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Editorial

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Scientiæ udia inicia este número com a conferência proferida no Departamento de Filosofia por Anne Fagot-Largeault, professora do Collège de France, como parte das atividades da Cátedra Levi-Strauss do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP). Nesse texto, a autora discute uma atualíssima questão de bioética e de ética médica ligada ao impacto da genômica sobre as práticas médicas. Após um balanço que mostra não se terem concretizado as promessas de que a genética revolucionaria os tratamentos das doenças hereditárias, a autora compara as duas posições em confronto, a saber, a daqueles que, como Jürgen Habermas, condenam a geneticização da medicina por constituir uma ameaça à autonomia e à liberdade humanas, conduzindo a uma determinação heterônoma de características individuais que antes se davam ao acaso e naturalmente sem qualquer tipo de intervenção, e a daqueles que se mostram francamente favoráveis à intervenção genética e rejeitam os temores de uma profunda modificação na natureza humana como sendo infundados, alarmistas e até mesmo retrógrados.

Silvia Manzo enfrenta, no segundo artigo, o difícil Siris de George Berkeley, no qual a concepção de natureza vincula-se intimamente a uma visão metafísica geral, de fundo antigo e neoplatônico, para a qual a analogia entre o microcosmo e o macrocosmo possui uma realidade indiscutível e a relação do homem com o mundo é intermediada pelo éter que serve, de certo modo, como um meio cujas propriedades permitem a manifestação da causalidade.

Finalmente, Valter Bezerra publica o segundo artigo da série dedicada à antiga teoria atômica de Bohr, Sommerfeld e outros no período 1913-1925. Aqui o autor, baseando-se no panorama histórico já traçado, analisa criticamente a reconstrução dessa teoria feita pelo filósofo Imre Lakatos, mostrando várias de suas deficiências. Uma "anomalia historiográfica" particularmente aguda para o modelo de racionalidade científica de Lakatos é constituída pela teoria de Bohr-Kramers-Slater da radiação. As causas da inadequação do modelo lakatosiano enquanto guia para a compreensão da dinâmica do conhecimento científico são analisadas, e propõem-se possíveis caminhos para a sua superação.

Neste número de Scientiæ udia são publicados três documentos científicos. Os dois primeiros são cartas de Marin Mersenne, o secretário da "república científica" da primeira metade do século XVII, sobre a questão da astronomia copernicana. No texto introdutório, Paulo Tadeu da Silva discute a tensão, no pensamento de Mersenne, entre a autonomia científica e a autoridade religiosa decorrente da condenação da astronomia copernicana e de Galileu. O terceiro documento científico é um texto de Herbert Feigl, mais contemporâneo. Trata-se de uma das últimas defesas feitas da visão ortodoxa da filosofia da ciência, o "canto de cisne" dessa visão, conforme expõe a introdução de Osvaldo Pessoa Júnior. O interesse do documento reside na maneira didática pela qual os prós e os contras dessa visão herdeira do positivismo lógico do Círculo de Viena, do qual Feigl fez parte são apresentados.

Encerra este número de Scientiæ udia a nota crítica de Antonio Augusto Passos Videira que propõe algumas explicações para o crescimento experimentado pela história da ciência, seja como atividade acadêmica, seja como atividade de divulgação para o público leigo. Nessa discussão, o autor enfrenta a questão da delimitação disciplinar da história da ciência, revelando algumas das dificuldades que decorrem das características interdisciplinares e transdisciplinares da investigação histórica da ciência.

Pablo Rubén Mariconda

editor responsável

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2010
  • Data do Fascículo
    Jun 2004
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