Acessibilidade / Reportar erro

Síndrome de Lemierre: relato de caso

Resumos

A síndrome de Lemierre é uma doença rara, mais comum em jovens, causada frequentemente pelo Fusobacterium necrophorum. Inicia-se com faringite e propaga-se até a veia jugular interna, promovendo uma fonte de bacteremia contínua e êmbolos sépticos pulmonares. Manifestações clínicas incluem febre, alterações respiratórias e massa cervical. O diagnóstico é realizado por tomografia computadorizada e duplex scan, além de hemocultura ou cultura direta. O tratamento é realizado com antibióticos beta-lactâmicos resistentes a beta-lactamases, sendo a cirurgia raramente necessária. Paciente do sexo feminino, 34 anos, com quadro de orofaringite, evoluiu em 48 horas com queda do estado geral, febre, aumento de volume e dor em região cervical esquerda. Radiografia e tomografia de tórax evidenciaram múltiplas lesões pulmonares. A tomografia cervical e o duplex scan confirmaram a trombose da veia jugular interna, compatível com tromboflebite supurativa aguda, a síndrome de Lemierre. Após antibioticoterapia, o paciente apresentou melhora do quadro clínico. O duplex scan de controle evidenciou recanalização venosa.

Trombose venosa; veias jugulares; infecções por Fusobacterium


Lemierre syndrome is a rare disease. It often affects young adults and is most frequently caused by Fusobacterium necrophorum. The initial event is pharyngitis, which extends to the internal jugular vein, serving as source of continuous bacteremia and septic pulmonary emboli. Clinical manifestations include fever, respiratory distress, and swollen cervical lymph nodes. Diagnosis is established based on blood culture or direct blood culture and confirmed by computed tomography and/or duplex scan. Treatment consists of administration of beta-lactamase resistant beta-lactam antibiotics. Surgical exploration is rarely required. A 34-year-old woman with acute oropharyngeal infection presented 48 hours later with prostration, fever, and swollen and painful cervical lymph nodes on the left side of the neck. Chest radiography and tomography demonstrated multiple lung lesions. Computed tomography and duplex scan demonstrated thrombosis of the internal jugular vein, compatible with acute suppurative thrombophlebitis, also known as Lemierre syndrome. The patient received antibiotics and had clinical recovery. A control duplex scan demonstrated partial recanalization of the internal jugular vein.

Venous thrombosis; jugular veins; fusobacterium infections


RELATO DE CASO

Síndrome de Lemierre: relato de caso

Gustavo Ioshio HandaI; Giorgio Sfredo BertuzzoII; Karin S. MullerII; Ana Cláudia DambinskiII; Vinicius Zendrini BuzingnaniI; Lucas Marques MantovaniI; Andressa Hubar PatrianiI; Denise KraussI

IServiço de Angiologia e Cirurgia Vascular

IIServiço de Nefrologia do Hospital de Caridade da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, PR

Correspondência Correspondência: Gustavo Ioshio Handa Chichorro Júnior, 364/1104, Cabral CEP 80035-040 – Curitiba, Paraná Tel.: (41) 3320-3526 E-mail: gustavohanda@yahoo.com.br

RESUMO

A síndrome de Lemierre é uma doença rara, mais comum em jovens, causada frequentemente pelo Fusobacterium necrophorum. Inicia-se com faringite e propaga-se até a veia jugular interna, promovendo uma fonte de bacteremia contínua e êmbolos sépticos pulmonares. Manifestações clínicas incluem febre, alterações respiratórias e massa cervical. O diagnóstico é realizado por tomografia computadorizada e duplex scan, além de hemocultura ou cultura direta. O tratamento é realizado com antibióticos beta-lactâmicos resistentes a beta-lactamases, sendo a cirurgia raramente necessária. Paciente do sexo feminino, 34 anos, com quadro de orofaringite, evoluiu em 48 horas com queda do estado geral, febre, aumento de volume e dor em região cervical esquerda. Radiografia e tomografia de tórax evidenciaram múltiplas lesões pulmonares. A tomografia cervical e o duplex scan confirmaram a trombose da veia jugular interna, compatível com tromboflebite supurativa aguda, a síndrome de Lemierre. Após antibioticoterapia, o paciente apresentou melhora do quadro clínico. O duplex scan de controle evidenciou recanalização venosa.

Palavras-chave: Trombose venosa, veias jugulares, infecções por Fusobacterium.

