Acessibilidade / Reportar erro

Tratamento cirúrgico de aneurisma da artéria carótida extracraniana

Resumos

Os aneurismas de troncos supra-aórticos são condições raras, que podem ocasionar alterações neurológicas periféricas ou embolizações com consequentes acidentes vasculares encefálicos. Também podem ocasionar alterações em vias aéreas superiores e sua ruptura é potencialmente fatal. Relatamos o caso de um paciente portador de aneurisma de artéria carótida no nível da bifurcação carotídea, tratado de forma convencional, com reconstrução da bifurcação com remendo venoso. O tratamento convencional dos aneurismas de troncos supra-aórticos permite o adequado diagnóstico histopatológico e a correção anatômica da bifurcação carotídea.

doenças das artérias carótidas; aneurisma; procedimentos cirúrgicos vasculares


Aneurysms of the supra-aortic trunks are rare conditions that can cause peripheral neurological conditions or embolization resulting in stroke. The upper airways can even be affected and rupture is potentially fatal. We present a case of a patient with an aneurysm of the carotid bifurcation who was treated conventionally with reconstruction of the carotid bifurcation using a venous patch. Surgical treatment enabled accurate histopathological diagnosis and anatomic correction of the carotid bifurcation.

carotid artery diseases; aneurysm; vascular surgical procedures


INTRODUÇÃO

Os aneurismas dos troncos supra-aórticos são condições raras, correspondendo de 0,4 a 4% dos aneurismas11. Cury M, Greenberg RK, Morales JP, Mohabbat W, Hernandez AV. Supra-aortic vessels aneurysms: diagnosis and prompt intervention. J Vasc Surg. 2009;49(1):4-10.. A ocorrência de aneurismas isolados da artéria carótida extracraniana é ainda mais rara22. Hafner L, Almeida JA, Moreno JB, Uvo SAB, Nunes AP,Utida R, etal. Aneurisma da artéria carótida interna. J Vasc Bras. 2013;12(1):40-4..

As relações anatômicas dos vasos associadas ao aumento progressivo do diâmetro dos aneurismas podem levar a condições neurológicas, como a síndrome de Horner, a disfagia e o desvio da traquéia, com conseqüente dispnéia33. Donato G, Giubbolini M, Chisci E, Setacci F, Setacci C. Giant external carotid aneurysm: A rare cause of dyspnoea, dysphagia and Horner's syndrome. EJVES Extra. 2006;11(2):19-22.. Adicionalmente, a habitual formação de trombo dentro do saco aneurismático pode ocasionar embolização e acidente vascular encefálico. A ruptura do aneurisma ocorre raramente11. Cury M, Greenberg RK, Morales JP, Mohabbat W, Hernandez AV. Supra-aortic vessels aneurysms: diagnosis and prompt intervention. J Vasc Surg. 2009;49(1):4-10..

Embora a etiologia destes aneurismas inclua doenças do tecido conjuntivo, traumatismos e vasculites, ou possam ainda ser congênitos, normalmente guardam semelhança histológica com os aneurismas degenerativos da aorta11. Cury M, Greenberg RK, Morales JP, Mohabbat W, Hernandez AV. Supra-aortic vessels aneurysms: diagnosis and prompt intervention. J Vasc Surg. 2009;49(1):4-10..

O tratamento cirúrgico tem sido empregado com diferentes técnicas 44. Jones WT, Pratt J, Connaughton J, Nichols S,Layton B,DuBose J. Management of a nontraumatic extracranial internal carotid aneurysm with external carotid transposition. J Vasc Surg. 2010;51(2):465-7.

5. PapadopoulosN, Klein C, Ak K, Moritz A.Autologous repair of an internal carotid artery aneurysm by resection, caliber reduction, and external mesh tube reinforcement in a 9-year-old boy. J Vasc Surg. 2007;46(6):1280-2.

6. Rosset E, Albertini JN, Magnan PE, Ede B,Thomassin JM,Branchereau A. Surgical treatment of extracranial internal carotid artery aneurysms. J Vasc Surg. 2000;31(4):713-23.
- 77. De Luccia N, da Silva ES, Aponchik M, Appolonio F, Benvenuti LA.Congenital external carotid artery aneurysm. Ann Vasc Surg. 2010;24(3):418e7-10., além da opção endovascular 22. Hafner L, Almeida JA, Moreno JB, Uvo SAB, Nunes AP,Utida R, etal. Aneurisma da artéria carótida interna. J Vasc Bras. 2013;12(1):40-4. , 88. Gralla J, Remonda L, Schmidll J, Kohll S, Do DD,Schroth G. Mycotic aneurysm of the external carotid artery as a complication of bacterial endocarditis:Endovascular exclusion with an uncovered stent. EJVES Extra. 2004;8(2):37-8..

