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A química fina que poderia ter sido: a extração de óleo de sassafrás e de safrol no alto e médio vale do Itajaí

Resumos

O presente trabalho examina os aspectos históricos da extração do óleo de canela-sassafrás (Ocotea pretiosa Mez), rico em safrol, no Alto e Médio Vale do Itajaí, a partir de 1940, por iniciativa de Otto Grimm, no município de Rio do Sul. Apresenta-se o tema no contexto da memória química em Santa Catarina, e discutem-se os procedimentos utilizados, e principalmente os motivos que levaram tal indústria incipiente a não se converter em uma indústria de química fina. Para tanto, são apresentados alguns dados pertinentes à química do safrol, indicando que tal indústria poderia ter evoluído, bem como os aspectos econômicos e sociais que, ao lado da proibição do corte da canela-sassafrás, levaram em 1990 à extinção definitiva dessa "química fina que poderia ter sido".

História da química; Óleo da canela-sassafrás; Safrol; Química fina; Grimm


This article examines historical aspects of the sassafras oil extraction from the tree Ocotea pretiosa Mez), rich in safrol, in the high and middle valley of Itajaí, an activity that started in 1940 thanks to the initiative of Otto Grimm, in the town of Rio do Sul, considering it within the broader historical context of chemical activities in Santa Catarina. It discusses the extraction procedures used, and explains why this incipient industry did not develop into a fine chemistry industry. In order to do so, some relevant chemical data pertaining to safrol are presented, indicating that such an industry could have evolved, as well as the economical and social aspects that, together with the ban on the sassafras tree cutting, caused in 1990 the premature extinction of this "fine chemistry that might have been".

History of chemistry; Sassafras oil; Safrol; Fine chemistry; Grimm


ARTIGOS

A química fina que poderia ter sido: a extração de óleo de sassafrás e de safrol no alto e médio vale do Itajaí

Juergen Heinrich MaarI; Ligia Cleia Casas RosenbrockII

IAssociação Filosófica Scientiae Studia, São Paulo. Professor aposentado do Departamento de Química, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil. jhmaar@yahoo.com.br

IILaboratório de Ensino, Departamento de Química, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil. ligiacleia@yahoo.com.br

RESUMO

O presente trabalho examina os aspectos históricos da extração do óleo de canela-sassafrás (Ocotea pretiosa Mez), rico em safrol, no Alto e Médio Vale do Itajaí, a partir de 1940, por iniciativa de Otto Grimm, no município de Rio do Sul. Apresenta-se o tema no contexto da memória química em Santa Catarina, e discutem-se os procedimentos utilizados, e principalmente os motivos que levaram tal indústria incipiente a não se converter em uma indústria de química fina. Para tanto, são apresentados alguns dados pertinentes à química do safrol, indicando que tal indústria poderia ter evoluído, bem como os aspectos econômicos e sociais que, ao lado da proibição do corte da canela-sassafrás, levaram em 1990 à extinção definitiva dessa "química fina que poderia ter sido".

Palavras-chave: História da química. Óleo da canela-sassafrás. Safrol. Química fina. Grimm.

ABSTRACT

This article examines historical aspects of the sassafras oil extraction from the tree Ocotea pretiosa Mez), rich in safrol, in the high and middle valley of Itajaí, an activity that started in 1940 thanks to the initiative of Otto Grimm, in the town of Rio do Sul, considering it within the broader historical context of chemical activities in Santa Catarina. It discusses the extraction procedures used, and explains why this incipient industry did not develop into a fine chemistry industry. In order to do so, some relevant chemical data pertaining to safrol are presented, indicating that such an industry could have evolved, as well as the economical and social aspects that, together with the ban on the sassafras tree cutting, caused in 1990 the premature extinction of this "fine chemistry that might have been".

Keywords: History of chemistry. Sassafras oil. Safrol. Fine chemistry. Grimm.

O que está acontecendo? – O sassafrás está acabando.

– Acabando? Não pode. Isso tudo por aqui é floresta de sassafrás. Não pode ter acabado tão ligeiro.

– Mas acabou.

– Vocês viram acabar? Têm certeza que acabou? Tonho insistia.

– Onde a gente estava, disse o outro irmão, acabou. Nada mais. Tudo virou óleo.

– Os donos do óleo ganham um dinheirão. (Ataíde, 1997, p. 45).

INTRODUÇÃO

As potencialidades de produtos de origem vegetal ou mineral como suporte ou matéria-prima para uma indústria química (química fina) nem sempre foram ou são devidamente aproveitadas, preferindo-se muitas vezes a exportação de uma matéria-prima em bruto às possibilidades de uma transformação química. As causas para tanto podem ser encontradas tanto no desejo de retorno imediato de uma atividade econômica, nas dificuldades e entraves de ordem burocrática, ou mesmo no desconhecimento dos procedimentos químicos e tecnológicos envolvidos – embora estes sejam às vezes bastante simples.

