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Como interpretar uma metanálise?

Resumo

Como a quantidade de informações disponíveis na área da saúde é enorme e crescente, o profissional tem necessidade de transformá-las em conhecimento e utilizá-las em sua prática clínica. Assim, mesmo que o leitor não venha a produzir estudos científicos, é necessário conhecer detalhes da metodologia científica para poder, com espírito crítico, avaliar os artigos científicos. A Saúde Baseada em Evidências (SBE) é definida como o elo entre a boa pesquisa científica e a prática clínica, e uma das pesquisas de excelência propostas pela SBE são as revisões sistemáticas (RSs). As RSs utilizam métodos rigorosos que diminuem a ocorrência de vieses. As RSs com metanálises geralmente otimizam os resultados achados, pois a análise quantitativa dos estudos incluídos na revisão fornece informações adicionais. Neste trabalho, discorreremos sobre como interpretar uma metanálise e como aplicar as estratégias de análises de subgrupo e sensibilidade, além de como descrever possíveis heterogeneidades e erros comuns que acontecem em uma metanálise.

Palavras-chave:
metanálise; revisão sistemática; saúde

Abstract

There is an enormous and ever-growing quantity of healthcare information available and practitioners must transform it into knowledge to be able to use it in their clinical practice. Even readers who do not conduct scientific studies themselves need to understand the scientific method in detail to be able to critically evaluate scientific articles. Evidence-based healthcare (EBH) can be defined as the link between good scientific research and clinical practice and systematic reviews constitute one of the forms of research excellence proposed within EBH. Systematic reviews employ rigorous methods that reduce the occurrence of bias. Systematic reviews with meta-analyses generally optimize the results found, because quantitative analysis of the studies included in the review yields additional information. In this paper, we will discuss how to interpret a meta-analysis and how to apply subset and sensitivity analysis strategies and we will also describe possible sources of heterogeneity and common errors that can affect a meta-analysis.

Keywords:
meta-analysis; systematic review; healthcare

Na década de 1990, a prática clínica era embasada apenas por estudos fisiopatológicos, opiniões de especialistas no assunto, livros-texto e pesquisas in vitro e animal. Entretanto, a Saúde Baseada em Evidências (SBE) mudou esse cenário, facilitando o ensino e a pesquisa. Mediante rigorosos métodos científicos e buscas exaustivas pela literatura associada à experiência do clínico, a tomada de decisões baseia-se em evidências de alta qualidade em nossa prática clínica.

Esse processo originou-se com a SBE, sendo definida como o elo entre a boa pesquisa científica e a prática clínica11 Guyatt G. Evidence-based medicine: a new approach to teaching the practice of medicine. JAMA. 1992;268(17):2420-5. http://dx.doi.org/10.1001/jama.1992.03490170092032. PMid:1404801.
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,22 El Dib RP, Atallah AN. Fonoaudiologia baseada em evidências e o Centro Cochrane do Brasil. Diagn. Tratamento. 2006;11:103-6.. Em outras palavras, a SBE utiliza provas científicas existentes e disponíveis no momento, com boa validade interna e externa para a aplicação de seus resultados na prática clínica. Outrossim, em 1999, a SBE foi definida como o uso consciencioso, explícito e judicioso da melhor evidência disponível de pesquisa de cuidados médicos na administração dos pacientes11 Guyatt G. Evidence-based medicine: a new approach to teaching the practice of medicine. JAMA. 1992;268(17):2420-5. http://dx.doi.org/10.1001/jama.1992.03490170092032. PMid:1404801.
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.

Quando abordamos o tratamento e falamos em evidências, referimo-nos a efetividade, eficácia, eficiência e segurança33 El Dib RP. Como praticar a medicina baseada em evidências. J Vasc Bras. 2007;6(1):1-4. http://dx.doi.org/10.1590/S1677-54492007000100001.
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. A efetividade diz respeito ao tratamento que funciona em condições de mundo real33 El Dib RP. Como praticar a medicina baseada em evidências. J Vasc Bras. 2007;6(1):1-4. http://dx.doi.org/10.1590/S1677-54492007000100001.
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. A eficácia diz respeito ao tratamento que funciona em condições de mundo ideal33 El Dib RP. Como praticar a medicina baseada em evidências. J Vasc Bras. 2007;6(1):1-4. http://dx.doi.org/10.1590/S1677-54492007000100001.
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. Referimo-nos à eficiência quando o tratamento é barato e acessível, de forma que todos os pacientes possam dele usufruir33 El Dib RP. Como praticar a medicina baseada em evidências. J Vasc Bras. 2007;6(1):1-4. http://dx.doi.org/10.1590/S1677-54492007000100001.
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. Por último, a segurança significa que uma intervenção possui características confiáveis que tornam improvável a ocorrência de algum efeito adverso ao paciente33 El Dib RP. Como praticar a medicina baseada em evidências. J Vasc Bras. 2007;6(1):1-4. http://dx.doi.org/10.1590/S1677-54492007000100001.
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. Portanto, um estudo com boa validade interna deverá apresentar os componentes descritos anteriormente.

