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Percepção da doença arterial obstrutiva periférica por pacientes classe I ou II de Fontaine de um Programa de Saúde da Família

Resumos

CONTEXTO: A doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) se destaca por deteriorar a qualidade de vida dos pacientes, quando associada a elevado risco de eventos cardiovasculares e cerebrovasculares. O diagnóstico clínico é sensível e específico, por meio do índice tornozelo-braquial (ITB), que, se precocemente detectado, otimiza o controle dos fatores de risco. OBJETIVO: Avaliar a percepção da DAOP em pacientes classe I ou II de Fontaine assistidos pela Estratégia de Saúde da Família em Pará de Minas (MG), analisando características socioeconômicas e determinantes da qualidade de vida. MÉTODOS: Após cálculo amostral estratificado por gênero e idade, um questionário elaborado para o estudo foi respondido por 123 indivíduos com diagnóstico de DAOP classe I ou II de Fontaine. Para as associações, utilizaram-se testes do c² e exato de Fisher (p<0,05). RESULTADOS: Dos indivíduos que responderam o questionário, 96 (78%) eram do gênero feminino e tinham baixa escolaridade. Observou-se associação entre claudicação intermitente, o sintoma mais frequente da doença, e aperto nas pernas, câimbras, adormecimento dos pés, cansaço, inchaço e agulhadas. Não houve associação com tabagismo, hipertensão arterial sistêmica, diabetes e alteração do colesterol. Dos participantes, 76 (61,8%) nunca ouviram falar da doença, apesar de serem portadores. Dor durante execução de tarefas dentro e fora de casa foi relatada por 48 (39%) indivíduos. A prática de atividade física foi mais recomendada por médico clínico geral - mencionada por 18 (14,6%) indivíduos - sendo que a caminhada, única atividade praticada em níveis recomendados, foi relatada por 102 (27,7%). CONCLUSÃO: É necessário esclarecimento para essa população quanto ao tratamento clínico não-farmacológico para controle das manifestações crônicas irreversíveis. Ressalta-se a relevância da veiculação de informações sobre a evolução silenciosa e sintomatologia da doença.

arteriosclerose obliterante; claudicação intermitente; qualidade de vida


BACKGROUND: The peripheral arterial occlusive disease (PAOD) is characterized by the deterioration in the quality of life of patients when associated with high risk of cardiovascular or cerebrovascular events. The clinical diagnosis is sensitive and specific, by means of the Ankle Brachial Pressure Index (ABPI), and, when there is early detection, the control of risk factors is optimized. OBJECTIVE: To assess the perception of PAOD in Fontaine class I or II patients by means of the Family Health Strategy in Pará de Minas (MG), Brazil, through an analysis of the socioeconomic characteristics and life quality determinants. METHODS: After the sample calculation, stratified by genre and age, a questionnaire elaborated for the purposes of this study was applied to 123 individuals who were diagnosed with Fontaine class I or II PAOD. Aiming at the associations, the c² and Fisher's exact tests were used (p<0.05). RESULTS: Among the participants who answered to the questionnaire, 96 (78%) were women and had low schooling. An association between intermittent claudication, the most common symptom, and the sensation of pressure on the legs, cramps, foot paresthesia, fatigue, swelling, and tingling was observed. There was no association with smoking, systemic arterial hypertension, diabetes and cholesterol alterations. Among the participants, 76 (61.8%) had never heard about the disease despite the fact that they had it. Pain during activities at home or elsewhere was reported by 48 individuals (39%). The practice of physical activities was more recommended by clinicians - mentioned by 18 (14.6%) individuals - and walking, the only activity that was practiced according to the recommended levels, was reported by 102 participants (27.7%). CONCLUSION: This population needs to be better oriented about the clinical and non-pharmacological treatment intended to the control of irreversible chronic manifestations. We emphasize the relevance of conveying information about the silent development and the symptomatology of the disease.