Relato de caso

Paciente de sexo feminino, 34 anos, admitida com queixa de dor de garganta e calafrios, afebril, apresentando hiperemia e hipertrofia de tonsila palatina esquerda com placas purulentas, sendo medicada com penicilina benzatina e medicação sintomática. Retorna após 48 horas com quadro de sudorese, palidez cutâneo-mucosa, cianose labial, hipotensão arterial, taquipneia, taquicardia e febre. Apresentava aumento de volume em região cervical esquerda com sinais flogísticos, úlceras dolorosas em língua e herpes labial. Hemograma com leucocitose, desvio à esquerda, granulações tóxicas e corpúsculo de Döhle. Sorologia para toxoplasmose, HIV, citomegalovírus e Epstein-Barr vírus negativos. A radiografia de tórax evidenciou múltiplas lesões pulmonares, compatíveis com êmbolos sépticos, confirmadas por tomografia computadorizada (Figura 1). A paciente apresentou melhora clínica após início de antibioticoterapia, mas permanecia com aumento de volume e dor em região cervical esquerda. A ecografia cervical evidenciou linfonodomegalia reacional. A tomografia computadorizada cervical e o duplex scan confirmaram o achado de trombose de veia jugular interna esquerda (Figura 2). Após completada a antibioticoterapia hospitalar, a paciente apresentou melhora clínica, recebendo alta hospitalar. Permaneceu com antibioticoterapia oral por 4 semanas, evoluindo clinicamente assintomática, e o duplex scan de controle evidenciou recanalização parcial da veia jugular interna (Figuras 3 e 4).





Revisão da literatura

A tromboflebite supurativa da veia jugular interna ou síndrome de Lemierre é uma doença rara, descrita pela primeira vez em 1936, com morbidade e mortalidade significativas, que afeta principalmente adultos jovens1.

O evento inicial mais frequente é faringite, geralmente associado a envolvimento tonsilar ou peritonsilar. O germe causador mais frequente é o Fusobacterium necrophorum, havendo casos descritos de infecção por Staphylococcus aureus2, Porphyromonas spp.3 e Streptococcus pyogenes4. A infecção estende-se ao espaço parafaríngeo, podendo atingir veia jugular interna, artéria carótida, nervo vago e linfonodos. A bacteremia a partir desse foco é contínua, como em qualquer infecção endovascular. O intervalo entre a infecção faríngea e a tromboflebite geralmente é menor que uma semana5,6.

As manifestações clínicas incluem febre ( > 39º C), calafrios, prostração severa, alterações respiratórias, podendo haver dor, hiperestesia, edema ou massa sobre o ângulo da mandíbula ou ao longo do esternocleidomastoideo. Edema ou rigidez no pescoço em paciente com faringite recente é observada em 53% dos pacientes7.

Êmbolos sépticos para o pulmão acontecem por via de regra (97% dos casos), podendo evoluir para abscessos pulmonares e empiema. Abscessos metastáticos podem ocorrer em outros lugares, gerando principalmente artrite séptica e osteomielite5,6. Na presença de êmbolos pulmonares sépticos e febre persistente ainda que em uso de antibioticoterapia, deve-se pensar na síndrome de Lemierre. Existem casos descritos de infarto cerebral, abscessos pulmonares, trombose de seio cavernoso e abscessos hepáticos relacionados à síndrome8-10.

O diagnóstico deve ser iniciado pela identificação do micro-organismo causador por hemocultura, aspiração da veia trombosada ou cultura direta da veia11. O diagnóstico definitivo pode ser feito com tomografia computadorizada, flebografia, ecografia simples ou duplex scan. A tomografia computadorizada com contraste é o exame mais útil para diagnóstico, demonstrando edema de partes moles e defeitos de enchimento ou o próprio trombo no interior da veia jugular interna6. A imagem por ressonância nuclear magnética apresenta experiência limitada, mas pode ser de grande utilidade12.

A ecografia simples e, principalmente, o duplex scan pode demonstrar a trombose e a extensão do trombo. A flebografia pode demonstrar a trombose, sendo utilizada quando outros métodos não estão disponíveis ou em casos de dúvida diagnóstica.

O tratamento baseia-se em antibioticoterapia, com cobertura para anaeróbios e duração mínima de 4 semanas ou até que os abscessos pulmonares tenham desaparecido na tomografia. Os antibióticos preconizados são beta-lactâmicos resistentes a beta-lactamases, tal como ticarcilina-clavulonato, imipenem, além de ampicilina-sulbactam, metronidazol ou clindamicina13,14. A oxigenioterapia hiperbárica foi descrita como tratamento adjuvante com resultados favoráveis15.

