alguns autores evidenciaram prevalência de até 15% entre mulheres de 18 a 50 anos, com repercussões sobre a qualidade de vida e sobre a economia. Dentre as causas de dor pélvica crônica, destaca-se a síndrome de congestão venosa pélvica, com quadro clínico caracterizado por diversos graus de dor, disúria, hematúria, dismenorréia, dispareunia e congestão vulvar, que pode ser acompanhado de varizes vulvares, descrito em 1949 por Taylor. Relatamos o caso de uma paciente portadora de dor pélvica crônica, na qual se diagnosticou o pinçamento da veia renal esquerda entre a aorta e a artéria mesentérica superior, com conseqüente quadro de hipertensão do plexo gonadal esquerdo, varizes pélvicas e sintomas de congestão pélvica. O tratamento realizado constou de embolização das varizes pélvicas, por método minimamente invasivo endovascular, com sucesso técnico e resolução dos sintomas em menos de 24 h.

Palavras-chave: Dor pélvica, varizes, veias renais, embolização, angioplastia.

Introdução

A dor pélvica crônica é um problema comum e subdiagnosticado nas mulheres. Em um estudo envolvendo mulheres com idade entre 18 e 50 anos, Mathias et al. encontraram prevalência de 15%, com importantes repercussões sobre a qualidade de vida e a economia1. Dentre as causas de dor pélvica crônica, destaca-se a síndrome de congestão venosa pélvica, com quadro clínico caracterizado por diversos graus de dor, disúria, dismenorréia, dispareunia e congestão vulvar, que pode ser acompanhada de varizes vulvares2-6, descrito em 1949 por Taylor2.

Com freqüência encontra-se na investigação laboratorial desses casos sinais de microhematúria, associada geralmente à síndrome do quebra-nozes, uma alteração anatômica na qual a artéria mesentérica superior (AMS) e a aorta fazem um pinçamento da veia renal esquerda, com conseqüente refluxo na porção proximal dessa veia e na veia ovariana esquerda. A síndrome do quebra-nozes acomete geralmente mulheres com idade entre 20 e 40 anos, especialmente as multíparas, e o refluxo venoso gera varizes dos plexos venosos pélvicos superficiais e profundos, responsáveis pelo quadro clínico típico de dores no flanco esquerdo e abdominal crônicas, além de microhematúria3,4,7-11. Nos homens, essa síndrome pode se manifestar de forma semelhante, sendo uma das causas descritas de varicocele.

Relato de caso

Paciente de 35 anos, multípara, empresária, procurou atendimento clínico apresentando quadro de dor abdominal, pélvica e no flanco esquerdo há cerca de dois anos, com uso diário em doses crescentes de medicação analgésica, incluindo derivados morfínicos, sem sucesso terapêutico, apesar de longo histórico investigacional, incluindo diversos exames de imagem e laboratoriais.

O exame físico evidenciou um abdome flácido, doloroso à palpação da porção inferior e flanco esquerdo, sem sinais de irritação peritoneal, e ausência de varizes vulvares ou de membros inferiores. Os exames laboratoriais iniciais revelaram microhematúria. Na seqüência propedêutica, foi realizada ressonância nuclear magnética, que sugeriu o pinçamento da veia renal esquerda entre a aorta e a AMS, assim como varizes do plexo venoso pélvico profundo (Figura 1).


A paciente foi encaminhada ao serviço de cirurgia vascular e endovascular para avaliação de possibilidade terapêutica minimamente invasiva. Foi, então, submetida à venografia, que constatou o pinçamento da veia renal esquerda, com aumento significativo do calibre proximal desta, assim como extensas varizes do plexo venoso pélvico profundo, com fluxo venoso invertido na veia ovariana esquerda, também de calibre cerca de duas a três vezes maior que o esperado (Figura 2).


Consideraram-se inicialmente duas alternativas terapêuticas endovasculares: o emprego de stent na veia renal esquerda e a embolização das varizes pélvicas, ambos procedimentos relatados na literatura mundial para a resolução do quadro clínico3,12-18.

