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Carta de René Descartes a Constantin Huygens

DOCUMENTOS CIENTÍFICOS

Carta de René Descartes a Constantin Huygens1 1 Carta de 5 de outubro de 1637. Tradução do original francês feita a partir de Adam & Tannery, 1, p. 431-48. A paginação dessa edição está indicada em negrito, entre colchetes.

René Descartes

[432] Senhor,

Em qualquer ocupação que vossas cartas me encontrem, elas me são sempre muito caras e agradáveis, [433] principalmente porque me informam que fazeis o obséquio de pensar em mim e que tendes a intenção de ainda empregar vosso torneiro para nossas lunetas. Mas, como vos agrada saber minha opinião sobre isso, eu vos direi com franqueza que tanto não é verdade que ele obtenha êxito com as máquinas menos elaboradas do que as minhas, que, pelo contrário, estou persuadido da necessidade de serem acrescentadas diversas coisas por mim omitidas e que, no entanto, creio não serem tão difíceis de inventar que a prática não as ensine. Primeiramente, a escolha do vidro não é fácil, pois frequentemente naquele que parece mais limpo e mais claro, encontram-se certas ondulações que o tornam inteiramente inútil e que só podem ser percebidas por aqueles que o olham contra a luz e que se especializaram nisso. O polimento também é difícil, pois, ainda que se dê mais ou menos a justa figura a um vidro, ela poderá, contudo, não valer nada, se ao dar-lhe polimento não se lhe dá uma curvatura muito uniforme, e foi isso que faltou à última lente que eu vi como resultado do trabalho de vosso torneiro. Além disso, não é suficiente cortar um vidro cujo diâmetro seja de 2 ou 3 polegadas, para fazer algo extraordinário, pois já se encontram algumas desse tamanho que representam com muita distinção os objetos sem que seja necessário cobrir suas bordas; e quando isso acontece, independente da figura que tenham, deve-se pensar que elas têm aquela que é adequada. Mas o importante [434] está em fazer maiores que sejam boas, ao que jamais conseguiram chegar os artesãos que procuram torná-las esféricas. Para fazer algo além do comum, eu gostaria que a hipérbole que fareis talhar tenha ao menos 4 pés de distância entre seus 2 pontos de combustão, e o vidro 4 ou 5 polegadas de diâmetro. De resto, a máquina que descrevi parece-me bastante simples, principalmente se for considerado que ela consiste apenas na parte que está só na página 145,2 2 Descartes está aqui fazendo referência a sua obra Dióptrica, publicada como um dos ensaios que ilustra o Discurso do método (1637), onde se encontra a exposição da montagem da máquina de polir lentes hiperbólicas. A peça mencionada encontra-se em AT, 6, p. 219 e a máquina completa em AT, 6, 218. que o rolo e as pranchas podem ser feitos bem pequenos em comparação com a peça BK e com os pilares que a sustentam, pois eu os desenhei dez vezes mais curtos do que seria necessário em comparação com o resto, a fim de que a figura coubesse melhor em meu papel.

Quanto ao que vós desejais sobre as mecânicas, é verdade que jamais estive com menos vontade de escrever do que agora. Não somente não tive mais essa grande disponibilidade de tempo de outrora, quando estive em Breda, mas chego a lamentar todos os dias o tempo que Maire3 3 Jan Maire, editor do Discurso do Método. me fez perder com o trabalho de impressão. Os cabelos brancos que se apressam a vir advertem-me que não devo mais estudar outra coisa além dos meios [435] de retardá-los.4 4 Os estudos voltados para medicina acompanham Descartes desde 1629 (cf. AT, 1, p. 102). No ano seguinte a esta carta, Descartes menciona a Constantin Huygens sua preocupação com o prolongamento da vida (cf. AT, 1, p. 507). Atualmente estou ocupado com isso e trato de suprir com a habilidade a escassez das experiências que me faltam, para o que eu preciso tanto de todo o meu tempo que tomei a decisão de empregá-lo todo aí. Cheguei mesmo a deixar de lado o meu Mundo, 5 5 Tratado que se volta, segundo Descartes, para a explicação de "todos os fenômenos da natureza, isto é, toda a física" (AT, 1, p. 70). A recusa de Descartes em publicar esse tratado está ligada à condenação de Galileu (cf. AT, 1, p. 270-2). a fim de não ser tentado a acabá-lo e passá-lo a limpo. No entanto, eu não quero deixar por isso de vos enviar o escrito que vós me pedistes, uma vez que não me pedistes mais do que três folhas, porque estou muito contente em vos testemunhar que podeis sobre mim qualquer coisa além de minhas próprias decisões, e que sou,

Senhor,

Vosso mui obediente e mui afeito servidor,

5 de outubro de 1637.

