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Bullosis diabeticorum como diagnóstico diferencial de úlcera de membros: relato de caso

Resumo

A bullosis diabeticorum (BD) é uma manifestação cutânea infrequente do diabetes e pode afetar os membros superiores. Caracteriza-se pelo aparecimento espontâneo e indolor de flictenas não inflamatórias de aspecto sanguinolento, que podem evoluir para necrose, requerendo que se faça diagnóstico diferencial com doenças dermatológicas, como porfiria cutânea tarda, pseudoporfiria, epidermólise bolhosa adquirida e penfigoide bolhoso, e doenças vasculares, como vasculites, doença arterial periférica, doença de Buerger, entre outras. Neste relato, descreve-se o caso de um paciente masculino de 77 anos, hipertenso e diabético mal controlado, apresentando aparecimento espontâneo de lesões bolhosas de membros superiores, que evoluíram, após ruptura espontânea, para ulcerosas necróticas. A biópsia da lesão diagnosticou a presença de espessamento hialino de vasos dérmicos e de bolhas subcórneas, compatíveis com o diagnóstico de BD. Após a interrupção do tabagismo e a otimização do controle glicêmico associado a corticoterapia tópica, houve melhora, com cicatrização das lesões. A apresentação da BD em membros superiores é mais rara, sendo necessário o diagnóstico diferencial com outras lesões cutâneas e vasculares.

Palavras-chave:
bullosis diabeticorum; vesícula; úlcera cutânea; complicações do diabetes; relato de caso

Abstract

Bullosis diabeticorum (BD) is an uncommon cutaneous manifestation of diabetes that can affect the upper limbs. It is characterized by spontaneous and painless non-inflammatory bloody blisters, which can progress to necrosis, requiring differential diagnosis to rule out other dermatological diseases, such as porphyria cutanea tarda, pseudoporphyria, epidermolysis bullosa acquisita, and pemphigoid, and vascular diseases, such as vasculitis, peripheral arterial disease, and Buerger’s disease, among others. In this report, we describe a 77-year-old male patient with poorly controlled diabetes and hypertension who presented with spontaneous onset of lesions on the upper limbs, initially with bullous characteristics, progressing to necrotic ulcers after spontaneous rupture. A biopsy revealed hyaline thickening of the dermal vessels and subcorneal bullae, consistent with a diagnosis of BD. After smoking cessation and optimization of glycemia control combined with topical corticosteroid therapy, the condition improved and lesions began to heal. This presentation of BD involving the upper limbs is rare, requiring differential diagnosis to rule out other cutaneous and vascular lesions.

Keywords:
bullosis diabeticorum; blister; skin ulcer; diabetes complications; case report

INTRODUÇÃO

A bullosis diabeticorum é uma manifestação cutânea infrequente do diabetes. Caracteriza-se por bolhas não inflamatórias, indolores, de aparecimento espontâneo e de curso autolimitado e recorrente11 Gisondi P, Fostini AC, Girolomoni G. Diabetes and the Skin. In: Bonora E, DeFronzo R, editors. Diabetes complications, comorbidities and related disorders. Cham: Springer; 2018. p. 1-15. http://dx.doi.org/10.1007/978-3-319-44433-8_14.
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,22 Lima AL, Illing T, Schliemann S, Elsner P. Cutaneous manifestations of diabetes mellitus: a review. Am J Clin Dermatol. 2017;18(4):541-53. http://dx.doi.org/10.1007/s40257-017-0275-z. PMid:28374407.
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. Ela ocorre em 0,5 a 2% dos diabéticos, com maior acometimento em pacientes do sexo masculino, sendo mais recorrente nos membros inferiores, sobretudo nos pés. Apesar de mais raramente, também pode afetar os membros superiores, mãos e quirodáctilos11 Gisondi P, Fostini AC, Girolomoni G. Diabetes and the Skin. In: Bonora E, DeFronzo R, editors. Diabetes complications, comorbidities and related disorders. Cham: Springer; 2018. p. 1-15. http://dx.doi.org/10.1007/978-3-319-44433-8_14.
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,33 Sonani H, Abdul Salim S, Garla VV, Wile A, Palabindala V. Bullosis diabeticorum: a rare presentation with Immunoglobulin G (IgG) deposition related vasculopathy. Case report and focused review. Am J Case Rep. 2018;19:52-6. http://dx.doi.org/10.12659/AJCR.905452. PMid:29332930.
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Relatamos o caso de um paciente com quadro de úlceras em membros superiores e diagnóstico de bullosis diabeticorum. Dado que se trata de uma condição incomum nessa localização, com poucos casos relatados na literatura, este artigo objetiva ressaltar a importância de se atentar aos possíveis diagnósticos diferenciais das lesões cutâneas no paciente diabético. O protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética da nossa instituição (parecer número 4.977.446).