O processo da SBE inicia-se pela formulação de uma boa questão clínica de interesse. Uma boa pergunta formulada é o primeiro e mais importante passo para o início de uma pesquisa, pois diminui a possibilidade de erros sistemáticos (vieses) durante a elaboração, o planejamento, a análise estatística e a conclusão de um projeto de pesquisa33 El Dib RP. Como praticar a medicina baseada em evidências. J Vasc Bras. 2007;6(1):1-4. http://dx.doi.org/10.1590/S1677-54492007000100001.
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. O segundo passo é identificar a melhor evidência para responder à questão clínica de interesse – evidências pertinentes ao desenho de estudo epidemiológico, como ensaios clínicos randomizados (ECRs) e estudos coortes.

Então, como praticamos a SBE? Para isso, devemos seguir os seguintes passos33 El Dib RP. Como praticar a medicina baseada em evidências. J Vasc Bras. 2007;6(1):1-4. http://dx.doi.org/10.1590/S1677-54492007000100001.
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:

  1. 1

    Transformação da necessidade de uma informação em uma pergunta que possa ser respondida;

  2. 2

    Identificação da melhor evidência com a qual responder a essa pergunta (ou seja, verificação do melhor desenho de estudo de acordo com a questão clínica);

  3. 3

    Acesso às principais bases de dados da área da saúde como Cochrane, PubMed, EMBASE, Web of Science e LILACS, em busca de estudos em potencial;

  4. 4

    Realização da avaliação crítica das evidências em relação à validade interna (ou seja, proximidade da verdade), ao impacto (que seria o tamanho do efeito) e à aplicabilidade na prática clínica;

  5. 5

    Por fim, realização da análise estatística, incluindo as metanálises, e da interpretação dos dados.

As revisões sistemáticas (RSs) são um desenho de estudo secundário que utiliza métodos rigorosos com o intuito de diminuir a ocorrência de vieses33 El Dib RP. Como praticar a medicina baseada em evidências. J Vasc Bras. 2007;6(1):1-4. http://dx.doi.org/10.1590/S1677-54492007000100001.
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,44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook. As RSs com metanálises geralmente otimizam os resultados de um estudo, pois a análise quantitativa dos estudos incluídos na revisão fornece informações poderosas e adicionais. Dessa forma, as RSs são consideradas atualmente o nível I de evidências para qualquer questão clínica por sumarizarem sistematicamente informações sobre um determinado tópico por meio de estudos primários, como os ECRs, os estudos coortes e os estudos caso-controle, utilizando-se de uma metodologia reprodutível, além de integrar informações de forma crítica e isenta para auxiliar as decisões e explicar as diferenças e contradições encontradas em estudos individuais.

As RSs podem ou não conter metanálises em seus resultados – isso vai depender dos estudos incluídos. As metanálises são um cálculo estatístico (ou seja, um somatório estatístico) aplicado aos estudos primários incluídos em uma revisão44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook e aumentam o poder estatístico para detectar as possíveis diferenças entre os grupos estudados e a precisão da estimativa dos dados, diminuindo, assim, o intervalo de confiança (IC)44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook. Além disso, as metanálises são fáceis de serem interpretadas, dependendo apenas de um pouco de prática e treino33 El Dib RP. Como praticar a medicina baseada em evidências. J Vasc Bras. 2007;6(1):1-4. http://dx.doi.org/10.1590/S1677-54492007000100001.
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.

A metanálise tem como princípio fundamental o aumento do tamanho amostral, o qual é obtido pelos resultados numéricos de vários estudos examinando a mesma questão clínica, o que permite a realização de uma síntese estatística do conjunto de resultados. Para que o resultado de uma metanálise tenha significado aplicado, os estudos que compõem os dados da metanálise devem apresentar homogeneidade em relação aos aspectos clínicos e metodológicos.

