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Carta de Galileu Galilei a Fortunio Liceti em Pádua

Letter from Galileo Galilei to Fortunio Liceti

DOCUMENTOS CIENTÍFICOS

Carta de Galileu Galilei a Fortunio Liceti1 1 Fortunio Liceti nasceu em Rapallo em 1577; estudou medicina e filosofia em Bolonha. Iniciou sua carreira universitária, ensinando dialética (lógica) em Pisa e depois passou a professor extraordinário de filosofia e, portanto, a professor de medicina. Em 1609, foi nomeado novamente como professor extaordinário de filosofia para a Universidade de Pádua, onde encontrou Galileu um ano antes que este partisse para Florença. Em 1637, deixou Pádua e passou a lecionar em Bolonha, retornando a Pádua logo depois para tornar-se professor de medicina teórica a partir de 1645. Morreu em Pádua em 1657. Liceti interessou-se pelos mais diferentes assuntos da filosofia natural, haja vista sua polêmica com Galileu a propósito da luz secundária da Lua; polêmica em que se insere a presente carta. Entretanto, a contribuição mais significativa de Liceti se deu no campo da medicina, particularmente nos estudos embriológicos, em que Liceti combina elementos aristotélicos e hipocráticos para formular pela primeira vez a idéia de que a verdadeira geração do organismo ocorre quando os progenitores produzem seus líquidos seminais e não a partir da mistura dos semens masculino e feminino. Segundo Roger, essa idéia possui uma importância histórica fundamental, já que, com ela, passa-se a conceber que a verdadeira geração ocorre antes da concepção, ou seja, que há uma preformação. A noção de preformação do germe será posteriormente associada à idéia de preexistência – todos os embriões, além de preformados, preexistem desde a criação do mundo – e ambas comporão a teoria da geração oficial e dominante até o século XIX (cf. Roger, 1993, Cap. 3). Dentre suas obras, destacam-se De monstrorum causis, natura et differentiis libri duo (1616 – cf. frontispício), De perfecta constitutione hominis in utero liber unus (1616) e De spontaneo viventium ortu libri quattuor (1618). em Pádua

Letter from Galileo Galilei to Fortunio Liceti

Galileu Galilei

[247] Muito Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

A gratíssima de V. Sa. muito Ilma. e Exma. de 7 do corrente mês, repleta de termos corteses e afetuosíssimos, foi-me entregue hoje; [248] e, não tendo eu outro tempo para responder além das poucas horas que restam até a noite, para não adiar a resposta por mais uma semana, procuro satisfazer a esta obrigação, ainda que sucintamente, mas com puras e simples palavras.

Quanto àquilo que V. Sa. Exma. deseja enormemente junto comigo, a saber, que nas disputas da ciência sejam observados aqueles termos mais corteses e modestos que convêm a matéria tão veneranda, qual é a sagrada filosofia, dou-lhe minha palavra de não me afastar nem mesmo um dedo de seu estilo ingênuo e honrado; e para fazê-lo, usarei os mesmos títulos, atributos e louvores de honradez para com sua pessoa, que ela emprega humanamente para comigo; ainda que muito mais para sua pessoa que para comigo, e muito mais excelentes, seriam necessários; mas sua singular cortesia não me permitiu usar maiores.

É-me grato saber que V. Sa. Exma. juntamente com muitos outros, segundo afirma, tenham-me como averso à filosofia peripatética, porque isto me dá a ocasião de liberar-me de tal pecha (pois assim a considero) e de mostrar quanto eu sou no íntimo admirador de um tão grande homem, como o é Aristóteles. Contentar-me-ei com o pouco tempo de que disponho para acenar com brevidade aquilo que penso com mais tempo poder mais ampla e manifestamente declarar e confirmar.

