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Tratamento endovascular de pseudoaneurisma de aorta torácica com fístula aorto-brônquica em pós-operatório tardio de cirurgia de correção de coarctação de aorta

Endovascular treatment of thoracic aortic pseudoaneurysm with aortobronchial fistula in the late postoperative period of surgical correction of the aortic coarctation

Resumos

Fístula aorto-brônquica é uma conexão entre a aorta e o brônquio, e mesmo quando imediatamente reconhecida e tratada possui alto risco de letalidade. Pode se desenvolver após cirurgias de aorta, e é geralmente uma consequência de pseudoaneurisma. A hemoptise, massiva ou intermitente, é o principal sintoma apresentado. O tratamento convencional da fístula aorto-brônquica é a cirurgia aberta de aorta torácica, com reconstrução traqueobrônquica. Recentemente, o reparo endovascular tem sido proposto como uma alternativa. Os autores apresentam um relato de tratamento endovascular, realizado com êxito, de pseudoaneurisma de aorta torácica com fístula aorto-brônquica 22 anos após cirurgia para correção de coarctação aórtica.

Aorta; cardiopatias congênitas; fistula; hemoptise; falso aneurisma


Aortobronchial fistula is an abnormal passage between the aorta and the bronchus, and even when recognized and treated promptly, it carries a high risk of fatality. It can develop after aortic operations, and it is usually the result of a pseudoaneurysm. Massive or intermittent hemoptysis is the main symptom. Conventional treatment of aortobronchial fistula is open surgery of the thoracic aorta with tracheobronchial reconstruction. Recently, endovascular repair has been proposed as an alternative. The authors report a case of successful endovascular treatment of thoracic aortic pseudoaneurysm with aortobronchial fistula, 22 years after surgical correction of the aortic coarctation.

Aorta; heart defects; congenital; fistula; hemoptysis; aneurysm; false


RELATO DE CASO

Tratamento endovascular de pseudoaneurisma de aorta torácica com fístula aorto-brônquica em pós-operatório tardio de cirurgia de correção de coarctação de aorta

Endovascular treatment of thoracic aortic pseudoaneurysm with aortobronchial fistula in the late postoperative period of surgical correction of the aortic coarctation

Ana Augusta Gayoso NevesI; Alexandre Gayoso Neves Maia de OliveiraII; Roberto Teodoro BeckIII; Ricardo Virginio dos SantosIV; Francisco Carlos Padilha MoreiraV; Alexandre Campos Moraes AmatoVI

IAcadêmica do 4º ano de Medicina da Universidade de Santo Amaro (Unisa), São Paulo (SP), Brasil

IIAcadêmico do 4º ano de Medicina da Universidade da Região de Joinville (Univille), Joinville (SC), Brasil

IIIChefe serviço de Cirurgia Vascular do Hospital Dona Helena em Joinville, SC. Titular da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular

IVProfessor da Disciplina de Cirurgia Vascular da Unisa, São Paulo (SP), Brasil

VCirurgião Vascular do Hospital Dona Helena em Joinville, SC

VIProfessor da Disciplina de Cirurgia Vascular da Unisa, São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Alexandre Campos Moraes Amato Av. Juriti, 144 - Moema São Paulo, SP Telefone: (11) 5051-0233 E-mail: dr.alexandre@amato.com.br

RESUMO

Fístula aorto-brônquica é uma conexão entre a aorta e o brônquio, e mesmo quando imediatamente reconhecida e tratada possui alto risco de letalidade. Pode se desenvolver após cirurgias de aorta, e é geralmente uma consequência de pseudoaneurisma. A hemoptise, massiva ou intermitente, é o principal sintoma apresentado. O tratamento convencional da fístula aorto-brônquica é a cirurgia aberta de aorta torácica, com reconstrução traqueobrônquica. Recentemente, o reparo endovascular tem sido proposto como uma alternativa. Os autores apresentam um relato de tratamento endovascular, realizado com êxito, de pseudoaneurisma de aorta torácica com fístula aorto-brônquica 22 anos após cirurgia para correção de coarctação aórtica.

Palavras-chave: Aorta; cardiopatias congênitas; fistula; hemoptise; falso aneurisma.