Na área da saúde, são realizadas metanálises para verificação, principalmente sobre estudos individuais que apresentem resultados conflitantes. Nesses estudos, são apresentadas estimativas para as medidas de efeito, tais como o risco relativo (RR) e a razão de chances, dependendo do desenho de estudo a ser plotado.

A maneira mais usual de apresentar os resultados de uma metanálise é através do gráfico chamado forest plot44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook (Figura 1)55 El Dib R, Suzumura EA, Akl EA, et al. Electronic nicotine delivery systems and/or electronic non-nicotine delivery systems for tobacco smoking cessation or reduction: a systematic review and meta-analysis. BMJ Open. 2017;7(2):e012680. http://dx.doi.org/10.1136/bmjopen-2016-012680. PMid:28235965.
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. Esse gráfico mostra informações individuais dos estudos e os resultados da metanálise que sumarizam os dados dos estudos primários. No exemplo mostrado na Figura 1, na primeira coluna de uma metanálise, estão listados os estudos que entraram naquela metanálise. A segunda e terceira colunas contêm os dados do grupo da intervenção de interesse, e a quarta e quinta colunas contêm os dados do grupo-controle. Tanto em ENDS quanto em ENNDS, a coluna da esquerda indica o número de eventos do desfecho clínico de interesse, por exemplo, sangramento gengival, e a coluna da direita representa o tamanho total do respectivo grupo (Figura 1).

Figura 1
Exemplo de uma metanálise tradicional comparando cigarros eletrônicos com nicotina (ENDS) versus cigarros eletrônicos sem nicotina (ENNDS) para cessação do tabagismo.

Nesse tipo de gráfico, cada linha horizontal representa um estudo primário incluído na metanálise com a medida de efeito e seu respectivo IC, sendo que a medida de efeito é representada por um símbolo que pode ser um quadrado ou um círculo, dependendo do software utilizado44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook. O losango ou diamante representa a combinação dos resultados, ou seja, a metanálise44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook (Figura 1).

O gráfico é dividido por uma linha vertical que marca o efeito nulo (o valor igual a 1, no caso do RR, e igual a zero, no caso da diferença de média). Se o IC não contiver o valor neutro, ou seja, não tocar nem cruzar a linha vertical, esses resultados são ditos como estatisticamente significantes44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook. Quando a linha horizontal atravessar a linha vertical (ou seja, quando o IC contiver o valor 1), podemos inferir que, naquele respectivo estudo, o efeito do tratamento sobre a ocorrência do evento não é significativo44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook.

Um exemplo claro para descrever o poder das metanálises é demonstrado no logotipo da Colaboração Cochrane, que mensura o tamanho de efeito de sete ensaios clínicos que avaliaram a eficácia do uso de corticosteroide no final da gravidez de mães de bebês prematuros, sendo esperada como desfecho a diminuição do número de mortes por imaturidade pulmonar44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook (Figura 2). Apenas dois ensaios clínicos apresentaram efeitos estatisticamente significantes – ou seja, não tocaram nem cruzaram a linha vertical da hipótese nula –, embora, quando agrupados os dados de todos os estudos, o tamanho amostral tenha aumentado e, consequentemente, tenha melhorado o poder estatístico, indicando que o corticosteroide reduz significativamente o risco de bebês morrerem por complicações de imaturidade pulmonar44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook.

Figura 2
Figura ilustrativa do logotipo da Colaboração Cochrane.

A vantagem das metanálises é particularmente pertinente também em condições de avaliações de estudos pequenos44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook. Além disso, quando se comparam dois tratamentos, o efeito e as diferenças de resultados podem se apresentar pequenos, porém muito relevantes. Por exemplo, um tratamento que reduz a mortalidade por infarto do miocárdio em 10% em relação ao tratamento já existente pode salvar milhões de pessoas por ano.

Os estudos maiores possuem ICs mais estreitos, ou seja, resultados mais precisos e maior contribuição para a metanálise, que também é representada graficamente (quanto maior a área do quadrado, maior o peso do estudo nessa respectiva metanálise)44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook.

O valor do qui-quadrado é um teste estatístico de homogeneidade do tamanho do efeito entre os estudos, isto é, uma medida da consistência do resultado entre os estudos individuais44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook. A escala com valor de I2 próximo a 0% indica não heterogeneidade entre os estudos; com valor próximo de 25% indica baixa heterogeneidade; com valor próximo de 50% indica heterogeneidade moderada ou substancial; e com valor próximo de 75% indica alta heterogeneidade44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook. Considera-se o valor de p menor que 0,1 como estatisticamente significante para o cálculo de heterogeneidade, pois o teste estatístico I2 possui baixa sensibilidade, então aumenta-se o threshold do valor de p para aumentar a sua sensibilidade44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook. Na parte de baixo do gráfico, o valor de z é um teste estatístico da significância do efeito global, sendo uma medida matemática equivalente à localização e à largura do diamante no gráfico.