Estimo (e creio que V. Sa. também estime) que ser verdadeiramente peripatético, isto é, filósofo aristotélico, consista principalíssimamente em filosofar em conformidade com os ensinamentos aristotélicos, procedendo com aqueles métodos e com aquelas suposições e princípios verdadeiros nos quais assenta o discurso científico, supondo aquelas informações gerais, das quais desviar-se seria um grandíssimo defeito. Dentre essas suposições está tudo aquilo que Aristóteles nos ensina em sua Dialética,2 2 Dialética, ou seja, o conjunto dos livros da lógica, que foi chamado pelos comentadores antigos de Aristóteles de Organon, sendo a lógica o instrumento (órgão) para a procura da verdade. Cf. a nota 48 da Primeira Jornada do Diálogo. concernente ao tornar-nos precavidos no evitar as falácias do discurso,3 3 O termo italiano empregado por Galileu é "discorso" e tem aqui basicamente o sentido de argumento, mas também é empregado em certos contextos em sua acepção psicológica de raciocínio. Para uma discussão mais detida do caráter polissêmico desse termo, cf. a nota 66 da Primeira Jornada do Diálogo. dirigindo-o e adestrando-o a bem silogizar e deduzir das premissas concedidas a necessária conclusão; e tal doutrina refere-se à forma do corretamente argumentar. Quanto a esta parte, creio ter aprendido das inumeráveis demonstrações4 4 "progressi": procedimentos, demonstrações. A avaliação aqui contida da contribuição lógica de Aristóteles é similar àquela que comparece em [59]-[60] da Primeira Jornada do Diálogo – cf. a nota 50 dessa mesma jornada – e no Discorsi (E.N., VIII, p. 175-176). matemáticas puras, nunca falazes, tal segurança no demonstrar, que, se não jamais, pelo menos raríssimas vezes eu tenha no meu argumentar caído em equívocos. Até aqui, portanto, eu sou peripatético.