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, com 65 anos de idade, branco, ex-tabagista e com história de hipertensão arterial sistêmica (HAS). Encaminhado ao hospital por apresentar massa pulsátil e dolorosa na face lateral do pescoço, à direita, o paciente relatou aumento das dimensões desta tumoração havia aproximadamente 1 ano. Não apresentava dispnéia, mas relatava discreta dificuldade à deglutição.

Após o exame físico, foi submetido à ultrassonografia com Doppler da região cervical, identificando-se aneurisma, com comprometimento das artérias carótida comum e carótida externa direita. Adicionalmente, a angiotomografia dos troncos supra-aórticos confirmou o achado, com diâmetro máximo de 3,5 cm e trombo mural em seu interior (Figura 1).

Figura 1.
Angiotomografia demonstrando o aneurisma da artéria carótida externa direita.

O paciente foi submetido a tratamento cirúrgico sob anestesia geral. A exposição cirúrgica foi feita através de incisão na borda anterior do músculo esternocleidomastoideo direito, com reparo das artérias carótida comum (CC), carótida interna (CI) e carótida externa (CE) (Figura 2).

Figura 2.
Exposição cirúrgica dos ramos da carótida comum.

Após a heparinização plena (100mg/kg heparina não fracionada) e pinçamento das artérias, o aneurisma foi excisado completamente e o fluxo na artéria carótida interna foi mantido através de shunt (desvio) temporário entre CC e CI (Figura 3).

Figura 3.
Ressecção do aneurisma da carótida externa e instalação do shunt.

A reconstrução da bifurcação carotídea foi realizada utilizando-se remendo (patch) de segmento da veia safena magna do membro inferior direito (Figura 4).

Figura 4.
Bifurcação reconstruída com patch de veia safena magna.

No terceiro dia após a cirurgia, o paciente apresentou dor precordial e foi submetido à angiografia coronária, que não evidenciou estenoses coronarianas. Também foi submetido à angiografia carotídea, confirmando a perviedade da reconstrução da bifurcação carotídea (Figura 5). A alta hospitalar ocorreu no quinto dia após a cirurgia.

Figura 5.
Angiografia pós-reconstrução.

A análise histopatológica do aneurisma confirmou a etiologia aterosclerótica (Figuras 6 e 7).

Figura 6. Histologia
Hematoxilina Eosina 5000×.

Figura 7.
Macroscopia do aneurisma.

Três meses após o reparo cirúrgico, no seguimento ambulatorial, o paciente não relatou sintomas.

DISCUSSÃO

Os aneurismas da artéria carótida extracraniana são raros e sua real incidência não é bem conhecida; entretanto, as maiores séries de casos publicadas permitem que se estime a provável incidência destes aneurismas como sendo inferior a 1%, quando se consideram todas as doenças da artéria carótida 33. Donato G, Giubbolini M, Chisci E, Setacci F, Setacci C. Giant external carotid aneurysm: A rare cause of dyspnoea, dysphagia and Horner's syndrome. EJVES Extra. 2006;11(2):19-22. , 66. Rosset E, Albertini JN, Magnan PE, Ede B,Thomassin JM,Branchereau A. Surgical treatment of extracranial internal carotid artery aneurysms. J Vasc Surg. 2000;31(4):713-23. , 99. McCollumCH, WheelerWG, NoonGP, DeBakeyME. Aneurysms of the extracranial carotid artery. Twenty-one years' experience. Am J Surg.1979;137(2):196-200.. Podem ser resultado de alterações degenerativas e ateroscleróticas, pós-traumáticos, pós-endarterectomia, displasia arterial ou estar relacionados a infeção, irradiação ou cirurgia cervical 77. De Luccia N, da Silva ES, Aponchik M, Appolonio F, Benvenuti LA.Congenital external carotid artery aneurysm. Ann Vasc Surg. 2010;24(3):418e7-10. , 87. De Luccia N, da Silva ES, Aponchik M, Appolonio F, Benvenuti LA.Congenital external carotid artery aneurysm. Ann Vasc Surg. 2010;24(3):418e7-10.. Atualmente, a etiologia aterosclerótica é a mais frequentemente relatada, correspondendo a 40 a 70% dos casos1010. El-SabroutR, CooleyDA. Extracranial carotid artery aneurysms: Texas Heart Institute experience. J Vasc Surg. 2000;31(4):702-12.. Estes aneurismas tendem a ser fusiformes e compreendem habitualmente a bifurcação carotídea10.