ABSTRACT

Aortobronchial fistula is an abnormal passage between the aorta and the bronchus, and even when recognized and treated promptly, it carries a high risk of fatality. It can develop after aortic operations, and it is usually the result of a pseudoaneurysm. Massive or intermittent hemoptysis is the main symptom. Conventional treatment of aortobronchial fistula is open surgery of the thoracic aorta with tracheobronchial reconstruction. Recently, endovascular repair has been proposed as an alternative. The authors report a case of successful endovascular treatment of thoracic aortic pseudoaneurysm with aortobronchial fistula, 22 years after surgical correction of the aortic coarctation.

Keywords: Aorta; heart defects, congenital; fistula; hemoptysis; aneurysm, false.

Introdução

Fístula aorto-brônquica é uma conexão entre a aorta e o brônquio, que pode causar hemoptise severa e fatal. A mortalidade é alta por causa da hemoptise maciça e pela dificuldade do diagnóstico, pois apenas em raríssimos casos a fístula pode ser visualizada em exames de imagem1,2. Ela pode se desenvolver a partir de um aneurisma da aorta torácica descendente, após trauma, ou pode surgir como sequela cirúrgica no reparo de defeitos cardíacos congênitos3. Mesmo quando imediatamente reconhecida e tratada, a fístula aorto-brônquica possui alto risco de letalidade. Algumas alternativas de tratamento vêm sendo relatadas recentemente, incluindo ponte extra-anatômica e homoenxerto criopreservado, porém pouco sabe-se sobre o tema devido a sua baixa frequência4. Os autores apresentam um relato de caso de tratamento endovascular, realizado com êxito, de pseudoaneurisma de aorta torácica com fístula aorto-brônquica em pós-operatório tardio de cirurgia para correção de coarctação aórtica.

Relato de caso

Paciente do sexo feminino, 38 anos, hipertensa de longa data. Aos 16 anos de idade, realizou cirurgia para correção de coarctação de aorta, por meio da colocação de uma ponte extra-anatômica com enxerto sintético de Dacron. A ponte tinha como anastomose proximal, látero-terminal, a porção justo-subclávia esquerda; distalmente, a anastomose era do tipo término-lateral e encontrava-se no terço médio da aorta descendente.

Vinte e dois anos após a primeira cirurgia, a paciente apresentou durante dois dias uma intensa dor precordial que irradiava para o dorso e era aliviada com o repouso. A partir desse episódio, passou a ouvir um som de rouquidão durante a inspiração, que se agravava com o decúbito dorsal. Três meses depois, deu entrada no pronto-socorro com intensa dor precordial irradiada para o dorso, dispneia grave, hipotensão e tosse acompanhada de hemoptise de grande volume. A paciente nega antecedente de trauma.

Durante a internação, a imagem da tomografia computadorizada evidenciou presença de pseudoaneurisma de aorta (Figura 1). A fístula aorto-brônquica não foi visualizada no exame, porém a história de cirurgia de correção de coarctação da aorta há 22 anos, a presença de pseudoaneurisma, a dor precordial e a hemoptise maciça sugeriram presença de fístula aorto-brônquica tamponada2. Foram descartados os diagnósticos de tromboembolismo pulmonar, pneumonia e abscesso pulmonar, sendo indicado o tratamento endovascular de urgência.


Foi feita exclusão endovascular de pseudoaneurisma em aorta torácica, localizada na porção justo-subclávia esquerda até o terço distal da aorta torácica, nível de T10, com colocação de duas endopróteses, Zenith TX2® Z TEG 28-28-140 mm e 28-24-115 mm (Cook Incorporated, Bloomington, Ind), com telescopagem por via retrógrada pela artéria femoral comum direita. Utilizou-se a técnica do "varal", com um fio-guia 0,14" introduzido pela artéria braquial direita e exteriorizado na artéria femoral comum direita, devido à dificuldade técnica de cateterismo primário via retrógrada, mantendo assim a estabilidade e a firmeza necessárias para sustentar a endoprótese. O controle angiográfico confirmou aorta pérvia em toda a sua extensão com exclusão do pseudoaneurisma, sem a presença de vazamentos (Figura 2).