[249] Dentre as maneiras seguras de conseguir a verdade está a de antepor a experiência a qualquer discurso, assegurando-nos que nele, pelo menos ocultamente, não esteja contida a falácia, não sendo possível que uma experiência sensível seja contrária ao verdadeiro; e este é também um preceito estimadíssimo por Aristóteles,5 5 Trata-se do princípio do empirismo do qual tratamos na Introdução. Uma passagem de igual teor encontra-se em [57] da Primeira Jornada do Diálogo. A referência a Aristóteles, em ambos os casos, parece ser ao De Generatione Animalium III, 10, 750b, 27. Outras passagens que tratam desse assunto são [75] e [81] da Primeira Jornada do Diálogo. Cf. também a esse propósito as notas 39, 66 e 82 da Primeira Jornada do Diálogo. e há muito anteposto ao valor e à força da autoridade de todos os homens do mundo,6 6 A crítica de Galileu ao princípio de autoridade é, como vimos na Introdução, recorrente em sua obra. Pode-se encontrá-la, por exemplo, em [133]-[139], no início da Segunda Jornada do Diálogo, em um contexto similar ao da presente carta, isto é, que diz respeito à autoridade de Aristóteles no domínio da filosofia natural. Cf. as notas 6, 15 e 19 da Segunda Jornada do Diálogo, para uma discussão mais detida da crítica de Galileu à autoridade de Aristóteles. Convém lembrar, entretanto, que em nenhuma das passagens citadas Galileu expressa, com tanta clareza como aqui, o papel de antídoto que o princípio do empirismo tem com relação à limitação da autoridade dos próprios autores. da qual V. Sa. mesma admite que não só não devemos ceder à autoridade dos outros, mas devemos negá-la a nós mesmos, toda vez que encontramos que o sentido nos mostra o contrário. Ora, Exmo. Sr., seja dito aqui com sua boa paz, que me parece que estou sendo julgado como contrário ao filosofar peripatético por aqueles que se servem erradamente do acima referido preceito, puríssimo e seguríssimo, isto é, que pretendem que o bem filosofar seja o receber e sustentar qualquer que se queira das afirmações e proposições escritas por Aristóteles, a cuja absoluta autoridade submetem-se, e para a manutenção da qual se induzem a negar experiências sensíveis, ou a dar estranhas interpretações aos textos de Aristóteles, para esclarecimento e limitação dos quais muito freqüentemente farão dizer ao próprio filósofo outras coisas não menos extravagantes, e certamente distanciadas da sua imaginação. Não é absurdo que um grande artífice tenha preceitos seguríssimos e perfeitíssimos na sua arte, e que por vezes ao operar erre em algum particular; como, por exemplo, que um músico ou um pintor, possuindo os verdadeiros preceitos da arte, produza na prática alguma dissonância ou inadvertidamente algum erro de perspectiva. Eu, portanto, porque sei que tais artífices não apenas possuíam os verdadeiros preceitos, mas eles próprios haviam sido seus inventores, vendo qualquer falha em alguma de suas obras, devo considerá-la como bem feita e digna de ser sustentada e imitada, em virtude da autoridade de seus autores?7 7 Esta passagem segue a mesma linha de argumentação adotada em [59]-[60] da Primeira Jornada do Diálogo, distinguindo a teoria da argumentação (o conjunto de preceitos que regulam o corretamente argumentar) da prática matemática da argumentação. A isto certamente não prestarei meu assentimento. Quero acrescentar por ora apenas isto: que estou certo de que, se Aristóteles retornasse ao mundo, receber-me-ia entre seus seguidores, em virtude de minhas poucas contradições,8 8 Na verdade não são poucas as "contradições" a Aristóteles por parte de Galileu, que demoliu a física e a cosmologia do estagirita; entretanto essas contradições são doutrinárias e não deixa de ser significativo que quanto à concepção de demonstração e de experiência, ou seja, quanto ao método, ele se considere aristotélico e, com efeito, retoricamente até mais aristotélico que os peripatéticos; em sentido estrito, portanto, Galileu se diz, nesta carta, aristotélico enquanto seguidor de seu método, não de sua doutrina. embora bastante concludentes, muito mais que muitíssimos outros que, para sustentar cada um de seus ditos como verdadeiro, vão ciscando em seus textos conceitos que jamais lhe teriam passado pela mente. E quando Aristóteles visse as novidades descobertas recentemente no céu, onde afirmou ser ele inalterável e imutável, porque nenhuma alteração havia ali sido vista até agora, [250] indubitavelmente ele, mudando de opinião, diria agora o contrário: que bem se percebe que, enquanto diz ser o céu inalterável porque aí não haviam sido vistas alterações, diria agora ser alterável, porque alterações aí se percebem.9 9 Refere-se às manchas solares, à rugosidade da Lua, às estrelas novas etc.; em suma, a todas as novidades descobertas por Galileu com o uso do telescópio e anunciadas no Sidereus nuncius (1610). A hora se faz avançada, e entraria num pélago imenso, se quisesse produzir tudo aquilo que em tal ocasião passou-me muitas vezes pela mente; por isso, deixá-lo-ei para outra ocasião.

Quanto ao ter-me V. Sa. Exma. atribuído opiniões que não são minhas, isso pode ter acontecido tendo tomado algumas que me são atribuídas por outros, mas nunca escritas por mim: como, por exemplo, que, por afirmação do filósofo Lagalla,10 10 Giulio Cesare Lagalla nasceu próximo de Nápoles em 1576; estudou filosofia e medicina e ainda jovem tornou-se professor de lógica, lecionando por 21 anos na Sapienza de Roma, onde também foi diretor do instituto médico pontifício. O ataque que Lagalla move às conclusões extraídas por Galileu de suas observações telescópicas da Lua ilustra a visão acadêmica tradicional com relação ao método científico, tal como visto pelos professores universitários de lógica. Galileu anotou precisamente a obra em que Lagalla move seu ataque, a saber: De phoenomenis in orbe lunae novi telescopii usu a D. Gallileo Gallilei etc, Veneza, Baglioni, 1612 (Cf. E.N., III, p. 313-393, para o tratado de Lagalla; p. 393-399, para as anotações de Galileu). Lagalla morreu em Roma em 1624. eu considere ser a luz corpórea; enquanto nesse mesmo autor e no mesmo lugar escreve-se que eu sempre confessei ingenuamente não saber que coisa seja a luz; e também o tomar como resoluta e primariamente meus alguns dos pensamentos relatados pelo Sr. Mário Guiducci,11 11 Galileu refere-se aqui ao Discurso dos cometas (1619), escrito em resposta ao Disputatio astronomica de tribus cometis anni MDCXVIII de Orazio Grassi e lido por seu discípulo e assistente Mario Guiducci (1585-1642) na Academia Florentina. Cabe lembrar que esse debate acontece dois anos depois da condenação da obra de Copérnico (1473-1543) e da admoestação de Galileu por Bellarmino; o que em parte justifica a intervenção de Galileu por meio de um terceiro. A segunda intervenção de Galileu, agora direta, no debate contra Grassi a propósito dos cometas resulta na publicação de O ensaiador (1623). Para maiores detalhes, cf. a nota 73 da Primeira Jornada do Diálogo. quando poderia acontecer que eu não tivesse neles parte alguma, ainda que me considere honrado de que se acredite que tais conceitos são meus, pois estimo-os verdadeiros e nobres.