Explicação de máquinas com a ajuda das quais se pode com uma pequena força erguer uma carga muito pesada

A invenção de todos esses instrumentos está fundada em um só princípio: a mesma força que pode erguer uma carga, por exemplo, de 100 libras à altura de dois pés, pode também levantar uma de 200 libras à altura de um pé ou uma de 400 libras à altura de meio pé, e assim para com as outras, enquanto ela lhes for aplicada.

Esse princípio não pode deixar de ser aceito, se for considerado que o efeito deve ser sempre proporcional à ação que é necessária para produzi-lo; de maneira que se é necessário empregar a ação pela qual se pode erguer uma carga de 100 libras à [436] altura de dois pés, para erguer uma à altura de um pé somente, esta deve pesar 200 libras. Ora, dá no mesmo levantar 100 libras à altura de um pé e, mais uma vez ainda, cem à altura de um pé, ou levantar duzentos à altura de um pé e o mesmo também levantar cem à altura de dois pés.

Os instrumentos que servem para fazer essa aplicação de uma força que age por um grande espaço sobre um peso que ela faz erguer por um menor, são a polia, o plano inclinado, a cunha, o torno ou a roda, o parafuso, a alavanca e alguns outros. Pois, se não queremos relacioná-los entre si, podemos nomeá-los em maior número; e se queremos relacioná-los, não há necessidade de colocar muitos.

[437] A polia

Seja ABC uma corda passada ao redor da polia D, à qual esteja ligada a carga E. Primeiramente, suponhamos que dois homens sustentam ou levantam cada um igualmente uma das extremidades dessa corda. É evidente que, se essa carga pesa 200 libras, cada um desses homens empregará, para sustentá-la ou soerguê-la, apenas a força necessária para sustentar ou soerguer 100 libras, pois cada um suporta apenas a metade. Depois disso, façamos que A, uma das extremidades dessa corda, seja firmemente atada a algum prego e a outra C seja, mais uma vez, sustentada por um homem. É evidente que esse homem em C não terá necessidade, não mais do que antes, para sustentar a carga E que da força necessária para sustentar cem libras. Isso porque o prego que está em A faz o mesmo ofício que o homem que aí supusemos anteriormente. Enfim, suponhamos que esse homem que está em C puxe a corda para erguer a carga E; é evidente que, se ele emprega a força necessária para erguer 100 libras à altura de dois pés, ele erguerá essa carga E, que pesa 200, à altura de um pé, pois a corda ABC, estando dobrada como [438] está, deve-se esticá-la por dois pés para a extremidade C, para erguer a carga E tanto quanto se dois homens a puxassem, um pela extremidade A e outro pela extremidade C, cada um no comprimento de um pé somente.

Contudo, há uma coisa que impede que esse cálculo seja exato, a saber, o peso da polia e a dificuldade que se pode ter em fazer correr a corda e sustentá-la. Mas isso é muito pouco em comparação com o que se ergue e não pode ser estimado a não ser aproximadamente.

De resto, é preciso observar que a polia de modo algum é a causa dessa força, mas somente a reduplicação dessa corda, pois, se uma polia for presa ainda em A, pela qual se passa a corda ABCH, não será preciso menos força para puxar H em direção a K e, assim, erguer a carga E, do que seria necessário antes para puxar C em direção a G. Mas se há essas duas polias, junta-se aí ainda uma outra em D, à qual se prende uma carga e na qual se passa uma corda, da mesma forma que na primeira, então, não haverá necessidade de mais força para erguer essa carga de 200 libras do que para erguer uma de 50 sem polia, porque, puxando 4 pés da corda, ela será elevada só um pé. Assim, multiplicando as polias, pode-se elevar os maiores fardos com as menores forças.

Deve também ser observado que é preciso sempre um pouco mais de força para erguer uma carga do que para sustentá-la; que é causa de eu ter falado aqui separadamente de um e de outro.

[439] O plano inclinado

Se quisermos, ao menos, erguer o corpo F, que pesa 200 libras, à altura da linha BA, havendo apenas força para levantar 100 libras, é preciso puxá-lo ou rolá-lo ao longo do plano inclinado CA, que eu suponho duas vezes mais longo do que a linha AB; pois, por esse meio, para fazê-lo chegar ao ponto A, será empregada a força requerida para fazer subir 100 libras duas vezes mais alto. E quanto mais inclinado for feito esse plano CA, menos força será preciso para erguer o peso F por seu meio.

