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Discussão a respeito da posição e do repouso da Terra contra o sistema de copérnico

Discussion about the position and rest of Earth against the copernican system

DOCUMENTOS CIENTÍFICOS

Discussão a respeito da posição e do repouso da Terra contra o sistema de copérnico1 1 O texto aqui publicado é a primeira tradução para uma língua vernacular do original latino, intitulado De situ et quiete Terrae contra Copernici systema disputatio, que se encontra em Favaro, A. (Ed.). Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei. Firenze, Barbèra Editore, 1933. v. 5, p. 397-412.

Discussion about the position and rest of Earth against the copernican system

Francesco Ingoli de Ravena

Ao doutíssimo matemático D. Galileu Galilei florentino

antes professor ordinário de matemática na Escola de Pádua, no presente também filósofo e primeiro matemático do Sereníssimo Grão-Duque de Toscana.

INTRODUÇÃO

Entre as muitas discussões ocorridas diante do Ilustríssimo e Reverendíssimo D. Laurentio Magalotto, homem recomendado na Cúria Romana pela prudência e cultura, a principal e mais importante foi aquela a respeito da posição e do movimento da Terra conforme a tese copernicana. Nesta discussão de fato tu, homem doutíssimo, defendendo a causa de Copérnico, afirmavas publicamente muitas coisas, com as quais tentavas desatar os argumentos de Ptolomeu e comprovar o sistema de Copérnico; eu, ao contrário, esforçava-me em sustentar a hipótese dos velhos matemáticos e destruir a suposição copernicana, com todas as minhas forças, por argumentos de vários gêneros. Enfim, depois de muita discussão, a questão chegou a tal ponto que, para a dissolução do argumento de Ptolomeu por experimento, em que te esforçavas, e comprovação da verdade, o argumento proposto por mim sobre a paralaxe fosse apresentado por escrito, para que pudesses enunciar a solução de modo mais completo; com isso concordei plenamente. Com efeito, com homens doutíssimos e reservadíssimos nas disputas, como tu és, sempre foi-me extremamente grato tratar; alguma coisa na verdade geralmente aprendo e alcanço alguma honra. E assim, voltando para casa, pensei cumprir a promessa; mas, como refletindo comigo mesmo, ocorreu-me o que tinhas dito, que neste tipo de disputa ouvirias qualquer um que apresentasse razões contra Copérnico, para que assim mais facilmente fosse investigada a verdade das coisas, deliberei não somente escrever o argumento da paralaxe, mas também outros argumentos, embora não todos, que são contra o sistema copernicano e contra a possibilidade de existirem os movimentos da Terra imaginados por ele. Por esses motivos, se tu também te dignares dar satisfação por escrito, será para mim imensamente gratificante e ficar-te-ei muito agradecido.

ORDEM DESTE ESCRITO - CAP. PRIMEIRO

O método por mim observado nesta disputa será o seguinte. Em primeiro lugar, dissertarei contra a posição da Terra e do Sol que Copérnico coloca em seu sistema; segundo, contra o movimento do orbe terrestre e o repouso do Sol; e, nos outros capítulos, os três gêneros de argumentos referentes à matemática, à física e à teologia.

ARGUMENTOS MATEMÁTICOS CONTRA A POSIÇÃO COPERNICANA DA TERRA - CAP. SEGUNDO

Copérnico propõe que o Sol está no centro do Universo e também que a Terra está em um círculo entre os orbes de Vênus e Marte.

