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Embolização para veia cava inferior de cateter totalmente implantável para quimioterapia

Resumo

A fratura com embolização de cateter inserido perifericamente em pacientes que receberam quimioterapia representa uma complicação grave e rara, constituindo menos de 1% das complicações relacionadas a esse procedimento. Relatamos aqui um caso de embolização de cateter totalmente implantável em uma paciente de 57 anos submetida a laparotomia por lesão anexial complexa devido a um câncer de ovário com carcinomatose intraperitoneal disseminada diagnosticado no intraoperatório. A paciente foi submetida a histerectomia e salpingooforectomia bilateral, não sendo realizada cirurgia oncológica radical. A análise histopatológica revelou adenocarcinoma de ovário G3. Em outubro de 2013, exame radiológico de rotina diagnosticou fratura e embolização de segmento distal do cateter para veia cava inferior retro e supra-hepática. A paciente não apresentou nenhuma sintomatologia. Procedeu-se à retirada do cateter através da veia femoral pela técnica do laço, sem complicações. Paciente está sem evidência de doença 24 meses após a realização do procedimento.

Palavras-chave:
cateteres; cateteres de demora; complicações pós-operatórias; veias cavas

Abstract

Fracture of a peripherally inserted catheter causing embolization in patients on chemotherapy is a serious and rare complication, constituting less than 1% of complications related to this procedure. We report here a case of fully implantable catheter embolization in a 57-year-old female who had undergone laparotomy for complex adnexal lesion due to ovary cancer with disseminated peritoneal carcinomatosis, diagnosed intraoperatively. The patient was treated with hysterectomy and bilateral salpingo-oophorectomy, and radical oncological surgery was not performed. Histopathological analysis revealed G3 ovarian adenocarcinoma. In October 2013, a routine radiological examination diagnosed fracture and embolization of the distal segment of the catheter into the retrohepatic and suprahepatica inferior vena cava. The patient did not present any symptoms. The catheter was withdrawn through the femoral vein using the snare technique, without complications. The patient has no evidence of disease 24 months after the procedure.

Keywords:
catheters; catheters, indwelling; postoperative complications; vena cava

INTRODUÇÃO

A fratura com embolização de cateter totalmente implantável para quimioterapia representa menos de 1% das complicações relacionadas a esse dispositivo. Ela ocorre por compressão do cateter pela primeira costela e clavícula, conhecido como síndrome de pinch-off. A embolização do fragmento pode ocorrer em átrio, ventrículo, artéria pulmonar e veia cava11 Sundriyal D, Jain S, Manjunath S. Difficult to flush chemoport: an important clinical sign. Indian J Surg Oncol. 2014;5(4):307-9. PMid:25767346. http://dx.doi.org/10.1007/s13193-014-0354-z.
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.

Utilizando os termos embolization, catheter, chemotherapy e fracture na base de dados PubMed, foi encontrado apenas um caso de fratura e embolização de cateter para quimioterapia para a veia cava inferior22 Wang CS, Yang CY, Chen SC, Chen HC, Huang MS. Hepatic migration of a cateter fragment followed by disconnection of a totally implantable venous access port. Int J Artif Organs. 2008;31(12):1059-61. PMid:19115198. http://dx.doi.org/10.1177/039139880803101210.
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, justificando a apresentação do presente caso.

Parte I – Situação clínica

Paciente feminina, 57 anos de idade, submeteu-se em janeiro de 2010 a laparotomia por lesão anexial complexa, sendo diagnosticado no intraoperatório câncer de ovário com carcinomatose peritoneal disseminada, sendo realizada somente histerectomia e salpingooforectomia bilateral, não sendo realizada cirurgia oncológica radical. O exame histopatológico revelou adenocarcinoma de ovário G3. Procedeu-se em fevereiro de 2010 à instalação por punção de um cateter totalmente implantável para quimioterapia na veia subclávia direita, cujo procedimento ocorreu sem intercorrências. O segmento distal do cateter foi deixado na veia cava superior, próximo à entrada no átrio direito.

A paciente submeteu-se a quimioterapia adjuvante baseada em platina e taxol, apresentando boa tolerância. Entretanto, em outubro de 2013, exame radiológico de rotina diagnosticou fratura (Figura 1) e embolização de segmento distal do cateter para veia cava inferior retro e supra-hepática (Figura 2). A paciente não apresentou nenhuma sintomatologia.

Figura 1
Raio X de tórax mostrando o reservatório sem o cateter.
Figura 2
Raio X de tórax demonstrando o cateter fraturado e embolizado para veia cava inferior.

Parte II – O que foi feito

Após preparo pré-operatório, a paciente foi encaminhada para o centro cirúrgico. Sob anestesia geral, procedeu-se à retirada do cateter através da veia femoral pela técnica do laço (Figura 3). O procedimento ocorreu sem complicações. Em seguida, o reservatório foi removido. A paciente evoluiu bem, recebendo alta hospitalar no dia seguinte. Atualmente, está sem evidência de doença oncológica 24 meses após a realização do procedimento.

Figura 3
Recuperação do fragmento embolizado pela técnica do laço.

