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Editorial

Editorial

Scientiæ udia publica, neste número, contribuições variadas que, novamente, como em outros números, guardam uma ampla unidade de perspectiva temática, embora percorram um amplo arco de tópicos que vão da questão ontológica da redução (explicação) da teoria fenomenológica termodinâmica a uma teoria microscópica suposta fundamental até a questão da existência de leis fundamentais na biologia, passando por uma discussão historiográfica acerca do entendimento do desenvolvimento histórico da ciência. O documento científico publicado neste número mantém-se na perspectiva histórica, mas tem a característica peculiar de ser um relato de segunda ordem, pois consiste na apresentação, feita por um dos fundadores, do desenvolvimento histórico de uma concepção filosófica – da concepção pragmatista – sobre a ciência.

No primeiro artigo, Martín Labarca e Olimpia Lombardi discutem o problema da irreversibilidade da evolução macroscópica de sistemas termodinâmicos e sua explicação por redução aos constituintes microscópicos dos sistemas, questionando o privilégio ontológico concedido ao nível dos micro-constituintes. Os autores investem, assim, contra a idéia de que seja preciso fundamentar a termodinâmica – enquanto teoria fenomenológica descritiva de processos do mundo, tais como o calor, a temperatura, a entropia, o equilíbrio, a mudança de estado – em uma teoria fundamental explicativa daqueles processos em termos de seus micro-constituintes, porque argumentam que a profunda mudança ocorrida na teoria fundamental com a passagem da mecânica estatística clássica para a mecânica quântica não teve o mínimo impacto nos resultados e princípios da termodinâmica, isto é, nas descrições fenomenológicas propiciadas pela teoria. Os autores sugerem – como remédio à alternativa tácita do remédio amargo do anti-realismo e do instrumentalismo – uma ontologia pluralista. André Luis de Oliveira Mendonça e Antonio Augusto Passos Videira retomam, no segundo artigo, um tema central da historiografia da ciência de Thomas Kuhn, a saber, a questão do progresso científico e da tensão essencial existente entre dois padrões de desenvolvimento científico: o padrão da ciência normal – que é interno a um paradigma, opera por acumulação e envolve um aprofundamento do conhecimento (que supõe a continuidade) – e o padrão da ciência revolucionária – que envolve o confronto entre paradigmas rivais, opera por rupturas, acarreta a incomensurabilidade e envolve um alargamento do conhecimento. Objeta-se que o novo padrão historiográfico inaugurado por Kuhn, embora acerte no diagnóstico de que a ciência é um fenômeno fragmentado e local, concentrou-se excessivamente nos aspectos linguísticos (semânticos) da incomensurabilidade, deixando de considerar as práticas sociais ligadas à "cultura material". Os autores sugerem que uma maneira da filosofia da ciência abrir-se para a possibilidade de um estudo mais integrativo e interdisciplinar consiste em não ficar restrita à perspectiva histórica diacrônica, mas manter sempre no horizonte a perspectiva sincrônica de análise. É em uma perspectiva sincrônica que se insere o artigo de Pablo Lorenzano, que procede em duas etapas. Na primeira, faz uma apresentação aporética das posições usuais sobre a existência de leis biológicas, examinando inicialmente os argumentos daqueles que negam que existam tais leis, seja por motivos ligados à falta de universalidade, seja à falta de necessidade, e, posteriormente, os argumentos daqueles que afirmam a existência na biologia de leis universais e/ou leis a priori. Na segunda etapa, o autor procede a uma análise estruturalista da noção de lei fundamental, que reinterpreta esta última noção de modo que ela satisfaça às condições de universalidade, necessidade e aprioricidade. Com base nessa conceituação, o autor pode finalmente argumentar que a lei de concordância (lei de Hardy-Weinberg da genética populacional) pode ser tomada, na perspectiva estruturalista, como lei fundamental da genética clássica.

Na seção de documentos científicos, Scientiæ udia publica a tradução da versão inglesa de 1925 do artigo originalmente publicado em 1922, no qual John Dewey discorre sobre o desenvolvimento do pragmatismo americano, em texto considerado um dos melhores relatos a respeito da filosofia praticada nos Estados Unidos nas duas primeiras décadas do século xx. Com clareza e concisão admiráveis, Dewey compara a concepção de seus antecessores e contrasta o pragmatismo lógico de Charles Sanders Peirce e o pragmatismo psicológico de William James, explicitando, além disso, os desenvolvimentos posteriores produzidos por ele mesmo. No ensaio introdutório, Renato Rodrigues Kinouchi discute a perspectiva de Dewey, mostrando que há nesse autor um lugar de destaque para os valores sociais e éticos, além, evidentemente, dos valores cognitivos, no âmbito da educação e da ciência. Isso propicia a ocasião de apresentar a importância de John Dewey no cenário intelectual norte-americano da época, revelando que o filósofo não foi apenas o herdeiro do pragmatismo, mas, na realidade, foi uma das figuras mais influentes naquele ambiente intelectual, uma estrela com brilho próprio.

Pablo Rubén Mariconda

editor responsável

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Mar 2010
  • Data do Fascículo
    Jun 2007
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