arteriosclerosis obliterans; intermittent claudication; quality of life


ARTIGO ORIGINAL

Percepção da doença arterial obstrutiva periférica por pacientes classe I ou II de Fontaine de um Programa de Saúde da Família

Juliana Nogueira DinizI; Regina Coeli Cançado Peixoto PiresII

IMestre em Ciências da Saúde pela Universidade Vale do Rio Verde de Três Corações (UninCor), Betim (MG), Brasil

IIDoutora em Epidemiologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte (MG), Brasil

Correspondência Correspondência: Juliana Nogueira Diniz Praça da Independência, 186 – Centro CEP 35660-007 – Pará de Minas (MG), Brasil E-mail: julianandiniz@gmail.com

RESUMO

CONTEXTO: A doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) se destaca por deteriorar a qualidade de vida dos pacientes, quando associada a elevado risco de eventos cardiovasculares e cerebrovasculares. O diagnóstico clínico é sensível e específico, por meio do índice tornozelo-braquial (ITB), que, se precocemente detectado, otimiza o controle dos fatores de risco.

OBJETIVO: Avaliar a percepção da DAOP em pacientes classe I ou II de Fontaine assistidos pela Estratégia de Saúde da Família em Pará de Minas (MG), analisando características socioeconômicas e determinantes da qualidade de vida.

MÉTODOS: Após cálculo amostral estratificado por gênero e idade, um questionário elaborado para o estudo foi respondido por 123 indivíduos com diagnóstico de DAOP classe I ou II de Fontaine. Para as associações, utilizaram-se testes do c2 e exato de Fisher (p<0,05).

RESULTADOS: Dos indivíduos que responderam o questionário, 96 (78%) eram do gênero feminino e tinham baixa escolaridade. Observou-se associação entre claudicação intermitente, o sintoma mais frequente da doença, e aperto nas pernas, câimbras, adormecimento dos pés, cansaço, inchaço e agulhadas. Não houve associação com tabagismo, hipertensão arterial sistêmica, diabetes e alteração do colesterol. Dos participantes, 76 (61,8%) nunca ouviram falar da doença, apesar de serem portadores. Dor durante execução de tarefas dentro e fora de casa foi relatada por 48 (39%) indivíduos. A prática de atividade física foi mais recomendada por médico clínico geral – mencionada por 18 (14,6%) indivíduos – sendo que a caminhada, única atividade praticada em níveis recomendados, foi relatada por 102 (27,7%).

CONCLUSÃO: É necessário esclarecimento para essa população quanto ao tratamento clínico não-farmacológico para controle das manifestações crônicas irreversíveis. Ressalta-se a relevância da veiculação de informações sobre a evolução silenciosa e sintomatologia da doença.

Palavras-chave: arteriosclerose obliterante; claudicação intermitente; qualidade de vida.

Introdução

A doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) gera limitações aos pacientes com piora na qualidade de vida, tem alta incidência populacional e complexidade, enquanto doença vascular sistêmica degenerativa grave, decorrente do estreitamento e do enrijecimento arterial periférico, principalmente nos membros inferiores. Além disso, a DAOP está associada a elevado risco de eventos cardiovasculares fatais e não-fatais, como morte, infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral1,2.

Um dos mais frequentes sintomas da DAOP, a claudicação intermitente (CI), manifesta-se como desconforto na musculatura afetada, conforme esforço à marcha, geralmente aliviado com o repouso3,4.

