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Por que os cirurgiões vasculares brasileiros publicam tão pouco?

EDITORIAL

Por que os cirurgiões vasculares brasileiros publicam tão pouco?

Ricardo C. Rocha MoreiraI

IDiretor de Publicações, SBACV

Publish or perish – publicar ou perecer – esta expressão reflete a realidade da vida acadêmica em muitos países do mundo, especialmente nos Estados Unidos da América. Naqueles países, a sobrevivência do profissional acadêmico depende de um fluxo contínuo de artigos e comunicações que sejam aceitos para publicação nas revistas científicas. O professor ou pesquisador que não submete os frutos do seu trabalho para publicação está condenado a desaparecer da arena acadêmica. Este é um fato da vida e não poderia ser diferente, pela própria lógica do progresso científico.

A ciência que vem transformando a prática médica nas últimas décadas foi toda construída a partir de contribuições originais publicadas em revistas científicas. Em outras palavras, os dados gerados pela pesquisa, que são apresentados em primeira mão nos congressos e reuniões científicas, só passam a valer depois de serem publicados formalmente. Se Fleming não tivesse publicado suas observações sobre as propriedades bactericidas de um fungo, ou se Watson e Crick não publicassem seus estudos cristalográficos sobre os ácidos nucléicos, o mundo não teria tomado conhecimento da importância de suas contribuições. Evidentemente, são exemplos excepcionais, que levaram seus autores a ganhar o prêmio Nobel e conquistar a imortalidade científica. Mas mesmo os mortais que formam a imensa maioria dos cientistas e pesquisadores só contribuem para o avanço do conhecimento se publicarem os resultados do seu trabalho. As contribuições, menores ou maiores, somente são reconhecidas pela comunidade científica depois de publicadas.

No presente número do J Vasc Bras, Yoshida et al. publicam um artigo original que mostra a imensa discrepância que existe entre o número de trabalhos apresentados em congressos da SBACV e o número de publicações que são geradas a partir desses trabalhos1. De um total de 1.108 trabalhos apresentados em dois congressos da SBACV, foram geradas subseqüentemente apenas 70 publicações (6,23%). Essa porcentagem de publicação de trabalhos apresentados previamente é extremamente baixa quando comparada com a média de publicação em países desenvolvidos, que varia de 34 a 66%, de acordo com a literatura que acompanha o artigo1. O trabalho de Yoshida et al. vem confirmar a impressão que os membros do Corpo Editorial do J Vasc Bras têm da nossa produção científica: os cirurgiões vasculares brasileiros produzem muitos trabalhos, mas publicam muito pouco. Esse problema já foi objeto de outros editoriais do J Vasc Bras2,3.

Uma observação curiosa é que, enquanto a produção de artigos originais é baixa, a edição de livros é surpreendentemente alta. No triênio 2006-2008, foram publicados no Brasil 11 livros de cirurgia vascular e/ou angiologia, entre tratados gerais (como o do Maffei e o do Brito) e livros especializados (varizes, trauma vascular, isquemia dos membros inferiores, cirurgia endovascular, flebologia, etc.). Esses 11 livros contêm 685 capítulos, quase três vezes mais que o número de artigos publicados em revistas no mesmo período (dados levantados pelo autor para o Índice Bibliográfico Brasileiro de Angiologia e Cirurgia Vascular). Deve-se comentar que a qualidade editorial da maioria desses livros é ótima, comparável à dos livros estrangeiros.

A produção científica da comunidade vascular brasileira até parece bastante razoável se nos basearmos nas apresentações em congressos médicos e reuniões clínicas. Por que então essa enorme discrepância entre o número de apresentações em congressos e o número de publicações de artigos? O autor oferece duas possíveis explicações sobre as causas dessa discrepância:

O valor das publicações científicas no Brasil

Ao contrário dos países desenvolvidos, onde sempre prevaleceu a política de publish or perish, no Brasil a publicação de artigos científicos tem uma importância relativa no currículo acadêmico. Basta consultar os currículos expostos publicamente na Plataforma Lattes do CNPq para perceber que a publicação de pesquisa em periódicos forma uma parte menor no currículo dos pesquisadores quando comparada com outras atividades, como apresentações em congressos, cargos de chefia e outros títulos acadêmicos. O fato é que no Brasil existe pouca pressão institucional para que se publique continuadamente durante a vida acadêmica. Essa pressão é ainda menor nas instituições públicas, onde o funcionário adquire estabilidade depois de 2 ou 3 anos de trabalho. Recentemente, as entidades financiadoras de pesquisa estão dando maior valor a publicações em revistas com revisão editorial e maiores fatores de impacto. Esta nova política deve aumentar substancialmente o número e a qualidade das publicações científicas brasileiras nos próximos anos.

O tamanho da comunidade acadêmica vascular

O Brasil tem um grande número de escolas de medicina (172, no último levantamento da AMB) e mais de 70 programas de residência médica em Cirurgia Vascular e Angiologia. O número de professores e preceptores envolvidos no ensino e pesquisa vascular é difícil de ser levantado, mas certamente deve passar de 500 profissionais. O problema é que apenas em algumas universidades do estado de São Paulo existem profissionais que se dedicam integralmente à vida acadêmica. Para a imensa maioria dos cirurgiões vasculares, o trabalho de ensinar e pesquisar é um hobby, ao qual são dedicadas algumas horas por semana, muitas vezes sem qualquer remuneração. Com a atividade clínica consumindo grande parte do tempo e energia, sobra muito pouco para a produção científica continuada sob a forma de publicações. Portanto, o pequeno número de publicações é um reflexo do tamanho da comunidade acadêmica vascular realmente profissional do país.

A constatação de que os cirurgiões vasculares brasileiros publicam pouco fez com que a Diretoria da SBACV discutisse o problema. Na reunião, foram apresentadas três propostas para estimular a publicação de mais artigos no J Vasc Bras:

1. Descontos (ou isenção) nas inscrições de congressos da SBACV para os autores de cada artigo publicado no J Vasc Bras nos 2 anos precedentes ao congresso;

2. Isenção de inscrição para os autores principais dos 10 artigos com maior número de downloads no Scielo;

3. Trabalhos candidatos a tema livre especial (que concorrem aos prêmios do congresso) deverão ser enviados com texto completo, como se fossem submetidos para publicação. Os que forem selecionados serão automaticamente aceitos como artigos originais no J Vasc Bras.

O Corpo Editorial do J Vasc Bras espera que essas e outras medidas venham estimular os angiologistas/cirurgiões brasileiros a tirarem da gaveta os trabalhos já apresentados e submetê-los para publicação. Desta forma, tornaremos visível para o mundo a qualidade da produção científica vascular do nosso país.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste editorial.

  • 1. Yoshida WB, Holmo NF, Corregliano GT, Baldon KM, Silva NS. Publicaçőes indexadas geradas a partir de resumos de congressos de angiologia e cirurgia vascular no Brasil. J Vasc Bras. 2008;7:293-7.
  • 2. Yoshida WB. A nossa produçăo científica invisível. J Vasc Bras. 2005;4:113.
  • 3. Yoshida WB. Temas livres versus publicaçăo. J Vasc Bras. 2005;4:319-20.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2009
  • Data do Fascículo
    Dez 2008
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