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Tratamento endovascular da coarctação da aorta: relato de caso

Resumos

A coarctação da aorta é uma malformação cardiovascular congênita de elevada prevalência. É caracterizada por um estreitamento da aorta torácica, geralmente logo abaixo da artéria subclávia esquerda. É mais frequente no sexo masculino na razão de 2 a 3:1. O quadro clínico habitualmente é composto por hipertensão arterial em membros superiores e diminuição de pulsos em membros inferiores. Tradicionalmente, o tratamento proposto é cirúrgico, mas a técnica endovascular vem sendo descrita com bons resultados. Relatamos um caso de um paciente do sexo masculino, 24 anos, quadro clínico de claudicação dos membros inferiores e hipertensão arterial sistêmica difícil de controlar há sete anos, com diagnóstico de coarctação da aorta sem outras malformações associadas. O tratamento endovascular foi realizado através de angioplastia da coarctação e implante de endoprótese vascular.

coaração aórtica; procedimentos endovasculares; angioplastia


Aortic coarctation is a congenital cardiovascular malformation of high prevalence. Implies a narrowing of the thoracic aorta usually just below the left subclavian artery. It is more common in males in a ratio of 2 to 3:1. The clinical presentation consists of hypertension in the arms and reduction of pulses in the legs. Traditionally, surgical treatment is indicated, but the endovascular techniques have been proposed with good results. We report a case of a 24 years male patient with claudication of the lower limbs and hypertension secondary to aortic coarctation successfully treated with angioplasty and aortic endograft.

aortic coarctation; endovascular procedures; angioplasty


RELATO DE CASO

Tratamento endovascular da coarctação da aorta: relato de caso

Aquiles Tadashi Ywata de CarvalhoI,IV; Gibran Swami Alcoforado SilvaII; Maria Clara Sampaio Barretto PereiraIII; Aleksandro de Jesus SantosIV; Vinicius Cruz MajdalaneIV; Vanessa Prado dos SantosI; Roberto Pastor RubeizIV; Roberto Augusto CaffaroV

IMestre e Doutor em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo – São Paulo (SP), Brasil

IICirurgião Vascular do Hospital Geral Roberto Santos – Salvador (BA), Brasil

IIIAcadêmica de Medicina da Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC) – Salvador (BA), Brasil

IVAssistente da Residência de Cirurgia Vascular do Hospital Geral Roberto Santos – Salvador (BA), Brasil

VProfessor Doutor; Chefe da Disciplina de Cirurgia Vascular da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo – São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Correspondência Aquiles Tadashi Ywata de Carvalho Clínica de Cirurgia Galon Ywata Av Antônio Carlos Magalhães, 3.244 – sala 1.416 – Caminho das Árvores CEP 41820-000 – Salvador (BA), Brasil E-mail: aquiles_tadashi@yahoo.com.br

RESUMO

A coarctação da aorta é uma malformação cardiovascular congênita de elevada prevalência. É caracterizada por um estreitamento da aorta torácica, geralmente logo abaixo da artéria subclávia esquerda. É mais frequente no sexo masculino na razão de 2 a 3:1. O quadro clínico habitualmente é composto por hipertensão arterial em membros superiores e diminuição de pulsos em membros inferiores. Tradicionalmente, o tratamento proposto é cirúrgico, mas a técnica endovascular vem sendo descrita com bons resultados. Relatamos um caso de um paciente do sexo masculino, 24 anos, quadro clínico de claudicação dos membros inferiores e hipertensão arterial sistêmica difícil de controlar há sete anos, com diagnóstico de coarctação da aorta sem outras malformações associadas. O tratamento endovascular foi realizado através de angioplastia da coarctação e implante de endoprótese vascular.

Palavras-chave: coaração aórtica; procedimentos endovasculares; angioplastia.

Introdução

A coarctação da aorta (CoAo) é responsável por cerca de 5 a 8%1-3 das cardiopatias em geral, com incidência de 6 a 8% dos nascidos vivos. É conceituada como um estreitamento, constrição, normalmente na região ístmica da aorta, entre a artéria subclávia esquerda e o ductus arteriosus4. Quando não tratada pode evoluir com complicações precoces como insuficiência cardíaca no período neonatal, ou tardias como aneurismas, dissecções, coronariopatia e hemorragia intracraniana consequentes à hipertensão arterial secundária à coarctação5. O tratamento cirúrgico é a opção terapêutica tradicional, com bons resultados na evolução6-8.

