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Reflexões sobre a imbricação entre ciência, tecnologia e sociedade

Reflections about the embeddedness of science, technology and society

Resumos

O objetivo deste artigo é conceitualizar ciência e tecnologia e caracterizar a relação entre elas. Com base em Lacey, define-se ciência como um padrão de racionalidade, que explica e desenvolve a tecnologia. Do entendimento da duplicidade (explicação e desenvolvimento) da relação entre ciência e tecnologia argumenta-se que ambas têm uma necessária inserção nos processos e valores sociais. Ao mesmo tempo em que é influenciada pelos processos sociais, a ciência influencia a sociedade, caracterizando o que Granovetter chama de imbricação (embeddedness) de uma esfera da vida social compreendida como autônoma - a ciência - na sociedade. A força desse padrão de racionalidade, configurado na relação ciência e tecnologia, é exatamente o laço entre os valores sociais e os respectivos valores cognitivos produzidos por essa forma de conhecimento. Para explorar essa tese, propõe-se um caso ilustrativo de produção do conhecimento - o experimento de grande escala da interação biosfera-atmosfera na Amazônia (LBA). Para analisá-lo, utilizou-se do arcabouço teórico-metodológico do estudo das ciências e das técnicas, mais especificamente, de Bruno Latour. A discussão explorada neste artigo encontra-se na fronteira entre a sociologia e a filosofia da ciência.

Ciência; Tecnologia; Ciência ambiental; LBA; Amazônia


This paper aims to conceptualize science and technology and characterize the relationship between them. Based on Lacey, science is defined as a pattern of rationality that explains and develops technology. From the understanding of this duplicity (explanation and development) in the relationship between science and technology it is argued that both have an important and necessary insertion in the social processes and values. At the same time science is influenced by these processes, it influences the society characterizing what Granovetter calls embeddedness of a sphere of social life understood as autonomous - the science - in society. The power of this pattern of rationality configured in the relationship between science and technology is exactly the link between social values and the related cognitive values produced by this form of knowledge. In order to explore this thesis an illustrative case is proposed: the large scale experiment of interaction of biosphere-atmosphere in Amazonia - LBA. To analyze it a specific theoretical-methodological perspective on science and technics was chosen, that of Bruno Latour. The discussion explored in this paper lies in the frontier of sociology and philosophy of science.

Science; Technology; Environmental science; LBA; Amazonia


ARTIGOS

Reflexões sobre a imbricação entre ciência, tecnologia e sociedade

Reflections about the embeddedness of science, technology and society

Tatiana Schor

Professsora Adjunta do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Amazonas. tschor@ufam.edu.br

RESUMO

O objetivo deste artigo é conceitualizar ciência e tecnologia e caracterizar a relação entre elas. Com base em Lacey, define-se ciência como um padrão de racionalidade, que explica e desenvolve a tecnologia. Do entendimento da duplicidade (explicação e desenvolvimento) da relação entre ciência e tecnologia argumenta-se que ambas têm uma necessária inserção nos processos e valores sociais. Ao mesmo tempo em que é influenciada pelos processos sociais, a ciência influencia a sociedade, caracterizando o que Granovetter chama de imbricação (embeddedness) de uma esfera da vida social compreendida como autônoma – a ciência – na sociedade. A força desse padrão de racionalidade, configurado na relação ciência e tecnologia, é exatamente o laço entre os valores sociais e os respectivos valores cognitivos produzidos por essa forma de conhecimento. Para explorar essa tese, propõe-se um caso ilustrativo de produção do conhecimento – o experimento de grande escala da interação biosfera-atmosfera na Amazônia (LBA). Para analisá-lo, utilizou-se do arcabouço teórico-metodológico do estudo das ciências e das técnicas, mais especificamente, de Bruno Latour. A discussão explorada neste artigo encontra-se na fronteira entre a sociologia e a filosofia da ciência.

Palavras-chave: Ciência. Tecnologia. Ciência ambiental. LBA. Amazônia.

ABSTRACT

This paper aims to conceptualize science and technology and characterize the relationship between them. Based on Lacey, science is defined as a pattern of rationality that explains and develops technology. From the understanding of this duplicity (explanation and development) in the relationship between science and technology it is argued that both have an important and necessary insertion in the social processes and values. At the same time science is influenced by these processes, it influences the society characterizing what Granovetter calls embeddedness of a sphere of social life understood as autonomous – the science – in society. The power of this pattern of rationality configured in the relationship between science and technology is exactly the link between social values and the related cognitive values produced by this form of knowledge. In order to explore this thesis an illustrative case is proposed: the large scale experiment of interaction of biosphere-atmosphere in Amazonia – LBA. To analyze it a specific theoretical-methodological perspective on science and technics was chosen, that of Bruno Latour. The discussion explored in this paper lies in the frontier of sociology and philosophy of science.

Keywords: Science. Technology. Environmental science. LBA. Amazonia.

Teorias são redes lançadas para capturar o que chamamos de "o mundo": para racionalizá-lo, explicá-lo e domá-lo. Queremos fazer as malhas cada vez mais e mais finas (Popper, 1959, p. 59).

Introdução

A modernidade,1 1 "A modernidade não é um estágio evolucionário para o qual todas as sociedades evoluem, mas uma forma específica de vida social que se originou na Europa ocidental e foi desenvolvida em um sistema global complexo" (Postone, 1996, p. 4). como período da história ocidental e por ela conceituado, define-se, entre um conjunto possível de características, como o processo social, no qual o desenvolvimento tecnológico é fundante (cf. Castoriadis, 1997). É na modernidade que se estabelece uma relação íntima entre a forma de pensamento e o desenvolvimento tecnológico. A tecnologia não determina ou qualifica a sociedade: é a sociedade. E a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas (cf. Castells, 2003). A racionalidade característica da modernidade ganha força e se estabelece como um dos principais determinantes das relações sociais, pelo fato de proporcionar e, ao mesmo tempo, fundamentar o desenvolvimento tecnológico.

A ciência, dada sua força de explicação e transformação da tecnologia e, conseqüentemente, da estrutura social, é reconhecida como forma privilegiada de entendimento do mundo. Daí a proximidade entre a ciência e a tecnologia: a ciência fornece não só a possibilidade de desenvolvimento tecnológico, vital ao movimento da modernidade, mas também fornece, por meio de seu instrumental teórico, a possibilidade racional do entendimento dessa própria característica fundante do nosso tempo (cf. Castoriadis, 1997; Lacey, 1998, p. 87).

A expressão "ciência e tecnologia" ganha contornos conceituais nas discussões de desenvolvimento social (para não dizer, simplesmente, econômico) como uma unidade, na qual a ciência tem um valor diferenciado. Esse valor diferenciado advém do fato de que a ciência é compreendida como neutra e objetiva e, por isso, como esfera autônoma. A objetividade científica é entendida como o resultado da autonomia da ciência: Robert Merton foi pioneiro, ao mostrar a necessidade, não apenas de estudar a influência da ciência sobre a sociedade, mas também e, sobretudo, a da sociedade sobre a ciência. Resulta disso um problema fundamental: se a ciência tem que ser autônoma, como é possível estudar as condições sociológicas de seu funcionamento social? Esse estudo, por si só, deveria mostrar que a ciência, longe de ser autônoma, estaria presa a suas estruturas sociais de determinação. A solução mertoniana (cf. Merton, 1973, 1996) consiste em mostrar que esta estrutura apóia-se em um ethos e em um conjunto de aparatos, que valorizam, como prática coletiva, a autonomia da ciência. Merton é a expressão máxima do que Bruno Latour caracteriza como o mito moderno da autonomia científica (cf. Latour, 1997, 1999a).

Já o termo tecnologia carrega consigo a marca da "supremacia tecnológica, como forma de dominação".2 2 "A expressão `ciência e tecnologia', na linguagem corrente, designa uma unidade e, entre o público em geral, a ciência tende a ser valorizada por suas contribuições à tecnologia. Em contraste, a tradição da ciência moderna considera a tecnologia como um mero subproduto e valoriza a ciência primordialmente pelo entendimento do mundo que ela proporciona. Essa tradição interpreta a ciência como algo que existe em função da apreensão da estrutura causal do mundo e da sintetização de suas possibilidades, não por causa de seus subprodutos tecnológicos (embora sempre se possa contar com eles)" (Lacey, 1998, p. 113). No senso comum, a ciência é freqüentemente considerada como a parte pura, limpa das impurezas sociais, políticas e econômicas, enquanto que a tecnologia é compreendida como estratégica política e econômica, e essa compreensão não é apenas do senso comum. A visão mertoniana das instituições científicas apóia-se na existência de organizações que protegem os juízos científicos das pressões sociais. A epistemologia popperiana exprime essa proteção na idéia de que a objetividade científica vem do exercício crítico, levado adiante pelos cientistas, pela intersubjetividade científica. Ambas as visões compreendem o cientista e a comunidade, formada por eles, como uma esfera autônoma da vida social e, por isso, como a única capaz de julgar a si mesma. Só a comunidade cientifica tem os requisitos para avaliar sua própria atuação e desenvolvimento. A avaliação "por pares" é o exemplo emblemático desse mecanismo.

Isso explica os atrativos da ciência: um padrão de racionalidade, que dá conta não só de explicar o funcionamento do mundo (e do universo), mas também de desenvolver mecanismos de monitoramento e controle de determinados processos naturais e de si mesma. É com essa força que a ciência se estabelece e reveste-se de uma autoridade sem igual (cf. Lacey, 1998, p. 88). Ao mesmo tempo em que esse padrão de entendimento científico aprofunda o conhecimento do funcionamento da natureza e das relações sociais estabelecidas, proporciona também o desenvolvimento tecnológico que viabiliza o controle sobre a própria natureza e a mudança dessas relações. São as crises ambientais de causa "natural" ou antrópica (o tsunami e as mudanças ambientais globais, por exemplo) e a intervenção no código genético que geram questionamentos e demandas à ciência e ao desenvolvimento tecnológico, ambos constitutivos do mundo moderno. As dificuldades de explicação e controle da natureza são pontos-chave na dinâmica histórica da constituição da ciência, como padrão de entendimento.

É nessa dualidade – entendimento e controle (cf. Castoriadis, 1997) – que os êxitos tecnológicos passam a servir, para a sociedade, como evidência da veracidade das teorias que compõem a ciência (cf. Lacey, 1998). É a capacidade das sociedades humanas incorporarem (ou não) essa dualidade da relação entre ciência e tecnologia, na forma do desenvolvimento tecnológico decisivo para seu tempo histórico, que determina a capacidade de transformação de suas estruturas sociais (cf. Castells, 2003, p. 44). A importância da tecnologia na estruturação das novas formas sociais implica um novo padrão de desenvolvimento, que Castells denomina de informacional (2003, p. 53), no qual a tecnologia de geração de conhecimento, de processamento de informação e de comunicação de símbolos fomenta uma ação do conhecimento sobre os próprios conhecimentos, gerando, por sua vez, mais produtividade. A necessidade de processamento de informação, por exemplo, gera uma melhoria na tecnologia do próprio processamento de informação que, por seu lado, gera mais conhecimento, que melhora a tecnologia de processamento de informação, criando um círculo produtivo de interação ciência-tecnologia (cf. Castells, 2003, p. 54). É o entendimento do mundo ampliando as possibilidades de controle e transformação, as quais, por sua vez, ampliam o próprio entendimento.