Não se trata evidentemente de um problema exclusivo de nossos tempos ou de nosso país. O químico português Tomás Rodrigues Sobral (1759-1829), aluno e sucessor de Domingos Vandelli (1735-1816) em Coimbra, assim escreve em 1816 sobre a inexistência de uma indústria química em seu país: "o nosso país não é um dos menos favorecidos pela natureza (...) mas apesar das riquezas naturais que gratuitamente nos oferece ainda hoje preferimos enriquecer os outros com o numerário que lhes damos" (Costa, 1984, p. 79). Retrocedendo ainda mais no tempo, lemos em Teutschlands Wohlfahrt (A prosperidade da Alemanha) de Johann Rudolf Glauber (1604-1670) um apelo ao aproveitamento dos recursos naturais para o benefício de seu país:

"A Alemanha foi particularmente bem dotada por Deus com todos os tipos de minas (...) desejando somente um povo experimentado que saiba como desenvolvê-las adequadamente. Por que somos tão tolos e mandamos nosso cobre para a França e a Espanha e o chumbo para a Holanda ou Veneza, onde se convertem em "verde espanhol" e "branco de chumbo" que depois adquirimos deles por um preço maior?" (Kotowski, 1939, p. 109-11).

Lembram-nos tais descrições e anseios uma situação comum no Brasil, pois exportamos quase sempre a matéria bruta para importar a química fina: aí estão a Aniba rosaeodora da Amazônia,1 1 A primeira menção da Aniba deve-se a Jean Baptiste Fusée-Aublet (1720-1778), em uma expedição pela Guiana Francesa em 1762/1764. Aublet chamou a planta de Licaria guianensis, nome tirado da designação indígena Licari ( Aniba rosaeodora Ducke). A exportação da madeira para a França teve início em 1883. fonte de linalol (o óleo essencial de Aniba começou a ser produzido na França desde 1875 por Samarin, e Morin separou dele o linalol em 1881), caríssimo e precioso para a perfumaria; as areias monazíticas das praias do sul da Bahia, deixando-nos como lastro de navios, para serem processadas na Europa; e o óleo de sassafrás (Ocotea pretiosa Mez, Ocotea odorifera Rohwer), com que pretendemos nos ocupar aqui, exportado como óleo bruto, do qual nos países de destino (geralmente Estados Unidos, Japão, Alemanha, Itália e Inglaterra) obtinha-se o safrol, convertido quimicamente em produtos valiosos da química fina (hoje essencialmente piperonal e butóxido de piperonila, mas outrora também eugenol, vanilina e outros). A fonte natural de safrol que tínhamos esgotou-se, por força de uma extração extensiva, mas nas décadas de 1940 a 1980, nas quais se extraía o óleo, nada foi feito para industrializá-lo.

1 O ÓLEO DE SASSAFRÁS E AS PLANTAS QUE O CONTÊM

Os europeus conheceram o óleo de sassafrás e suas discutíveis propriedades curativas através do médico e botânico espanhol Nicolás Bautista Monardes (c.1493-1588), que montou em Sevilha, centro administrativo para a América hispânica, uma coleção de curiosidades provenientes do Novo Mundo. Monardes nunca saiu da Espanha, mas conheceu toda essa profusão de novidades em Sevilha, e publicou em três tomos a História medicinal de las cosas que se traen de nuestras Índias Ocidentales (1565, 1569, 1571, 1574), obra na qual menciona pela primeira vez o sasafraz. Monardes tinha uma prática médica em Sevilha, na qual aproveitava as maravilhas botânicas do Novo Mundo; a lista de males supostamente curáveis pelo sassafrás é extensa (cf. French, 1995). Alguns filólogos atribuem a origem da palavra "sassafrás" a uma corruptela de saxifraga, uma planta já conhecida dos europeus. Outros discordam desse ponto de vista, pois não só é a saxifraga uma planta rasteira completamente diferente do sassafrás, mas o óleo de sassafrás chegou aos europeus vindo da América, tendo o nome origem provavelmente em alguma palavra desconhecida do falar de algum povo americano (cf. Caldas Aulete, 1980). De fato, Monardes menciona o óleo em conexão com os habitantes da futura Luisiana, e esse óleo de sassafrás, de improvável efeito curativo contra o reumatismo e a sífilis (os indígenas usavam-no no tratamento de problemas gastrointestinais), nada tem a ver com o óleo de sassafrás brasileiro, pois provém de outra árvore, o sassafrás norte-americano, Sassafras albidum (Nutt) Nees, ou Laurus sassafras, ou Sassafras officinale, uma laurácea. O óleo essencial obtido dessa planta por destilação por arraste de vapor contém de 80 a 90% de safrol, além de 5-metoxi-eugenol, asarona, aldeído coniferílico, cânfora, além de traços de tujona, anetol, apiol e eugenol. Foi durante o século XIX e nas primeiras décadas do século XX a principal fonte de safrol.

O sassafrás brasileiro é uma laurácea do gênero Ocotea, que engloba mais de 200 espécies de árvores e arbustos tropicais e subtropicais, originários das Américas do Sul e Central, das Antilhas, além de África, Madagascar, Açores, Canárias e Cabo Verde. O sassafrás brasileiro é uma árvore nativa da Mata Atlântica, frondosa, com cerca de 25 m de altura e tronco com até 70 cm de diâmetro.