Existem algumas estratégias para explorarmos a heterogeneidade quando estatisticamente significante e evitarmos, assim, uma superestimativa no efeito do tratamento. Uma dessas estratégias é a análise de subgrupo44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook. A análise de subgrupo consiste em dividir a amostra em dois ou mais grupos e avaliar separadamente cada um desses subgrupos44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook. A separação desses grupos pode ser feita a partir de variáveis clínicas. Se tomarmos como exemplo a questão clínica na área da Odontologia sobre a efetividade dos fitoterápicos como adjuvantes à raspagem e ao alisamento radicular na redução do sangramento gengival de pacientes com periodontite, então poderíamos planejar uma análise de subgrupo referente ao grupo-controle, ou seja, dividir os estudos incluídos de uma metanálise de acordo com o grupo-controle avaliado, por exemplo, clorexidina associada à raspagem e ao alisamento radicular versus placebo associado à raspagem e ao alisamento radicular. Além disso, podemos lançar mão dessa mesma estratégia para diminuir a possível heterogeneidade referente às variáveis metodológicas, como avaliar os estudos julgados como alto risco de viés com os estudos classificados como baixo risco de viés e verificar se a magnitude do tratamento modifica de acordo com essas análises de subgrupo.

Outra estratégia para lidar com a heterogeneidade dos estudos incluídos em uma metanálise é lançarmos mão da análise de sensibilidade44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook. Essa análise é utilizada para determinar a sensibilidade dos resultados de uma RS quando as premissas metodológicas são modificadas de acordo com o plano de ação original, por exemplo, a exclusão de um estudo da metanálise devido aos pacientes apresentarem um prognóstico ruim na avaliação inicial para um determinado desfecho clínico, destoando dos demais estudos incluídos na metanálise. Após a exclusão do estudo, deve-se avaliar se os achados da análise primária corroboram ou não com os achados da análise de sensibilidade e, assim, determinar a certeza das evidências44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook.

Vale ressaltar que existem alguns erros comuns que acontecem em uma metanálise44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook. O primeiro desses erros diz respeito ao “erro de entrada de dados”, ou seja, quando existe, por exemplo, a troca de média e desvio padrão entre os grupos de intervenção e grupo-controle44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook. O segundo erro diz respeito a um outlier, como um sinal de menos deixado de fora do valor de uma média de um desfecho contínuo ou a entrada de um erro padrão em vez do valor de um desvio padrão, também em se tratando de um desfecho contínuo44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook. Um terceiro equívoco seria incluir os dados de um mesmo estudo várias vezes em uma mesma metanálise, promovendo, assim, uma superestimativa do efeito daquele tratamento em questão44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook. Uma quarta falha seria considerar a diferença de média em vez da média padronizada para os desfechos que apresentem diferentes ferramentas de avaliação, como é o caso dos questionários para avaliar a qualidade de vida44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook. Por último, outro erro seria considerar um modelo de efeito fixo no lugar do modelo de feito randômico para uma metanálise com mais de dois estudos incluídos; modelos de efeito fixo geralmente ignoram possível heterogeneidade entre os estudos incluídos em uma metanálise e, portanto, superestimam o valor do RR ou da razão de chances.

A interpretação de uma metanálise proporcional é semelhante a uma metanálise tradicional66 El Dib R, Nascimento P Jr, Kapoor A. An alternative approach to deal with the absence of clinical trials: a proportional meta-analysis of case series studies. Acta Cir Bras. 2013;28(12):870-6. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-86502013001200010. PMid:24316861.
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. Cada linha horizontal em um gráfico de floresta representa um estudo incluído do tipo série de casos66 El Dib R, Nascimento P Jr, Kapoor A. An alternative approach to deal with the absence of clinical trials: a proportional meta-analysis of case series studies. Acta Cir Bras. 2013;28(12):870-6. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-86502013001200010. PMid:24316861.
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. O comprimento de cada linha corresponde ao IC de 95%. A estimativa do efeito é marcada com um quadrado preto. O tamanho do quadrado representa o peso que o respectivo estudo exerce na metanálise proporcional. A estimativa combinada é marcada com um losango ou diamante não preenchido no final do gráfico de floresta. Os ICs de estimativas combinadas são mostrados com uma linha horizontal cortando o diamante ou losango66 El Dib R, Nascimento P Jr, Kapoor A. An alternative approach to deal with the absence of clinical trials: a proportional meta-analysis of case series studies. Acta Cir Bras. 2013;28(12):870-6. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-86502013001200010. PMid:24316861.
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.