Os procedimentos endovasculares para a coarctação da aorta vêm ganhando espaço na literatura. A angioplastia com balão, e sua associação com o uso de stents e endopróteses, vem sendo aperfeiçoada nos últimos anos com objetivo de minimizar as complicações do tratamento, que podem ser oriundas da dilatação da área estreitada, como a rotura e a reestenose6. Atualmente, em séries de casos publicadas na literatura mundial, o tratamento endovascular da coarctação aórtica tem se mostrado um procedimento seguro e eficaz a curto e médio prazo, com resultados promissores e redução da morbimortalidade cirúrgica, devido a seu caráter pouco invasivo6-8. Este artigo relata o caso de um paciente de 24 anos com CoAo, sintomático, submetido à angioplastia seguida de implante de endoprótese aórtica, descrevendo os resultados do tratamento.

Relato de caso

Paciente do sexo masculino, 24 anos, branco, atendido pelo Serviço de Cirurgia Vascular e Endovascular do Hospital Geral Roberto Santos, com história de claudicação intermitente das extremidades inferiores (coxas), para aproximadamente 1.000 metros, associada à hipertensão arterial há sete anos, demandando uso de esquema anti-hipertensivo com quatro drogas, Clonidina 0,400 mg/dia; Enalapril 20 mg/dia; Nifedipina Retard 40 mg/dia e Hidroclorotiazida 50 mg/dia, regularmente. Ao exame físico apresentava pressão arterial (PA): 180/120 mmHg, sem sopros abdominais. Os membros superiores apresentavam pulsos simétricos e amplos e os pulsos nos membros inferiores não se encontravam palpáveis. A pressão arterial encontrava-se discrepante entre os membros inferiores e superiores, sendo 180/120 mmHg nos braços e 60/30 mmHg nas pernas. O índice tornozelo-braço não foi avaliado. A ausculta das artérias carótidas não revelou sopros. A ausculta cardíaca demonstrava um ritmo regular, em dois tempos, sem sopros. Os demais dados do exame físico completo apresentavam-se normais.

Na avaliação pré-operatória foram realizados os seguintes exames:

1. Ecodopplercardiograma: normal (fração de ejeção: 73%).

2. Exames laboratoriais: valores dentro dos padrões de normalidade.

3. Exames de imagem: realizou-se angiotomografia (Figuras 1 e 2) com visualização de estreitamento aórtico compatível com coarctação do segmento torácico proximal, logo após emergência da artéria subclávia esquerda, com suboclusão local. Angiografia de subtração digital, realizada pré-procedimento endovascular para o tratamento, confirmou o achado tomográfico.



O paciente foi levado à sala cirúrgica da hemodinâmica, onde foi submetido à anestesia geral para a realização do tratamento endovascular da CoAo. Após o preparo da pele e a colocação de campos estéreis, foi realizada incisão oblíqua supra-inguinal direita, com dissecção da artéria ilíaca comum homolateral. Puncionada a artéria ilíaca comum direita e realizada a angiografia diagnóstica com cateter de Pigtail® 5fr centimetrado, confirmando lesão suboclusiva da aorta torácica. Foi realizada heparinização sistêmica com 5.000 unidades da medicação. Em seguida, procedeu-se a introdução de fio guia hidrofílico tipo Road Runner® (Cook) e foram realizadas dilatações da região da estenose com balões de tamanhos progressivos (6x30, 8x40 e 10x40 mm), cuidadosamente (Figura 3). A angiografia de controle pós-angioplastia evidenciou estenose residual da aorta torácica de aproximadamente 50%, associada à retração elástica. Então, procedeu-se passagem de fio guia rígido através de cateter de Pig Tail®. Desta maneira, foi possível o acesso da endoprótese ao sítio da coarctação através da artéria ilíaca comum direita. Foi realizado o implante de endoprótese do tipo Valiant® (Medtronic) com fixação proximal na aorta logo após a origem da artéria subclávia esquerda (Figura 4), seguido de acomodação da endoprótese com balão complacente do tipo Coda® (Cook) (Figura 5). O procedimento teve duração de aproximadamente 90 minutos, não houve necessidade de hemotransfusão e o paciente foi encaminhado à unidade de terapia intensiva.




No pós-operatório imediato, logo após o término do procedimento, já foi possível palpar os pulsos nos membros inferiores (simétricos e amplos), sem gradiente pressórico entre estes e os membros superiores; também apresentou-se melhora da claudicação intermitente e melhor controle dos níveis tensionais. Atualmente, o paciente está em uso de enalapril 10 mg/dia, isoladamente; ele recebeu alta no quarto dia de pós-operatório e vem em acompanhamento ambulatorial.