Historicamente, o termo "sassafrás brasileiro" é vago e seu uso confuso, sendo atribuído, pelos botânicos do século XIX, como Theodoro Peckolt (1822-1912), Joaquim Monteiro Caminhoá (1835-1896) e Manuel Pio Correia (1844-1934), a diferentes espécies botânicas, e difícil era identificar com clareza a "essência de sassafrás brasileiro". Por causa do cheiro característico de canela, a madeira foi também chamada de "canela-sassafrás", criando ainda maior confusão. O químico e alquimista Antoine Joseph Pernety (1716-1801), que acompanhou a expedição de Louis Antoine de Bougainville (1729-1811) à América do Sul, escreve em Histoire d'un voyage aux Iles Malouines (1769) que encontrara na Ilha de Santa Catarina a madeira chamada sassafrás (cf. Berger, 1984, p. 75). Com o início da exportação do óleo de sassafrás brasileiro, as autoridades norte-americanas do Food and Drug Administration exigiram a identificação do óleo (oil of sassafras, Brazilian) através do nome botânico da planta da qual era extraído, e por motivos ignorados escolheu-se para tal a Ocotea cymbarum, uma mal conhecida planta da Amazônia, já referida por Martius. O grande estudioso e sistematizador das lauráceas do hemisfério ocidental, inclusive do gênero Ocotea, foi o botânico alemão Carl Christian Mez (1866-1944). Filho de um empresário e político, estudou botânica na Universidade de Freiburg, formando-se em 1884 e doutorando-se em Breslau em 1890. Foi professor de Botânica e Farmacognosia na Universidade de Halle (1900/1910) e diretor do Jardim Botânico e professor de Fisiologia Vegetal da Universidade de Königsberg (1910/ 1935). Deve-se a Mez a caracterização definitiva, em 1889, da espécie Ocotea pretiosa Mez, da qual se extrai o "óleo de sassafrás brasileiro" e hoje quase extinta, como também estão em risco de extinção duas outras espécies do gênero Ocotea, a canela-preta (Ocotea catharinensis Mez) e a imbuia (Ocotea porosa (Nees et Martius) Liberato Barroso). Mez descreve também a citada Ocotea cymbarum amazônica. Apenas os estudos de Guilherme Gemballa (1914- 1970), nascido na Alemanha, para sua tese de doutoramento, em 1952/1955, trouxeram clareza sobre qual era afinal a origem do óleo ou essência do sassafrás brasileiro (cf. Gemballa, 1955). Para outros botânicos ainda, a Ocotea pretiosa Mez confunde-se com a Ocotea odorata (Vell.) Rohwer. O notável botânico Padre Raulino Reitz (1919-1990) estudou com vários colaboradores a flora de Santa Catarina, com os resultados publicados na Flora ilustrada catarinensis, que contém um fascículo sobre as lauráceas (cf. Vattimo-Gil, 1979; Reitz et al., 1979). Reitz classifica a "canela de cheiro" ou "canela-sassafrás" como Aniba firmula Mez, mencionando ainda a sinonímia "canela-rosa", "canela-amarela", "canela-de-folha-cheirosa". A importância econômica da canelasassafrás não passou despercebida (cf. Rizzini & Mors, 1976).

Muitas plantas contêm safrol, e o dicionário botânico de Klein lista, em 1940, 37 espécies vegetais que contêm safrol, das quais 19 são lauráceas. Mas, nos últimos tempos, apenas o sassafrás brasileiro e o sassafrás chinês (de Cinnamomum camphora) eram usados para fins industriais, levando o óleo chinês a vantagem de também fornecer a cânfora. Recentemente entrou em cena a pimenta longa (Piper hispidinervium), uma planta da Amazônia, mais rica em safrol e com maior rentabilidade, como veremos ao final deste trabalho. Quanto à composição química do óleo essencial da Ocotea pretiosa, ela não é constante, mas varia conforme a origem geográfica da planta, um fenômeno chamado de "variação geográfica", e descoberto em 1924 (até então tinha-se como invariável a composição química de uma planta). No caso da canela-sassafrás, Otto R. Gottlieb e Mauro Taveira Magalhães descobriram em 1959 que a planta originária das regiões mais frias de Santa Catarina contém safrol, mas a planta proveniente de regiões temperadas de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro não contêm safrol, sendo seu cheiro característico provocado pela presença de 1-nitro-2-fenil-etano (cf. Gottlieb & Magalhães, 1960). Portanto, apenas a canela-sassafrás de Santa Catarina é matéria prima para a produção de safrol.

2 A EXTRAÇÃO DO ÓLEO DE SASSAFRÁS BRASILEIRO

As décadas de 1930 e 1940, principalmente, conheceram diversas iniciativas de aproveitamento de plantas e seus princípios ativos no que seria hoje, ou poderia ter sido, a "química fina". Além do óleo de sassafrás, objeto deste artigo, podemos mencionar a obtenção de mentol e o abastecimento do mercado nacional durante a Segunda Guerra Mundial com cafeína, pelas Indústrias Reunidas Jaraguá (Duas Rodas), empresa fundada em Jaraguá do Sul em 1925 pelo químico alemão Rudolf Hufenuessler (1895-1955), egresso da Politécnica de Stuttgart, ou o tratamento químico da erva-mate em Antonina, no Paraná, pelas Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, desde a década de 1910. Muitos exemplos existem em todo o território brasileiro, mencionamos estes por serem pouco conhecidos pela historiografia química.

