Acessibilidade / Reportar erro

Tratamento endovascular de hemorragia pélvica após trauma fechado: desafio terapêutico

Endovascular treatment of pelvic hemorrhage after blunt trauma: a therapeutic challenge

Resumos

Paciente de 16 anos do sexo masculino sofreu trauma pélvico fechado, seguido de formação de abscesso do músculo psoas e outras complicações infecciosas. Submetido a drenagem do abscesso retroperitonial onde foi encontrado extenso sangramento. A hemorragia foi contida com compressas. Após abordagem endovascular por embolização dos ramos da artéria hipogástrica, houve cessação da hemorragia, as compressas foram retiradas e o paciente recebeu alta do hospital sem complicações.

Artéria; hematoma; embolização terapêutica


A 16-year-old male patient sustained pelvic blunt trauma followed by an abscess formation of the psoas muscle and other infectious complications. Open drainage of the retroperitoneal abscess resulted in massive hemorrhage that was temporarily controlled by packing. After endovascular treatment by embolization of branches of the hypogastric artery, the hemorrhage was definitively controlled. Packs were removed and the patient was discharged with no further complications.

Artery; hematoma; embolization


DESAFIOS TERAPÊUTICOS

Tratamento endovascular de hemorragia pélvica após trauma fechado: desafio terapêutico

Endovascular treatment of pelvic hemorrhage after blunt trauma: a therapeutic challenge

Jerônimo de Azevêdo e Sá JuniorI; Pedro Coelho Nogueira DiógenesI; Carlos Newton Nogueira DiógenesI; Francisco Eduardo Siqueira da RochaI; Rodrigo Machado LandimI; Lailma AlmeidaII; Marianna Mendonça de Almeida ThiersIII

ICirurgião Vascular do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), Fortaleza (CE), Brasil

IIResidente do Serviço de Cirurgia Vascular do HGF, Fortaleza (CE), Brasil

IIIInterna do Serviço de Cirurgia Vascular do HGF, Fortaleza (CE), Brasil

Correspondência Correspondência: Jerônimo de Azevêdo e Sá Junior Rua Antonio Augusto, 1.271, sala 303 - Aldeota CEP 60110-370 - Fortaleza (CE), Brasil E-mail: jasj@ibest.com.br

RESUMO

Paciente de 16 anos do sexo masculino sofreu trauma pélvico fechado, seguido de formação de abscesso do músculo psoas e outras complicações infecciosas. Submetido a drenagem do abscesso retroperitonial onde foi encontrado extenso sangramento. A hemorragia foi contida com compressas. Após abordagem endovascular por embolização dos ramos da artéria hipogástrica, houve cessação da hemorragia, as compressas foram retiradas e o paciente recebeu alta do hospital sem complicações.

Palavras-chave: Artéria; hematoma; embolização terapêutica

ABSTRACT

A 16-year-old male patient sustained pelvic blunt trauma followed by an abscess formation of the psoas muscle and other infectious complications. Open drainage of the retroperitoneal abscess resulted in massive hemorrhage that was temporarily controlled by packing. After endovascular treatment by embolization of branches of the hypogastric artery, the hemorrhage was definitively controlled. Packs were removed and the patient was discharged with no further complications.

Keywords: Artery; hematoma; embolization, therapeutic

Parte I

Introdução

O sangramento proveniente dos vasos pélvicos, via de regra, está associado a trauma fechado de natureza quase sempre complexa, e menos comumente a trauma penetrante, ou iatrogênico, como complicações de intervenções cirúrgicas. De uma forma ou de outra, sempre que possível, a abordagem deve incluir a identificação dos vasos e a correção do sangramento.

Relato do caso

Paciente do sexo masculino, 16 anos, sofreu trauma contuso durante prática de esporte (futebol), atingindo o flanco direito e região inguinal direita. Evoluiu com dor local e lombar, febre e, após quatro dias, deu entrada no prontosocorro taquipneico e taquicárdico. Ultrassonografia (US) demonstrou coleção líquida na região pélvica. Internado em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) devido ao agravamento do seu estado geral, nova US mostrou coleção líquida junto ao fundo da bexiga com, aproximadamente, 10 mL de volume. Desenvolveu pneumonia estafilocócica (Staphylococcus aureus) e hemopneumotorax, que foi drenado. Ressonância magnética (RNM) da pelve mostrou coleção em glúteo profundo estendendo-se para o músculo psoas à direita. Dois dias depois, foi submetido à laparotomia e à drenagem do espaço retroperitonial, com saída de grande quantidade de secreção purulenta ao nível do músculo psoas à direita, sendo a cavidade drenada com dreno túbulo-laminar. Nova RNM, uma semana depois, mostrou coleção líquida em região do glúteo direito de 13 x 10 x 10 cm. Seguiu-se sangramento ativo em grande quantidade pelo dreno tubular, sendo levado à cirurgia para ligadura de ramo posterior de artéria ilíaca interna direita e aposição de compressas para posterior revisão. Dois dias depois foi reaberto, observado sangramento profuso de origem não identificada, sendo conservadas as compressas e mantido em peritoneostomia.