A exploração cirúrgica, com ligadura e excisão da veia jugular interna, raramente é necessária, podendo ser necessária a drenagem cirúrgica de abscessos ou empiemas pulmonares5. O papel da anticoagulação ainda é controverso, não existindo trabalhos randomizados que suportem seu uso6.

Houve redução do número de casos da síndrome de Lemierre com o advento dos novos antibióticos, mas é essencial o conhecimento da doença para diagnóstico diferencial nos casos refratários, uma vez que a antibioticoterapia apropriada reduz significativamente a morbidade e mortalidade.

Artigo submetido em 02.07.08, aceito em 09.11.09.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Artigo apresentado no Congresso Brasileiro de Angiologia e Cirurgia Vascular em 2007.

  • 1. Baker CC, Petersen SR, Sheldon GF. Septic phlebitis: a neglected disease. Am J Surg. 1979;138:97-103.
  • 2. Boga C, Ozdogu H. Lemierre syndrome variant: staphylococcus aureus associated with thrombosis of both the right internal jugular vein and the splenic vein after the exploration of a river cave. J Thromb Thrombolysis. 2007;23:151-4.
  • 3. Vandenbos F, Roth S, Girard-Pipau F, Neri D, Boscagli-Melaine A, Montagne M. [Lemierre syndrome due to Porphyromonas spp. in a 21 year-old patient]. Rev Med Interne. 2000;21:909-10.
  • 4. Wilson P, Tierney L. Lemierre syndrome caused by Streptococcus pyogenes. Clin Infect Dis. 2005;41:1208-9.
  • 5. Sinave CP, Hardy GJ, Fardy PW. The Lemierre Syndrome: suppurative thrombophlebitis of the internal jugular vein secondary to oropharyngeal infection. Medicine (Baltimore). 1989;68:85-94.
  • 6. Golpe R, Marin B, Alonso M. Lemierre's syndrome (necrobacillosis). Postgrad Med J. 1999;75:141-4.
  • 7. Chirinos JA, Lichtstein DM, Garcia J, Tamariz LJ. The evolution of Lemierre syndrome: report of two cases and review of the literature. Medicine (Baltimore). 2002;81:458-65.
  • 8. Shibasaki WY, Yoshikawa H, Idezuka J, Yamazaki M, Onishi Y. Cerebral infarctions and brain abscess due to Lemierre syndrome. Intern Med. 2005;44:653-6.
  • 9. Thatcher P. Hepatic abscesses caused by Fusobacterium necrophorum as part of the Lemierre syndrome. J Clin Gastroenterol. 2003;37:196-7.
  • 10. Westhout F, Hasso A, Jalili M, et al. Lemierre syndrome complicated by cavernous sinus thrombosis, the development of subdural empyemas, and internal carotid artery narrowing without cerebral infarction. Case report. J Neurosurg. 2007;106(1 Suppl):53-6.
  • 11. Andes DR, Urban AW, Acher CW, Maki DG. Septic thrombosis of the basilic, axillary, and subclavian veins caused by a peripherally inserted central venous catheter. Am J Med. 1998;105:446-50.
  • 12. Auber AE, Mancuso PA. Lemierre syndrome: magnetic resonance imaging and computed tomographic appearance. Mil Med. 2000;165:638-40.
  • 13. Seidenfeld SM, Sutker WL, Luby JP. Fusobacterium necrophorum septicemia following oropharyngeal infection. JAMA. 1982;248:1348-50.
  • 14. Nadkarni MD, Verchick J. Lemierre syndrome. J Emerg Med. 2008;28:297-9.
  • 15. Hodgson R, Emig M, Pisarello J. Hyperbaric oxygen (HBO2) in the treatment of Lemierre syndrome. Undersea Hyperb Med. 2003;30:87-91.
  • Correspondência:

    Gustavo Ioshio Handa
    Chichorro Júnior, 364/1104, Cabral
    CEP 80035-040 – Curitiba, Paraná
    Tel.: (41) 3320-3526
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Aceito
      09 Nov 2009
    • Recebido
      02 Jul 2008
    Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV) Rua Estela, 515, bloco E, conj. 21, Vila Mariana, CEP04011-002 - São Paulo, SP, Tel.: (11) 5084.3482 / 5084.2853 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: secretaria@sbacv.org.br