Contra essa posição, em primeiro lugar, oponho o argumento da paralaxe. Com efeito, se o Sol estivesse no centro do Universo, teria uma paralaxe maior que a Lua; mas o conseqüente é falso; logo, também o antecedente. Prova-se a conseqüência: porque os corpos, quanto mais distantes estão do primeiro móvel, em que seus lugares são observados pelos astrônomos, tanto maior paralaxe admitem, como consta das diversidades teóricas e tabulares de aspecto, nas quais o apogeu do Sol apresenta uma paralaxe menor, porque está mais próximo do primeiro móvel, maior, entretanto, que o perigeu, porque está mais afastado; mas o Sol, para Copérnico, está mais afastado do primeiro móvel do que a Lua, porque esta está fora do centro, aquele está no centro e o centro é o lugar mais afastado da periferia; portanto, o Sol admite uma paralaxe maior. Prova-se certamente com facilidade a falsidade do conseqüente. Com efeito, a partir das observações é manifesto que o Sol tem uma paralaxe maior que 2' 58"; a Lua tem 1,6' 21", como a partir de Rehinhold anotou Maginus, no livro 2 Dos teóricos, no fim do capítulo 20. Dessas observações fica claro que a paralaxe do Sol não é maior que a da Lua, mas esta supera aquela de longe, como o número 22 supera a unidade. Tampouco é suficiente se for dito, portanto, que a Lua, a qual é mais próxima de nós, tem uma paralaxe maior, pois a Lua dista da Terra de 52,17 a 65,30 semidiâmetros terrestres, dos quais o Sol dista 1179, como de Copérnico anota Maginus, Dos teóricos, Livro 2, Cap. 24. Em primeiro lugar, porque se esta solução valesse, seria necessário que a proporção da distância que as luminárias2 2 O termo "luminárias" era empregado para referir-se à Lua e ao Sol, porque eles brilham com uma luz mais intensa que os outros corpos celestes, iluminando a Terra. têm entre si fosse a mesma que a proporção entre suas paralaxes: mas não observamos isso, porque as distâncias são de 18 para 1, como de Copérnico anotou Maginus como acima, enquanto as paralaxes são de 22 para 1, como foi dito; portanto, essa solução nada vale. Em segundo lugar, porque a distância dos corpos vistos acima de nós e a distância do oitavo orbe, onde se registram as paralaxes, determinam a quantidade da paralaxe. Como também o Sol se afasta do céu estelar mais do que a Lua, quando está em oposição ao Sol, na exata observação de Copérnico, em 1244 semidiâmetros terrestres, não vejo ser possível que a paralaxe do Sol seja 1/22 da paralaxe da Lua.

O segundo argumento é de Sacrobosco, no capítulo 6 da Esfera, dizendo que a Terra está no centro do oitavo orbe, porque as estrelas em qualquer elevação que estejam sobre o horizonte, aparecem-nos do mesmo tamanho; o que não aconteceria, se a Terra não estivesse no centro. O que se prova, então, a partir da definição de círculo. Com efeito, somente as linhas que são levadas do centro para a circunferência são iguais entre si; então, pelas regras da perspectiva, como se diz, o que nos parece maior está mais próximo, porque é visto sob um ângulo maior; o que é menor está mais afastado, porque observado sob um ângulo menor.

O terceiro argumento é de Ptolomeu, no capítulo 5 do Livro I do Almagesto, dizendo a Terra estar no centro do mundo, porque, em qualquer lugar que esteja o homem, sempre verá metade do céu, ou seja, 180 graus, o que não aconteceria se a Terra estivesse fora do centro. Já que, porém, a metade do céu de qualquer lugar que seja observada, é visível não somente a partir das estrelas fixas opostas, isto é, a partir do olho de Touro e do coração de Escorpião, das quais uma nasce enquanto a outra se põe; mas também a partir de uma certa observação de 90 graus, que pode ocorrer enquanto o Sol estiver nos pontos de Ariete ou Libra, se se notar a elevação meridiana do equador, e desta observar-se a distância interposta até o pólo, e então com esta medir-se a porção oriental e a ocidental do círculo vertical. Que verdadeiramente a metade do céu não seria observada, se a Terra não ocupasse o centro, consta da definição de semicírculo; de fato, somente o diâmetro, que sempre passa pelo centro do círculo, divide o próprio círculo em dois semicírculos iguais. Tampouco satisfaz totalmente a objeção pela qual se diz: o diâmetro do círculo deferente da Terra em comparação com a distância máxima do oitavo orbe torna-se para nós tão pequeno, que no próprio oitavo orbe subtende somente 20'. Com efeito, para que a Terra se afaste uma grandeza imperceptível com respeito ao orbe estelar, é necessário que esteja distante dele 14 mil dos seus semidiâmetros, conforme o preceito de Tycho, como pode ser visto em seu livro Das cartas astronômicas em resposta às de Rothman, pag. 188, será também preciso que o círculo deferente da Terra (cujo semidiâmetro é 1.179 semidiâmetros terrestres, se acreditarmos em Magino, que escreve que a distância do apogeu do Sol à Terra, no livro Dos teóricos, livro 2, cap. 24, é tanta conforme as observações copernicanas) dista da oitava esfera 50/14 de seus semidiâmetros, que fazem 16.506.000 semidiâmetros terrestres; essa distância tão imensa não apenas mostra que o universo é assimétrico, mas também prova ou que as estrelas fixas nada podem operar nestas [regiões] inferiores, devido à distância excessiva das estrelas (o que pode ser comprovado através das coisas que ocorrem no Sol; com efeito, experimentamos o poder dele no inverno, já que a distância dele ao zênite, certamente mínima em comparação com a distância da Terra ao oitavo orbe, de tal modo se torna insensível que sentimos um grande frio); ou que as estrelas fixas são de tal tamanho que superam ou igualam em grandeza o próprio círculo deferente da Terra, cujo semidiâmetro é, como dissemos, 1.179 semidiâmetros terrestres. Isso pode ser provado a partir do tamanho aparente do corpo solar; com efeito, se vemos o Sol ter 32' à distância da Terra de 1.179 semidiâmetros terrestres, quanto deveria ser o tamanho das estrelas fixas que distam da Terra 16.506.000 semidiâmetros terrestres de tal forma que para nós pareçam ter 3' de acordo com a opinião antiga, ou ainda 2' de acordo com o teu preceito? A partir disso avalio também que os argumentos de Sacrobosco e Ptolomeu de modo algum podem ser refutados por tal suposição, porque o diâmetro do deferente da Terra subtende somente 20' no firmamento do céu.