É preocupante a DAOP destacar-se entre as doenças cardiovasculares como uma das mais subdiagnosticadas, já que o diagnóstico clínico é sensível e específico, realizado por exame de rastreamento simples e objetivo, o índice tornozelo-braquial (ITB), a partir da diferença da pressão arterial sistólica no tornozelo e no braço com resultado menor que 0,9. Assim, já que a obstrução arterial periférica pode se apresentar de maneira difusa, com clínica diversa e com intervenções variadas, é fundamental que a avaliação dos pacientes seja feita com instrumentos que possam apresentar dados objetivos e reprodutíveis. A investigação das formas de avaliação simples, mas fidedignas, é importante sobretudo em áreas cuja restrição econômica inviabiliza recursos tecnológicos mais avançados para detectar pacientes assintomáticos, que se apresentam em grande número, que apresentam histórico de sedentarismo e/ou doenças associadas que limitam a atividade física, ou ainda porque interpretam os incômodos nos membros inferiores como contingência da idade e não procuram atendimento médico3,4. O diagnóstico precoce otimiza o controle dos fatores de risco por medicamentos, reeducação alimentar e/ou exercícios supervisionados. Assim, a abordagem clínica tem a seu favor o caráter não-invasivo, com baixa incidência de complicações, além de ação sistêmica na progressão da doença aterosclerótica1,5,6.

A realização de atividade física regular sob orientação de um profissional habilitado, para os portadores de DAOP, proporciona ao indivíduo aumentar distâncias percorridas livres de dor ou com menor incômodo. Além disso, a supervisão profissional garante a adequação postural na atividade, evitando sobrecargas que, por períodos prolongados, pode gerar repercussões significativas em trajetos arteriais de risco3.

As recomendações atuais para o tratamento da DAOP, que priorizam o incremento com atividade física regular orientada, não são seguidas adequadamente, conforme observação clínica. Os pacientes, muitas vezes, são orientados pelos médicos a praticar atividade física sem supervisão de um profissional habilitado ou recebem contraindicações à realização de tais atividades pela sintomatologia apresentada.

Objetivo

Analisar a percepção dos portadores da DAOP classe I ou II de Fontaine, principalmente quanto à sintomatologia e ao tratamento da doença, a partir da detecção da atividade física que realizam, para inferir sua influência no bem-estar dos indivíduos.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, descritivo e analítico, de série de casos, desenvolvido em Pará de Minas, em Minas Gerais.

A população do estudo foi selecionada a partir do arquivo da especialidade na Policlínica Municipal, centro de referência de atendimento médico especializado, tendo sido separados os indivíduos assistidos pelo Serviço de Angiologia até janeiro de 2008 com diagnóstico em prontuário de DAOP classe I ou II de Fontaine.

Utilizando combinação da amostragem aleatória simples do tipo proporcional, com margem de erro de 10%, foi calculada uma amostra representativa, estratificada por gênero e faixa etária (30 a 39, 40 a 49, 50 a 59 e 60 a 65 anos).

Foram excluídos os prontuários ilegíveis parcial ou totalmente, indivíduos com idade inferior a 30 anos ou superior a 65 anos completados em 2007 e com condições relatadas em prontuário como terapêutica cirúrgica e/ou endovascular cirúrgica para DAOP, limitação ou deficiência que impedisse a prática de atividade física regular, feridas nos membros inferiores em tratamento atual ou passado e/ou amputação em quaisquer níveis nos membros inferiores, além de indivíduos que foram assistidos pelo sistema privado de saúde antes de ingressarem para o sistema público de Saúde de Pará de Minas.

Foi elaborado um questionário específico para o estudo abordando características socioeconômicas do público-alvo, conhecimento dos participantes sobre a DAOP e prática de atividade física dessa população, com base na abordagem do International Physical Activity Questionnaire (IPAQ), para classificação dos indivíduos conforme as tarefas diárias realizadas.

Para a coleta de dados, foi realizado sorteio, a partir dos indivíduos agrupados pelos prontuários conforme gênero e faixa etária, sendo eles, a seguir, separados de acordo com a área de abrangência da Estratégia de Saúde da Família (ESF). Foram enviados aos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) envelopes identificados com nome completo e endereço do sorteado, contendo o questionário e o termo de consentimento livre e esclarecido. Os ACS foram orientados sobre como aplicar o questionário, ressaltando a importância da não-interferência nas respostas – inclusive de outros residentes do domicílio.