É nesse sentido que deve ser compreendida a relação entre ciência e tecnologia, pois é ela que "dá conta das pretensões universais da racionalidade científica" (Lacey, 1998, p. 94). Lacey argumenta que a forma de entendimento que fracassar na cunhagem de um sentido ao sucesso do desenvolvimento tecnológico não contemplará as pretensões à racionalidade universal da ciência (constitutiva da modernidade) e, por isso, essas demais formas de entendimento (religiosas, por exemplo) não serão socialmente aceitas como científicas. Nessa interpretação, outras formas de entendimento não são portadoras de um padrão de racionalidade que lhes confira um valor, que possa ser transportado para um juízo racional. Esse imbricação entre ciência e tecnologia torna-se mais forte e determinante no momento em que a própria tecnologia deixa de ser subsidiária do desenvolvimento da vida em sociedade e passa a ser constitutiva do auto-entendimento da sociedade, tornando-se o centro da vida prática e, por isso, "requerendo explicação".3 3 "Uma forma de entendimento que fracassa em fazer sentido do sucesso tecnológico (e das bem-sucedidas intervenções na natureza por meio dos experimentos a ele associadas) fracassa com respeito à aspiração de abrangência. O sucesso tecnológico tinha de ser entendido, ou então o mundo da experiência vivida seria manifestamente compreendido de maneira incompleta, uma vez que a tecnologia havia se movido das margens para o centro da vida. É neste sentido que a conquista tecnológica requer explicação, que ela não pode ser ignorada" (Lacey, 1998, p. 103).

A força da teoria científica vem de sua capacidade de explicar e predizer o funcionamento das máquinas, que torna legíveis os padrões da natureza e é capaz de monitorar, controlar e modificar os processos naturais e/ou modificar as relações humanas. Marx já definia, não só em O capital (Marx, 1988 [1867]), mas também em outras obras, tal como nos Manuscritos econômicos e filosóficos (Marx, 1975 [1844]), a aplicação sistemática da ciência à produção, como uma das formas de caracterização do capitalismo. Assim, é no capitalismo que a imbricação entre ciência e tecnologia passa a ser constitutiva do auto-entendimento da sociedade. E é na plena consciência dessa imbricação que áreas do conhecimento, que lidam conjuntamente com o desenvolvimento teórico e tecnológico, passam a ganhar força significativa, dentre elas, as tecnologias da informação (sistemas de informação geográfica ou bioinformática/biotecnologia, além dos desenvolvimentos farmacêuticos e de nanotecnologia, por exemplo) e a ciência ambiental (no singular ou no plural ou, mesmo, da sustentabilidade), para citar duas delas. Essas novas áreas ganham força na atualidade, pelo fato de associarem fortemente a ciência e a tecnologia aos novos temas de preocupação social.

A ciência, entendida dentro dessa relação (ciência-tecnologia), compreende o papel das teorias científicas como sendo um conjunto de explicações que dão conta do entendimento do mundo. É o entendimento das experiências práticas cotidianas que não são explicáveis por outras formas de entendimento, como as religiosas (cf. Weber, 1978, 1989). Daí a força da explicação e racionalidade científicas, em termos de entendimento do mundo: é o entendimento científico que explica os novos e importantes objetos da experiência vivida. E é dessa relação – ciência e tecnologia – e dessa definição de teoria científica, que Lacey considera:

Uma teoria viável de objetos materiais deve ser capaz de oferecer uma explicação dos sistemas materiais de maior importância para as atuais atividades produtivas, especialmente as atividades que são cruciais na moldagem da ordem social, um princípio justificado com base no fato de que esperamos de uma forma de entendimento que ela primordialmente e acima de tudo forneça sentido ao mundo da experiência vivida (Lacey, 1998, 106).

A definição proposta por Lacey é interessante, pois insere a teoria científica na sociedade, sendo a capacidade explicativa do mundo da experiência vivida e de seus objetos o ponto crucial de sua afirmação como científica. Para que o mundo da experiência vivida ganhe contornos conceituais mais específicos, há que ser aqui compreendido, no sentido habermasiano, de "mundo da vida".

Como conceito complementar ao de "ação comunicativa" (cf. Habermas, 1987, p. 119), o de mundo da vida funciona como pano de fundo, que possibilita a resolução da questão kantiana, do abismo intransponível (a separação entre o objeto e sua representação) e, por sua vez, constitui um horizonte para o entendimento (cf. Habermas, 2000, p. 416). Vale a pena salientar que Habermas compreende a sociedade como sendo simultaneamente um sistema e um mundo da vida (cf. Habermas, 1987, p. 120), no qual o mundo da vida é o horizonte, em que a ação comunicativa está sempre em movimento, porém limitado e modificado pela transformação estrutural da sociedade como um todo. Para Habermas, o mundo da vida só é passível de ser apreendido de maneira pré-reflexiva, tornando necessária uma perspectiva constituída teoricamente, para que a ação comunicativa possa atuar como medium, por meio do qual o mundo da vida se reproduz (cf. Habermas, 2000, p. 417).

Nesse sentido, a análise da produção da ciência, a partir da imbricação entre ciência e tecnologia, tal como exposto acima, permite integrar os dois "mundos" habermasianos, pois a ciência constitui e determina a racionalidade instrumental e, ao mesmo tempo, por meio do desenvolvimento tecnológico, modifica profundamente o mundo da vida. Essa modificação é, por seu lado, também objeto da ciência, o que faz com que esta forma de entendimento do mundo atue como ponte entre o sistema e o mundo da vida. Habermas abre essa possibilidade analítica, ao discutir o papel da filosofia na contemporaneidade, no primeiro texto de seu livro Morale et communication (1986). Para o autor, o papel da filosofia é o de interpretar o mundo da vida, atualizando sua relação com a totalidade (cf. Habermas, 1986, p. 39), na qual a ciência e o desenvolvimento tecnológico são elementos-chave na constituição, tanto do sistema com sua racionalidade instrumental, quanto do mundo da vida. Esta maneira de entender o papel chave da ciência, proposto por esse estudo, permite inseri-la na estrutura social, sem que ela perca a autonomia, que lhe é característica e essencial.

Essa forma de articular ciência e tecnologia possibilita uma chave interpretativa para um tema caro e crucial da sociologia da ciência, que é a relação entre ciência e sociedade. É nessa discussão da sociologia da ciência e nessa perspectiva interpretativa que este artigo se insere.

Compreender os elos entre ciência e tecnologia significa, dada a definição aqui aceita de ambas, considerar a produção do conhecimento científico como intrínseca às práticas políticas, econômicas e sociais constitutivas dela própria; uma relação de imbricação, na qual a estruturação hierárquica ou causal é difícil de discernir. A tese estabelecida, a partir dessa compreensão de ciência e tecnologia, é de que a ciência, como forma privilegiada de produção do conhecimento na modernidade, determina e é determinada, epistemológica e metodologicamente, tanto pelo sistema e sua racionalidade instrumental, quanto pelo mundo da vida. Dupla determinação, que configura essa forma de conhecimento em dois momentos de ciência e tecnologia distintos, porém intrinsecamente relacionados entre si e com a estrutura social que os constitui. Essa imbricação, ao contrário do que se argumenta, é o que dá centralidade ao entendimento produzido dessa forma.

Conforme já mencionado, o sentido desta tese é fortalecer a afirmação de que o fato de a ciência estar amalgamada – ou empregando o conceito cunhado por Granovetter (1985), imbricada (embedded) – com as relações sociais não é uma fraqueza dessa forma de conhecimento, pelo contrário, é exatamente pela força dessa relação que a ciência é o padrão de racionalidade que se sobrepõe aos demais padrões de entendimento. Ao mesmo tempo, reconhecer a inserção da ciência na sociedade escapa da banalidade e ganha contornos mais específicos, quando se analisa o mito da autonomia, neutralidade (principalmente nas ciências naturais) e objetividade da ciência. Como bem apresenta Lacey, é o fato da ciência explicar as experiências da vida e, ao mesmo tempo, proporcionar um desenvolvimento tecnológico, que viabiliza o entendimento e o controle sobre a natureza, que dá força – teórica e política – a esse padrão de racionalidade. Essa força deriva, também, do mito da autonomia da ciência e sua imparcialidade, que é constitutivo da sociedade moderna (cf. Latour, 1997).

O conteúdo da produção científica não é estabelecido intramuros na relação entre o cientista, seu objeto e seus colegas: ele vem – é o que mostra a sociologia contemporânea da ciência – dos inúmeros atores, dos quais a ciência depende e com os quais dialoga e negocia permanentemente. Essa afirmação não desqualifica a produção do conhecimento como menos neutra ou objetiva, pelo contrário, explicita a imersão da produção do conhecimento nas relações sociais e dá nova possibilidade à conceitualização de objetividade e da neutralidade, não só nas ciências sociais, mas também nas ciências da natureza. Amplia, com isso, a possibilidade de diálogo, não só entre elas, mas também com o conjunto da sociedade, da qual fazem parte constitutiva (cf. Latour, 1999a). Ao mesmo tempo, é necessário não confundir a abordagem latouriana com as dos pós-modernos: a ciência pode, sim, ser julgada pelo valor de suas proposições e juízo. A ciência é a estrutura de articulação da rede sócio-técnica, que caracteriza a produção do conhecimento e a conseqüente explicação, bem como o desenvolvimento tecnológico, característico das sociedades modernas. A pesquisa é um aspecto dessa rede sócio-técnica, que se articula entre teorias, conceitos e pessoas, e se exprime como rede, no momento em que se percebe que os melhores cientistas negociam permanentemente com o governo, os movimentos sociais, os financiadores privados, a imprensa, a opinião pública, mas só o podem fazer, se tiverem reconhecimento de sua própria comunidade, sob forma de publicações, prêmios, entre outras.

O problema epistemológico da demarcação ressurge na atualidade, com força, pelo próprio reconhecimento de que a produção do conhecimento pode ser e, em muitos casos, é realizada tanto pelo senso comum, quanto pela ciência. A possibilidade de obter clareza com relação à demarcação entre o conhecimento produzido segundo a lógica científica e outras formas de conhecimento volta a ser objeto de debate, a partir do momento em que a sociedade percebe as fraquezas da ciência, diante da crescente incerteza sobre os processos de controle e conhecimento da natureza e, ao mesmo tempo, questiona a posição privilegiada do cientista na arena de discussão política, de tomada de decisão acerca dos desenvolvimentos tecnológicos, que influenciam no mundo da vida.