Na opinião de Guilherme Gemballa, a extração do óleo de sassafrás da Ocotea pretiosa Mez começou em 1940 em Rio do Sul, no alto vale do Itajaí, por iniciativa de Otto Grimm (1886-1966), na localidade de Ribeirão do Tigre, então no município de Rio do Sul, hoje no município de Agrolândia, emancipado em 1962 (cf. Adami & Rosa, 2008). Guilherme Gemballa, cuja família viera ao Brasil em 1922, fixando-se em Ibirama e depois em Rio do Sul, era farmacêutico, formado em 1934, com a penúltima turma do extinto Instituto Politécnico (1917/1935) de Florianópolis (cf. Vieira, 1986). Interessado na canela-sassafrás, fez dela objeto de sua tese de doutoramento, e no decorrer de sua elaboração trouxe a Ribeirão do Tigre o botânico blumenauense João Geraldo Kuhlmann (1882-1958), então diretor (1944/1951) do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

Os primeiros lotes do óleo bruto foram exportados para os Estados Unidos, e a indústria dessa essência vegetal tornou-se rentável: "fábricas foram surgindo e algumas logo desaparecendo. Houve épocas de contarem-se cento e cinquenta delas" (Gemballa, 1955, p. 20). A produção concentrava-se no alto (Rio do Sul, Taió) e médio (Ibirama, Presidente Getúlio) vale do Itajaí, representadas no mapa da figura 5, e teve seu auge por volta de 1955. Em 1940, de uma produção de mais de 17.400 quilogramas, apenas 800 quilogramas foram exportados, mas já em 1945 a exportação alcançou quase 592.000 quilos. O livro alusivo ao Centenário de Blumenau lista as principais empresas do vale de Itajaí que em 1950 dedicavam-se à produção do óleo de sassafrás (cf. Hering, 1950), mencionando que eram ao todo cerca de 200 instalações:


Figura 1


Figura 2


Figura 3


Figura 4


Otto Grimm era natural da província da Prússia Ocidental, tendo nascido em Skompe, na região de Kulm (hoje na Polônia) a 14 de julho de 1886. Frequentou a Escola Agrícola de Briesten, e com seu irmão Walter emigrou para o Brasil após a Primeira Guerra Mundial, estabelecendo-se na região de Ribeirão do Tigre, então pertencente ao município de Blumenau. Otto Grimm fixou-se definitivamente no Brasil em 1930. Construíram uma serraria e dedicaram-se à produção de carvão vegetal e alcatrão. O insucesso do empreendimento fez com que Walter retornasse à Alemanha. Depois de muitos estudos, Otto Grimm desenvolveu em 1938 um procedimento simples e barato para extrair o óleo essencial da canela-sassafrás, o qual será descrito adiante. O procedimento como tal não era passível de patente, já que era de domínio público, o que estimulou muitos outros colonos a criarem também suas "instalações" (cf. Kress, 1995). Como diz Kress, não havia nem necessidade de "espionagem industrial" diante da simplicidade do procedimento, que se desenvolveu, a partir das bases científicas, em uma prática artesanal e possível num meio desprovido de recursos. No caso, a multiplicidade de iniciativas concorrentes mostrou-se desfavorável ao novo ramo de produção como um todo. Apesar da concorrência às vezes desleal – imitação e não criação, busca do lucro fácil – a indústria de Grimm continuou líder do setor. O "óleo essencial de sassafrás" brasileiro, depois de algumas dificuldades, encontrou o mercado mundial através de um exportador do Rio de Janeiro (1941). Otto Grimm, com sua formação de agrônomo, tentou novas técnicas de cultivo da árvore preciosa. De 1950 a 1958, a empresa Grimm e Cia. foi administrada por seu filho Ewald Grimm (1918-1989). Otto Grimm faleceu em Agrolândia a 25 de dezembro de 1966 (cf. Grimm, 2009). Hoje um pé de Ocotea pretiosa cresce sobre seu túmulo (ver figura 3).

O procedimento era relativamente simples, sendo realizado por uma versão rudimentar de um processo de extração por arraste de vapor. Nas próprias palavras de um antigo produtor, o senhor Osmar dos Santos, sócio da empresa Madeiras Irmãos Santos, empresa estabelecida no distrito de Dalbergia, município de Ibirama, assim se procedia:

o processamento desse óleo na época não era um processo muito complexo, bastava ter a matéria-prima, um picador para a lenha (triturador), as tinas (barris de ferro onde se colocava a matéria-prima já picada). Para fazer-se o cozimento a vapor (vindo de uma caldeira, que era alimentada pela própria sobra de cavaco, depois de ser cozido e extraído o óleo de sassafrás) para extrair o óleo de sassafrás, dependendo do tamanho das tinas, o processo durava de 7 a 8 horas. Para conseguir-se o óleo, tinha que ter a serpentina, canos por onde no seu interior passava o vapor com o óleo, e esses canos eram acondicionados em água fria e corrente. Saindo daí, [o óleo] era acondicionado em barris com filtros, onde se separava a água do óleo, já que o mesmo era mais pesado do que a água [d = 1,022 g/ml]. Daí era acondicionado [o óleo assim separado] em tambores com capacidade média de 220 kg, uma vez que a venda era feita em kg. O rendimento médio de cada metro [cúbico] de lenha (matéria-prima) era de 7 kg. Sua venda era efetuada na base da moeda americana, o dólar, já que sua comercialização era praticamente toda para exportação (Santos, 2008; narração um pouco modificada).

A empresa mencionada, Madeiras Irmãos Santos, começou a produzir óleo em 1966, cessando a produção em 1990, quando foi proibido pelas autoridades o corte da canela-sassafrás.