DISCUSSÃO

O uso de cateter totalmente implantável normalmente é indicado para pacientes que necessitam de quimioterapia de longa duração para neoplasias malignas11 Sundriyal D, Jain S, Manjunath S. Difficult to flush chemoport: an important clinical sign. Indian J Surg Oncol. 2014;5(4):307-9. PMid:25767346. http://dx.doi.org/10.1007/s13193-014-0354-z.
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. Seu uso é descrito com baixa taxa de complicação33 Wolosker N, Yazbek G, Nishinari K, et al. Totally implantable venous catheters for chemotherapy: experience in 500 patients. Sao Paulo Med J. 2004;122(4):147-51. PMid:15543368. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-31802004000400003.
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,44 Oliveira EB, Reis MA, Avelar TM, Vieira SC. Cateteres venosos centrais totalmente implantáveis para quimioterapia: experiência com 793 pacientes. Rev Col Bras Cir. 2012;40(3):186-90. PMid:23912364. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-69912013000300004.
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. Entretanto, a permanência prolongada pode levar a uma série de complicações, uma delas potencialmente letal: a fratura e embolização de fragmentos do cateter. Esse é um evento raro, que corresponde a cerca de 1% das complicações relacionadas a esse dispositivo55 Di Carlo I, Cordio S, La Greca G, et al. Totally implantable venous access devices implanted surgically. A retrospective study on early and late complications. Arch Surg. 2001;136(9):1050-3. PMid:11529829. http://dx.doi.org/10.1001/archsurg.136.9.1050.
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. Os locais mais frequentes de embolização são para átrio, ventrículo e artéria pulmonar. Os fragmentos de cateter podem causar complicações como perfuração cardíaca, arritmias, sepse e embolia pulmonar, por se comportarem como um corpo estranho no sistema venoso66 Andrade G, Marques R, Brito IN, Bomfim IA, Cavalcanti D 2nd, Abath C. Cateteres intravenosos fraturados: retirada por técnicas endovasculares. Radiol Bras. 2006;39(3):199-202. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-39842006000300009.
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.

O mecanismo da fratura ocorre pela compressão do cateter na passagem entre a clavícula e a primeira costela, levando ao estresse do material, podendo ocorrer a ruptura parcial ou total. A ocorrência da fratura ocorre geralmente quando o cateter é colocado por punção. O implante, quando realizado por dissecção, seja da veia cefálica ou jugular externa, apresenta uma taxa de fratura menor, pois o cateter não passa entre a primeira costela e a clavícula66 Andrade G, Marques R, Brito IN, Bomfim IA, Cavalcanti D 2nd, Abath C. Cateteres intravenosos fraturados: retirada por técnicas endovasculares. Radiol Bras. 2006;39(3):199-202. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-39842006000300009.
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.

No presente caso, a fratura ocorreu 26 meses depois da instalação do cateter. Após o término da quimioterapia, se o paciente tem bom prognóstico, o dispositivo deve ser retirado prontamente. No entanto, para pacientes com prognóstico reservado, como câncer de ovário avançado, em que a taxa de recidiva é alta, é prudente deixar o cateter, devido à possibilidade da paciente necessitar de quimioterapia se ocorrer recidiva. A embolização ocorreu para veia cava inferior retro e supra-hepática. Até onde temos conhecimento, apenas um caso de fratura e embolização de cateter para veias hepáticas foi descrito na literatura22 Wang CS, Yang CY, Chen SC, Chen HC, Huang MS. Hepatic migration of a cateter fragment followed by disconnection of a totally implantable venous access port. Int J Artif Organs. 2008;31(12):1059-61. PMid:19115198. http://dx.doi.org/10.1177/039139880803101210.
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.

Geralmente a embolização é assintomática, sendo diagnosticada quando da punção para infusão, coleta de sangue ou heparinização, não ocorrendo refluxo de sangue, o que deve chamar a atenção para a possibilidade de embolização. Nesses casos, uma radiografia simples de tórax estabelece o diagnóstico. A ocorrência de óbito por embolização de cateter totalmente implantável para quimioterapia é um evento raro77 Gowda MR, Gowda RM, Khan IA, et al. Positional ventricular tachycardia from a fractured mediport catheter with right ventricular migration--a case report. Angiology. 2004;55(5):557-60. PMid:15378119. http://dx.doi.org/10.1177/000331970405500512.
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.

Os sinais e sintomas associados à síndrome de pinch-off envolvem dificuldade na infusão de fluidos na posição de repouso, tendo o paciente que abduzir seu membro superior a fim de ampliar o ângulo costoclavicular e eliminar a compressão do cateter. O diagnóstico é feito pela análise radiográfica simples de tórax com visualização do reservatório desconectado da parte distal88 Ghaderian M, Sabri MR, Ahmadi AR. Percutaneous retrieval of an intracardiac central venous port fragment using snare with triple loops. J Res Med Sci. 2015;20(1):97-9. PMid:25767529.. O tratamento deve ser realizado o mais precocemente possível, sendo a técnica por acesso endovascular o tratamento padrão, por apresentar baixas taxas de complicações99 Novero ER, Metzger PB, Obregon J, et al. Tratamento endovascular das doenças da aorta torácica: análise dos resultados de um centro. Radiol Bras. 2012;45(5):251-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-39842012000500004.
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, como no presente relato, em que o procedimento ocorreu sem intercorrências.

A partir disso, percebe-se que a embolização para veia cava inferior de fragmentos de cateter venoso central totalmente implantável é uma complicação extremamente rara e potencialmente letal. A equipe deve ficar atenta a qualquer sinal de dificuldade de coleta de sangue ou administração de líquidos. O diagnóstico pode ser feito por meio de radiografia simples e o tratamento de eleição é a retirada por abordagem endovascular.

  • Fonte de financiamento: Nenhuma.
  • O estudo foi realizado na Universidade Federal do Piauí (UFPI), Teresina, PI, Brasil.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Mar 2018
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2017
  • Aceito
    03 Jan 2018
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