É nesse momento que o tema da demarcação – classicamente considerado como popperiano (cf. Magee, 1974) – aproxima-se da análise latouriana de funcionamento da pesquisa como uma rede sócio-técnica. A questão acerca da necessidade de demarcação do que é e do que não é ciência toma um rumo diferenciado na atualidade, não mais o de excluir do processo de tomada de decisão social o conhecimento produzido fora do campo científico, mas, sim, o de estabelecer, com maior clareza, os limites desse campo, tanto em termos de entendimento do mundo, quanto em termos de peso nas tomadas de decisão. Questiona-se, cada vez mais, o fato dos cientistas serem a única voz na tomada de decisão, com relação aos processos de desenvolvimento tecnológico, que implicam controle e transformação da natureza.

Karl Popper, autor que teve papel decisivo na discussão da demarcação, considera que o crescimento e a transformação do conhecimento são realizados tanto pelo senso comum, quanto pelo conhecimento científico, sendo este último o caso mais interessante de crescimento, pois é por meio dele que é acelerado e incrementado o desenvolvimento do conhecimento e de suas derivações tecnológicas (cf. Popper, 1959, p. 17). A aceitação de que o conhecimento produzido, sob a chancela de científico, tem um valor social diferenciado restabelece com grande força o problema da demarcação do que é e do que não é científico na discussão epistemológica. É nesse contexto que se insere a presente discussão do tema da demarcação.

Propor um critério normativo, que possibilite demarcar, com clareza, a metafísica e a ciência empírica, é objetivo de diversos autores da filosofia da ciência, tendo, como ponto de partida, a proposta de Popper da "falseabilidade" dos enunciados. Para Popper, existe uma assimetria entre verificação e falsificação, que resulta da forma lógica dos enunciados universais, característicos das teorias científicas. Esses enunciados universais não são derivados de enunciados particulares (a sua crítica ao indutivismo), mas podem ser negados por enunciados singulares. Essa assimetria é o que dá a Popper a possibilidade de definir um critério claro de demarcação, pois se o método basear-se na possibilidade de verificar a verdade de um enunciado e sendo a verificação impossível, obtém-se uma definição metodológica pouco segura de demarcação. Já o falseacionismo é um critério seguro de demarcação, pois existe sempre a possibilidade de enunciados singulares falsearem os enunciados universais. Não se escapa, e Popper reconhece, do problema da base empírica, que é constitutiva dos enunciados singulares (cf. Popper, 1959, Cap. 7) e como esses serão testados. Popper argumenta que o problema da base empírica não está só relacionado à prática da pesquisa, mas é um problema de lógica, de teoria do conhecimento. Existe, para ele, uma conexão obscura entre a experiência perceptiva e os enunciados básicos (que servem como premissa de um falseamento empírico). A solução proposta é a da separação entre o psicologismo subjetivo e as relações lógicas objetivas. É nesse sentido que, para Popper, a ciência é objetiva, isto é, deve ser justificável, independentemente da vontade individual.

Para Popper (1959, Cap. 8), o conhecimento é objetivo, se sua justificação puder ser reproduzida – ou aceita em seu fundamento empírico – por qualquer membro da comunidade científica, de modo que as teorias científicas não são completamente justificáveis ou verificáveis, porém são testáveis. A objetividade científica está no fato de que as teorias podem ser intersubjetivamente testáveis (1959, p. 44) e que, para tal, devem ter um caráter de hipótese universal (1959, p. 45). Essa necessidade de objetividade, tanto para os enunciados básicos, quanto para qualquer outro enunciado científico, impossibilita a redução da verdade dos enunciados científicos à experiência. Os enunciados que pertencem à base empírica da ciência devem ser também intersubjetivamente testáveis, formando um sistema, para o qual não existem, na ciência, enunciados que não sejam passíveis de teste:

Sistemas de teorias são testados, deduzindo-se deles enunciados de nível inferior de universalidade. Esses enunciados por sua vez, dado que devem ser intersubjetivamente testados, devem ser testáveis de maneira parecida – e assim ad infinitum (Popper, 1959, p. 47).

Popper (1978; 1982a; 1982b) considera um erro admitir que a objetividade da ciência depende da objetividade do cientista, embora a objetividade venha da crítica recíproca. Nesse sentido, é um erro considerar que as ciências da natureza são mais, ou menos, objetivas que as ciências sociais (1978, 11ª Tese). Apesar dos critérios estabelecidos por Popper, desde a publicação do The logic of scientific discovery, em 1959, serem a base da discussão da demarcação, os seus limites, principalmente, para a produção do conhecimento em ciências sociais, mas não só para elas (cf. Mayr, 1997, para a biologia) também reforçam o debate em torno do tema. Os critérios estabelecidos por Popper influenciaram a compreensão, não só por parte da sociedade, mas, principalmente, pela comunidade científica (com grande ênfase nas ciências da natureza), do que se aceita como conhecimento científico. Nesse sentido, esses critérios não podem ser descartados, apesar das críticas contundentes que sofrem, porém, para fazerem sentido, na atualidade, devem ser re-conceitualizados, e a questão da demarcação, discutida em outros termos.

Compreendendo a importância dos critérios estabelecidos por Popper, Lacey (1998) recupera e re-conceitualiza alguns deles, levando em consideração o estreito vínculo entre ciência e tecnologia e imbricação na estrutura social. Esse autor entende a neutralidade como "uma tese sobre as conseqüências das teorias científicas" (Lacey, 1998, p. 14). A tese da neutralidade da ciência ganha contornos mais específicos, quando discutida em conjunto com um outro componente constitutivo do mito da autonomia da ciência: o da imparcialidade. A imparcialidade é entendida por Lacey como "uma tese sobre as razões epistêmicas ou cognitivas para aceitar ou rejeitar teorias" (1998, p. 14). O argumento é que os critérios de escolha racional de teorias estão baseados em um conjunto de valores cognitivos e não em regras ou algoritmos. Para ele, a escolha racional realizada por meio dos valores cognitivos está relacionada com a aceitação de determinadas relações entre teorias e dados empíricos disponíveis.

Tanto a discussão da neutralidade, quanto a da imparcialidade da ciência estão relacionadas à construção e à aceitação social de valores cognitivos, que validam uma teoria como científica, elementos importantes na demarcação da ciência. Para Lacey (1998), diferentemente da tradição da filosofia da ciência, que considera que a sustentação dos juízos científicos está relacionada à conformidade com regras metodológicas estabelecidas a priori, um juízo científico correto está relacionado a um conjunto de valores cognitivos, que permeiam, principalmente, o diálogo da comunidade científica (a tese popperiana de que a ciência é crítica (cf. Popper, 1982a), mas também perpassam esse locus de discussão e abrangem outros elementos da vida social. Assim sendo, "os valores cognitivos devem cumprir tanto encargos explicativos quanto normativos" e funcionam "num contexto que não apenas está em contato genuíno com a prática científica, mas em que também se reconhece a susceptibilidade dessa prática à crítica racional e a transformações que constituem respostas a tal crítica" (Lacey, 1998, p. 65). Os valores cognitivos – tais como todos os valores – têm uma dimensão universal e específica, e nessa junção é que se manifesta a possibilidade de estabelecimento de um juízo científico correto.

A possibilidade de estabelecer um juízo científico correto está relacionada com a natureza do entendimento científico. O tema da demarcação surge, nos tempos atuais, aguçado por questões de ética e de crise ambiental, juntamente com a questão de se"o entendimento científico é o único entendimento racional do mundo ou se é apenas uma entre várias formas de entendimento" (Lacey, 1998, p. 15). A resposta de Lacey vem da definição do que se compreende por entendimento. Para ele, apesar do entendimento científico ser contextual, existe um conjunto de componentes que fazem parte desse conceito:

(1) uma afirmação a respeito do que é: o tipo de coisa que ela é, as suas propriedades, os seus comportamentos e as suas relações, e as suas variações temporais; (2) uma afirmação a respeito de por que uma coisa é o que é; (3) uma afirmação a respeito de suas possibilidades [...] (Lacey, 1998, p. 16).

Tal definição de entendimento requer o resgate de perguntas formuladas por Kuhn, tais como:

quais são as entidades fundamentais que compõem o universo? Como interagem essas entidades umas com as outras e com os sentidos? Que questões podem ser legitimamente feitas a respeito de tais entidades e que técnicas podem ser empregadas na busca de soluções? (Kuhn, 1995, p. 23).

Para Kuhn, as ciências desenvolvidas são caracterizadas por terem respostas a tais questões. São essas respostas que caracterizam o entendimento científico, conformado em paradigmas. Para ele, a questão da demarcação é resolvida pela comunidade científica, organizada como ciência normal. São os parâmetros e o paradigma da ciência normal que estabelecem historicamente os critérios de neutralidade, imparcialidade e objetividade da ciência. Os limites da tese de Kuhn também são amplamente discutidos, principalmente, com relação à impossibilidade de coexistência de paradigmas conflitantes. Lacey, em contraposição às idéias de Kuhn, argumenta sobre a possibilidade de coexistência de paradigmas conflitantes, em diferentes cenários institucionais (cf. Lacey, 1998, p. 26). Neste caso, para Lacey, os valores sociais têm um papel importante na escolha entre paradigmas conflitantes, tanto para as ciências sociais, quanto para as naturais, mesmo que nestas últimas seja mais rara a existência de dois paradigmas.

Compreender analiticamente o papel da ciência na sociedade moderna significa mostrar que o essencial, para o seu estabelecimento como um juízo (cognitivo), é o fato dela estar inserida e em relação de autodeterminação social: a imbricação. A força do juízo cognitivo desta forma de entendimento está no fato de que, apesar de imbricada, a ciência é reconhecida como autoridade específica. O interessante dessa argumentação é que é válida tanto para as ciências sociais, quanto para as naturais. Ainda que estas últimas costumem ser interpretadas como neutras, imparciais e isentas de valores sociais, e não se perceba que a força de suas teorias está exatamente na imbricação, da qual se constituem, e se expressa na sua relação (de fomento e explicação) com a tecnologia.

O que atrapalha a compreensão de que a força do processo de produção do conhecimento, tanto nas ciências sociais, quanto naturais, está na sua inserção na estrutura social é considerar que a imbricação prejudica a neutralidade e objetividade da ciência, aprofundando, com isso, o problema da demarcação, já que se compreende que uma ciência objetiva é, necessariamente, neutra, imparcial e autônoma. O que não é necessariamente o caso, desde que se alargue tanto o conceito de neutralidade, quanto o de imparcialidade, assim como o de autonomia, de modo a incluírem não só juízos cognitivos, mas também valores sociais. Estar imbricado nas estruturas sociais não significa estar livre de quesitos fundamentais ao padrão de racionalidade que constitui o entendimento científico, tais como o de neutralidade, imparcialidade, objetividade e autonomia. Pelo contrário, são esses critérios que podem estabelecer os limites do campo científico, em sua autonomia, no sentido de obedecer a padrões de racionalidade definidos universalmente pela comunidade científica. Esse critério de demarcação, composto por esse entendimento da relação ciência-tecnologia-sociedade e parametrizado por tais critérios, é o que dá força explicativa a esse padrão de entendimento: a universalidade dessa forma de compreensão da experiência vivida e de seus objetos.

