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Editorial

EDITORIAL

Inicia o oitavo volume de Scientiæ udia este número dedicado exclusivamente às ciências biológicas, publicando artigos que combinam de modo variado três perspectivas: a histórica, a lógica e a filosófica. Da perspectiva histórico-filosófica, são apresentadas a biologia evolutiva do desenvolvimento, abreviadamente denominada evo-devo, e a controvérsia acerca da descoberta da estrutura de dupla hélice da molécula de dna. Da perspectiva lógico-filosófica, é feita uma análise estruturalista modificada da fisiologia com vistas a chegar a uma melhor compreensão do conhecimento biomédico. Por fim, avaliam-se do ponto de vista da análise epistemológica os conceitos de gene e de ambiente, apresentando, no primeiro caso, a necessidade de revisão profunda do conceito e de uma pluralidade de modelos para sua caracterização, no segundo caso, a necessidade de maior legitimidade para as disciplinas que se voltam para o ambiente e maior integração entre o conhecimento e as aplicações das especialidades.

No artigo que abre o número, Ana Maria Rocha de Almeida e Charbel Niño El-Hani fazem uma apresentação do desenvolvimento histórico da biologia evolutiva do desenvolvimento, mostrando como, a partir da década de 1980, os processos de desenvolvimento, que sempre foram considerados como centrais na evolução dos organismos multicelulares, e suas modificações passam a ser estreitamente ligados à inovação morfológica, com o surgimento de um novo campo de investigação, que aponta para uma nova compreensão da evolução das formas orgânicas. Os autores indicam, então, a necessidade de construção de uma "nova síntese evolutiva", comprometida com a "pluralidade de processos" e atenta a outros fatores e mecanismos causais envolvidos na evolução biológica, além da seleção natural. Mostram, por fim, como a evo-devo representa uma nova possibilidade de lidar com dicotomias tradicionais, tais como aquelas entre estrutura e função, entre transformação e variação.

César Lorenzano, em seu artigo, adota como perspectiva lógico-analítica uma versão modificada da concepção estruturalista, na qual, diferentemente da versão standard que toma as teorias como representadas pela classe de seus modelos, elas são caracterizadas por seus exemplares, isto é, por sistemas factuais com certa organização e comportamento. É dessa perspectiva que o autor se volta para o momento fundador da fisiologia médica moderna, mais especificamente para o programa experimental com o qual Claude Bernard mostra o funcionamento do processo de produção de açúcar nos organismos vivos. O autor mostra então como esse exemplar é suficiente para estabelecer o programa exitoso da fisiologia experimental e como essa perspectiva permite uma melhor compreensão do conhecimento biomédico do que a conceituação desnecessariamente limitante de mecanismo.

O artigo de Marcos Rodrigues da Silva retoma a perspectiva histórico-filosófica, debruçando-se sobre a controvérsia, gerada pelo relato de James Watson, acerca da descoberta da estrutura de dupla hélice da molécula de dna e da construção do modelo correspondente.

O relato, ao mesmo tempo em que reconhece a relevância dos dados experimentais obtidos pela pesquisa em cristalografia de Rosalind Franklin, produz uma desqualificação de sua capacidade teórica, atribuindo-lhe um papel secundário no desenvolvimento do modelo. O autor se posiciona nessa controvérsia procurando mostrar que o programa experimental de Franklin visava uma compreensão mais ampla da molécula, sem estar estritamente focado na determinação da estrutura. Acusa, desse modo, os defensores de Franklin de não lhe prestarem um bom serviço porque se veem obrigados a responder à desqualificação teórica de Watson e repõe a questão nos termos mais adequados das limitações impostas pelo próprio programa experimental de Franklin.

De sua parte, Leyla Mariane Joaquim & Charbel Niño El-Hani analisam, da perspectiva da crítica epistemológica, as dificuldades enfrentadas pelo conceito molecular clássico de gene, mostrando como os resultados recentes de grandes programas experimentais – Projeto Genoma Humano e Encode – apontam para a necessidade de uma reformulação conceitual que tenha em vista a impossibilidade de uma definição única desse importante conceito da biologia e que, portanto, contemple um pluralismo de modelos, no contexto dos quais seja possível figurar as principais definições em uso do conceito de gene.

No artigo que fecha este número de Scientiæ udia, Amélia Nancy Giannuzzo mostra que, embora seja academicamente reconhecida, constituindo certo número de especialidades científicas, a ciência ambiental não tem sido considerada na elaboração de políticas de ciência e tecnologia ditas sustentáveis. Encontra a razão disso na própria constituição multidisciplinar dos estudos sobre o ambiente; conceito que submete a um esclarecimento conceitual dos vá­rios sentidos em que é usado na literatura relevante. Propõe então a necessidade de um referencial compartilhado pelas diversas disciplinas e especialidades que estudam o ambiente, pela ciência ambiental e pelos atores envolvidos na problemática ambiental como modo de chegar a conhecimentos e aplicações mais integradas.

Pablo Rubén Mariconda

editor responsável

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2010
  • Data do Fascículo
    Mar 2010
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