RELATO DE CASO

Um paciente de 77 anos, do sexo masculino e branco procurou o pronto-socorro por conta de lesões indolores nos dedos das mãos, referidas pela equipe de atendimento inicial como ulcerações com áreas de necrose. Devido à suspeita de doença arterial periférica, foi encaminhado ao serviço hospitalar terciário para avaliação da área de Cirurgia Vascular. O paciente referia que há 3 meses iniciou aparecimento espontâneo de lesões bolhosas nos membros superiores, que se romperam espontaneamente em 1 a 2 dias, evoluindo para lesões ulcerosas necróticas. Também relatou que, nesse intervalo, houve cicatrização de algumas lesões e surgimento de novas. Ele apresentava histórico de hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito tipo 2 descompensado, diagnosticado há mais de 20 anos, e tabagismo ativo de longa data, com carga tabágica de 20 anos-maço, além de neuropatia diabética. Fazia uso irregular das seguintes medicações: 850 mg/dia de metformina, 30 mg/dia de gliclazida, 35 unidades pela manhã e 35 à noite de insulina NPH (do inglês Neutral Protamine Hegedorn), 100 mg/dia de ácido acetilsalicílico (AAS), 50 mg de 12/12 h de cilostazol, 20 mg de 12/12 h de enalapril, 20 mg/dia de sinvastatina e 50 mg/dia de sertralina.

Ao exame físico, apresentava três bolhas de superfície tensa e espessa, sendo uma na palma da mão esquerda e as outras no terceiro e quarto quirodáctilos, medindo aproximadamente 0,8 cm de diâmetro cada. Além disso, havia lesões ulceradas com crostas necróticas centrais no dorso dos segundo, quarto e quinto dedos da mão esquerda e do quinto dedo da mão direita, todas com cerca de 1,5 x 1 cm (Figura 1). Quanto ao exame vascular, apresentava pulso radial bom à direita e pulso ulnar palpável. À esquerda, ambos os pulsos radial e ulnar estavam bons e amplos. Não havia lesões tróficas nos membros inferiores, com pulsos femoral, poplíteo e tibial posterior palpáveis à esquerda e femoral e poplíteo palpáveis à direita. Foram realizados exames laboratoriais, com hemograma, função renal, ácido úrico, eletrólitos, função e lesão hepática normais. Foi constatado diabetes descompensado pela presença de hemoglobina glicada de 11,7%, muito acima da meta estabelecida para o diabético (< 7%).

Figura 1
Vesículas hialinas nos terceiro e quarto quirodáctilos esquerdos e exulcerações com crostas necróticas em dorso e porções distais dos dedos (dezembro/2020).

Após avaliação clínica especializada, foi excluída patologia de origem vascular, e o paciente foi encaminhado para avaliação da equipe de Dermatologia, que aventou a hipótese de bullosis diabeticorum, variante rara das mãos, e pseudoporfiria.

Em revisão de prontuário, foi evidenciado que o paciente já havia sido avaliado pela Dermatologia devido às lesões supracitadas, mas havia perdido seguimento há 2 anos. Durante o acompanhamento, o paciente foi submetido a biópsia de lesão bolhosa do quarto quirodáctilo, e o material foi encaminhado para a anatomopatologia, que demonstrou a presença de espessamento hialino de vasos dérmicos e de bolhas subcórneas, compatíveis com o diagnóstico de bullosis diabeticorum (Figura 2).

Figura 2
Imagens histopatológicas das lesões bolhosas da mão do paciente, mostrando: (A) presença de eosinófilos e neutrófilos; (B) depósito fibrinoide perivascular; e (C) clivagem intraepidérmica alta.

O paciente foi orientado quanto à melhora dos hábitos de vida e cessação do tabagismo, tendo sido encaminhado para atendimento especializado do diabetes com a Endocrinologia. Foram prescritos curativos com colagenase por 1 mês, e, após reavaliação e melhora das lesões, passou a utilizar creme manipulado com associação de betametasona 0,1%, ureia 12%, óleo de silicone 2% e creme-base.

Na consulta de retorno, após 3 meses, o paciente apresentava-se abstinente do tabaco, com melhora do controle glicêmico e cicatrização das lesões (Figura 3).