Uma vez que em muitos casos pode-se alcançar sucesso terapêutico apenas com a eliminação das varizes pélvicas, optou-se pela angioplastia da veia renal esquerda associada à embolização do plexo venoso varicoso. Através da punção da veia femoral foi cateterizada e realizada a angioplastia da veia renal esquerda e embolizada a veia ovariana esquerda, com oito molas de Gianturco (COOK, EUA), com sucesso técnico imediato comprovado pela quase ausência de fluxo venoso no território acometido (Figura 3).


A evolução clínica foi satisfatória, com regressão completa da dor após 24 h do procedimento. O exame de ultrassonografia com Doppler no pós-operatório imediato demonstrou ausência de fluxo nas veias embolizadas, e a paciente recebeu alta 72 h após o procedimento, com a suspensão da medicação analgésica usada anteriormente.

Discussão

A prevalência da síndrome do quebra-nozes é relativamente muito superior ao seu diagnóstico, provavelmente porque nem sempre a presença da alteração anatômica característica provoca sintomatologia4.

No que diz respeito aos casos em que ela é comprovadamente responsável pela sintomatologia de congestão venosa pélvica, a escassez de relatos clínicos na literatura ginecológica e obstétrica atual denota que a congestão venosa não é considerada na investigação clínica com a devida freqüência. Em um estudo envolvendo 66 pacientes, entre 1992 e 2000, d'Archambeau et al. relataram incidência de 83% da síndrome de quebra-nozes nos pacientes encaminhados por sintomas de congestão venosa pélvica9.

O diagnóstico de congestão venosa pélvica deve ser considerado entre as causas de dor pélvica crônica, principalmente após exclusão de outras causas mais comuns, como doença inflamatória pélvica, endometriose, cistite intersticial, tumores pélvicos ou doença inflamatória intestinal. Quanto aos exames complementares, a ultrassonografia associada ao Doppler vascular pode ser usada como exame de screening, desde que um preparo intestinal apropriado seja feito e o examinador seja experiente o bastante para identificar as estruturas vasculares envolvidas. Tanto a ressonância nuclear magnética quanto a tomografia podem ser empregadas, com alta sensibilidade e especificidade, apesar de serem consideradas invasivas.

Na série de d'Archambeau9, o tratamento preferencial empregado foi o endovascular, por meio da embolização da veia ovariana esquerda e das varicosidades pélvicas adjacentes, com sucesso clínico inicial de 86% e redução de 73% das queixas clínicas a longo prazo (média de 43,4 meses).

O tratamento da congestão venosa pélvica e da síndrome do quebra-nozes pode ser medicamentoso, por meio do uso de estrogênios e antiinflamatórios, mas com má resposta terapêutica.

O tratamento cirúrgico, realizado por meio da ligadura transabdominal ou retroperitoneal ou ainda por via laparoscópica da veia ovariana e varizes pélvicas, traz melhores resultados, embora com maior invasividade.

A nossa escolha é pelo método endovascular, que acreditamos trazer excelente benefício e que é o método de escolha na literatura atual, sendo minimamente invasivo, conforme demonstrado no caso aqui relatado, que, com 6 meses de acompanhamento pós-operatório, encontra-se em excelente evolução clínica.

Há necessidade de maior divulgação da síndrome do quebra-nozes e do seu tratamento endovascular nas várias especialidades envolvidas, principalmente a ultrassonografia, a ginecologia e a urologia.

Artigo submetido em 16.08.07, aceito em 24.01.08.

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  • Correspondência:

    Marcelo Ferreira
    Rua Siqueira Campos, 59/203, Copacabana
    CEP 22031-070 - Rio de Janeiro, RJ
    Tel.: (21) 3816.0160
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2008

    Histórico

    • Recebido
      16 Ago 2007
    • Aceito
      24 Jan 2008
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