Mas desse cálculo deve-se ainda diminuir a dificuldade que haveria em mover o corpo F ao longo do plano AC, se esse plano estivesse inscrito sobre a linha BC da qual eu suponho todas as partes igualmente distantes do centro da Terra. É verdade que esse impedimento, sendo tanto menor quanto o plano é mais sólido, mais igual e mais polido, só pode, mais uma vez, ser estimado por aproximação e não é muito considerável. Não é preciso também considerar que, sendo a linha BC uma parte do círculo que tem o mesmo centro que a Terra, o plano AC deve ser um pouco abobadado e ter a figura de uma parte da espiral descrita entre dois círculos que tenham também como centro aquele da Terra, pois isso não é de modo algum sensível.

[440] A cunha

A potência da cunha ABCD é facilmente compreendida a partir do que acabou de ser afirmado a respeito do plano inclinado, pois a força aplicada para bater em sua parte superior age como para fazê-la mover seguindo a linha BD. A madeira ou outro corpo em que ela penetra não se entreabre, ou mais, a carga que ela ergue só se eleva conforme a linha AC. De modo que a força com que se dá o impulso ou se bate nessa cunha deve ter a mesma proporção com a resistência dessa madeira ou dessa carga, que a linha AC tem com a linha BD.

Todavia, mais uma vez, para ser exato, seria preciso que BD fosse uma parte de um círculo, e AD e CD duas porções de espirais que tivessem o mesmo centro que a Terra, e que a cunha fosse de uma matéria tão perfeitamente dura e polida e tão pouco pesada, que nenhuma força seria necessária para movê-la.

A roda ou o torno

Vê-se também muito facilmente que a força, pela qual se gira a roda A ou os dentes B que fazem mover o torno ou cilindro C, ao redor do qual se coloca uma corda à qual está amarrada a carga D que se quer erguer, deve ter a mesma proporção com essa carga que a [441] circunferência desse cilindro tem com a circunferência do círculo que descreve essa força ou, o que é a mesma coisa, que o diâmetro de um com o diâmetro do outro, porque as circunferências têm entre si a mesma razão que os diâmetros. De maneira que, como o cilindro C não tem senão um pé de diâmetro, se a roda AB tiver seis e o peso D for de 600 libras, será suficiente que a força aplicada em B seja capaz de erguer 100 libras. E assim sucessivamente.

Pode-se também, no lugar da corda que se enrola ao redor do cilindro CC, colocar uma pequena roda com dentes que façam girar outra roda maior e, assim, multiplicar o poder da força tanto quanto se queira, sem que nada seja diminuído disso a não ser a dificuldade de mover a máquina, como nas outras.

O parafuso

Depois de conhecer a potência do torno e do plano inclinado, fica fácil conhecer e calcular aquela do parafuso, pois ele é composto por um plano bem inclinado que dá voltas sobre um cilindro. Se esse plano estiver de tal forma inclinado que o cilindro deva fazer, por exemplo, dez voltas para avançar a distância de um pé na porca, e que a grandeza da [442] circunferência do círculo que descreve a força que o faz girar seja de dez pés, porque dez vezes dez fazem cem, um homem sozinho poderá apertar tão fortemente esse parafuso quanto cem poderiam fazer sem ele, contanto que se diminua a força necessária para girá-lo.

Ora, eu falei aqui mais de apertar do que de erguer ou remover, porque é para isso que esse parafuso é mais comumente empregado. Mas quando se quer utilizá-lo para erguer cargas, ao invés de fazê-lo avançar em uma porca, junta-se a ele uma roda com vários dentes de tal modo feitos que se essa roda tiver, por exemplo, 30 dentes, no tempo em que o parafuso faz uma volta inteira, ela o ajuda a fazer só a trigésima parte de uma volta; e se o peso for amarrado a uma corda que, enrolando-se ao redor do eixo, não o eleva mais que um pé de altura enquanto a roda faz uma volta inteira, e que o tamanho da circunferência do círculo que descreve a força que gira o parafuso seja, mais uma vez, de dez pés, porque dez vezes trinta são trezentos, então um homem sozinho poderá erguer um peso tão grande com esse instrumento, que se chama parafuso sem-fim, da mesma forma que trezentos homens sem ele, contanto que se diminua, mais uma vez, a dificuldade que se pode ter para girá-lo, o que não é propriamente causado pelo peso da carga, mas pela forma ou matéria do instrumento. Essa dificuldade é mais sensível nele do que nos precedentes, visto que ele tem mais força.