Figura 3
Mesmo paciente em abril de 2021, com vesículas no polegar direito e menor quantidade de exulcerações nos quirodáctilos com fundo fibrinoide.

DISCUSSÃO

O diabetes melito é uma doença crônica com prevalência e morbimortalidade altas. Conforme estimativas da Federação Internacional de Diabetes (IDF), 463 milhões de pessoas (9,3% da população mundial adulta) são afetadas pela doença, com tendência de aumento progressivo da incidência nas próximas décadas. Devido às diversas complicações associadas, essa enfermidade representa um importante fator de risco para mortalidade prematura e redução da qualidade de vida, gerando impactos substanciais nos pacientes e nos sistemas de saúde44 International Diabetes Federation. IDF Diabetes Atlas. 10th ed. Brussels, Belgium: International Diabetes Federation; 2021..

As manifestações cutâneas podem ser encontradas em parcela significativa dos pacientes diabéticos, pois o nível elevado de glicose sérica estimula o dano celular e suprime a regeneração da epiderme de maneira direta e indireta, por meio de múltiplas vias. Indiretamente, a hiperglicemia origina produtos da glicação avançada que reagem com o colágeno tipo 1 e com o receptor do fator de crescimento epidérmico, suprimindo a regeneração celular. Altos níveis de glicose sérica também levam à disfunção na vasodilatação por meio da inibição das moléculas de óxido nítrico, desregulando, assim, o suprimento sanguíneo cutâneo. Dessa forma, a hiperglicemia afeta os queratinócitos e as atividades dos fibroblastos, causando alterações na síntese, proliferação e migração de proteínas, processos essenciais para manutenção da integridade cutânea22 Lima AL, Illing T, Schliemann S, Elsner P. Cutaneous manifestations of diabetes mellitus: a review. Am J Clin Dermatol. 2017;18(4):541-53. http://dx.doi.org/10.1007/s40257-017-0275-z. PMid:28374407.
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Entre as dermatoses mais comuns nos diabéticos, destacam-se a xerose cutânea, acantose nigricans, acrocórdons, dermopatia diabética, infecções e úlceras do pé diabético. O ressecamento cutâneo, denominado xerose, é explicado pelas disfunções na manutenção da integridade cutânea e favorece o estabelecimento de prurido e infecções cutâneas secundárias. A acantose nigricans, além de ser uma das principais manifestações cutâneas do diabetes, pode estar presente em 74% dos pacientes obesos que possuam apenas hiperinsulinemia e é caracterizada por placa acastanhada de superfície aveludada ao toque presente geralmente no pescoço, na região inguinal ou nas axilas. Frequentemente, sobre tal alteração, surgem pápulas acastanhadas sésseis ou pedunculadas chamadas acrocórdons. Já a dermatopatia diabética se apresenta como máculas, pápulas ou placas atróficas pré-tibiais que geralmente cicatrizam espontaneamente em 1 a 2 anos, deixando área atrófica e hipopigmentada no local. Tais condições dermatológicas, apesar de baixa taxa de morbidade, têm impacto estético importante sobre os pacientes, e, entre seu tratamento, inclui-se o controle do diabetes55 Duff M, Demidova O, Blackburn S, Shubrook J. Cutaneous manifestations of diabetes mellitus. Clin Diabetes. 2015;33(1):40-8. http://dx.doi.org/10.2337/diaclin.33.1.40. PMid:25653473.
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,66 Sanches MM, Roda A, Pimenta R, Filipe PL, Freitas JP. Cutaneous manifestations of diabetes mellitus and prediabetes. Acta Med Port. 2019;32(6):459-65. http://dx.doi.org/10.20344/amp.10738. PMid:31292028.
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As infecções cutâneas mais comumente associadas são as candidoses, dermatofitoses e infecções bacterianas, cada qual com seu grupo de patologias. Geralmente esses quadros são mais comuns e mais graves nos diabéticos do que na população em geral, pois neles há uma disfunção dos glóbulos brancos secundária a níveis elevados de glicose. Vale ressaltar, entre as infecções, as úlceras do pé diabético, que necessitam de destaque pela morbidade relacionada. Seu surgimento e sua difícil resolução estão relacionados com a neuropatia diabética e a disfunção imunológica e regenerativa da pele descritas acima55 Duff M, Demidova O, Blackburn S, Shubrook J. Cutaneous manifestations of diabetes mellitus. Clin Diabetes. 2015;33(1):40-8. http://dx.doi.org/10.2337/diaclin.33.1.40. PMid:25653473.