Na simplicidade e na facilidade de execução do procedimento está possivelmente, de modo indireto, um dos fatores para o não surgimento de uma indústria de química fina na região. De colonização relativamente recente, datando do final do século XIX (Rio do Sul e Ibirama tornaram-se municípios somente em 1930), inexistiam na região na época profissionais da química que pudessem direcionar o processo de extração para o aproveitamento local de uma importante matéria-prima. As reações que convertem o safrol, principal componente do óleo, em outros produtos de interesse econômico (eugenol, piperonal, vanilina) são relativamente simples e teriam dispensado equipamentos dispendiosos. Porém, a eficácia e simplicidade do procedimento rudimentar empregado permitiam ao leigo em química (por exemplo, a quem explorasse madeira) um bom resultado econômico, ainda mais porque o óleo bruto encontrava mercado externo imediato. Todos esses fatores favoreciam a exportação do óleo bruto, com retorno financeiro imediato, frente a um aproveitamento industrial de retorno a médio prazo, embora este último fosse obviamente muito mais interessante, também a médio prazo, para a indústria química nacional. No auge da produção, o óleo bruto era cotado a US$ 4,00 por quilograma, e até 1960 era o Brasil o maior exportador desse produto bruto.

Um primeiro golpe sério contra a rentabilidade – e sobrevivência – da extração do óleo de sassafrás ocorreu em 1948, na forma de alterações na política fiscal introduzidas pelo governo federal. As autoridades fiscais passaram a classificar o óleo como matéria básica de perfumaria, quando, na verdade, esse óleo era um produto químico bruto – o safrol – obtido por um procedimento bastante rudimentar, como vimos acima. Em consequência, os produtores foram multados pelo governo.

O quadro 2 mostra, entretanto, que a produção do óleo continuou alta nos anos 1950 e 1960 e conduziu ao esgotamento das reservas naturais da canela-sassafrás. Diante da ameaça de extinção da Ocotea pretiosa Mez, foi criada em 1977, pelo Decreto n. 2.221, a Reserva Biológica Estadual do Sassafrás, com duas áreas, nos municípios de Doutor Pedrinho (3862 hectares) e Benedito Novo (1361 hectares), num total de 5223 hectares. Em 1990 foi proibido o corte da canela-sassafrás, árvore que poderia ser aproveitada economicamente somente 30 anos após o plantio. Naquele ano, o Conselho Regional de Química da XIII Região registrava apenas um produtor do óleo.


3 A QUÍMICA DO SAFROL

Quando em Santa Catarina começou a extração do óleo de sassafrás e sua exportação em bruto, já era conhecida em linhas gerais a química do safrol. O safrol é um éter fenólico, um composto orgânico de fórmula C10H10O2, um líquido incolor ou levemente oleoso, de densidade 1,096 g/ml (a 20ºC) e ponto de fusão em torno de 11º C. O óleo de sassafrás é insolúvel em água, solúvel em álcool e miscível com éter e clorofórmio.

É claro que neste artigo historiográfico sobre a química fina associada à extração de óleo de sassafrás e de seu principal produto, o safrol, não nos interessam os aspectos químicos das transformações que ocorrem, mas muito mais os usos passados e presentes dos produtos de interesse econômico que podem ser obtidos a partir do safrol: eugenol, piperonal (sinônimo de heliotropina), ácido piperonílico, vanilina, butóxido de piperonila. Como já dissemos, o safrol ocorre em muitas espécies vegetais, e a primeira planta explorada em grande escala para a obtenção do "óleo de sassafrás" foi o sassafrás norte-americano (Sassafras albidum), mas curiosamente o farmacêutico suíço August Friedrich Flückiger (1828-1894) escreveu em 1885 que "embora haja poucas dúvidas de que o safrol realmente ocorre nos óleos essenciais das plantas citadas [por nós], tal fato ainda não foi comprovado". Escreveu também que, desde 1885, a empresa Schimmel & Co., de Leipzig, produz safrol do óleo da canforeira (Cinnamomum camphora L.) e "não resta dúvida de que muito mais safrol em grande estado de pureza é produzido em Leipzig do que em todas as destilarias dos Estados Unidos" (Flückiger, 1887). No caso, o safrol de Leipzig era um subproduto da produção da cânfora, o que ocorre novamente hoje em dia com o safrol chinês.