Parte II

Um dia após a segunda tentativa de controle cirúrgico aberto, foi realizada abordagem endovascular, por punção femoral esquerda retrógrada, técnica de Seldinger e acesso às duas artérias hipogástricas, que foram embolizadas seletivamente (Figuras 1 a 4) com fragmentos de fáscia lata, retirados diretamente da região inguinal à esquerda, já que a artéria nesse local foi dissecada. No dia seguinte, as compressas foram removidas, constatando-se ausência de sinais de sangramento. Após evolução favorável, nova piora clínica e laboratorial, com dor abdominal e leucocitose, sendo novamente operado e drenado hematoma infectado retroperitonial. Isolado Pseudomonas aeruginosa, tratada com polimixina B, com melhora clínica e dos parâmetros laboratoriais. Após alguns dias, seguiu-se o fechamento da peritoneostomia e houve alta hospitalar após exatos dois meses de internação. O paciente retornou apenas para a primeira revisão, 15 dias depois, sem nenhum sintoma ou queixa.


Discussão

A técnica endovascular permite, com frequência, a localização da lesão, enquanto que o acesso cirúrgico muitas vezes é mal sucedido, mormente quando os vasos mais profundos, ramos das artérias hipogástricas, estão envolvidos. Tentativas de ligadura arterial das ilíacas evoluíram para a terapêutica endovascular, e o refinamento do material associado à difusão da técnica permitiu que o cirurgião vascular e o radiologista intervencionista pudessem lançar mão de mais esse recurso do arsenal terapêutico na abordagem dessas lesões. O sangramento de origem pélvica, de qualquer etiologia, seja arterial ou venoso, representa um desafio para o cirurgião em função da dificuldade do acesso, assim como pela possibilidade da existência de múltiplos vasos acometidos. Os mecanismos que produzem lesões pélvicas são acidentes automobilísticos (60%), queda de grandes alturas (30%) e trauma direto provocado por objetos pesados (10%)1. Em 1964, foi publicada uma das primeiras tentativas de controle de hemorragia e instabilidade hemodinâmica por meio da ligadura da artéria ilíaca interna2. Na maioria dos casos, o sangramento é de origem venosa (90%) e proveniente do plexo presacral ou prevesical; os 10% restantes são de origem arterial, troncular ou de ramos distais (em ordem decrescente de frequência: artéria glútea superior, artéria sacral lateral, artéria íliolombar, artéria obturadora, artéria vesical e artéria glútea inferior)3. Lindahl4 afirma que mais de 30% dos casos têm origem arterial (artéria ilíaca interna e ramos). Em publicação recente, Nasser5 relata um caso e ressalta a lembrança da hemorragia espontânea, não associada a trauma de qualquer natureza, que pode acontecer associada a doenças como a de von Recklinghausen, decorrente de dilatações pós-estenóticas de algumas artérias, seguido raramente de sangramento espontâneo.

A embolização deve ser feita de preferência com substâncias com durabilidade temporária, como o Gelfoam®, que tem vida média de 7 a 21 dias, além de partículas de PVA, molas e cola (Histoacryl®) e produtos biológicos autóctones, como a fáscia lata, por nós utilizada neste caso. Todos os registros encontrados na literatura referentes a trauma pélvico fechado com grande sangramento de vasos pélvicos, em sua maioria provocados por acidentes automobilísticos de alto impacto, descrevem taxas de mortalidade muito variadas1-3,6-14, desde 0 até mais de 50% das taxas de sucesso - as maiores taxas sendo justificadas pelas lesões associadas. As taxas de sucesso, comprovadas indireta ou angiograficamente pela estabilização clínica, observada ainda na sala de radiologia intervencionista, aproximam-se de 100%. As complicações relacionadas à embolização da artéria ilíaca interna (excetuando-se aquelas inerentes à própria punção e as decorrentes do uso do material de contraste) são inferiores a 5%. São elas: necrose da musculatura glútea, necrose de pele, necrose da parede da bexiga e da cabeça do fêmur1,3,15-19. Outra potencial complicação é a impotência sexual, embora não tenha sido relatada nos artigos pesquisados. São mais comuns na ligadura bilateral, embora Ramirez et al.19 e Velmahos et al.12 não tenham observado essas complicações em seus levantamentos.