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,66 Sanches MM, Roda A, Pimenta R, Filipe PL, Freitas JP. Cutaneous manifestations of diabetes mellitus and prediabetes. Acta Med Port. 2019;32(6):459-65. http://dx.doi.org/10.20344/amp.10738. PMid:31292028.
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Ademais, o diabetes é importante fator de risco para doença arterial periférica, cujo acometimento, apesar de ser predominantemente observado nos membros inferiores, também pode acometer os membros superiores, com formação de úlceras77 Dean SM. Cutaneous manifestations of chronic vascular disease. Prog Cardiovasc Dis. 2018;60(6):567-79. http://dx.doi.org/10.1016/j.pcad.2018.03.004. PMid:29534983.
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A bullosis diabeticorum é uma das complicações cutâneas do diabético. Foi relatada primeiramente por Kramer em 1930 e posteriormente caracterizada por Cantwell e Martz em 196733 Sonani H, Abdul Salim S, Garla VV, Wile A, Palabindala V. Bullosis diabeticorum: a rare presentation with Immunoglobulin G (IgG) deposition related vasculopathy. Case report and focused review. Am J Case Rep. 2018;19:52-6. http://dx.doi.org/10.12659/AJCR.905452. PMid:29332930.
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. É uma doença que afeta principalmente diabéticos de longa data, porém já foi descrita como primeira apresentação em pacientes com intolerância à glicose88 Lopez PR, Leicht S, Sigmon JR, Stigall L. Bullosis diabeticorum associated with a prediabetic state. South Med J. 2009;102(6):643-4. http://dx.doi.org/10.1097/SMJ.0b013e3181a506d6. PMid:19434030.
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. A sua fisiopatologia ainda não está esclarecida, mas parece ser multifatorial. A predominância da localização acral dessas lesões levou à hipótese de que possam estar relacionadas a trauma. Além disso, boa parte dos pacientes afetados apresenta concomitantemente doença renal do diabetes e neuropatia diabética, o que sugere possível papel da microangiopatia na etiologia dessa enfermidade99 Chouk C, Litaiem N. Bullosis Diabeticorum. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021.. Já foi demonstrado também que pacientes diabéticos têm maior chance de formação de bolhas induzidas por sucção1010 Bernstein JE, Levine LE, Medenica MM, Yung CW, Soltani K. Reduced threshold to suction-induced blister formation in insulin-dependent diabetics. J Am Acad Dermatol. 1983;8(6):790-1. http://dx.doi.org/10.1016/S0190-9622(83)80007-3. PMid:6863644.
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Essa doença ocorre com maior prevalência em homens, entre 17 e 80 anos, com idade média de 55 anos e diabetes descontrolado99 Chouk C, Litaiem N. Bullosis Diabeticorum. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021.. Desenvolve-se abruptamente, em geral à noite, sem história de trauma prévio, com resolução espontânea, em 2 a 6 semanas1111 Vella J. Cutaneous markers of systemic disease in the lower extremity. Clin Podiatr Med Surg. 2016;33(3):423-40. http://dx.doi.org/10.1016/j.cpm.2016.02.009. PMid:27215161.
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. Caracteriza-se por vesículas ou bolhas tensas, sem sinais inflamatórios, ou seja, sem base eritematosa característica, com conteúdo seroso, por vezes hemorrágico, e, caso haja infecção secundária, pus. O diagnóstico pode ser obtido a partir da exclusão de diagnósticos diferenciais e correlação clínico-histopatológica. Na histopatologia, podemos observar bolhas intraepidérmicas ou subepidérmicas e a imunofluorescência direta encontra-se negativa99 Chouk C, Litaiem N. Bullosis Diabeticorum. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021..