O quarto argumento é de Tycho nas chamadas Cartas astronômicas, pag. 209, onde comprova com experimentos certíssimos que as excentricidades encontradas de Marte e Vênus, registradas por Copérnico, estão longe de acontecer; do mesmo modo o apogeu de Vênus não é imóvel, como também afirmou Copérnico, mas move-se sob a esfera das fixas; a partir disso o sistema de Copérnico torna-se inteiramente duvidoso, já que minimamente satisfaz os fenômenos, embora tal sistema tenha sido elaborado por ele para salvá-los.

ARGUMENTOS FÍSICOS - CAP. TERCEIRO

Dois argumentos me parecem mostrar que a Terra está no meio do universo. Um é aquele que se toma da ordem do próprio universo. Com efeito, vemos na ordenação dos corpos simples os mais densos e mais graves ocuparem lugar inferior, como é evidente da terra com respeito à água e da água com respeito ao ar. Ora, a Terra é um corpo mais denso e mais grave que o corpo solar; e o lugar inferior no universo é, sem dúvida, o centro; portanto, a Terra, e não o Sol, ocupa o centro ou o meio do universo.

Se for negada a primeira parte da premissa menor desse argumento, isso pode ser provado, em primeiro lugar, pela autoridade do Filósofo e de todos os peripatéticos que dizem que os corpos celestes não têm gravidade; segundo, por um raciocínio lógico, pois a proposição contrária, isto é, que o Sol é um corpo mais denso e mais grave que a Terra, numa primeira apreensão do espírito parece ser falsa, porque vemos que tudo o que tem luz é pouco denso e mais leve, como é evidente do fogo e das coisas que estão para além dele.

Se, no entanto, é negada a segunda parte, pode-se provar pelas autoridades dos filósofos, que dizem que a posição do centro do universo é o lugar para baixo (deorsum), a circunferência desse lugar é para cima (sursum), que é a mesma coisa que dizer inferior e superior; e com razão; porque no próprio globo da Terra dizemos que as partes superiores são as que se localizam na periferia e as inferiores, por outro lado, aquelas dentro da circunferência e em direção ao centro, de tal forma que dizemos que esse próprio centro é a parte inferior da Terra. Portanto, o centro é o lugar inferior no universo.

O outro argumento é aquele que se toma das partes da própria Terra. Com efeito, vemos que, no peneirar o trigo, os pedacinhos de terra, que estão misturados, são reconduzidos no movimento circular ao centro da peneira; e o mesmo acontece nas partes mais densas da areia, enquanto são agitadas circularmente num vaso; experimento pelo qual muitos filósofos quiseram que a Terra estivesse no meio do universo, porque para aí é levada pelos movimentos do céu; se isso chega a tocar as partes da Terra, também se deve dizer que ocorre para a Terra inteira, como se tem no argumento da parte ao todo nos [corpos] homogêneos e Rothman, na sua carta que está no livro das Cartas astronômicas de Tycho, pag. 185, defendendo Copérnico, usa esse gênero de argumento [que vai] das partes da Terra para toda a Terra.