As lesões traumáticas penetrantes na região cervical podem levar a comprometimento da artéria carótida em 12 a 17% dos casos e, destes, pequena parcela pode acabar desenvolvendo pseudoaneurisma1111. Rich NM, Baugh JH, Hughes CW. Acute arterial injuries in Vietnam: 1,000 cases. J Trauma. 1970;10(5):359-69.. No trauma contuso, a alteração mais comum é a dissecção1212. Biffl WL, Moore EE, Offner PJ, Brega KE, Franciose RJ,Burch JM. Blunt carotid arterial injuries: implications of a new grading scale. J Trauma. 1999;47(5):845-53..

Os aneurismas pós-endarterectomia estão entre os mais relatados e seu desenvolvimento é consequente à falha na linha de sutura ou no material utilizado para o remendo. Os pacientes normalmente apresentam sinais flogísticos e a infecção do material inorgânico geralmente é identificada1010. El-SabroutR, CooleyDA. Extracranial carotid artery aneurysms: Texas Heart Institute experience. J Vasc Surg. 2000;31(4):702-12..

A displasia fibromuscular também tem sido relatada, com sua típica aparência de "colar de contas"1313. FaggioliGL, FreyrieA, Stella A, Pedrini L, Gargiulo M, Tarantini S, et al. Extracranial internal carotid artery aneurysms: results of a surgical series with long-term follow-up. J Vasc Surg. 1996;23(4):587-94..

Conforme o diâmetro do aneurisma aumenta, as estruturas adjacentes são comprimidas, levando aos sintomas locais, à dor, ao desvio de traquéia e esôfago, bem como a alterações neurológicas. A embolização pode levar a acidentes vasculares encefálicos e a ruptura é rara, porém sua consequência é devastadora 33. Donato G, Giubbolini M, Chisci E, Setacci F, Setacci C. Giant external carotid aneurysm: A rare cause of dyspnoea, dysphagia and Horner's syndrome. EJVES Extra. 2006;11(2):19-22. , 1414. HosodaK, Fujita S, Kawaguchi T, Shibata Y, Tamaki N. The use of an external-internal shunt in the treatment of extracranial internal carotid artery saccular aneurysms: technical case report.Surg Neurol. 1999;52(2):153-5..

No caso descrito, o comprometimento quase exclusivo da artéria carótida externa - e sua apresentação posterior - permitiu que o aneurisma desenvolvesse diâmetro significativo antes de qualquer sintoma significativo. Entretanto, provavelmente o aumento progressivo do diâmetro do aneurisma levaria aos sintomas característicos já descritos neste estudo.

O retardo no tratamento destes aneurismas leva a dificuldades técnicas, desde a exposição das estruturas até dificuldades na reconstrução vascular. Pela condição anatômica favorável e adequada e segura exposição das estruturas, optamos pela manutenção do fluxo na artéria carótida externa, diferentemente de outros autores, que relatam ligadura do vaso1515. HertzerNR. Extracranial carotid aneurysms: a new look at an old problem. J Vasc Surg. 2000;31(4):823-5..

Embora o desenvolvimento acelerado dos dispositivos e técnicas endovasculares tenha expandido sua utilização22. Hafner L, Almeida JA, Moreno JB, Uvo SAB, Nunes AP,Utida R, etal. Aneurisma da artéria carótida interna. J Vasc Bras. 2013;12(1):40-4., acreditamos que, no contexto de doença aneurismática, com íntima relação com estruturas importantes do pescoço, tanto os stent-grafts quanto os stents não recobertos não resolvem o problema da compressão de estruturas adjacentes33. Donato G, Giubbolini M, Chisci E, Setacci F, Setacci C. Giant external carotid aneurysm: A rare cause of dyspnoea, dysphagia and Horner's syndrome. EJVES Extra. 2006;11(2):19-22.. Além disso, a exposição cirúrgica permite o adequado diagnóstico anatomopatológico.