Nessa análise estatística, consideramos estatisticamente significante uma diferença entre as intervenções estudadas se os respectivos ICs de estimativas combinadas não se sobrepuserem66 El Dib R, Nascimento P Jr, Kapoor A. An alternative approach to deal with the absence of clinical trials: a proportional meta-analysis of case series studies. Acta Cir Bras. 2013;28(12):870-6. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-86502013001200010. PMid:24316861.
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(Figuras 3, 4 e 5).

Figura 3
Exemplo de uma metanálise proporcional de séries de casos sobre a eficácia clínica da crioablação.
Figura 4
Exemplo de uma metanálise proporcional de séries de casos sobre a eficácia clínica da ablação por radiofrequência.
Figura 5
Exemplo de sobreposição dos intervalos de confiança das Figuras 3 e 4.

As sobreposições dos ICs das Figuras 3 e 4 mostrarão de fato se houve uma diferença estatisticamente significante entre os grupos estudados; nesse caso, entre a crioablação e a ablação por radiofrequência (Figura 5). Não houve diferença estatisticamente significante entre a crioablação e a ablação por radiofrequência, pois seus respectivos ICs se sobrepuseram (Figura 5).

Além disso, quando possível, calcula-se o gráfico de funil para avaliar a possibilidade de viés de publicação como complemento dessa análise estatística. Quando o gráfico de funil for assimétrico, ele sinaliza a possibilidade de viés de publicação, que é a tendência de as revistas científicas publicarem mais artigos com resultados positivos do que com resultados negativos, além de uma estratégia de busca pouco sensível e abrangente, tornando tendenciosos os resultados disponíveis para confronto em uma RS44 Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, et al. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane; 2022 [citado 2022 mar 31]. www.training.cochrane.org/handbook. Nesse tipo de metanálise, a sobreposição dos ICs mostrará se houve de fato uma diferença estatisticamente significante entre os grupos estudados66 El Dib R, Nascimento P Jr, Kapoor A. An alternative approach to deal with the absence of clinical trials: a proportional meta-analysis of case series studies. Acta Cir Bras. 2013;28(12):870-6. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-86502013001200010. PMid:24316861.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-86502013...
,77 El Dib R. Guia prático de Medicina Baseada em Evidências. São Paulo: Cultura Acadêmica; 2014. Uma abordagem alternativa na ausência de ensaios clínicos em revisões sistemáticas: metanálise proporcional de série de casos; p. 105-10..

Dessa forma, os clínicos utilizam as RSs com metanálises para se manterem bem informados em determinados assuntos na área medica; os pesquisadores usufruem delas para identificar, justificar e formular mais hipóteses; os administradores da saúde usam as RSs para formular diretrizes clínicas e legislação no que concerne ao uso de testes diagnósticos e avaliações tecnológicas em saúde; e, por fim, os consumidores baseiam suas decisões nas evidências existentes de uma RS para reduzirem os riscos relacionados à saúde.

A vantagem do forest plot, ou gráfico de floresta, é sumarizar, em uma única figura, todas as informações sobre o efeito e a precisão do tratamento a ser avaliado, aumentando, dessa forma, o tamanho amostral e o poder estatístico e detectando, assim, uma diferença estatisticamente significante, se essa diferença for real. Particularmente, eu costumo comparar a metanálise com um salto quântico, em que, da mesma forma que a quinta dimensão nos possibilita movimentarmos para um futuro paralelo, a metanálise pode antecipar achados importantes que só seriam identificados em um futuro mais distante.

  • Como citar: El Dib R. Como interpretar uma metanálise? J Vasc Bras. 2022;21:e20220043. https://doi.org/10.1590/1677-5449.202200431
  • In memoriam
  • Fonte de financiamento: Nenhuma.
  • O estudo foi realizado na Universidade Estadual Paulista (UNESP), São Paulo, SP, Brasil.

REFERÊNCIAS

  • 1
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    22 Abr 2022
  • Aceito
    03 Maio 2022
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