Quanto a ter porventura parecido prolixo no responder a suas objeções, não lhe atribuo um mínimo senão, nem por sombra de indignação em V. Sa. Exma., nem tampouco de imperfeição em mim, a não ser enquanto com menor tédio do leitor teria podido exprimir os meus sentidos; mas minha natural rudeza ao declarar-me faz que às vezes eu transborde onde não queria; além de que, pela nossa combinada liberdade filosófica e amigável, seja lícito dizer amavelmente, quando ela se comparasse à multiplicidade e prolixidade das oposições que V. Sa. faz a minha única proposição do candor lunar expressa em pouquíssimas frases; quando se comparasse, digo, ao comprimento de minhas respostas; talvez não encontrasse que a proporção entre as suas afirmações e as minhas seja menor que a proporção entre as frases de minha carta e as frases que suas afirmações contêm. Mas isso são miuçalhas que não devem ser tomadas senão como brincadeira.

Compraz-me enormemente que aplauda meu pensamento de colocar em outra textura12 12 "outra textura", ou seja, uma nova forma para a carta sobre o candor da Lua, que atenuasse o que Galileu chama aqui de "natural rudeza" no expressar-se, substituindo-a por uma cortesia filosófica que, segundo Liceti, deveria ser mantida nas polêmicas científicas e que Galileu, não sem ironia, toma como cerimoniosa. as minhas respostas, enviando-as a V. Sa.; onde terei oportunidade de não exagerar utilizando termos de reverência ao seu nome, ainda que eu esteja certo de dever ser amplamente superado em doutrina pelo seu elevado engenho. Poderia perfeitamente acontecer que o meu [251] infortúnio, de ter que servir-me dos olhos e da pena de outros,13 13 Como está explicado na carta sobre o candor da Lua, Galileu, cego, ditava. Também esta carta foi escrita, como diz Favaro, pela mão juvenil de Vincenzo Viviani, que a partir de outubro de 1639 era hóspede e assistente de Galileu e com ele permanecerá até a morte, sendo dos poucos que o acompanhará até o último suspiro; por isso, podia reinvindicar, como de fato o fez, o título de o "último discípulo de Galileu", ao qual, depois da morte de Evangelista Torricelli, sucederá no encargo de matemático do Grão-duque de Toscana. Viviani foi o primeiro biógrafo de Galileu, escrevendo a pedido do príncipe Leopoldo de Medici o Racconto istorico della vita di Galileo em forma de carta enviada ao príncipe em 29 de abril de 1654. para muito tédio do escritor, prolongasse por mais dias aquilo que em outros tempos por mim mesmo teria terminado em poucos dias, e V. Sa., em virtude da rapidez e vivacidade de seu engenho, em poucas horas.

Vive feliz e concede-me sua boa graça, por mim estimada e prezada como fortuna favorável; e que o Senhor lhe dê prosperidade.