Analisar a produção do conhecimento, segundo essa perspectiva interpretativa, implica uma abordagem específica da sociologia da ciência, que permita e viabilize a análise do processo de produção do conhecimento e do momento no qual a ciência está sendo feita, tanto em termos práticos da pesquisa, quanto em termos de desenvolvimento teórico. Para tal, propõe-se a análise da relação entre ciência e tecnologia, por meio do estudo do processo de produção do conhecimento de um caso ilustrativo. O caso escolhido para estudo foi o programa de pesquisa intitulado Experimento de Grande Escala de Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA).

O LBA é um programa de pesquisa de cooperação internacional, liderado pelo Brasil, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, que tem como objetivo analisar a interação biosfera-atmosfera de florestas tropicais, mais especificamente, da região amazônica, e seu papel na mudança climática local e global. O LBA constitui provavelmente o mais importante e controverso programa de pesquisa do governo brasileiro sobre a Amazônia:

[...] um experimento altamente internacionalizado, mas singular no fato de que a liderança e muito do ímpeto intelectual vem da nação hospedeira, Brasil, com o apoio de um amplo leque de agências de pesquisas tanto brasileiras quanto de outros países desenvolvidos. O estudo do LBA é pioneiro na ciência, metodologia e um novo modo de colaboração internacional (Schimel, 2004, p. S1).

Como importante programa de pesquisa, o LBA deve ser considerado não simplesmente como um caso específico, mas como um "caso ilustrativo", no sentido de que "não estão aí para provar e sim para explorar a maneira pela qual descrevemos as situações" (cf. Stengers, 2002, p. 29).

A escolha de um programa de pesquisa pode ser entendida a partir da argumentação de Imre Lakatos (1984), que afirma que a unidade descritiva de grandes descobertas científicas não são as hipóteses isoladas, mas o programa de pesquisa (cf. Lakatos, 1984, p. 4). É pela análise dessa unidade básica da ciência que, na visão de Lakatos, os problemas levantados tanto por Popper, quanto por Kuhn, podem ser resolvidos. O LBA é um programa de pesquisa, não só no sentido institucional do termo, mas, principalmente, no sentido epistemológico, pois congrega, sintetiza e formula questões paradigmáticas – no sentido kuhniano explicitado nas questões citadas acima, por ele formuladas – sobre a relação biosfera-atmosfera.

A abordagem escolhida para analisar a relação entre ciência e tecnologia na produção do conhecimento, tal como especificado por meio do estudo de caso de um programa de pesquisa – o LBA –, é a da sociologia da ciência, mais especificamente, a perspectiva do estudo das ciências e das técnicas (ECT) (cf. Latour, 2000b). Essa perspectiva tem como princípio metodológico discutir a ciência a partir do estudo das pesquisas em andamento e não apenas de seus resultados (cf. Latour, 1993a). Para o ETC, o objeto de análise corresponde às pesquisas, no momento em que estão sendo realizadas, pois é nesse momento que se pode observar a ligação mais estreita com o mundo social. Por meio do estudo da pesquisa, enfoca-se a ciência, enquanto o inverso não é verdadeiro (cf. Latour, 1993a). A ciência pronta encontra-se fechada em uma caixa de Pandora (cf. Latour, 2000b), que se apresenta na forma de resultados publicados em revistas especializadas. Resultados limpos e livres dos processos sociais constitutivos da produção do conhecimento e dos laços de intercomunicação entre a ciência e sua imbricação com a sociedade. Abrir a caixa de Pandora, expressão querida de Latour, é a melhor maneira de se compreender o intrincado processo de construção do conhecimento, pois a pesquisa é o processo de produção da ciência. Assim, é no andamento da pesquisa que se pode conhecer a imersão social do conhecimento. Não só entender essa inserção, mas, também, perceber e compreender a importância dessa inserção no próprio desenvolvimento da ciência, e como essa relação de mútua determinação é essencial para a formação de um juízo cognitivo, que possibilite a aceitação (no sentido de padrão de entendimento universalmente aceito) das teorias desenvolvidas dentro do processo social.

Latour desenvolveu uma série de estudos voltados à análise da relação "ciência e tecnologia", vida cotidiana e objetos técnicos (Latour, 1993a, 1993b, 1993c; 1999a; 2000b). Em especial, a proposta da actor-network theory (ANT) teve um papel importante na análise do estudo de caso escolhido e funcionou como fio condutor da pesquisa de campo, realizada para a elaboração da tese (cf. Law & Hassard, 1999). Para Latour, a proposta do ECT é complementada pela ANT, que tem, como foco, o movimento na rede sócio-técnica (cf. Latour, 1999b, p. 17) do processo de interação entre os objetos técnicos, a ciência e a sociedade. E é essa capacidade de concentrar-se nesse movimento que permite considerá-los de maneira integrada, levando em conta que os atores sabem o que fazem e que o pesquisador deve apreender, não só o que eles fazem, mas também como e por que (cf. Latour, 1999b, p. 19).

Stengers (2002), em seu livro dedicado a Latour, desenvolve a idéia da inseparabilidade, desde Galileu, entre retórica científica e ficção. Para a autora, Galileu faz uso do poder da ficção, quando descreve o movimento uniformemente acelerado, no Discurso sobre duas novas ciências, pois a força e o poder do enunciado estabelecido nesse discurso residem na forma em que a linguagem tem de inventar e utilizar argumentos racionais, que "submetem os fatos, que criam ilusões de necessidade, que produzem aparente submissão do mundo a definições `elaboradas no abstrato'" (Stengers, 2002, p. 98). A construção de dispositivos experimentais, que representam fenômenos da natureza, conjugada com a linguagem abstrata, define um campo específico da ficção: o campo da ciência. São ficções especiais, pois estão respaldadas em um determinado tipo de enunciado, baseado em linguagem conceitual abstrata – daí a importância da matemática, como linguagem da ciência, desde o argumento de Galileu sobre os dois livros – da Fé e da Natureza – e suas linguagens específicas. O que define "o que é científico", retomando o tema da demarcação, é, nas palavras de Stengers (2002) e Latour (2000a), o poder de fazer falar o fenômeno e "calar" os rivais. É este o poder da ciência, que constitui um padrão dominante de racionalidade e de entendimento do mundo, superando as outras formas de entendimento.

A força da teoria científica vem dessa capacidade de explicar, em linguagem universal, e predizer o funcionamento das máquinas, que tornam legíveis os padrões da natureza e são capazes de monitorar, controlar e modificar os processos naturais e/ou modificar as relações humanas. A objetividade, nesse sentido, dá-se, conforme o postulado de Popper, não na atitude do cientista, mas sim na capacidade de crítica recíproca (cf. Popper, 1978, 11ª e 13ª teses), que está relacionada à conformidade da linguagem: esta precisa ser passível de compreensão universal independente dos valores sociais específicos.

É nessa concepção de objetividade, constitutiva da discussão aqui proposta de ciência e tecnologia, que o conceito de rede, utilizado pela ANT, torna-se interessante. Para Latour (2000a, p. 113), uma rede significa a presença de várias pequenas coisas, que não são sociais por `natureza', mas tornam-se sociais quando associadas entre si. Social, no sentido aqui empregado por Latour, é a forma de ligação entre as coisas e não uma `substância', ou domínio da realidade. Deve-se considerar o social como construído pelas técnicas e pela matéria (como uma referência circulante), o que permite uma análise da imbricação na sua complexidade e em movimento.

Assim, a objetividade é vista como a presença de objetos, que se tornam capazes de "objetar" ao que está sendo dito deles.4 4 "Se os cientistas sociais pretendem tornar-se objetivos, terão de encontrar a situação muito rara, custosa, local, milagrosa, na qual eles podem tornar seu objeto de estudo, tanto quanto possível, capaz de objetar ao que é dito sobre ele, ser tão desobediente quanto possível ao protocolo e ser também capaz de levantar suas próprias questões, em seus próprios termos, e não naqueles do cientista, cujos interesses eles não têm que compartilhar" (Latour, 2000a, p. 116). Com esta definição de objetividade, Latour considera que o problema do estudo do objeto humano não é a influência do pesquisador na pesquisa e nem o fato do pesquisador tratá-lo como `coisa', mas o fato de que ele – o objeto pesquisado – perde a `recalcitrância' (a obstinação e a teimosia) e quer ajudar a pesquisa a dar certo.

Assim entendido, para Latour, a "boa" ciência social não é aquela que faz o jogo (imaginado) das ciências naturais, inventando infra-estruturas e sistemas fechados, mas aquela que é capaz de modificar a representação que o objeto (neste caso, os atores envolvidos) faz de si mesmo. O ideal é que essa modificação ocorra o mais rápido possível, para ter-se certeza de que maior número de objeções será feita à representação construída. Essa crítica ressalta o esforço feito por Latour em questionar a autoridade do cientista como última instância de tomada de decisão nos debates públicos. No caso de temas ambientais polêmicos os transgênicos ou a vaca louca, por exemplo não se deve perder de vista essa crítica, principalmente quando se está pensando em uma relação de ciência e tecnologia, que incorpore os valores sociais nos valores cognitivos.

A discussão acerca da necessidade de analisar a questão da demarcação e os parâmetros que qualificam a ciência, dentre eles, os de autonomia, neutralidade, objetividade e imparcialidade, de forma historicamente específica, e não transhistórica, isto é, compreender os conceitos de maneira não-ontológica implica uma leitura da teoria da história, que vislumbra a possibilidade de mudança. Com relação à teoria da história, é necessário ainda tecer dois comentários. Primeiro, quando se afirma a necessidade de fazer uma constituição histórica dos conceitos, não se está desconsiderando o papel dos mesmos na análise. Ao contrário, isso implica uma reflexão histórica dos conceitos-chave da modernidade (razão, universalidade, justiça, homem e natureza), que têm um papel crítico, quando recolocados na perspectiva da especificidade histórica (cf. Postone, 1996, p. 66), e que, para o debate sobre meio ambiente, são fundamentais.

Esse papel crítico, em segundo lugar, diz respeito à atitude de `estranhamento', implicada pela perspectiva da especificidade histórica dos conceitos: é um estranhamento com relação à própria forma cognitiva (cf. Ginzburg, 1998, p. 41). À primeira vista, uma colocação como esta pode parecer totalmente anti-científica, da perspectiva popperiana. No entanto, tendo em vista, especialmente, a reação de Popper à crítica de Adorno (cf. Popper, 1978), pode-se compreender melhor a necessidade, bastante explicitada pelo autor, de que a hipótese seja objeto de falseamento, antes do que de comprovação. O posicionamento crítico, inerente a essa perspectiva, a do falseamento, coloca o cientista na perspectiva do estranhamento em relação ao objeto. E é essa postura – do posicionamento crítico – que caracteriza a dificuldade do simples enquadramento de Popper como positivista e, por isso, inadequado para pensar uma ciência imersa nas contradições sociais.