Os dados foram analisados utilizando-se as ferramentas estatísticas do software Statistical Package for Social Science (SPSS) for Windows® versão 13.0. Foi utilizada análise descritiva das variáveis por tabelas de distribuição de frequência, a partir da análise das tabelas de cruzamento; foram observadas associações válidas, por meio dos testes de c2 e exato de Fisher, com nível de significância p<0,05. A análise das questões abertas foi realizada pela categorização das respostas.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Vale do Rio Verde de Três Corações (UninCor) e registrado no Sistema Nacional de Informação sobre Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos (SISNEP) com Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 0026.0.380.000-08. Os participantes foram esclarecidos e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados

A amostra constou de 123 prontuários de pacientes com diagnóstico de DAOP classe I ou II de Fontaine. Observou-se que 96 (78%) participantes eram do sexo feminino e 27 (22%) do masculino, com predomínio das faixas etárias de 50 a 59 anos (45 pacientes; 36,6%) e 60 a 65 anos (39 pacientes; 31,7%).

A escolaridade dos participantes foi considerada baixa: 79 (64,2%) deles estudaram da primeira à quarta série do ensino fundamental. A distribuição de renda individual concentrou-se na faixa de até um salário mínimo (59 participantes; 48%), identificando a procura do atendimento público especializado pela população com menor grau de instrução e renda, o que geralmente impossibilita o acesso a especialistas em clínicas particulares.

A jornada de trabalho concentrou-se na carga horária e em turnos mais frequentes de uma população economicamente ativa, sendo que 26 (21,1%) relataram trabalhar 8 horas diárias e 29 (23,6%) pela manhã e à tarde.

Analisando a presença dos quatro principais fatores de risco nos portadores da DAOP (hipertensão, tabagismo, alteração do colesterol e diabetes mellitus), observou-se predomínio de hipertensos 61 (49,6%) e tabagistas 27 (22,0%), seguidos dos que declararam ter alteração de colesterol sérico e diabéticos – respectivamente 24 (19,5%) e 13 (10,6%).

Quando se analisou o conhecimento da população estudada sobre a doença arterial obstrutiva, 46 (37,4%) indivíduos ouviram falar da doença, sendo importante evidenciar que os 77 (63,6%) que responderam nunca ter ouvido falar eram portadores, conforme diagnóstico médico em prontuário (Tabela 1).

As três alternativas de tratamento para a DAOP mais citadas (terapias alternativas, analgésicos/anti-inflamatórios e anti-hipertensivos/antilipemiantes) estão adequadamente indicadas (Tabela 2). As outras duas opções foram atividade física regular e hipoglicemiantes orais/anticoagulantes. Ressalta-se a importância da atividade física regular e do controle dos fatores de risco para as condições iniciais da doença5.

Em relação à abordagem das atividades praticadas pelos participantes, o objetivo foi classificar o indivíduo conforme seu esforço, segundo o IPAQ7.

A prática de atividade física foi relatada por 47 (38,2%) dos participantes, sendo que 73 (59,3%) não realizavam atividade alguma. Em relação à modalidade dessa prática, foram sugeridas cinco opções de respostas, sendo a caminhada a mais praticada por 38 (30,9%), seguida de ginástica de grupo, sendo praticada por 13 (10,6%) indivíduos e realizada por profissionais da ESF em quadras poliesportivas ou praças da cidade, como ação preventiva e promotora da saúde da população (Tabela 3).

Quanto à orientação para a prática da atividade física, do total de participantes, 18 (14,6%) relataram terem sido indicados pelo médico clínico geral.

Observou-se, entretanto, que o fato de praticar alguma atividade física não implicou CI, uma vez que o percentual de indivíduos com CI foi muito parecido entre os praticantes e os não-praticantes de alguma atividade física – respectivamente 25 (54,3%) e 40 (55,6%) participantes (valor de p=0,524).