[443] A alavanca

Eu deixei para falar sobre a alavanca no final, porque, de todos os instrumentos para erguer cargas, ela é o mais difícil de explicar.

Suponhamos que CH seja uma alavanca de tal forma fixada no ponto O por meio de uma cavilha de ferro que [444] a atravessa, ou seja, que ela possa girar ao redor desse ponto O, sua parte C descrevendo o semicírculo ABCDE e sua parte H o semicírculo FGHIK, e a carga que se quer erguer por meio dela esteja em H, a força em C, e a linha CO sendo o triplo de OH. Em seguida, consideremos que enquanto a força que move essa alavanca descreve todo o semicírculo ABCDE e opera na direção dessa linha ABCDE, ainda que a carga descreva também o semicírculo FGHIK, ela, todavia, não se eleva no comprimento dessa linha curva FGHIK, mas somente no comprimento da linha reta FOK. De modo que a proporção que deve haver entre a força que move essa carga e o seu peso não deve ser medida por aquela que existe entre os dois diâmetros desses círculos ou entre suas duas circunferências, como foi dito sobre o torno mais acima, mas antes por aquela que existe entre a circunferência do maior e o diâmetro do menor. Consideremos, além disso, que não é preciso que essa força seja tão grande para girar essa alavanca quando ela está em direção a A ou em direção a E, do que quando está em direção a B ou em direção a D, nem tão grande quando está em direção a B ou em direção a D do que quando está em direção a C; e a razão disso é que a carga aí sobe menos, como é fácil de ver se, tendo suposto que a linha COH é paralela ao horizonte e que AOF a corta em ângulos retos, tomamos o ponto G igualmente distante dos pontos F e H, e o ponto B igualmente distante dos [445] pontos A e C e, tendo traçado GS perpendicular a FO, vemos que a linha FS, que indica quanto sobe essa carga enquanto a força age ao longo da linha AB, é muito menor que a linha SO, que indica o quanto ela sobe enquanto a força age ao longo da linha BC.

E para medir exatamente qual deve ser essa força em cada ponto da linha curva ABCDE, é preciso saber que ela age aí do mesmo modo como se puxasse a carga sobre um plano circularmente inclinado e que a inclinação de cada um dos pontos desse plano circular deve ser medida por aquela da linha reta que toca o círculo nesse ponto. Como, por exemplo, quando a força está no ponto B, para encontrar a proporção que ela deve ter para o peso da carga que está, então, no ponto G, é preciso traçar a tangente GM e pensar que o peso dessa carga está para a força que é requerida para puxá-lo sobre esse plano e, consequentemente, também para erguê-lo pelo círculo FGH, assim como a linha GM está para a SM. Em seguida, dado que BO é o triplo de OG, a força em B está para essa carga em G assim como um terço da linha SM está para a totalidade GM. Da mesma forma, quando a força está no ponto D, para saber quanto pesa a carga que está então no ponto I, é preciso traçar a tangente IP e a reta IN perpendicular ao horizonte; e do ponto P, tomado à vontade nessa linha IP, contanto que seja abaixo do ponto I, é preciso traçar PN paralela ao mesmo horizonte, a fim de ter a proporção que existe entre a linha IP e o terço da linha IN, para aquela [446] que existe entre o peso da carga e a força que deve ser aplicada no ponto D para movê-lo. E assim para os outros. Todavia, é preciso excetuar o ponto H, ao qual a tangente sendo perpendicular ao horizonte, o peso só pode ser o triplo da força que deve ser [aplicada] em C para movê-lo, e os pontos F e K, aos quais a tangente sendo paralela ao mesmo horizonte, a menor força que se possa determinar é suficiente para mover essa carga.