Esta chave da leitura que Latour faz da produção teórica implica uma teoria da história específica, abrangendo desde o procedimento da pesquisa até uma audaciosa elaboração teórica, que possibilita esta tese basear-se fortemente na abordagem específica da sociologia da ciência – ECT – e de um estudo de caso ilustrativo, para a discussão dos laços entre ciência e tecnologia.

1 Reflexões acerca da ciência ambiental

O reconhecimento das profundas mudanças causadas pelo homem tanto nas leis quanto nos seres da natureza e do significado que essas mudanças têm para o futuro da sociedade humana gerou uma necessidade de abordar temas complexos, tais como as mudanças globais e a manipulação genética, de maneira integrada pelas diferentes ciências, a moral e a ética. Busca-se, por meio do estudo científico integrado, o maior controle social da ação humana sobre seu meio, sendo esta questão permeada por considerações éticas e morais. É esta a utopia científica de nossos tempos: a integração homem-meio ambiente ou, em termos mais abstratos e conceituais, sociedade-natureza, e o papel que a ciência e a tecnologia têm na produção do futuro.

Concomitantemente à especialização do conhecimento científico surgem determinados problemas que necessitam de um tratamento conjunto. Esses problemas ganharam na literatura no final do século xx o nome de "sistemas complexos" (cf. Legay, 1996; Costanza, 1996). A ciência dos sistemas complexos, que se volta para temas como o estudo do genoma humano e da mudança, necessita de especialistas trabalhando em equipes multidisciplinares.

Costanza, ao descrever os desafios epistemológicos da integração da economia com a ecologia e a necessidade de integrar os sistemas humanos aos ecológicos, define:

Sistemas complexos são caracterizados por: (1) interações fortes (normalmente não-lineares) entre as partes; (2) sistemas de retroalimentação complexos tornam difícil distinguir a causa do efeito; (3) descompassos significativos de tempo e espaço; descontinuidades, limiares e limites; todos resultando em (4) inabilidade de simplesmente "adicionar" ou agregar comportamento de pequena escala para chegar a resultados de grande escala (1996, p. 981).

Especificamente com relação à mudança global surgem alguns programas de pesquisa internacionais e multidisciplinares. O international geosphere-biosphere program – IGBP – promove um conjunto de programas de pesquisa com estas características tais como climate and environment in alpine region (CLEAR), integrated climate risk assessment (ICRA), global environmental change program in Africa (GECP-Africa), large scale biosphere-atmosphere experiment in Amazonia. Esses programas visam suprir uma demanda social por respostas científicas rápidas e amplas às ameaças da mudança global. A sociedade conta com a ciência para diminuir o risco e a vulnerabilidade às mudanças climáticas e os programas de pesquisa nesta área surgem como instituições com um forte papel social.

Os programas de pesquisa em mudança global têm um papel importante no desenvolvimento de modelos que auxiliem na previsão e na análise do risco e da vulnerabilidade social com relação à mudança climática e conseqüente mudança global. A pesquisa científica, organizada na forma de programas de pesquisa, realiza-se mundialmente por meio de diversas organizações de ensino e pesquisa. Recentemente, cientistas de diferentes nacionalidades e formações distintas têm feito esforços conjuntos com o objetivo de atender às demandas sociais referentes a esse processo de interferência humana no planeta. Esses esforços culminaram na formulação de programas de pesquisa de cooperação internacional. No campo científico da mudança global, um número considerável desses programas foi criado e já está produzindo resultados científicos. Esses programas mobilizam importantes instituições científicas que interagem diretamente com a sociedade em diferentes nações. Especificamente nos países em desenvolvimento, com instituições científicas frágeis, esse tipo de programa de pesquisa é a única instituição lidando com as questões relacionadas à mudança global.

Dado o fato de que os programas de pesquisa internacional lidam não só com cientistas de diversas nacionalidades, mas também com fronteiras nacionais e leis, uma estrutura institucional e organizacional única é necessária para tratar desse con-junto de elementos e atingir os objetivos científicos de uma ciência de sistemas complexos. Esses arcabouços institucionais, configurados na forma de programas de pesquisa de cooperação internacional, não só convivem com as demandas locais e nacionais, mas também com pesquisa em um ambiente multidisciplinar. Este ambiente complexo assume que existem instituições capazes de tratar com a complexidade da pesquisa científica tanto quanto com a interação com a comunidade local e nacional.

A comunidade científica e os atores tomadores de decisões com relação às políticas de fomento à pesquisa lidam com o desenvolvimento dos programas de pesquisa de diversas formas. Visam primordialmente à realização das propostas de pesquisa e da continuidade dos programas de pesquisa já em andamento. A questão da forma institucional do programa não é uma preocupação prioritária. Assim sendo, um desenho inovador das instituições não é realizado de antemão para facilitar a integração dos diversos componentes de pesquisa e da sociedade.

No caso do LBA, apesar de existir uma demanda por incorporar as ciências do homem, pouco se inovou com relação à estrutura organizacional (cf. Schor, 2005). Esta não é uma especificidade do LBA, pois o debate acerca do desenho ou formato institucional (institutional design) visando responder a perguntas do tipo "como podemos estruturar as instituições para maximizar sua performance?" (Young, 2000) passa longe da organização de programas de pesquisa. Essa situação piora quando se trata de incorporar, no programa, como é o caso do LBA, as ciências humanas com as ciências da natureza. A dificuldade oriunda da herança de estruturas organizacionais e das formas institucionais dos programas de pesquisa em meio ambiente revela, em um primeiro momento, o despreparo com relação às especificidades necessárias para as tentativas de pesquisa interdisciplinar em ciência ambiental.

Dado a urgência do ato de pesquisa, a maioria dos programas estabelecidos encontra diversas dificuldades,5 5 Foi relatado em mais de uma entrevista realizada com pesquisadores que participam de programas de pesquisa em mudanças globais que esses programas vêem-se obrigados a incorporarem cientistas da área de humanas devido ao edital de financiamento "e aí a gente tem que sair para catar um sociólogo no laço" (Entrevista concedida à autora por um dos pesquisadores do LBA). especialmente com relação à questão interdisciplinar entre as ciências humanas e naturais. Na maioria dos casos, a integração entre as diferentes ciências e a pesquisa de campo em países distintos torna-se um problema prático de difícil solução.

O arcabouço institucional tem um papel importante na criação de possibilidades de interação entre as diversas ciências envolvidas na pesquisa interdisciplinar. São os espaços criados que viabilizam o diálogo tanto epistemológico quanto metodológico entre as ciências humanas e naturais. A interação entre esses campos científicos distintos não se dá a partir de soluções teóricas a priori, ao menos quando se estuda programas de pesquisa nos quais a temática da interdisciplinaridade aparece explicitamente. No ato da pesquisa interdisciplinar a questão não é a capacidade de se elaborar um enunciado normativo de como deve ser a ciência interdisciplinar, a dificuldade está em estabelecer um conjunto de repertórios em comum que viabilize um diálogo sobre o que se deve perguntar e como se pode pesquisar (cf. Schor & Demajorovic, 2002). Nesse sentido, é necessário explorar a fundo as possibilidades de uma `ação comunicativa' que dependa não só da discussão epistemológica, mas também das formas institucionais e organizacionais que viabilizem o diálogo.

2 Produção científica e atuação política: conflitos acerca da neutralidade

O debate da pesquisa interdisciplinar em meio ambiente levanta a questão da relação entre a produção científica e a atuação política. Essa questão fica explicitada na demanda pela formação de profissionais informados que possam fomentar o debate público sobre as questões ambientais, bem como a transferência de informações científicas aos tomadores de decisões. É no debate de formulação de políticas públicas que as diferentes perspectivas de neutralidade das ciências humanas e das naturais entram em choque. Os cientistas da natureza acreditam e verbalizam que "fazem ciência e não política", frase recorrente nas reuniões do comitê científico do LBA, quando questionados sobre o reflexo político dos resultados da pesquisa do LBA, enquanto que os cientistas das ciências humanas, até pelo fato do objeto de pesquisa ser a ação humana e a sociedade, sabem que o limite do que é ciência e do que é política pode ser muito tênue.

Na visão dos pesquisadores das ciências da natureza, a ciência produzida pelo LBA é neutra com relação à política e, por isso, verdadeira e imparcial, podendo assim servir como base fixa de apoio à formulação de políticas públicas para a região. Já os pesquisadores das ciências humanas sabem que a escolha do objeto, a decisão metodológica e o arcabouço teórico escolhido para fazer uma pesquisa já embute uma visão de mundo, tema clássico na discussão sobre a objetividade, neutralidade e imparcialidade da pesquisa social (cf. Lefebvre, 2002; Bourdieu, 2001; Latour, 2000a; Löwy, 1994; Blaug, 1994, Hausman, 1992; Merton, 1996). O que não quer dizer que as ciências sociais não sejam neutras, imparciais e objetivas, muito pelo contrário, o grande esforço nas ciências sociais é, apesar da imbricação da ciência com a sociedade, produzir conhecimento que atenda a esses parâmetros. O que as diferencia é exatamente a conceitualização do que esses parâmetros significam. A abordagem dada por Lacey (1998), apresentada na primeira parte deste artigo, é a que mais se adequou para a análise proposta, pois reconfigura esses parâmetros – autonomia, neutralidade, imparcialidade e objetividade – para que incorporem os valores sociais entendendo a ciência como necessariamente imbricada na sociedade. Considerar como esses parâmetros básicos – neutralidade, imparcialidade e objetividade da pesquisa – permeiam a prática metodológica, epistemológica e institucional é chave, no caso analisado, para entender as dificuldades em incorporar um componente de dimensão humana e elaborar uma pesquisa em conjunto no LBA (cf. Schor, 2005).

Existe um esforço realizado por diversos autores em propor normativamente alternativas teóricas para a pesquisa em meio ambiente, que incorpore as ciências sociais e da natureza de maneira que se possa constituir um diálogo que levaria a uma epistemologia ambiental. Edgar Morin (1980), quando discute o método de pensamento e da ciência em seu livro La méthode, apresenta a interação homem-natureza por meio da análise do termo vida e da importância que o estudo da ecologia assume dentro da perspectiva de interação entre a sociedade e a natureza. Nessa perspectiva, Morin discute a ecologia como uma ciência complexa inseparável da consciência ecológica,6 6 "É impressionante que os desenvolvimentos atuais da ciência ecológica sejam inseparáveis do surgimento de uma `consciência ecológica'. Não que a ciência produza essa consciência ou que essa consciência produza a ciência. Mas a consciência ecológica estimula a ciência ecológica com suas inquietações e exigências. A consciência ecológica não é somente conscientizar-se da degradação da natureza. É conscientizar-se, na esteira da ciência ecológica, do caráter próprio da nossa relação com a natureza vivente; ela surgiu da idéia bifacetada de que a sociedade é vitalmente dependente da eco-organização natural e que esta é profundamente mobilizada, trabalhada e degradada nos e por nossos processos sociais" (Morin, 1980, p. 91). que se desdobra em um conjunto de leituras possíveis da natureza (ecologia cultural, por exemplo). Essas leituras levam a uma proposição de que não é mais possível manter o projeto "gengis-khan" de dominação da natureza, mas que é necessário "seguir ou guiar a natureza" (Morin, 1980, p. 96). Não é só em Morin que são construídas propostas de integração entre os estudos homem-natureza. Existe também um conjunto de leituras sobre a relação interdisciplinar que tenta aproximar conceitos darwinianos tais como a adaptabilidade ao estudo das sociedades humanas (cf. Folke et al., 1998). Para Folke, seguindo na tradição da sociobiologia, as sociedades humanas funcionam tal como os sistemas naturais, de modo que as estruturas sociais podem ser interpretadas a partir de conceitos da seleção natural tal como adaptabilidade. Para esse autor, essa leitura permite uma atuação mais consistente nas estruturas sociais por meio da identificação do quanto elas estão adequadamente adaptadas a um determinado arranjo socioecológico. Essa análise permite, na visão dos autores, fomentar alternativas que viabilizem maior adaptabilidade das instituições às mudanças globais. Esta é uma proposta epistemológica de integração das estruturas sociais aos seus ecossistemas em mudança.