O caso relatado não apresentou nenhuma complicação grave, apesar da oclusão bilateral, embora não troncular, e foi tratado com substância de efeito permanente. É ainda controversa a etiologia do sangramento. A evolução foi anômala, atingindo um nível de gravidade considerável. Na embolização pélvica, bilateral, foram utilizados pedaços de fáscia lata, técnica em desuso graças ao advento de substâncias sintéticas, como cola e gel, e de molas e micromolas. O paciente teve um curso com progressiva melhora até sua total recuperação e alta hospitalar sem nenhuma sequela. O sucesso alcançado nas séries de estudos avaliados parece confirmar a importância do tratamento por via endovascular, que deve ser feito de forma diligente e realizado por profissionais que atuam na área. Na impossibilidade do emprego de material sintético, a fáscia lata ainda parece ser uma opção, quando disponível, como neste caso, que aliou as abordagens convencional e endovascular.

Submetido em: 03.09.09

Aceito em: 04.09.10

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Trabalho realizado no Hospital Geral de Fortaleza (HGF), Fortaleza (CE), Brasil.

  • 1. Schmal H, Markmillen M, Mehlhorn A, et al. Epidemiology and outcome of complex pelvic injury. Acta Orthop Belg. 2005;71:41-7.
  • 2. Seavers R, Lynch J, Ballard R, et al. Hypogastric artery ligation for uncontrollable hemorrhage in acute pelvic trauma. Surgery. 1964;55:516-9.
  • 3. Geeraerts T, Chhor V, Cheisson G, et al. Clinical review: initial management of blunt pelvic trauma patients with haemodynamic instability. Critical Care. 2007;11:204.
  • 4. Lindahl J. The hole of angiographic embolization in bleeding pelvic fracture. Suomen Ortopedia ja Traumatolgia. 2007; 30:114-7.
  • 5. Nasser F, Affonso BB, Zurstrassen CE, Sousa Junior WO, Leal Filho JMM, Yamada F, Petterle PH, Carnevale FC. Spontaneous lumbar artery bleeding in patient with Von Recklinghausen's disease: endovascular treatment. J Vasc Bras. 2008;7(4):389-92.
  • 6. Raafat A, Wright MY. Current management of pelvic fractures. South Med J. 2000;93:760-2.
  • 7. Stefano A, Kanialesh S, Jaffe J, et al. Arterial embolization is a rapid aid technique for controlling pelvic fracture hemorrhage. J Trauma. 1997;43:395-9.
  • 8. Bond SJ, Gotschall CS, Eichelberger MR. Predictors of abdominal injury in children with pelvic fracture. J Trauma. 1991;31:1169-73.
  • 9. Panetta T, Sclafani SJ, Goldstein AS, et al. Percutaneous transcatheter embolization for massive bleeding from pelvic fractures. J Trauma. 1985;25:1021-9.
  • 10. Velmahos GC, Demetriades D, Chahwan S, et al. Angiographic embolization for arrest of bleeding after penetrating trauma to the abdomen. Am J Surg. 1999;178:367-73.
  • 11. Allen CF, Goslan PW, Barry M, et al. Management guidelines for hypotensive pelvic fracture patients. Am Surg. 2000;66:735-8.
  • 12. Velmahos GC, Chahwan S, Hanks SE, et al. Angiographic embolization of bilateral internal iliac arteries to control life-threatening hemorrhage after blunt trauma to the pelvis. Am Surg. 2000;66:852-62.
  • 13. Kataoka Y, Maekawa K, Nishimaki H, et al. Iliac vein injuries in hemodynamically unstable patients with pelvic fracture caused by blunt trauma. J Trauma. 2005;58:704-10.
  • 14. Velmahos GC, Chahwan S, Falabella A, et al. Angiographic embolization for intraperitoneal and retroperitoneal injuries. World J Surg. 2000;24:539-45.
  • 15. Takahira N, Shindo M, Tanaka K, et al. Gluteal muscle necrosis following transcatheter angiographic embolisation for retroperitoneal haemorrhage associated with pelvic fracture. Injury. 2001;32:27-32.
  • 16. Yasumura K, Ikegami K, Kamohara T, et al. High incidence of ischemic necrosis of the gluteal muscle after transcatheter angiographic embolization for severe pelvic fracture. J Trauma. 2005;58:985-90.
  • 17. Sieber PR. Bladder necrosis secondary to pelvic artery embolization: case report and literature review. J Urol. 1994;151:422.
  • 18. Obaro RO, Sniderman KW. Case report: avascular necrosis of the femoral head as a complication of complex embolization for severe pelvic haemorrhage. Br J Radiol. 1995;68:920-2.
  • 19. Ramirez JL, Velmahos GC, Best CR, et al. Male sexual function after bilateral internal iliac artery embolization for pelvic fracture. J Trauma. 2004;56:734-9.
  • Correspondência:

    Jerônimo de Azevêdo e Sá Junior
    Rua Antonio Augusto, 1.271, sala 303 - Aldeota
    CEP 60110-370 - Fortaleza (CE), Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      03 Set 2009
    • Aceito
      04 Set 2010
    Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV) Rua Estela, 515, bloco E, conj. 21, Vila Mariana, CEP04011-002 - São Paulo, SP, Tel.: (11) 5084.3482 / 5084.2853 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: secretaria@sbacv.org.br