Além disso, para ser absolutamente exato, é preciso observar que as linhas SG e PN devem ser partes do círculo que têm como centro aquele da Terra; e GM, IP, [devem ser] partes espirais traçadas entre dois de tais círculos; e, enfim, [deve ser observado] que as linhas retas SM e IN, que tendem para o centro da Terra, não são exatamente paralelas; e, ademais, que o ponto H, onde suponho que a tangente é perpendicular ao horizonte, deve ser um pouco mais próximo do ponto F do que do ponto K, pontos estes nos quais as tangentes são paralelas ao mesmo horizonte. Em decorrência disso, podem ser facilmente resolvidas todas as dificuldades da balança e pode-se mostrar que, quando ela é suposta muito precisa, mesmo quando se imagina seu centro O, pelo qual ela está sustentada, não ser mais que um ponto indivisível, assim como supus aqui para a alavanca, se seus braços se inclinam de uma ou de outra parte, aquele que estiver mais baixo se deve encontrar sempre mais pesado. De sorte que o centro da gravidade não é fixo e [447] imóvel em cada corpo, como os antigos supuseram. Para o que ninguém ainda chamou atenção, que eu saiba.6 6 A observação já havia sido feita por Fermat em suas Nova in mechanicis theoremata, enviadas a Mersenne em 24 de junho de 1636 ( Œ uvres de Fermat, t. 2, 1894, p. 25-6). Não se pode duvidar, porém, que Arquimedes não tenha tido já uma perfeita consciência da contradição teórica entre o postulado do paralelismo das ações da gravidade (fundamento do conceito de centro de gravidade) e o postulado da convergência das ações para o centro da Terra (base que ele dá à doutrina do equilíbrio dos corpos flutuantes). Mas como desconhecemos a maneira pela qual Arquimedes estabeleceu a existência do centro de gravidade, não temos como saber um pouco mais como ele tratou essa dificuldade.

Mas estas últimas considerações de nada servem para o uso. Seria útil, para aqueles que se propõem a inventar novas máquinas, que não soubessem nada dessa matéria além do pouco que acabo de escrever, pois não correriam o risco de enganarem-se por conta própria, como ocorre frequentemente ao suporem outros princípios.

De resto, os instrumentos que eu acabei de explicar podem ser empregados de uma infinidade de maneiras diferentes; e há uma infinidade de outras coisas a serem consideradas nas mecânicas, a respeito das quais nada digo, pelo fato de minhas três folhas estarem preenchidas e porque vós não me haveis pedido mais.

Vós já vistes tanto minhas figuras7 7 Segundo a observação introduzida em AT, 1, p. 447: "As figuras, em vez de estarem intercaladas no texto, cada uma em seu lugar, encontram-se reunidas todas juntas sobre um quarto de folha com esta nota de Descartes". Nesta edição, optamos por empregar as figuras nos seus lugares correspondentes do texto. que se eu vos envio outras mais bem feitas do que estas aqui, vós não acreditaríeis que elas seriam de minha autoria.

Traduzido do original em francês por Marisa Carneiro de Oliveira Franco Donatelli

Notas

  • 1
    Carta de 5 de outubro de 1637. Tradução do original francês feita a partir de Adam & Tannery, 1, p. 431-48. A paginação dessa edição está indicada em negrito, entre colchetes.
  • 2
    Descartes está aqui fazendo referência a sua obra
    Dióptrica, publicada como um dos ensaios que ilustra o
    Discurso do método (1637), onde se encontra a exposição da montagem da máquina de polir lentes hiperbólicas. A peça mencionada encontra-se em AT, 6, p. 219 e a máquina completa em AT, 6, 218.
  • 3
    Jan Maire, editor do
    Discurso do Método.
  • 4
    Os estudos voltados para medicina acompanham Descartes desde 1629 (cf. AT, 1, p. 102). No ano seguinte a esta carta, Descartes menciona a Constantin Huygens sua preocupação com o prolongamento da vida (cf. AT, 1, p. 507).
  • 5
    Tratado que se volta, segundo Descartes, para a explicação de "todos os fenômenos da natureza, isto é, toda a física" (AT, 1, p. 70). A recusa de Descartes em publicar esse tratado está ligada à condenação de Galileu (cf. AT, 1, p. 270-2).
  • 6
    A observação já havia sido feita por Fermat em suas
    Nova in mechanicis theoremata, enviadas a Mersenne em 24 de junho de 1636 (
    Œ
    uvres de Fermat, t. 2, 1894, p. 25-6). Não se pode duvidar, porém, que Arquimedes não tenha tido já uma perfeita consciência da contradição teórica entre o postulado do paralelismo das ações da gravidade (fundamento do conceito de centro de gravidade) e o postulado da convergência das ações para o centro da Terra (base que ele dá à doutrina do equilíbrio dos corpos flutuantes). Mas como desconhecemos a maneira pela qual Arquimedes estabeleceu a existência do centro de gravidade, não temos como saber um pouco mais como ele tratou essa dificuldade.
  • 7
    Segundo a observação introduzida em AT, 1, p. 447: "As figuras, em vez de estarem intercaladas no texto, cada uma em seu lugar, encontram-se reunidas todas juntas sobre um quarto de folha com esta nota de Descartes". Nesta edição, optamos por empregar as figuras nos seus lugares correspondentes do texto.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Set 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008
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