Dentro desta perspectiva de cunho epistemológico, Enrique Leff propõe uma racionalidade ambiental como possibilidade de criação de uma ciência que seja capaz de incorporar as questões ambientais em seu núcleo central. Para ele, é necessário modificar a estrutura racional, fortemente centrada na razão econômica baseada no desenvolvimento tecnológico (cf. Leff, 2000, p. 148), criando uma racionalidade que parta do princípio de que a base na qual a sociedade se estrutura é ambiental. Para Leff, a "racionalidade econômica é, contudo, a causa predominante da crise ambiental, assim como de uma série de problemas socais e ambientais que lhe são associados" (Leff, 2000, p. 149). Leff considera "que até agora faltou às propostas ambientais, para se oporem a esses efeitos, o suporte de uma teoria para a construção de uma racionalidade produtiva alternativa" (Leff, 2000, p. 149), que seria a racionalidade ambiental. Essa racionalidade ambiental incorporaria os valores e direitos do ambiente, os processos ecológicos, tecnológicos e culturais constituindo um novo paradigma de produtividade ecotecnológica. Este novo paradigma re-orientaria e re-estruturaria as forças sociais de produção, transformando os conceitos, elaborando novos instrumentos de avaliação econômica e a articulação e integração dos conhecimentos práticos e teóricos. Para Leff, a proposta epistemológica de construção de uma racionalidade produtiva ambiental "vai além das propostas de solução tecnológica aos problemas ambientais, pois sua concretização depende da elaboração de uma nova teoria da produção sustentável, assim como das decisões políticas e da mobilização da sociedade para a consecução de seus objetivos" (Leff, 2000, p. 150).

Se essas diferentes propostas, controversas entre si, encontram dificuldade de difusão no campo das ciências humanas, principalmente no Brasil, em nada conseguem sensibilizar os cientistas naturais7 7 Foi constatado durante as entrevistas com pesquisadores do LBA que somente um número muito reduzido de pesquisadores conhecia os autores acima citados (pelo nome) e nenhum dos que "já haviam ouvido falar" conhecia ou faziam uso das propostas epistemológicas de prática interdisciplinar. Claro que não se espera que os cientistas se preocupem com a epistemologia ou a metodologia de sua pesquisa. Sem dúvida, estes têm que se preocupar com o método, porém propostas de uma nova racionalidade ou epistemologia, tal como faz Leff, só tem consistência se encontram respaldo na comunidade que faz a pesquisa; o que, aparentemente, não é o caso. e muito menos balizar o diálogo interdisciplinar interno ao LBA. Enquanto propostas epistemológicas, elas permanecem isoladas da realidade social e conseqüentemente da prática da pesquisa do programa analisado.

Dada a distância entre essas formulações epistemológicas e a prática da pesquisa, há necessidade de propor critérios que façam a ponte entre as diferentes abordagens nas quais se percebe a necessidade de balizar a discussão com parâmetros compreensíveis para ambos os campos de conhecimento. Nesse sentido, os parâmetros escolhidos desempenham um papel importante não só na mediação do diálogo interdisciplinar como também na discussão da demarcação do que é ciência e na explicitação das diferenças entre essas áreas.

Os debates e as propostas de mudança de paradigma epistemológico, no sentido de mudança de racionalidade tal como proposto por Leff, ficam muito longe da prática da pesquisa. Não só da prática individual do pesquisador, mas também da prática coletiva de tentativas de interação interdisciplinar. A interação interdisciplinar entre os campos distintos da ciência dialoga diretamente não com as propostas teóricas de mudança epistemológica, mas com as experiências históricas de pesquisa e de cotidiano institucional. Este conhecimento histórico está diretamente vinculado à prática de pesquisa individual e coletiva dos pesquisadores e é o conhecimento dessa história de fracassos e sucessos que incentiva o debate e gera a possibilidade de realização da pesquisa em conjunto.

É o conjunto das experiências institucionais na tentativa de promover pesquisa interdisciplinar que baliza as tomadas de decisão de como a nova pesquisa interdisciplinar deverá ser organizada. E a discussão sobre como apoiar as políticas públicas para a região, tal como é o objetivo do LBA, encontra as diferenças de concepções do que é produzir pesquisa neutra e imparcial entre as áreas distintas. O debate em torno dessa dificuldade ocorre exatamente na discussão da viabilidade de uma pesquisa em dimensão humana como um componente independente dentro do LBA.

Um primeiro problema na incorporação da pesquisa em ciências sociais no LBA foi e continua sendo o papel ambíguo exercido pelo MCT. De início restringindo a pesquisa em ciências humanas a um programa de pesquisa de cooperação internacional, para logo em seguida sugerir a necessidade da constituição dessa área desde que coordenada por pesquisadores brasileiros. Dessa solicitação, somada à demanda por parte dos pesquisadores, surge o sétimo componente científico do LBA: dimensões humanas (human dimensions).

Este sétimo componente é constituído após a fase Pré-LBA e, por esta razão, não está incluído no plano experimental conciso e não tem um conjunto de questões científicas que possam orientar a pesquisa tal como existe nos demais. Dois pesquisadores foram convidados para coordenar este componente. Ambos os pesquisadores de renome internacional. Um deles fortemente relacionado ao seu renome nacional e internacional com relação à discussão da região amazônica e seu forte vínculo com as instituições governamentais. Seria, na visão de muitos dos pesquisadores entrevistados, uma indicação do MCT. Já o outro é indicado por sua participação nos fóruns internacionais que discutem as questões relativas às mudanças globais.

Apesar da criação do sétimo componente, a integração das ciências humanas no LBA é quase inexistente. Um dos pesquisadores mencionados, apesar de coordenador, não tem nenhuma pesquisa específica dentro do programa. O outro elaborou alguns projetos que foram negados e a justificativa foi orçamentária. É uma exigência do MCT que a pesquisa na área de humanas tenha recursos oriundos de fontes financiadoras brasileiras, porém até o momento um fluxo contínuo de recursos não foi disponibilizado. Após um período de debate, o pesquisador em questão conseguiu articular a verba e ter um projeto aceito.8 8 Dos 118 projetos do LBA em 2004 apenas 4 são de dimensão humana. Sendo coordenado por Bertha Becker "Síntese de produção científica em ciências humanas na Amazônia" realizado em 2003 e outros dois coordenados por pesquisadores da área biológica, a saber: coordenado por Tatiana Sá (EMBRAPA/CPATU) "Tecnologias inovadoras na agricultura familiar na Amazônia oriental, visando a sustentabilidade" no período de 1998-2003 e o outro coordenado por Ulisses Confalonieri (FIOCRUZ) "Variabilidade climática, hidrologia, mudanças de cobertura da terra e malária em Roraima" 2000-2004, o quarto é o projeto coordenado pela pesquisadora do Cirad, Marie-Gabrielle Piketty, " Policies and land use alternatives for a sustainable development of agricultural frontiers in the Amazon" (cf. Schor, 2005, Cap. iv). Mesmo assim esse projeto é pontual: um levantamento da produção em ciências humanas sobre a região amazônica desenvolvida em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Pará e no Amazonas. O propósito das pesquisas foi sistematizar o conhecimento já produzido sobre a região nas ciências humanas e identificar novas tendências e lacunas para poder então configurar a atuação do LBA no componente de dimensão humana.

O LBA, como programa de pesquisa de cooperação internacional, conforme já discutido, tem sido recorrentemente posto em questão. A parceria com a NASA em uma pesquisa relacionada ao território nacional, mais especificamente à região amazônica, põe em cheque, na visão de muitos atores sociais, o processo de pesquisa, os resultados e a soberania nacional sobre o território. Socialmente,9 9 A mídia de grande alcance trata recorrentemente o LBA de forma duvidosa. Veja, por exemplo, a reportagem do "Globo Repórter" em maio 2003, que tinha como chamada publicitária "A torre dos americanos na Amazônia" ou o artigo de Marcelo Leite, na Folha de São Paulo do dia 20 de abril de 2003, "Florestas para inglês ver e americano discutir". Na região Amazônica, principalmente nos locais de forte presença do LBA, tal como em Manaus e em Santarém, existe um forte clima de desconfiança, não só entre a grande mídia, mas também entre os acadêmicos e a elite local, com relação aos resultados obtidos pelo LBA em virtude da forte parceria com "os americanos". Vale também apontar que um conjunto de entrevistas com alguns membros da Academia Brasileira de Ciências também pôs em cheque a possibilidade de realizar uma pesquisa "neutra" tendo a NASA como parceira. O SSC-LBA, reconhecendo esse problema de opinião pública tenta reverter o quadro, contratando uma equipe de comunicação social e na reunião de novembro 2003 em Fortaleza (14a. SSC-LBA) foi discutida a aproximação com a comunidade científica em geral e com a Academia Brasileira de Ciências em particular. considera-se que as conseqüências dos resultados obtidos pelo programa teriam dimensões geopolíticas.

Como programa do Ministério da Ciência e Tecnologia, o LBA é objeto de restrições associadas a temas de pesquisa que tocam em problemas de soberania nacional. A delimitação por parte do MCT do que seria a relação entre pesquisa e soberania nacional é muito difusa. Apesar do vínculo com o MCT, a presença de representantes desse ministério nas reuniões semestrais do Comitê Científico Internacional foi esporádica até o ano de 2004 (cf. Schor, 2005, Cap. iv). A ausência de representantes tornou o papel do Ministério ambíguo, exercendo na maioria das vezes um papel restritivo e não de formulação de políticas de fomento à pesquisa interna ao LBA.

Tendo em vista esses problemas legais que se entrelaçam com a alta sensibilidade da opinião pública em relação à Amazônia, em um estudo que leva em conta o arcabouço institucional como um limite à realização da pesquisa interdisciplinar, a questão geopolítica não pode deixar de ser levada em conta (cf. Becker, 2004). Nunca é demais ressaltar que a questão geopolítica envolve a NASA, que é uma agência do governo da principal potência mundial, que se recusa a assinar os protocolos e acordos de cooperação sobre mudanças climáticas. Ressalte-se ainda que o LBA tenta responder a questões diretamente formuladas pela agenda internacional de mudanças globais.