As reações que convertem o safrol em derivados de interesse comercial são relativamente simples de um ponto de vista químico, o que teria permitido a implantação de uma indústria de química fina pouco exigente, partindo de matéria prima local e barata, como requisito fundamental. Por outro lado, se considerarmos as informações de Flückiger de que já se produzia o safrol e já se obtinham industrialmente derivados deste, uma indústria semelhante entre nós, para ser competitiva, deveria não somente dispor de matéria-química barata local, mas também desenvolver procedimentos de transformação que não fizessem uso de reagentes ou equipamentos dispendiosos. Quanto aos usos dos produtos mencionados na figura 10, comecemos pelo próprio safrol. Além de matéria prima industrial, o safrol (na forma de óleo de sassafrás) era usado como fármaco (o que explica sua obtenção desde o século XVII e o interesse de Monardes pelo sassafrás), mais exatamente como antisséptico. O "óleo de sassafrás" utilizado no Brasil até inícios do século XX era o óleo do Sassafras albidum norte-americano (cf. Carrara & Meirelles, 1996). O safrol era adicionado como aromatizante a bebidas, como o root beer nos Estados Unidos, ou a "pinga com safrol" entre nós, existindo também em alguns locais o costume do envelhecimento da aguardente em tonéis da canela-sassafrás, uso agora condenado por causa da atividade cancerígena do safrol. O eugenol possui comprovado efeito antisséptico e anestésico (usado em odontologia, o cheiro do eugenol é o cheiro típico dos consultórios dos dentistas de antigamente; a "cera dental do Doutor Lustosa", fabricada desde 1922, contém eugenol, mas o real princípio ativo é a lidocaína), e tem ação benéfica sobre a digestão. O eugenol sintetizado a partir do safrol era economicamente vantajoso frente ao eugenol extraído do cravo da Índia (Eugenia caryophillata L.), cujo óleo contém cerca de 15% de eugenol (90% no botão da flor). A vanilina é o principal responsável pelo caráter aromatizante da baunilha (gênero Vanilla, muitas espécies), e foi introduzida na Europa já no século XVI, vinda do México. O piperonal encontra emprego em perfumaria, como fixador de fragrâncias. A partir do piperonal, Albert Ladenburg (1842-1911) e M. Scholtz sintetizaram em 1894 a piperina (o principal alcaloide da pimenta), por reação com acetaldeído seguida de tratamento com acetato de sódio e anidrido acético: o ácido piperonílico formado reage com a piperidina para formar a piperina (cf. Ladenburg & Scholtz, 1894). Atualmente apenas duas espécies químicas continuam a ser obtidas industrialmente a partir do safrol: o piperonal e o butóxido de piperonila (PBO), o primeiro para uso em perfumaria, o segundo na indústria de inseticidas, como sinergista das piretrinas. Algumas das espécies químicas obtidas por transformação química do safrol existem já no próprio óleo; por exemplo, Gottlieb e Magalhães descobriram em 1958 o ácido piperonílico (cf. Gottlieb & Magalhães, 1958) no óleo da Ocotea pretiosa.


Figura 6


Figura 7


Figura 8


Figura 9


As possibilidades do safrol na síntese química ampliaram-se hoje consideravelmente, consistindo ele de um sínton de amplo espectro na indústria de fármacos, como o mostra o esquema abaixo proposto por Barreiro (cf. Barreiro, 2001).

Registra a literatura recente também a possibilidade de obtenção, a partir do safrol, de fármacos como a paroxetina, de substâncias cardioativas como piperdardina e piperina, de certos prostanoides, entre outros.

Tanto o safrol quanto seus derivados eugenol e piperonal servem como ponto de partida de drogas ilícitas do grupo das anfetaminas ("química clandestina"). A própria anfetamina foi obtida pela primeira vez pelo químico romeno Lazar Edeleanu (1861-1941) em 1887.

Figura 11


4 A ECONOMIA DO SAFROL

A indústria da extração do óleo de sassafrás e do safrol da Ocotea pretiosa possui um aspecto bastante comum nas regiões de colonização recente no sul do Brasil: o surgimento de pequenas indústrias, geralmente com o caráter de indústria familiar, aproveitando produtos da atividade agrícola primária (fécula, por exemplo) ou de matérias primas existentes no local colonizado (madeiras, óleos essenciais). Acrescente-se como aspecto comum a presença de mão de obra não qualificada, colonos e imigrantes sem condições econômicas para estabelecerem-se por conta própria.

O Brasil foi o maior produtor mundial de óleo de sassafrás no período 1940-1960, mas a partir de 1991, com a quase extinção da canela-sassafrás e a proibição de seu corte, passou de exportador para importador do produto (a demanda mundial de safrol é de cerca de 3000 toneladas/ano). O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) passou a exigir dos produtores brasileiros o reflorestamento com a Ocotea pretiosa, medida economicamente inócua, pois a produção só pode ser retomada depois de decorridos 30 anos. Em 2006 um projeto conjunto foi implantado pela Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí (Unidavi) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc), que pretende recuperar as reservas de canela-sassafrás com vistas a um futuro aproveitamento econômico como fonte de safrol. O ressurgimento de uma indústria baseada na Ocotea pretiosa é altamente improvável, diante das potencialidades da pimenta longa (Piper hispidinervium C. DC), investigada desde 1992 pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), no centro de pesquisa ecorregional do Acre, com base em estudos realizados desde 1970 pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e pelo Museu Paraense Emílio Goeldi. Os talos e as folhas da pimenta longa, um arbusto rasteiro, nativo das capoeiras do Acre, fornecem por destilação por arraste de vapor um óleo essencial (3,5%) rico em safrol (90% do óleo) (cf. Pimentel et al., 1998). São possíveis duas colheitas anuais, e como a planta se recupera após o corte, a pimenta longa será a alternativa óbvia para a obtenção de safrol a partir de fontes naturais. Mencionamos como exemplo a síntese do piperonal a partir do óleo essencial de pimenta longa, desenvolvida recentemente (cf. Cremasco & Braga, 2012).

O produto (safrol bruto) passou a ser, pois, importado da China e do Vietnã, atualmente os únicos produtores, onde o óleo é obtido da canforeira (Cinnamomum camphora L.) pelo mesmo procedimento de extração predatória, que certamente levará à extinção também do Cinnamomum. O processo chinês tem ainda a vantagem de produzir simultaneamente o safrol e a cânfora, com o que se torna economicamente mais competitivo.