No retorno, após três meses, a paciente trouxe o resultado da angiotomografia computadorizada de aorta torácica, mostrando endoprótese pérvia, sem sinais de extravasamento de contraste. Notou-se pequena dissecção focal de aorta abdominal ligeiramente proximal em relação à emergência do tronco celíaco, com deslocamento de flap intimal a partir da parede posterior da aorta, sem trombos (Figuras 3 e 4). Tronco celíaco, artérias mesentérica superior e renais pérvias sem estenoses significativas ou dilatações aneurismáticas evidentes. Paciente se apresentou em bom estado geral, sem queixas, negando dor abdominal, perda de peso ou alteração no hábito intestinal.



Discussão

Fístulas aorto-brônquicas podem se desenvolver em um período indeterminado após cirurgias de aorta, e são geralmente consequência de pseudoaneurisma. A hemoptise, massiva ou intermitente, é o principal sintoma apresentado5,6. Diferentes modalidades de diagnóstico podem visualizar o trajeto de fístula aorto-brônquica, porém apenas em raríssimos casos essa visualização é alcançada2, como no presente caso, no qual a fístula não foi visualizada na tomografia computadorizada. Hemoptise é um sinal que está presente em inúmeras doenças. Por essa razão, a anamnese é extremamente importante para realizar o diagnóstico diferencial. Em vigência de hemoptise, a presença de cirurgia aórtica prévia é altamente sugestiva de presença de fístula aorto-brônquica, especialmente quando acompanhada de pseudoaneurisma2.

O tratamento convencional da fístula aorto-brônquica é a cirurgia aberta de aorta torácica com reconstrução traqueobrônquica. Apesar de algumas estratégias alternativas terem sido reportadas na literatura, incluindo uso de ponte extra-anatômica e correção por meio de homoenxerto criopreservado, não existe um consenso que indique o melhor tipo de tratamento. A taxa de mortalidade da cirurgia aberta está relacionada com as complicações de hemorragia e sepse, as quais chegam a 78%. O reparo endovascular de aorta torácica tem sido proposto como uma alternativa, pois é um procedimento menos invasivo. Entretanto, a técnica endovascular possui limitações no tratamento da fístula aorto-brônquica, principalmente pelo alto risco de contaminação da prótese4.

O tratamento de aorta torácica com próteses endovasculares reduziu significativamente a morbidade associada à toracotomia e ao clampeamento de aorta e reduziu também a mortalidade intra-hospitalar e a morbidade pós-operatória; recentes estudos mostram resultados animadores no médio prazo7. Usando como analogia os casos de pseudoaneurisma de aorta torácica por trauma, nos quais a cirurgia aberta permanece com altas taxas de mortalidade, os recentes relatos de sucesso colocam a técnica endovascular como possível substituta ao tratamento convencional8. Apesar do emprego de técnicas endovasculares, a taxa de isquemia da medula espinhal, que tem como consequência paraparesia e/ou paraplegia, mantém-se inalterada quando comparada à cirurgia aberta7.

Pouco se sabe sobre os resultados no pós-operatório tardio do uso de endopróteses no tratamento de fístulas aorto-brônquicas. Isso se deve à baixa incidência, à introdução relativamente recente das técnicas endovasculares e à escassez de estudos sobre o tema na literatura4.

Conclusão

O relato mostra a viabilidade da técnica endovascular no tratamento de pseudoaneurisma da aorta torácica com fístula aorto-brônquica, em pós-operatório tardio de cirurgia de correção da coarctação de aorta.

Submetido em: 07.09.10

Aceito em: 21.01.11

Contribuições dos autores

Concepção e desenho do estudo: ACMA, AAGN

Análise e interpretação dos dados: ACMA

Coleta de dados: AAGN, FCPM, AGNMO, RTB

Redação do artigo: ACMA, AAGN

Revisão crítica do texto: ACMA, RVS, RTB

Aprovação final do artigo*: ACMA, AAGN, FCPM, RTB

Análise estatística: ACMA, AAGN

Responsabilidade geral pelo estudo: ACMA, RVS, RTB

Informações sobre financiamento: N/A

*Todos os autores leram e aprovaram a versão final submetida ao J Vasc Bras.

Trabalho realizado na Universidade de Santo Amaro (Unisa), São Paulo (SP), Brasil.

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  • Correspondência:

    Alexandre Campos Moraes Amato
    Av. Juriti, 144 - Moema
    São Paulo, SP
    Telefone: (11) 5051-0233
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      07 Set 2010
    • Aceito
      21 Jan 2011
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