A questão geopolítica é claramente um fator limitante, embora não o único, na pesquisa interdisciplinar no LBA e possivelmente esse padrão deve ser recorrente nos demais programas de pesquisa internacional relacionados à problemática da mudança global. O fator geopolítico deve-se, sem sombra de dúvida, ao amplo aspecto político envolvido nas questões relacionadas à mudança global, principalmente com relação aos temas do aquecimento global e da mudança climática. Programas de pesquisa que visam responder às demandas sociais estabelecidas pelas convenções internacionais, tal como é o caso do LBA, têm um componente político vinculado aos resultados obtidos. Afinal, estabelecer o papel da Amazônia no equacionamento do clima global e do significado da mudança do uso do solo na região e nos processos de aquecimento global influencia diretamente tanto a política brasileira com relação aos acordos internacionais, quanto a de outros países. A participação de uma agência de pesquisa americana do porte da NASA, conjuntamente com a atuação recente do governo dos Estados Unidos da América com relação aos acordos internacionais, reforça o componente geopolítico do programa de pesquisa.

A discussão sobre o papel da cooperação internacional e da relevância da participação estrangeira em pesquisas relacionadas às mudanças globais assume recorrentemente, e sem maior reflexão, no Brasil, um discurso eivado de argumentos de proteção à soberania nacional. A floresta amazônica é um exemplo de múltiplos focos de interesse e distintas formas de percepção da mesma realidade: na linha de uma teoria de geopolítica desenvolvida pelos militares, políticos e grande parte da academia entendem-na como um local, uma área de estudo sujeita aos interesses exclusivos do Estado brasileiro, advogando que projetos de cooperação internacional poderiam significar uma ameaça à soberania e aos interesses do país. Por outro lado, a comunidade internacional e, em particular, as sociedades científicas estudam e pensam a floresta, não como território sujeito à soberania de um Estado, mas como ecossistema vital e principal para a equação de problemas ambientais globais.

Como expressão desse modo de pensar a floresta, comunidades científicas internacionais redefinem suas agendas de pesquisa para incorporar a necessidade de cooperação internacional, em alguns campos do conhecimento, em especial, naqueles de relevância global. O discurso sobre o aumento da incerteza, gerado não só pela manipulação genética, mas também com relação ao futuro do planeta – dada a crescente consciência da possibilidade de uma mudança climática e a vulnerabilidade dos sistemas socioecológicos a tais mudanças – dá origem a uma crescente demanda, por parte da sociedade internacional, de um conhecimento que relacione as mudanças nos ecossistemas e as implicações que essas mudanças significam para a continuidade da vida humana, em escala planetária.

Nesse cenário, o conceito de soberania nacional tem sido constantemente utilizado por atores sociais para justificar ações restritivas com relação à possibilidade da pesquisa em regime de cooperação internacional, em territórios considerados estratégicos, até mesmo para o avanço do conhecimento científico nacional.

O conceito de soberania está vinculado à teoria geral do Estado e ao direito internacional que o compreende como um princípio organizador do próprio Estado e do sistema internacional. Assim, tal conceito, visto como um instrumento do direito internacional de poder sobre o território e seus recursos naturais, tem uma implicação no entendimento da questão territorial dos Estados. Entretanto, no mundo atual, dadas as mudanças tecnológicas, econômicas e de organização da própria sociedade internacional em unidades supranacionais, deve-se considerar qual deve ser o papel desse conceito clássico e seu efetivo poder de regular e determinar as relações entre países.

Este artigo assume a realidade de uma sociedade internacional em transformação, na qual a dinâmica do direito internacional contemporâneo está fortemente influenciada pelo tratamento de questões ambientais globais, principalmente nos últimos trinta anos, e relacionada com a transnacionalização das relações econômicas, sociais, culturais, políticas, científicas e tecnológicas. Nesse sentido, um novo conceito de soberania está vinculado ao criativo arcabouço jurídico do direito internacional, em particular do direito ambiental internacional, tanto com relação à capacidade no diagnóstico e resposta às crises internacionais, quanto na capacidade de preparação de agendas, tratados e outros atos necessários para regular as relações internacionais.

O suporte territorial do Estado é visivelmente relativizado no mundo atual. Percebe-se essa relativização principalmente no âmbito do direito ambiental internacional, que se configura em problemas que transitam – e não respeitam – fronteiras territoriais políticas. Esse fato se dá principalmente quando se considera que muitas das ações do Estado transcendem tais fronteiras territoriais, tal como se fez ainda mais evidente com a produção de gases que aumentam o efeito estufa e intensificam as mudanças ambientais globais.

Outra face da mesma discussão, e ainda mais intrincada, é a que diz respeito àqueles recursos naturais, cuja gestão adequada é assunto de interesse da humanidade, podendo sua titularidade avançar e ser considerada pela doutrina do patrimônio comum da humanidade, o que, a exemplo de outros ecossistemas, pode implicar na necessidade, ou oportunidade, de um regime administrativo próprio. Não resta dúvida de que essa posição é polêmica, o que não significa dizer que desnecessária.

É crucial abrir o debate dentro da academia sobre o futuro da cooperação internacional em pesquisas relativas aos problemas globais e seus reflexos em conceitos jurídico-políticos que, quando concebidos, desconheciam a fenomenologia das mudanças globais e da responsabilidade comum dos Estados no seu enfrentamento. Urge considerar novas perspectivas e abordagens teóricas sobre o problema e conseqüentemente discutir políticas no diagnóstico e na análise da vulnerabilidade e risco das mudanças globais.

A dimensão política do emaranhamento da ciência que estuda as questões ambientais pode ser observada no posicionamento do governo brasileiro frente às relações ambientais internacionais. As mudanças, tanto na arena política, quanto econômica, ocorridas nas décadas de 1980 e 1990, aproximaram o posicionamento brasileiro, nas convenções ambientais internacionais, com o de países centrais, mas, mesmo assim, o posicionamento do Brasil, na arena global, na leitura de Viola (2004), é ambivalente. Para Viola, essa ambivalência vem do fato de que, na mesma arena política, encontrava-se uma parte significativa do governo brasileiro nacionalista, um tipo de representação da sociedade civil que defende uma idéia utópica e difusa de comunidade, enquanto em outros aspectos, principalmente de política econômica, o país aproxima-se das políticas liberais dos países da OECD.

Foi na década de 1990 que metáforas tais como "pulmão da humanidade" e o entendimento de que a Amazônia é "patrimônio da humanidade" colocaram em questão a soberania brasileira. Essa ameaça e a reação do governo brasileiro deram força ao já existente Tratado de Cooperação Amazônica, de 1978, e possibilitaram um reordenamento jurídico nacional, com a intensa participação do Brasil na promoção das Agendas 21 locais, o posicionamento com relação à convenção-quadro sobre mudança do clima e à convenção sobre a biodiversidade, além da promulgação das leis sobre biossegurança (1995), patentes (1996) e cultivares (1997) e a constituição do programa piloto para a proteção das florestas tropicais do Brasil.

A questão ambiental passa a configurar um problema de segurança nacional (cf. Brigadão, 1996, p. 153), e a região amazônica é, sem dúvida, um locus de tensão. É nessa região que os conflitos: meio ambiente versus desenvolvimento, e internacional versus nacional tomam corpo, de maneira explícita. A região Amazônica é um dos lugares-chave das mudanças globais, recursos hídricos e preservação da biodiversidade e, ao mesmo tempo, a última fronteira de expansão econômica e territorial do Brasil (cf. Mello, 2002, p. 27). Pode-se dizer que se configura uma "globalização ambiental" (Mello, 2002, p. 30), que insere a temática ambiental na agenda política, que se reflete, não só no reordenamento jurídico, mas também nas políticas territoriais, econômicas e de ciência e tecnologia para a região.

É nesse emaranhado de reflexões teóricas, sociais e políticas, que pautam a necessidade de tomada de decisão, que a ciência, voltada ao estudo do meio ambiente, se embaralha. Dos fóruns ambientais internacionais, surgem fóruns científicos internacionais – a exemplo do International Panel on Climate Change ou International Biosphere Geosphere Program – que passam a pautar, de forma dominante, a agenda científica internacional e, por conseqüência, as agendas nacionais de pesquisa (cf. Schor, 2005). Esse fato não ocorre apenas no campo de pesquisas em meio ambiente – em mudanças climáticas, biodiversidade ou bacias hidrográficas – mas é recorrente nas demais áreas do conhecimento, entre as quais a genética é importante exemplo.

Agendas de pesquisas internacionalizadas redefinem a necessidade de cooperação internacional, em todos os campos do conhecimento. Essa redefinição relaciona-se com o aspecto tecnológico que a ciência contemporânea assume e com a exigência de que a ciência se "democratize" e incorpore as demandas sociais, que atue no ensino, que incorpore os conhecimentos tradicionais10 10 "Os principais documentos produzidos [na conferência mundial "Ciência para o século vinte e um", Budapeste, 1999] abundam sobre a necessidade de uma nova relação entre a ciência e a sociedade, um reforço da educação e cooperação científicas. A necessidade de conectar conhecimento científico moderno e conhecimento tradicional, a necessidade de pesquisas interdisciplinares, a necessidade de financiar a ciência em países em desenvolvimento, a importância de questionamentos éticos das práticas da ciência e do uso do conhecimento científico, bem como outras importantes questões" (Gallopín, 2001, p. 13). e, ao mesmo tempo, gere alternativas políticas e tecnológicas, que minimizem a perspectiva de um possível futuro catastrófico.

A discussão acerca da influência estrangeira na pesquisa realizada na região amazônica assume recorrentemente um discurso de proteção à soberania nacional. A Amazônia é vista tanto pelos militares (cf., entre outros, Becker, 2004; Bittencourt, 2002), quanto pelos políticos (cf. Becker, 2004; Keck, 2002), como um local no qual existe uma ameaça com relação à soberania. O termo soberania é recorrentemente utilizado para justificar ações restritivas com relação à possibilidade da pesquisa de cooperação internacional. O conceito de soberania está vinculado ao direito internacional que o compreende como um princípio organizador do sistema (cf. Arcanjo, 2004a, p. 45). Para Arcanjo, o termo soberania assume no plano político interno ao Estado um significado de identidade e lealdade das coletividades que vivem no território. Todavia, no plano externo, a soberania representa o controle exclusivo sobre um território e também o monopólio absoluto do poder de regulamentação (cf. Arcanjo, 2004a, p. 45). Arcanjo considera ainda que:

A soberania se manifesta principalmente em termos de propriedade ou de poder regulamentar sobre atividades que se exercem majoritariamente como uso de recursos naturais, territoriais (2004b, p. 56).