Os resultados em longo prazo, com baixíssima taxa de recorrência de aneurismas tratados cirurgicamente1010. El-SabroutR, CooleyDA. Extracranial carotid artery aneurysms: Texas Heart Institute experience. J Vasc Surg. 2000;31(4):702-12., reforçam a nossa idéia de que a cirurgia convencional é a opção mais adequada para o tratamento desta doença rara.

REFERENCES

  • 1
    Cury M, Greenberg RK, Morales JP, Mohabbat W, Hernandez AV. Supra-aortic vessels aneurysms: diagnosis and prompt intervention. J Vasc Surg. 2009;49(1):4-10.
  • 2
    Hafner L, Almeida JA, Moreno JB, Uvo SAB, Nunes AP,Utida R, etal. Aneurisma da artéria carótida interna. J Vasc Bras. 2013;12(1):40-4.
  • 3
    Donato G, Giubbolini M, Chisci E, Setacci F, Setacci C. Giant external carotid aneurysm: A rare cause of dyspnoea, dysphagia and Horner's syndrome. EJVES Extra. 2006;11(2):19-22.
  • 4
    Jones WT, Pratt J, Connaughton J, Nichols S,Layton B,DuBose J. Management of a nontraumatic extracranial internal carotid aneurysm with external carotid transposition. J Vasc Surg. 2010;51(2):465-7.
  • 5
    PapadopoulosN, Klein C, Ak K, Moritz A.Autologous repair of an internal carotid artery aneurysm by resection, caliber reduction, and external mesh tube reinforcement in a 9-year-old boy. J Vasc Surg. 2007;46(6):1280-2.
  • 6
    Rosset E, Albertini JN, Magnan PE, Ede B,Thomassin JM,Branchereau A. Surgical treatment of extracranial internal carotid artery aneurysms. J Vasc Surg. 2000;31(4):713-23.
  • 7
    De Luccia N, da Silva ES, Aponchik M, Appolonio F, Benvenuti LA.Congenital external carotid artery aneurysm. Ann Vasc Surg. 2010;24(3):418e7-10.
  • 8
    Gralla J, Remonda L, Schmidll J, Kohll S, Do DD,Schroth G. Mycotic aneurysm of the external carotid artery as a complication of bacterial endocarditis:Endovascular exclusion with an uncovered stent. EJVES Extra. 2004;8(2):37-8.
  • 9
    McCollumCH, WheelerWG, NoonGP, DeBakeyME. Aneurysms of the extracranial carotid artery. Twenty-one years' experience. Am J Surg.1979;137(2):196-200.
  • 10
    El-SabroutR, CooleyDA. Extracranial carotid artery aneurysms: Texas Heart Institute experience. J Vasc Surg. 2000;31(4):702-12.
  • 11
    Rich NM, Baugh JH, Hughes CW. Acute arterial injuries in Vietnam: 1,000 cases. J Trauma. 1970;10(5):359-69.
  • 12
    Biffl WL, Moore EE, Offner PJ, Brega KE, Franciose RJ,Burch JM. Blunt carotid arterial injuries: implications of a new grading scale. J Trauma. 1999;47(5):845-53.
  • 13
    FaggioliGL, FreyrieA, Stella A, Pedrini L, Gargiulo M, Tarantini S, et al. Extracranial internal carotid artery aneurysms: results of a surgical series with long-term follow-up. J Vasc Surg. 1996;23(4):587-94.
  • 14
    HosodaK, Fujita S, Kawaguchi T, Shibata Y, Tamaki N. The use of an external-internal shunt in the treatment of extracranial internal carotid artery saccular aneurysms: technical case report.Surg Neurol. 1999;52(2):153-5.
  • 15
    HertzerNR. Extracranial carotid aneurysms: a new look at an old problem. J Vasc Surg. 2000;31(4):823-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    30 Maio 2014
  • Aceito
    13 Ago 2014
Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV) Rua Estela, 515, bloco E, conj. 21, Vila Mariana, CEP04011-002 - São Paulo, SP, Tel.: (11) 5084.3482 / 5084.2853 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: secretaria@sbacv.org.br