Arcetri, 15 de setembro de 1640

Notas

Traduzido do original em italiano por Pablo Rubén Mariconda

  • 1
    Fortunio Liceti nasceu em Rapallo em 1577; estudou medicina e filosofia em Bolonha. Iniciou sua carreira universitária, ensinando dialética (lógica) em Pisa e depois passou a professor extraordinário de filosofia e, portanto, a professor de medicina. Em 1609, foi nomeado novamente como professor extaordinário de filosofia para a Universidade de Pádua, onde encontrou Galileu um ano antes que este partisse para Florença. Em 1637, deixou Pádua e passou a lecionar em Bolonha, retornando a Pádua logo depois para tornar-se professor de medicina teórica a partir de 1645. Morreu em Pádua em 1657. Liceti interessou-se pelos mais diferentes assuntos da filosofia natural, haja vista sua polêmica com Galileu a propósito da luz secundária da Lua; polêmica em que se insere a presente carta. Entretanto, a contribuição mais significativa de Liceti se deu no campo da medicina, particularmente nos estudos embriológicos, em que Liceti combina elementos aristotélicos e hipocráticos para formular pela primeira vez a idéia de que a verdadeira geração do organismo ocorre quando os progenitores produzem seus líquidos seminais e não a partir da mistura dos semens masculino e feminino. Segundo Roger, essa idéia possui uma importância histórica fundamental, já que, com ela, passa-se a conceber que a verdadeira geração ocorre
    antes da concepção, ou seja, que há uma
    preformação. A noção de preformação do germe será posteriormente associada à idéia de preexistência – todos os embriões, além de preformados, preexistem desde a criação do mundo – e ambas comporão a teoria da geração oficial e dominante até o século XIX (cf. Roger, 1993, Cap. 3). Dentre suas obras, destacam-se
    De monstrorum causis, natura et differentiis libri duo (1616 – cf. frontispício),
    De perfecta constitutione hominis in utero liber unus (1616) e
    De spontaneo viventium ortu libri quattuor (1618).
  • 2
    Dialética, ou seja, o conjunto dos livros da lógica, que foi chamado pelos comentadores antigos de Aristóteles de
    Organon, sendo a lógica o instrumento (órgão) para a procura da verdade. Cf. a nota 48 da Primeira Jornada do
    Diálogo.
  • 3
    O termo italiano empregado por Galileu é
    "discorso" e tem aqui basicamente o sentido de
    argumento, mas também é empregado em certos contextos em sua acepção psicológica de
    raciocínio. Para uma discussão mais detida do caráter polissêmico desse termo, cf. a nota 66 da Primeira Jornada do
    Diálogo.
  • 4
    "progressi": procedimentos, demonstrações. A avaliação aqui contida da contribuição lógica de Aristóteles é similar àquela que comparece em [59]-[60] da Primeira Jornada do
    Diálogo – cf. a nota 50 dessa mesma jornada – e no
    Discorsi (E.N., VIII, p. 175-176).
  • 5
    Trata-se do princípio do empirismo do qual tratamos na Introdução. Uma passagem de igual teor encontra-se em [57] da Primeira Jornada do
    Diálogo. A referência a Aristóteles, em ambos os casos, parece ser ao
    De Generatione Animalium III, 10, 750b, 27. Outras passagens que tratam desse assunto são [75] e [81] da Primeira Jornada do
    Diálogo. Cf. também a esse propósito as notas 39, 66 e 82 da Primeira Jornada do
    Diálogo.
  • 6
    A crítica de Galileu ao princípio de autoridade é, como vimos na Introdução, recorrente em sua obra. Pode-se encontrá-la, por exemplo, em [133]-[139], no início da Segunda Jornada do
    Diálogo, em um contexto similar ao da presente carta, isto é, que diz respeito à autoridade de Aristóteles no domínio da filosofia natural. Cf. as notas 6, 15 e 19 da Segunda Jornada do