Os diagnósticos diferenciais incluem penfigoide bolhoso, epidermólise bolhosa adquirida, porfiria cutânea tarda e lesões bolhosas induzidas por drogas33 Sonani H, Abdul Salim S, Garla VV, Wile A, Palabindala V. Bullosis diabeticorum: a rare presentation with Immunoglobulin G (IgG) deposition related vasculopathy. Case report and focused review. Am J Case Rep. 2018;19:52-6. http://dx.doi.org/10.12659/AJCR.905452. PMid:29332930.
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Na porfiria cutânea tarda e na pseudoporfiria, as bolhas são geralmente menores que 1 centímetro e favorecem as mãos em vez dos pés e tornozelos. Além da porfiria cutânea tarda possuir outros achados clínicos cutâneos, como hipertricose, ela apresenta padrões específicos na imunofluorescência e acúmulos de porfirinas na urina e nas fezes. A pseudoporfiria possui histopatologia semelhante à porfiria, mas não possui elevação de porfirinas. A pseudoporfiria não é incomum em pacientes com diabetes, pois eles podem desenvolver complicações, incluindo insuficiência renal crônica e doença cardiovascular aterosclerótica e, portanto, podem estar recebendo diálise e/ou diuréticos, que são desencadeadores da patologia. Dessa forma, é necessário descartar tais complicações nos pacientes diabéticos para desfavorecer o diagnóstico de pseudoporfiria99 Chouk C, Litaiem N. Bullosis Diabeticorum. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021.,1010 Bernstein JE, Levine LE, Medenica MM, Yung CW, Soltani K. Reduced threshold to suction-induced blister formation in insulin-dependent diabetics. J Am Acad Dermatol. 1983;8(6):790-1. http://dx.doi.org/10.1016/S0190-9622(83)80007-3. PMid:6863644.
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A extremidade distal também é um local comum para eritema multiforme e erupções medicamentosas fixas, mas as bolhas geralmente se desenvolvem em uma base inflamatória. A epidermólise bolhosa adquirida e o penfigoide bolhoso localizado são diferenciados da bullosis diabeticorum pelo exame histológico e pela imunofluorescência direta, bem como pela preferência das lesões pelos locais de trauma e fricção em pacientes com epidermólise bolhosa adquirida. Se houver uma pele inflamatória circundante com eritema, calor e sensibilidade, a possibilidade de celulite bolhosa também deve ser considerada99 Chouk C, Litaiem N. Bullosis Diabeticorum. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021.,1010 Bernstein JE, Levine LE, Medenica MM, Yung CW, Soltani K. Reduced threshold to suction-induced blister formation in insulin-dependent diabetics. J Am Acad Dermatol. 1983;8(6):790-1. http://dx.doi.org/10.1016/S0190-9622(83)80007-3. PMid:6863644.
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O tratamento envolve cuidados como curativo local ou aspiração do conteúdo líquido, que pode ser necessária em casos de bolhas volumosas. Ela deve ser realizada de maneira asséptica, e não é indicada a exérese do envelope cutâneo, que pode fornecer uma boa cobertura local1212 Lipsky BA, Baker PD, Ahroni JH. Diabetic bullae: 12 cases of a purportedly rare cutaneous disorder. Int J Dermatol. 2000;39(3):196-200. http://dx.doi.org/10.1046/j.1365-4362.2000.00947.x. PMid:10759959.
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. Curativos são realizados para diminuir o risco de trauma e infecções secundárias. Devido ao risco de osteomielite, avaliações seriadas são necessárias33 Sonani H, Abdul Salim S, Garla VV, Wile A, Palabindala V. Bullosis diabeticorum: a rare presentation with Immunoglobulin G (IgG) deposition related vasculopathy. Case report and focused review. Am J Case Rep. 2018;19:52-6. http://dx.doi.org/10.12659/AJCR.905452. PMid:29332930.
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. Em casos avançados, com presença de infecção avançada local ou sistêmica, pode ser indicada a realização de desbridamento e curativo com terapia de pressão negativa, com bom resultado. O seguimento clínico deve ser pautado em controle da comorbidade de base e vigilância rigorosa de traumas em pés e mãos1313 Shahi N, Bradley S, Vowden K, Vowden P. Diabetic bullae: a case series and a new model of surgical management. J Wound Care. 2014;23(6):326-30. http://dx.doi.org/10.12968/jowc.2014.23.6.326. PMid:24920203.
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CONCLUSÕES

Este relato de caso se destaca pela apresentação mais rara em membros superiores e pela importância do conhecimento dos principais diagnósticos diferenciais como penfigoide bolhoso, epidermólise bolhosa, porfiria cutânea tarda e doenças vasculares, como vasculites, doença arterial periférica, doença de Buerger, entre outras.

  • Como citar: Grillo VTRS, Botelho MS, Lange EP, Secanho MS, Camargo PAB, Miot HA. Bullosis diabeticorum como diagnóstico diferencial de úlcera de membros: relato de caso. J Vasc Bras. 2022;21:e20210190. https://doi.org/10.1590/1677-5449.202101901
  • Fonte de financiamento: Nenhuma.
  • O estudo foi realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (FMB-UNESP), Botucatu, SP, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    06 Dez 2021
  • Aceito
    14 Mar 2022
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