ARGUMENTOS TEOLÓGICOS - CAP. QUARTO

Enfim, para concluir a primeira parte desta disputa, dois outros argumentos retirados das Escrituras e da doutrina dos teólogos parecem-me mostrar que não o Sol, mas a Terra, está no meio do universo. Um deles é do primeiro capítulo do Gênese, considerando as palavras: "Disse Deus, façam-se as luminárias no firmamento do Céu". Com efeito, quando no texto hebraico se tem a palavra firmamento no lugar do substantivo 3g89 rakia, que significa expansão ou extenso ou extensão, como prova Santo Pagninus no Tesauro da língua santa na raiz raka; e, desse modo, o significado de nenhum modo pode convir a centro, opondo-se a natureza do próprio centro a ter extensão ou, por assim dizer, expansão. Convém porém mais adequadamente à circunferência do céu, que de algum modo é extensa e expansiva além do centro (daí a metáfora utilizada no Salmo 103-2 dizer: "estendendo (certamente Deus) o céu como pele"); então no momento em que Deus disse "Façam-se as luminárias no firmamento do céu", deve-se dizer não que o iluminar se tornou maior no centro, mas na própria expansão ou extensão do céu. Confirma-se essa argumentação a partir de que a palavra "Faça-se" dita por Deus diz respeito do mesmo modo ao Sol e à Lua, como se diz no texto "Façam-se as luminárias no firmamento do céu"; donde, como a Lua não está no centro, mas na expansão do céu, assim também o Sol deve estar neste e não naquele.

O outro argumento é da doutrina dos teólogos, que afirmam por essa razão principal que o inferno, ou seja, o lugar dos demônios e dos danados, está no centro da Terra, porque, sendo o céu o lugar dos anjos e dos beatos, convém que o lugar dos demônios e dos danados esteja afastadíssimo do céu, que é o centro da Terra. Donde, no Salmo 138, são bem postos o inferno e o céu enquanto lugares distantíssimos, como está dito: "Se subir ao céu, tu estás ali; se descer ao inferno, estás presente"; e, Isaias 14, no momento em que é dito ao rei da Babilônia e ao diabo em sua figura: "disseste, ao céu subirei etc.; mas todavia, até o inferno terás ido e ao profundo lago". Leia-se o ilustríssimo cardeal Bellarmino, De Cristo, livro 4, cap. x e De Purgatorio, livro 2, cap. 6. Como também o inferno esteja no centro da Terra e deva ser lugar remotíssimo do Céu, deve ser dito que a Terra está no meio do universo, que é o lugar remotíssimo do Céu. Coloquemos aqui um fim à primeira parte de nossa disputa.

ARGUMENTOS MATEMÁTICOS CONTRA O MOVIMENTO COPERNICANO DA TERRA - CAP. QUINTO

Contra o movimento diurno da Terra podem objetar-se muitas coisas. Algumas contra Rothman, defensor da opinião copernicana, registradas em duas cartas astronômicas de Tycho no livro das Epístolas astronômicas, pag. 167 e 188. É evidente no caso da bola de chumbo que se faz cair perpendicularmente de uma torre altíssima, não obstante a pretensa concomitância do ar, embora este devesse ser contrário, porque a Terra no movimento diurno, inclusive nos paralelos boreais da Germânia, mover-se-ia seiscentos passos num segundo; do mesmo modo, no que diz respeito aos tiros feitos de oriente para ocidente e de setentrião para austral, principalmente aqueles próximos aos pólos, onde o movimento da Terra é lentíssimo. Com efeito, dado o movimento diurno da Terra, observar-se-ia uma diferença evidentíssima, embora nenhuma tenha sido observada.

Contra o movimento anual, muito mais pode ser objetado por Tycho na obra acima referida; mas eu aduzirei para isso quatro razões. A primeira é tomada do nascimento e do ocaso das estrelas fixas. Com efeito, se a Terra se movesse com movimento anual seria preciso que as latitudes ortivas e ocíduas das estrelas fixas variassem sensivelmente de 8 a 10 dias. Mas o conseqüente é falso; portanto, também o antecedente. A falsidade do conseqüente é evidente porque as referidas latitudes não variam notavelmente a não ser em 50 ou 60 anos. De fato, prova-se a conseqüência: porque, já que a Terra se moveria juntamente com o horizonte sob o zodíaco não só de austro para setentrião mas também inversamente, em 8 ou 10 dias sensivelmente, no entanto, as fixas insensivelmente por causa do movimento lentíssimo delas sob o zodíaco, embora segundo Copérnico sejam imóveis, é necessário que as próprias fixas no intervalo de 8 a 10 dias variassem notavelmente suas latitudes ortivas e de ocíduas.