Assim sendo, o conceito de soberania como um instrumento do direito internacional de poder sobre o território e os recursos naturais tem um forte viés na questão física e territorial que no mundo atual, face às mudanças tecnológicas e econômicas, perde seu poder de regular as relações entre os países. O esvaziamento do direito internacional, de acordo com Arcanjo (2004a), está fortemente relacionado com a transnacionalização das relações econômicas, sociais, culturais, políticas, científicas e tecnológicas. Nesse sentido, a perda da capacidade de regular os atos internacionais pelo conceito de soberania está vinculada ao limite do arcabouço jurídico do direito internacional, tanto com relação à capacidade no diagnóstico das crises internacionais, quanto na capacidade de preparação de agendas, tratados e outros atos necessário para se normatizar e regular as relações internacionais.

Arcanjo considera, tal como outros autores (cf. Castells, 2003), que o suporte territorial do Estado é visivelmente relativizado no mundo atual, o que para ele pode ser notado em alguns planos da normatividade internacional. Percebe-se essa relativização principalmente no âmbito do direito ambiental internacional, pois é nesse plano que se configuram problemas que ultrapassam as fronteiras políticas, isto é, soberanas. Este fato se dá principalmente quando se considera que muitas das ações do Estado transcendem as fronteiras territoriais, tal como a produção de gases que aumentam o efeito estufa e intensificam as mudanças ambientais globais. Além do que, para Arcanjo, muitos recursos naturais devem ser considerados patrimônio da humanidade, o que pode implicar na necessidade de um regime administrativo próprio. Tal posição é polêmica, porém o autor considera que mesmo os recursos ou biomas que se localizam em um país, mas dotados de valoração ambiental, tal como as florestas tropicais, merecem um regime administrativo próprio, pois no mundo atual perpassam os interesses territoriais e soberanos do Estado no qual estão localizados (cf. Arcanjo, 2004, p. 46). A falta de um regime administrativo que dê conta desse cenário de interdependência entre os Estados e a recorrente ênfase no conceito de soberania pelo direito internacional dificultam a criação de alternativas que normatizem as relações de dominação que já ocorrem.

Essa internacionalização das relações sociais, econômicas e políticas torna obsoleto o aparato clássico do direito internacional baseado na noção de soberania, pois não fornece mais suporte teórico consistente com as novas relações mundiais, tal como é descrito por Castells (2003). Para Arcanjo, o conceito de regime internacional é muito mais efetivo, principalmente se caracterizado como política pública internacional. A necessidade de uma política pública internacional advém da crescente interdependência dos Estados e da necessidade de administrar essa interdependência.

As preocupações com relação às pesquisas cooperativas internacionais realizadas na região amazônica são de fato explicáveis, porém se devem em grande parte não aos acordos de cooperação internacional em si, mas à fragilidade das instituições de pesquisa localizadas nessa vasta região. Essa fragilidade está relacionada não só ao pequeno corpo científico lá presente, mas principalmente à falta de verbas, que fez com que determinadas áreas de pesquisa, em instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, em Manaus, e o Museu Goeldi, em Belém, durante muitos anos dependessem de projetos de cooperação internacional para financiar a própria sobrevivência. Algumas iniciativas do Estado, principalmente no Estado do Amazonas, têm modificado essa realidade. A criação da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Amazonas, a FAPEAM, tem exercido um importante papel no financiamento da pesquisa no Amazonas e a interiorização dos campi da Universidade Estadual do Amazonas e da Universidade Federal do Amazonas tem modificado e ainda vai modificar em muito o quadro de atuação da comunidade científica na região. O papel exercido pelo Estado brasileiro no fomento à pesquisa e nas diversas possibilidades de financiamento da pesquisa na Amazônia fortalece as instituições de ensino e pesquisa presentes na região e, por conseqüência, a soberania sobre a produção de ciência e tecnologia.

Vale a pena salientar que, apesar das críticas às pesquisas de cooperação internacional, não faz sentido, de acordo com os argumentos aqui estabelecidos, querer promover uma ciência estritamente nacional. A ciência, tal qual estruturada pela modernidade, tem como principal característica a universalidade. A imparcialidade, nesse caso, diz respeito não à incorporação dos valores cognitivos sociais restritos a uma nação e nem à incorporação dos juízos políticos circunscritos aos Estados nacionais. Considerar que a pesquisa de cooperação internacional na Amazônia põe em questão a soberania nacional é entender, nos termos de Latour, a produção do conhecimento de forma mitológica, isto é, autonôma no sentido de separada das relações sociais que a constituem como ciência. Abrir a caixa de Pandora significa aceitar a importância da imbricação da ciência e da sociedade e de como esta nova reflexão sobre a ciência, em especial a ciência ambiental e interdisciplinar, redefine os parâmetros de universalidade, neutralidade, objetividade e imparcialidade da pesquisa, pois só assim poder-se-á construir novos arcabouços interpretativos.

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  • 1
    "A modernidade não é um estágio evolucionário para o qual todas as sociedades evoluem, mas uma forma específica de vida social que se originou na Europa ocidental e foi desenvolvida em um sistema global complexo" (Postone, 1996, p. 4).
  • 2
    "A expressão `ciência e tecnologia', na linguagem corrente, designa uma unidade e, entre o público em geral, a ciência tende a ser valorizada por suas contribuições à tecnologia. Em contraste, a tradição da ciência moderna considera a tecnologia como um mero subproduto e valoriza a ciência primordialmente pelo entendimento do mundo que ela proporciona. Essa tradição interpreta a ciência como algo que existe em função da apreensão da estrutura causal do mundo e da sintetização de suas possibilidades, não por causa de seus subprodutos tecnológicos (embora sempre se possa contar com eles)" (Lacey, 1998, p. 113).
  • 3
    "Uma forma de entendimento que fracassa em fazer sentido do sucesso tecnológico (e das bem-sucedidas intervenções na natureza por meio dos experimentos a ele associadas) fracassa com respeito à aspiração de abrangência. O sucesso tecnológico tinha de ser entendido, ou então o mundo da experiência vivida seria manifestamente compreendido de maneira incompleta, uma vez que a tecnologia havia se movido das margens para o centro da vida. É neste sentido que a conquista tecnológica requer explicação, que ela não pode ser ignorada" (Lacey, 1998, p. 103).
  • 4
    "Se os cientistas sociais pretendem tornar-se objetivos, terão de encontrar a situação muito rara, custosa, local, milagrosa, na qual eles podem tornar seu objeto de estudo, tanto quanto possível, capaz de objetar ao que é dito sobre ele, ser tão desobediente quanto possível ao protocolo e ser também capaz de levantar suas próprias questões, em seus próprios termos, e não naqueles do cientista, cujos interesses eles não têm que compartilhar" (Latour, 2000a, p. 116).
  • 5
    Foi relatado em mais de uma entrevista realizada com pesquisadores que participam de programas de pesquisa em mudanças globais que esses programas vêem-se obrigados a incorporarem cientistas da área de humanas devido ao edital de financiamento "e aí a gente tem que sair para catar um sociólogo no laço" (Entrevista concedida à autora por um dos pesquisadores do LBA).
  • 6
    "É impressionante que os desenvolvimentos atuais da ciência ecológica sejam inseparáveis do surgimento de uma `consciência ecológica'. Não que a ciência produza essa consciência ou que essa consciência produza a ciência. Mas a consciência ecológica estimula a ciência ecológica com suas inquietações e exigências. A consciência ecológica não é somente conscientizar-se da degradação da natureza. É conscientizar-se, na esteira da ciência ecológica, do caráter próprio da nossa relação com a natureza vivente; ela surgiu da idéia bifacetada de que a sociedade é vitalmente dependente da eco-organização natural e que esta é profundamente mobilizada, trabalhada e degradada nos e por nossos processos sociais" (Morin, 1980, p. 91).
  • 7
    Foi constatado durante as entrevistas com pesquisadores do LBA que somente um número muito reduzido de pesquisadores conhecia os autores acima citados (pelo nome) e nenhum dos que "já haviam ouvido falar" conhecia ou faziam uso das propostas epistemológicas de prática interdisciplinar. Claro que não se espera que os cientistas se preocupem com a epistemologia ou a metodologia de sua pesquisa. Sem dúvida, estes têm que se preocupar com o método, porém propostas de uma nova racionalidade ou epistemologia, tal como faz Leff, só tem consistência se encontram respaldo na comunidade que faz a pesquisa; o que, aparentemente, não é o caso.
  • 8
    Dos 118 projetos do LBA em 2004 apenas 4 são de dimensão humana. Sendo coordenado por Bertha Becker
    "Síntese de produção científica em ciências humanas na Amazônia" realizado em 2003 e outros dois coordenados por pesquisadores da área biológica, a saber: coordenado por Tatiana Sá (EMBRAPA/CPATU) "Tecnologias inovadoras na agricultura familiar na Amazônia oriental, visando a sustentabilidade" no período de 1998-2003 e o outro coordenado por Ulisses Confalonieri (FIOCRUZ) "Variabilidade climática, hidrologia, mudanças de cobertura da terra e malária em Roraima" 2000-2004, o quarto é o projeto coordenado pela pesquisadora do Cirad, Marie-Gabrielle Piketty, "
    Policies and land use alternatives for a sustainable development of agricultural frontiers in the Amazon" (cf. Schor, 2005, Cap. iv).
  • 9
    A mídia de grande alcance trata recorrentemente o LBA de forma duvidosa. Veja, por exemplo, a reportagem do "Globo Repórter" em maio 2003, que tinha como chamada publicitária "A torre dos americanos na Amazônia" ou o artigo de Marcelo Leite, na Folha de São Paulo do dia 20 de abril de 2003, "Florestas para inglês ver e americano discutir". Na região Amazônica, principalmente nos locais de forte presença do LBA, tal como em Manaus e em Santarém, existe um forte clima de desconfiança, não só entre a grande mídia, mas também entre os acadêmicos e a elite local, com relação aos resultados obtidos pelo LBA em virtude da forte parceria com "os americanos". Vale também apontar que um conjunto de entrevistas com alguns membros da Academia Brasileira de Ciências também pôs em cheque a possibilidade de realizar uma pesquisa "neutra" tendo a NASA como parceira. O SSC-LBA, reconhecendo esse problema de opinião pública tenta reverter o quadro, contratando uma equipe de comunicação social e na reunião de novembro 2003 em Fortaleza (14a. SSC-LBA) foi discutida a aproximação com a comunidade científica em geral e com a Academia Brasileira de Ciências em particular.
  • 10
    "Os principais documentos produzidos [na conferência mundial "Ciência para o século vinte e um", Budapeste, 1999] abundam sobre a necessidade de uma nova relação entre a ciência e a sociedade, um reforço da educação e cooperação científicas. A necessidade de conectar conhecimento científico moderno e conhecimento tradicional, a necessidade de pesquisas interdisciplinares, a necessidade de financiar a ciência em países em desenvolvimento, a importância de questionamentos éticos das práticas da ciência e do uso do conhecimento científico, bem como outras importantes questões" (Gallopín, 2001, p. 13).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2007
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