    Diálogo, para uma discussão mais detida da crítica de Galileu à autoridade de Aristóteles. Convém lembrar, entretanto, que em nenhuma das passagens citadas Galileu expressa, com tanta clareza como aqui, o papel de antídoto que o princípio do empirismo tem com relação à limitação da autoridade dos próprios autores.
  • 7
    Esta passagem segue a mesma linha de argumentação adotada em [59]-[60] da Primeira Jornada do
    Diálogo, distinguindo a teoria da argumentação (o conjunto de preceitos que regulam o corretamente argumentar) da prática matemática da argumentação.
  • 8
    Na verdade não são poucas as "contradições" a Aristóteles por parte de Galileu, que demoliu a física e a cosmologia do estagirita; entretanto essas contradições são doutrinárias e não deixa de ser significativo que quanto à concepção de demonstração e de experiência, ou seja, quanto ao método, ele se considere aristotélico e, com efeito, retoricamente até mais aristotélico que os peripatéticos; em sentido estrito, portanto, Galileu se diz, nesta carta, aristotélico enquanto seguidor de seu método, não de sua doutrina.
  • 9
    Refere-se às manchas solares, à rugosidade da Lua, às estrelas novas etc.; em suma, a todas as novidades descobertas por Galileu com o uso do telescópio e anunciadas no
    Sidereus nuncius (1610).
  • 10
    Giulio Cesare Lagalla nasceu próximo de Nápoles em 1576; estudou filosofia e medicina e ainda jovem tornou-se professor de lógica, lecionando por 21 anos na Sapienza de Roma, onde também foi diretor do instituto médico pontifício. O ataque que Lagalla move às conclusões extraídas por Galileu de suas observações telescópicas da Lua ilustra a visão acadêmica tradicional com relação ao método científico, tal como visto pelos professores universitários de lógica. Galileu anotou precisamente a obra em que Lagalla move seu ataque, a saber:
    De phoenomenis in orbe lunae novi telescopii usu a D. Gallileo Gallilei etc, Veneza, Baglioni, 1612 (Cf. E.N., III, p. 313-393, para o tratado de Lagalla; p. 393-399, para as anotações de Galileu). Lagalla morreu em Roma em 1624.
  • 11
    Galileu refere-se aqui ao
    Discurso dos cometas (1619), escrito em resposta ao
    Disputatio astronomica de tribus cometis anni MDCXVIII de Orazio Grassi e lido por seu discípulo e assistente Mario Guiducci (1585-1642) na Academia Florentina. Cabe lembrar que esse debate acontece dois anos depois da condenação da obra de Copérnico (1473-1543) e da admoestação de Galileu por Bellarmino; o que em parte justifica a intervenção de Galileu por meio de um terceiro. A segunda intervenção de Galileu, agora direta, no debate contra Grassi a propósito dos cometas resulta na publicação de
    O ensaiador (1623). Para maiores detalhes, cf. a nota 73 da Primeira Jornada do
    Diálogo.
  • 12
    "outra textura", ou seja, uma nova forma para a carta sobre o candor da Lua, que atenuasse o que Galileu chama aqui de "natural rudeza" no expressar-se, substituindo-a por uma cortesia filosófica que, segundo Liceti, deveria ser mantida nas polêmicas científicas e que Galileu, não sem ironia, toma como cerimoniosa.
  • 13
    Como está explicado na carta sobre o candor da Lua, Galileu, cego, ditava. Também esta carta foi escrita, como diz Favaro, pela mão juvenil de Vincenzo Viviani, que a partir de outubro de 1639 era hóspede e assistente de Galileu e com ele permanecerá até a morte, sendo dos poucos que o acompanhará até o último suspiro; por isso, podia reinvindicar, como de fato o fez, o título de o "último discípulo de Galileu", ao qual, depois da morte de Evangelista Torricelli, sucederá no encargo de matemático do Grão-duque de Toscana. Viviani foi o primeiro biógrafo de Galileu, escrevendo a pedido do príncipe Leopoldo de Medici o
    Racconto istorico della vita di Galileo em forma de carta enviada ao príncipe em 29 de abril de 1654.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2003
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