A segunda é a da localização das alturas polares. Com efeito, se a Terra se movesse com movimento anual, seria necessário que mudassem de lugar as alturas polares: o conseqüente é falso; portanto, também o antecedente. A falsidade do conseqüente é evidente. Prova-se a conseqüência: porque, como a Terra é levada pelo movimento anual de setentrião para austral e inversamente, do mesmo modo também são levados os lugares da própria aparência; porém essa transferência muda inteiramente as alturas polares. Assim, como ao homem, que vai do meridiano para o boreal ou inversamente, chega a mudar a altura do pólo, também assim mudará a altura do pólo, se ele próprio se mover ao invés do homem.

A terceira é a desigualdade dos dias artificiais. Com efeito, embora tudo pareça concordar nas observações, dado o movimento anual da Terra e o repouso do Sol, porque a retidão do horizonte e a mesma obliqüidade sempre se mostre, embora se pressuponham os horizontes moverem-se conjuntamente com a Terra, todavia isso não será visto assim para quem examina atentamente, porque, como pelo movimento anual a Terra é transferida do boreal para o meridiano e inversamente, é necessário que o zênite sobre nossa cabeça seja do mesmo modo transferido e, como conseqüência, algumas vezes se aproxima do equador e algumas vezes se afasta; a mudança do zênite faz com que mudem a retidão e a obliqüidade do horizonte, o que produz a grandíssima desigualdade dos dias; a partir disso segue-se que deve ser assinalado a favor da desigualdade dos dias, que não só deveriam ser observadas diferenças do movimento anual, tornando artificiais os paralelos dos dias, na medida em que seja posto o movimento do Sol e o repouso da Terra, como também aquelas diferenças que possibilitariam as mudanças da obliqüidade do horizonte dado o movimento da Terra e o repouso do Sol, e especialmente próximo das localizações borealíssimas, onde as variações dos dias são muito sensíveis: o que todavia não acontece, já que apenas as primeiras diferenças se observam, e elas correspondem às observações.

Não há impedimento de que os horizontes juntamente com a Terra se transfiram sem sua mudança, porque isso seria verdadeiro para o movimento diurno da Terra, mas não para aquele anual. Com efeito, no tocante a este também, porque os horizontes se transfiram com a Terra, todavia eles mudariam quanto à obliqüidade e à retidão necessária à mudança do zênite, como foi dito.

A quarta é de Tycho no livro das Cartas astronômicas, p. 149, onde afirma que os cometas celestes aparentes, e que se movem em oposição ao Sol, são no mínimo danosos ao movimento anual da Terra, embora contudo devessem ser, porque não é necessário que com respeito a eles o movimento desapareça desse modo, como nas estrelas fixas, visto que os cometas previstos não tenham a máxima distância das fixas com relação à Terra.

Finalmente, contra o terceiro movimento, Tycho, nas mencionadas Cartas, objeta três coisas: primeiro, porque deixando de lado o movimento anual, um terceiro é necessariamente tomado; segundo, porque não pode ocorrer que o eixo da Terra gire ao contrário do movimento do centro que assim lhe corresponde, de tal forma que pareça, contudo, estar em repouso; terceiro, porque não se pode dar em um corpo único e simples que o eixo e o centro se movam com dois movimentos diferentes; se juntarmos a estes o movimento diurno, a dificuldade se torna maior.

ARGUMENTOS FÍSICOS CONTRA O MOVIMENTO DA TERRA - CAP. SEXTO

Poder-se-iam apresentar muitos argumentos físicos contra o movimento da Terra, que são propostos pelos filósofos e pelos matemáticos a favor do repouso da Terra e principalmente por Tycho nas referidas Cartas. Mas eu apresentarei apenas três. Um é retirado da natureza dos corpos graves e leves. Com efeito, vemos no universo que os corpos graves são menos aptos ao movimento que os leves ou não graves; o que de fato pode imediatamente notar quem considerar não só os corpos naturais simples, mas também os mistos. Isso não somente na ordem do movimento que é causado por princípio intrínseco, mas também na ordem do movimento que se faz por princípio extrínseco. Ao contrário, vemos que a natureza acomoda de tal modo as matérias às formas, que a favor da eficiência das próprias formas notamos a aptidão admirável das próprias matérias. E isso acontece, como diz o Filósofo, no 2o. Livro da Física, tanto porque a natureza age em vista de um fim, quanto porque as matérias são como instrumentos das formas para agir. Já que assim a Terra, de todos os corpos que estão sujeitos a nosso conhecimento, é pesadíssima, convém dizer que a natureza de modo algum atribuiu tantos movimentos a ela, e principalmente o diurno, tão veloz que em um minuto a Terra deve percorrer cerca de 19 mil, como diz Tycho nas Cartas astronômicas, pag. 190.