5 A QUÍMICA FINA QUE NÃO HOUVE

Os espécimes vegetais de interesse econômico e os princípios ativos deles extraídos, cuja remessa às instituições acadêmicas europeias fora sugerida e mesmo solicitada por cientistas como Alexander von Humboldt (1769-1859) ou Justus von Liebig (18031873) a imigrantes com formação química, como Hermann Blumenau (1819-1899), doutor em química/farmácia em 1846 pela Universidade de Erlangen com uma tese sobre alcaloides, nunca foram colhidos e estudados. No século XIX, muitas plantas brasileiras foram submetidas a um estudo químico por químicos e farmacêuticos brasileiros, extraindo-se delas muitos princípios ativos. Não seria exagero, por exemplo, dizer que no século XIX o Brasil era autossuficiente na produção de muitos alcaloides de interesse curativo (quinina e seus substitutos, emetina). Salientam-se os empreendimentos de Ezequiel Dias Correia (1801-1864) e seu filho homônimo, no Rio de Janeiro, do já mencionado Theodoro Peckolt, também no Rio de Janeiro, de Luís Nicolau Masson em Porto Alegre, e de Pedro Batista de Andrade (1848-1937) em Juiz de Fora.

Entretanto, por razões que a História poderá esclarecer, nos empreendimentos de colonização europeia no sul do Brasil, mesmo com a presença de químicos com experiência industrial e com mentalidade mais "europeia" (no sentido de diferente da mentalidade mercantilista colonial luso-brasileira), como Hermann Blumenau, os muitos produtos naturais apontados pelos exploradores e visitantes estrangeiros, que até sugeriram sua exploração ou ao menos estudo (como sugeriu John Mawe, 1764-1829, com relação ao Murex da Enseada das Garoupas, em Tijucas) (cf. Berger, 1984, p. 185), permaneceram incógnitas para a ciência e para a indústria. O próprio Hermann Blumenau estava consciente da importância da riqueza natural do Brasil para a química. A futura indústria de fiação e tecelagem do vale do Itajaí poderia ter aproveitado os conhecimentos de química têxtil (mordentes) do doutor Blumenau, e a experiência deste com alcaloides poderia ter dado origem a uma produção de fármacos. O próprio Alexander von Humboldt, em contato com Blumenau, lembrou-lhe que sua profissão de químico poderia garantir seu sustento no Brasil, e que não demorasse em encetar o envio de plantas curativas ou de alguma forma úteis, o que poderia dar início a uma atividade econômica (cf. Kiefer, 1992). Acreditamos que a explicação para o que não houve pode ser encontrada na história econômica do Brasil Império e nas características psicológicas do empreendimento colonizador. Diferente é a situação na Colônia Dona Francisca, hoje Joinville, onde no dizer de Isa de Oliveira Rocha, "o tipo de colonização com mão de obra familiar e a presença de "pessoas de origem extra-agrícola" determinaram um desenvolvimento produtivo favorável à industrialização" (Rocha, 1997), que de fato ocorreu em Joinville. Por exemplo, a fazenda Poço do Curtume e a usina Pirabeiraba (a Domaine Dona Francisca e a Domaine Pirabeiraba), do duque de Aumale (1822-1897), irmão do príncipe de Joinville, donatário das terras, estavam sob a supervisão de um engenheiro-químico francês, Frédéric Bruestlein (1835-1911), e dispunham, para a produção de açúcar, aguardente e outros produtos, de equipamentos importados (caldeiras, máquinas, trilhos, vagonetes) (cf. Ficker, 1965; Ternes, 1986). Contudo, a presença de uma mão de obra operária especializada, ao lado de imigrantes com conhecimentos técnicos, também não era garantia para o surgimento de uma atividade produtiva fabril. O fracasso da utopia socialista ao estilo de Charles Fourier (1778-1837) no Falanstério do Saí, perto de São Francisco do Sul, em 1841, é exemplo esclarecedor (cf. Tiago, 1995). Fica como consolo para a história da ciência no Brasil a fundação em Saí, em 1842, da primeira escola de homeopatia no Brasil, por Benoit Mure (1809-1858), depois transferida para o Rio de Janeiro.

Ao lado desses fatores de ordem sócio-econômica e histórica, que levaram à inexistência de uma indústria de química fina associada ao safrol, há que citar como fatores decisivos para o fim dessa atividade econômica dois fatos concretos, já mencionados: a nova política fiscal do governo para com o óleo de sassafrás, a partir de 1948, e a gradativa extinção da matéria-prima, a canela-sassafrás, cujo corte, como vimos, foi proibido em 1990. Há outros fatores a considerar, como mostraremos a seguir.

1 A obtenção do óleo de sassafrás e, por consequência, do safrol a partir da canela-sassafrás era um procedimento muito simples, adaptando às precárias condições das regiões de colonização os processos de destilação por arraste de vapor do laboratório e da indústria. Embora o criador da nova indústria, Otto Grimm, tivesse conhecimentos de química, a simplicidade do processo permitia a praticamente quem quisesse a imitação do procedimento. O excesso de concorrência, em vez de somar forças, criou uma competição prejudicial. As descrições de tais iniciativas de obtenção de "óleos essenciais" são comuns na literatura, como o mostra o belíssimo conto "Carvoeiros", do uruguaio Horacio Quiroga (cf. 1987 [1921]).

2 O desconhecimento de noções de química por parte da maioria dos pequenos produtores (que, como vimos, chegavam em certas épocas a 150) não despertou uma curiosidade de tentar transformações químicas do safrol, relativamente simples. Ainda como consequência do excesso de competição prejudicial, pode-se mencionar o desânimo dos pioneiros em melhorar tecnicamente o procedimento.