O questionamento sobre a realização de caminhada contínua por pelo menos dez minutos propôs marcação de zero a sete dias da semana, segundo sua execução no trabalho, no lazer e de um lugar para outro. A partir da análise das respostas, conforme referência do IPAQ7, foram agrupados os participantes que caminhavam quatro dias por semana ou menos e os que caminhavam cinco dias ou mais. Assim, observou-se maior prevalência de indivíduos que caminham durante quatro dias ou menos em relação à frequência de cinco vezes ou mais por semana, em todas as opções consideradas (no trabalho, de um lugar para outro e no lazer) (Tabela 4).

A queixa de dor durante a realização de tarefas dentro e fora de casa foi quantificada como pouca para 21 (17,1%) indivíduos; moderada para 23 (18,7%) e bastante para 48 (39%).

A identificação das tarefas diárias realizadas mostrou 2 (1,6%) indivíduos classificados no grupo de atividades vigorosas praticadas menos de 3 dias da semana, e 13 (10,6%) praticavam de 3 a 7 dias por semana. Consideram-se atividades vigorosas levantar e transportar objetos pesados, serrar madeira, cortar grama com tesoura e pintar casa7. Quanto à realização de atividades moderadas, 43 (35%) participantes relataram praticá-las menos de 5 dias por semana e 65 (52,8%), 5 a 7 dias. Nesse grupo de atividades estão levantar e transportar objetos pequenos, ficar em pé, atividades domésticas como limpar vidros/janelas, varrer ou limpar o chão, carregar crianças no colo, lavar banheiro, lavar roupas com as mãos, subir lances de escada e natação7.

De acordo com a Tabela 5, 107 (87%) participantes relataram realizar tarefas diárias, como levantar ou transportar objetos pequenos, ficar em pé e carregar criança no colo, e 106 (86,2%) responderam limpar vidros ou janelas, varrer ou limpar o chão, lavar banheiro e lavar roupa com as mãos. Esse resultado pode ser explicado por ser a população feminina predominante neste estudo – 96 (78%) eram mulheres, 39 (31,7%) tinham como ocupação o trabalho doméstico e 17 (13,8%) relataram como ocupação o serviço doméstico, o que está de acordo com as atividades desenvolvidas por esse segmento da população.

A abordagem da sintomatologia dos participantes, dentre as várias alternativas dos distúrbios vasculares periféricos, mostrou que 95 (77,2%) deles relataram a sensação de cansaço nas pernas como a mais frequente, seguida das câimbras relatadas por 75 (61%) indivíduos, e dor em queimação presente em 74 (60,2%) relatos. A sintomatologia clássica da DAOP foi evidenciada por 68 (55,3%) pessoas e o inchaço nas pernas por 67 (54,5%). Coceira nas pernas foi relatada por 55 (44,7%) indivíduos; aperto, por 53 (43%); adormecimento dos dedos dos pés, por 50 (40,6%); e dor em agulhadas foi o sintoma menos declarado 47 (38,2%).

Quando os participantes foram questionados sobre a conduta tomada ao sentirem dor nas pernas durante exercícios, 64 (52%) relataram manter a atividade diminuindo o ritmo, 31 (25,2%) a interrompem temporariamente até melhorar a dor e 15 (12,2%) declararam interrompê-la totalmente.

Discussão

Houve prevalência crescente da DAOP à medida que a faixa etária aumentou, o que também foi observado por Makdisse et al.8. É uma realidade dos estudos brasileiros recentemente publicados a inversão de prevalência de gênero na DAOP8,9.

Não há, entretanto, relação documentada entre a condição socioeconômica de uma população e a DAOP.

A predominância de hipertensos neste estudo, dentre os fatores de risco abordados, determina uma característica independente dessa população estudada, já que não há estudos confirmando esse achado. A prevalência do tabagismo como um dos principais riscos se confirma, apesar de não ter apresentado evidente significância estatística, provavelmente pela limitação na quantidade de participantes.