Discussão

A CoAo representa o estreitamento excêntrico da aorta descendente na região entre a artéria subclávia esquerda e o ducto arterioso. É característica a discrepância dos pulsos e da pressão arterial sistólica entre os membros superiores e inferiores, com diminuição ou ausência de pulsos femorais. A suspeita clínica pode ser feita durante um exame físico rotineiro.

A CoAo pode estar associada a outras malformações congênitas como persistência do canal arterial em 48,1%, alterações da válvula aórtica em 12,8% e comunicação interventricular em 11,4% dos pacientes pediátricos9. Portanto, pode apresentar largo espectro sintomatológico geralmente associado à insuficiência cardíaca e complicações infecciosas do trato respiratório. No exame físico, nestes casos, é comum o achado de hipertensão arterial sistêmica severa, sopro cardíaco e hiperfonese de segunda bulha. O ecocardiograma transtorácico pode evidenciar hipertrofia ventricular esquerda e válvula aórtica bicúspide. No caso em questão, não foram diagnosticadas anomalias congênitas associadas.

A correção cirúrgica tem sido o procedimento de escolha para a CoAo, podendo melhorar o controle da hipertensão arterial6-8. No entanto, a literatura mostra que a hipertensão arterial pode persistir entre os pacientes em que o tratamento cirúrgico da coarctação foi realizado com sucesso5. Numerosos fatores têm sido implicados na manutenção de níveis tensionais elevados nos pacientes operados, tais como a idade e peso em que foi realizado o tratamento cirúrgico, a técnica empregada, as características anatômicas e o tempo de seguimento após o procedimento5. Pacientes operados devem ser continuamente acompanhados para avaliar os níveis pressóricos e a presença de resposta hipertensiva aos esforços5. Com vistas ao controle sintomático bem como à profilaxia das complicações, o tratamento é tradicionalmente indicado quando do diagnóstico, geralmente posterior à insidiosa instalação do quadro clínico. As principais indicações descritas na literatura são: falência cardíaca na primeira infância e diagnóstico tardio em crianças maiores ou adultos com sintomatologia presente, com gradiente pressórico entre os membros superiores e inferiores acima de 20 mmHg10. No presente relato de caso foi indicada a intervenção em razão da hipertensão de difícil controle associada à claudicação limitante dos membros inferiores.

A angioplastia por balão, com o uso de stent ou endoprótese, desponta como uma alternativa promissora no tratamento da CoAo, com baixos índices de complicações como aneurismas, dissecções, rotura, hipertensão e coarctação recorrente ou residual11 a médio e longo prazo, sofrendo influência da idade do paciente e do local anatômico da lesão12.

Após a angioplastia com implante de stent, o gradiente de pressão melhora parcial ou completamente, podendo ocorrer a redução da necessidade de medicações anti-hipertensivas, conforme observado no caso descrito neste trabalho. Os resultados são melhores do que os obtidos com a dilatação com balão isoladamente6. Resultados similares ao do presente relato foram alcançados por outros autores10-15, demonstrando os claros benefícios no manejo da hipertensão arterial após a angioplastia com implante de stents para CoAo.

O tratamento endovascular da coarctação da aorta descrito no presente relato de caso soma-se aos demais presentes na literatura, reforçando a idéia de uma opção terapêutica eficaz, segura, com baixo índice de complicações e menos invasiva para pacientes na idade adulta. O seguimento a longo prazo deve ser realizado com atenção nestes casos. Entretanto, um maior número de estudos controlados é necessário para se estabelecer o real papel do procedimento endovascular nesta afecção.

Submetido em: 12.04.11.

Aceito em: 07.07.11.

Conflito de interesse: nada a declarar.

Contribuições dos autores

Concepção e desenho do estudo: ATYC, MCSBP, GSAS

Análise e interpretação dos dados: ATYC, MCSBP, VCM

Coleta de dados: ATYC, MCSBP, AJS

Redação do artigo: ATYC, MCSBP, VPS

Revisão crítica do texto: VPS, RPR, AJS, RAC

Aprovação final do artigo*: ATYC, MCSBP, VCM, AJS, RPR, RAC, VPS

Análise estatística: N/A

Responsabilidade geral pelo estudo: ATYC

Informações sobre financiamento: ATYC

*Todos os autores leram e aprovaram a versão final submetida ao J Vasc Bras.

Trabalho realizado no Hospital Geral Roberto Santos – Salvador (BA), Brasil.

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  • Correspondência
    Aquiles Tadashi Ywata de Carvalho
    Clínica de Cirurgia Galon Ywata
    Av Antônio Carlos Magalhães, 3.244 – sala 1.416 – Caminho das Árvores
    CEP 41820-000 – Salvador (BA), Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      12 Abr 2011
    • Aceito
      07 Jul 2011
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