3 O lucro imediato da exportação em bruto de uma matéria prima escassa na época da Segunda Guerra Mundial e no período imediatamente posterior era por demais animador em uma região necessitada de desenvolvimento econômico imediato, e deslocou de cena um aproveitamento químico para produção de eugenol, vanilina, piperonal e outros produtos, que seria lucrativa a médio prazo.

4 A elevada taxação do óleo de sassafrás pelo governo federal, a partir de 1948, como produto de perfumaria e não matéria-prima para a indústria química, significou um pesado golpe para os produtores que, em vez de se verem estimulados pelo poder público, foram vítimas da voracidade fiscal.

5 A exploração extensiva e predatória da canela-sassafrás levou rapidamente à quase extinção da Ocotea pretiosa, a ponto de ser o corte da árvore proibido pelas autoridades ambientais em 1990. O replantio é desinteressante do ponto de vista econômico, pois a árvore só poderá ser explorada depois de decorridos 30 anos. Uma extração associada ao replantio desde os primórdios da indústria, ilustrada, por exemplo nas tentativas de Otto Grimm de criação de sementes e mudas, teria tornado permanente essa atividade industrial.

6 E não por último, a recriação em ambiente simples, isolado e quase primitivo, de procedimentos de extração de óleos essenciais baseados na extração por arraste de vapor, e de procedimentos de transformação do produto assim obtido (o safrol, no caso) tem como condição primordial a existência de matéria prima barata, que existia de fato. Mas tal fato por si só não levaria a uma indústria de química fina, se não fossem desenvolvidos também procedimentos de transformação simples, pouco exigentes em termos de equipamentos, fazendo uso de reagentes baratos e facilmente acessíveis, que mesmo sacrificando os rendimentos pudessem competir com os processos já em uso nas indústrias desde fins do século XIX. Aqui fez falta a atividade, nas diversas pequenas fábricas, de químicos, ou farmacêuticos, ou pelo menos de mão de obra com algum treinamento e conhecimento químico, profissionais inexistentes na época na região. Químicos e farmacêuticos teriam tido uma visão mais ampla da química e das potencialidades do safrol em sínteses, e uma mão de obra mais qualificada buscaria melhores rendimentos e procedimentos mais adequados às peculiaridades da região. Certamente essa "química fina que não houve" – a do óleo de canela-sassafrás – não é única na história dos ofícios químicos. Mas há, claro, exemplos da situação inversa, a utilização eficaz de recursos científicos para fazer nascer indústrias de matérias primas baratas, por vezes desprezadas. Acima foram mencionados exemplos havidos entre nós. O caso mundialmente mais conhecido é certamente o da empresa mexicana Syntex S.A ., existente de 1944 a 1994, que extraiu do barbasco (Dioscorea mexicana) a diosgenina, matéria prima barata para a fabricação de progesterona e de outros hormônios, em uma empreitada de grande sucesso econômico e científico (cf. Djerassi, 1990).

CONCLUSÃO

A exploração econômica da canela-sassafrás (Ocotea pretiosa Mez) é passado. A indústria de química fina que não se criou com base no safrol remete-nos ao passado. Resta a história da exploração do óleo essencial da canela-sassafrás, uma atividade econômica rentável em seu tempo, mas não devidamente valorizada na época em que existiu, pelas razões que discutimos. Importa aqui a recuperação desse passado, a discussão dos motivos que levaram à "química fina que não houve", à oportunidade perdida. Juntamente com a história de outros episódios semelhantes ocorridos em outros locais, a discussão dos diversos aspectos favoráveis e desfavoráveis do aproveitamento de um produto natural valioso poderá servir de apoio para que no futuro situações como essa tenham um aproveitamento melhor. Do ponto de vista historiográfico, esta e outras narrativas sobre extração de produtos naturais ilustram um aspecto importante da história da química não acadêmica no Brasil desde as primeiras décadas do século XIX. A elaboração do presente trabalho estendeu-se por vários anos, em função da ausência quase completa de registros, contando os autores com a colaboração principalmente de pessoas de algum modo ligadas à extração do safrol.

AGRADECIMENTOS. Os autores agradecem, pelo inestimável auxílio prestado na elaboração deste trabalho, ao senhor Dieter Grimm, de Agrolândia, ao pastor emérito Ingo Piske, de Agrolândia, ao senhor Osmar dos Santos, de Presidente Getúlio, e ao senhor Luís Saulo Adami, de Guabiruba.

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  • 1
    A primeira menção da Aniba deve-se a Jean Baptiste Fusée-Aublet (1720-1778), em uma expedição pela Guiana Francesa em 1762/1764. Aublet chamou a planta de
    Licaria guianensis, nome tirado da designação indígena
    Licari (
    Aniba rosaeodora Ducke). A exportação da madeira para a França teve início em 1883.
  • 2
    Fritz Lorenz (nascido em 1882, em Blumenau) era neto do naturalista Fritz Müller (1821-1897), conhecido mundialmente por seu Für Darwin (1864) (cf. Müller, 2009 [1864]).
  • 3
    Carlos Ferdinand Schroeder (1874-1944), de Indaial, sócio da primeira fábrica de leite em pó da América do Sul (marca Indaiá, 1923).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Fev 2013
    • Data do Fascículo
      2012
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