A associação entre o sintoma mais frequente da DAOP a CI com os principais fatores de risco (Tabela 6) não apresentou significância neste estudo, possivelmente pelo número de indivíduos abordados. O teste estatístico (valor de p=0,522) mostrou que não houve associação significativa entre o tabagismo e CI. A proporção de indivíduos que apresentou CI e fumavam (15 indivíduos; 57,7%) é praticamente igual aos não-fumantes (53 indivíduos; 55,8%). Sabe-se que ser fumante é fator de risco para a doença10, mas não para o sintoma. Também a CI entre os diabéticos (8 indivíduos; 61,5%) e os não-diabéticos (59 indivíduos; 55,7%) não foi considerada estatisticamente diferente (valor de p=0,462). Assim, o fato de ter ou não diabetes, neste estudo, não contribuiu para o indivíduo apresentar ou não CI. A proporção dos participantes que tinha CI foi muito parecida entre o grupo que relatou ter colesterol alterado (62,5%) e o que não tinha (57,1%). Pode-se inferir o mesmo comentário para hipertensão, ou seja, a CI não esteve associada ao fato de o indivíduo ser hipertenso (valor de p=0,447).

A associação da DAOP com hipertensão e tabagismo também foi observada por Mota et al.10. A prevalência do tabagismo no estudo de Viebig et al.8 foi a mesma encontrada neste estudo (22%) e, quando associada a DAOP, foi apontada como fator importante por Gabriel et al.11 por aumentar o risco de desenvolvimento da doença em 1,17, relatando que a influência do fumo interfere na evolução de fenômenos ateroscleróticos e aterotrombóticos generalizados, principalmente quanto ao comprometimento de leitos arteriais periféricos. O estudo de Framingham (1948) mostrou a relação direta da hipertensão arterial sistêmica (HAS) com o risco de DAOP9, aumentando em 2,5% em homens e 3,9% em mulheres. Gabriel et al.11 também confirmaram a presença de HAS como risco aumentado para DAOP em 1,06.

Considerando a prevalência e as correlações clínicas da doença arterial periférica, Gabriel et al.11 destacaram o diabetes mellitus como fator de risco importante para doença arterial coronariana e para a DAOP, assintomática e sintomática, aumentando em 1,76 o risco de desenvolvimento da doença. Percebeu-se que, neste estudo, o diabetes mellitus foi o fator de risco menos prevalente, talvez pelo desconhecimento dos participantes de possuírem nível sérico de glicose elevado a partir de exame laboratorial.

Quando se analisa o conhecimento sobre DAOP e CI, observou-se que 27 (58,7%) dos participantes esclarecidos relataram sentir esse sintoma e 40 (54,1%) portadores declararam nunca ter ouvido falar da doença, mas apresentaram o sintoma (Tabela 7). Entretanto, o fato de a pessoa ter ou não ouvido falar da doença não implica ter ou não CI. O teste estatístico apontou que não há associação entre essas duas variáveis (valor de p=0,379), e o percentual de indivíduos com CI é muito semelhante entre os que ouviram (58,7%) e não ouviram falar da doença (54,1%).

Ressalta-se a importância da atividade física regular e do controle dos fatores de risco para as condições iniciais da doença5.

Considerando que todos os participantes tiveram assistência de um angiologista pelo menos em uma consulta no Serviço público especializado do município, já que foram cadastrados para atendimento, confirma-se a preocupação com a orientação desse público, já que apenas 6,5% (8 indivíduos) relataram terem sido orientados pelo angiologista.