O segundo é o que se toma daquela proposição física que afirma que para cada corpo natural apenas um é o movimento natural; que isso é verdade poderia facilmente ser provado por indução, se não se discutisse aqui com um filósofo excelente. Como também o movimento natural da Terra é para o centro, não poderia ser um movimento natural em torno do centro e muito menos lhe poderiam ser naturais tantos movimentos, pois não são todos para o centro. Se, portanto, aqueles movimentos de Copérnico não são naturais para a Terra, como pode acontecer que a Terra, corpo natural, se mova tanto tempo por eles? De fato, não é da natureza agir contra a natureza.

O terceiro argumento decorre de uma certa incongruência, porque certamente a todas as partes luzentes do céu e certamente aos planetas Copérnico atribui o movimento; no entanto, ao Sol, de todas as partes do céu o mais claro e brilhante, nega o movimento, enquanto à Terra, corpo opaco e denso, atribui-lhe movimento. A natureza, discretíssima em todas as suas obras, não fez isso.

ARGUMENTOS TEOLÓGICOS CONTRA O MOVIMENTO DA TERRA - CAP. SÉTIMO

Infinitos argumentos teológicos retirados das Sagradas Escrituras e da autoridade dos Padres e dos teólogos escolásticos poderiam ser propostos contra o movimento da Terra. Mas eu aduzirei apenas dois, que me parecem mais contundentes. O primeiro é retirado de Josué, cap. x, onde diz a Escritura às preces de Josué: "E assim o Sol permaneceu parado no meio do céu, e não se apressou em pôr-se durante um dia; não houve antes nem depois um dia tão longo, obedecendo o Senhor à voz de um homem". Não satisfaz objetar de que nas Escrituras se fala segundo o nosso modo de compreender, porque nas Sagradas Escrituras é regra de que, na exposição, sempre se salve o sentido literal quando é possível, como no nosso caso; porque todos os Padres expõem unanimemente essa passagem, porque o Sol, que se movia, realmente permaneceu parado às preces de Josué. Mas tal interpretação, que é contra o consenso unânime dos Padres, opõe-se ao Sínodo Tridentino, 4a. sessão, no decreto sobre a edição e uso dos Livros Sagrados. E é lícito que o Santo Sínodo se pronuncie em matéria de costumes e de fé. Não pode ser negado, contudo, que não desagrade àqueles Santos Padres a interpretação da Sagrada Escritura contrária ao consenso dos Padres.

O segundo argumento é retirado da autoridade da Igreja: de fato, o hino religioso da tarde de terças-feiras assim canta:

Poderoso criador da Terra,

desvendando o solo do mundo

as águas com ingentes agitações

consagraste à Terra imóvel.

Não é de menor valor este gênero de argumento, pois, como se pode ver segundo o cardeal Bellarmino, em muitas situações foram refutados muitos erros pelos hinos, cânticos e orações da Igreja que estavam nos breviários.

E que, com isso, se perfaça a disputa. Esteja a teu arbítrio responder, ou na totalidade ou em parte, evidentemente pelo menos aos argumentos matemáticos e físicos, e não a todos, mas aos mais importantes: com efeito, escrevi não para pôr à prova tua erudição e doutrina conhecidíssimas, por mim e por todos tanto na Cúria romana como fora dela, mas para a investigação da verdade, que declaras procurar com todas as tuas forças, como convém verdadeiramente ao engenho matemático.

FIM

Traduzido do original em latim por Adriano Machado Ribeiro e Letizio Mariconda

  • 1
    O texto aqui publicado é a primeira tradução para uma língua vernacular do original latino, intitulado
    De situ et quiete Terrae contra Copernici systema disputatio, que se encontra em Favaro, A. (Ed.).
    Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei. Firenze, Barbèra Editore, 1933. v. 5, p. 397-412.
  • 2
    O termo "luminárias" era empregado para referir-se à Lua e ao Sol, porque eles brilham com uma luz mais intensa que os outros corpos celestes, iluminando a Terra.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2005
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