Considerando a significância estatística para a associação entre o sintoma mais frequente da DAOP, a CI e os outros sinais/sintomas listados, observou-se que o participante que tende a ter CI também tende a ter outros sintomas. A sensação de aperto (compressão) nas pernas foi evidente em 37 (69,8%) participantes com CI em relação a 31 (45,6%) portadores de CI sem evidência de compressão, considerando um valor de p de 0,006. Câimbras foram registradas em 50 (66,7%) participantes que possuíam CI; já entre os que não apresentaram câimbras, 18 (39,1%) tinham CI, sendo que os testes realizadores mostraram essa diferença de percentual estatisticamente significante (valor de p=0,03). A estreita associação (valor de p=0,003) de adormecimento dos dedos dos pés e CI mostrou 36 (72%) participantes e em relação aos que não sentem 32 (45,1%) relatos, o que afirma a proximidade desses dois sintomas da doença.

Em relação ao cansaço, 62 (65,3%) participantes que relataram esse sintoma também apresentaram dor nas pernas ao esforço aliviada com o repouso (CI) e 6 (23,1%) não apresentaram cansaço, mas relataram CI, apresentando associação significativa entre essas duas variáveis (valor de p=0,000).

A CI também se mostrou associada ao inchaço, sendo que 43 (64,2%) participantes com inchaço possuem CI e 25 (46,3%) não apresentaram inchaço. Os testes estatísticos apontaram tal diferença significativa (valor p= 0,037). Também houve associação significativa (valor de p=0,009) entre CI e dor em agulhada nas pernas. Entre os que sentem agulhadas nas pernas, 33 (70,2%) têm CI e 34 (46,6%) não têm essa sensação, mas relataram CI.

Ao analisar as respostas, quando questionados sobre a conduta tomada ao sentir dor nas pernas durante exercícios e os sintomas que possuem, observou-se que 38 (57,6%) apresentaram o sintoma clássico e debilitante da DAOP, dor nos músculos das pernas durante exercícios aliviando com o repouso (CI), declarando manter o exercício mesmo com dor à marcha (Tabela 8). Ressalta-se que a manutenção da atividade apesar do incômodo doloroso, apenas reduzindo o ritmo do exercício, propicia a expansão do leito vascular periférico gradualmente5.

Conclusão

Observou-se a necessidade de esclarecimento aos portadores de DAOP classe I ou II de Fontaine do Serviço Público de Pará de Minas principalmente em relação ao tratamento clínico não-farmacológico, a atividade física supervisionada, com o objetivo de controlar manifestações crônicas irreversíveis, como a CI, câimbras e dormências.

Ressalta-se, para essa população, o cuidado na forma de transmitir informações, já que, conforme detectado, a escolaridade é muito baixa. O treinamento dos agentes comunitários de saúde seria um meio eficaz para difundir o conhecimento sobre a DAOP, visto que estão em contato direto com as famílias e são integrantes de cada comunidade, facilitando o diálogo.

Sabendo da importância da prevenção da DAOP na evolução das doenças cardiovasculares, torna-se importante medidas para detecção da doença em público de risco, com implementação de programas de atividade física supervisionada em grupos, com direcionamento ao autocuidado para os membros inferiores.

Agradecimentos

A Priscilla, pela cooperação, apoio e amizade. A Neverly, Maria Amália e aos funcionários da Policlínica Nossa Senhora da Piedade, que ajudaram na construção deste estudo.

Submetido em: 16.3.2010, Aceito em: 8.6.2010.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho do estudo: JND e RCCPP

Análise e interpretação dos dados: JND e RCCPP

Coleta de dados: JND

Redação do artigo: JND

Revisão crítica do artigo: RCCPP

Aprovação final do artigo: RCCPP

Agradecimento: Fabiana Assis

Responsabilidade geral pelo estudo: JND e RCCPP

Informações sobre financiamento: este estudo não teve incentivo através de financiamento de agências de interesse.

Trabalho realizado na UninCor, Campus Betim (MG), Brasil.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo

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  • Correspondência:

    Juliana Nogueira Diniz
    Praça da Independência, 186 – Centro
    CEP 35660-007 – Pará de Minas (MG), Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Aceito
      08 Jun 2010
    • Recebido
      16 Mar 2010
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