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A doutrina goethiana e newtoniana das cores à luz da física moderna (Conferência proferida em 5 de maio de 1941 na Sociedade para Colaboração Cultural de Budapeste)1 1 A presente tradução foi feita a partir do original intitulado "Die Goethe'sche und die Newton'sche Farbenlehre im Lichte der modernen Physik", que se encontra na coletânea Wandlungen in den Grundlagen der Naturwissenschaft, organizada pelo próprio Heisenberg (cf. 2005b).

Goethe's and Newton's doctrine of colours in the light of modern physics

Quem quiser fazer progredir a ciência, seja colaborando ou concorrendo com os outros, pode contentar-se em empregar todas as forças na pequena esfera de um trabalho proposto. Porém, quem deseja contemplar esse progresso na totalidade faz bem em sempre estabelecer comparações com as tarefas científicas de tempos anteriores e rastrear aquela mudança singular à qual um grande problema é submetido durante décadas ou séculos. Um questionamento frutífero pode mesmo então, quando tiver encontrado uma resposta clara, aparecer novamente para os tempos vindouros sob nova iluminação.

A constante mudança na ciência moderna da natureza, em direção a um domínio abstrato da natureza que escapa à intuição viva, evoca por si mesma a lembrança do grande poeta que ousou lutar por uma ciência da natureza mais viva na doutrina das cores. Essa luta terminou, a decisão sobre "certo" ou "errado" há muito já foi tomada em todas as formas de questionamento. A doutrina goethiana das cores produziu múltiplos frutos na arte, na psicologia, na estética. Mas a vitória, a influência sobre os tempos subsequentes, coube à doutrina newtoniana das cores. Com o desenvolvimento extraordinário pelo qual passou, desde então, essa física newtoniana - sobretudo nas últimas décadas -, as consequências dessa linha de investigação tornaram-se mais do que nunca evidentes. A estranha abstração das representações, que, como na moderna física atômica, nos permitem dominar a natureza, lança mais claramente do que antes uma luz sobre o pano de fundo daquela notória disputa em torno da doutrina das cores. A nossa conversa deverá versar, em primeiro lugar, sobre esse pano de fundo.

Como se sabe, Goethe recebeu de suas viagens à Itália o impulso derradeiro para uma ocupação intensiva com a natureza. A estrutura geológica do país, a multiplicidade de formas das plantas que medram sob o céu do sul, as cores reluzentes da paisa-gem italiana constantemente tomam seu interesse durante a viagem e tornam-se novamente vivas para nós nas vigorosas descrições de seu diário. Mediante essas anotações também experimentamos como as impressões se unem, quase que por si mesmas, a uma ordem científica e como, a partir da natureza vivida, desenvolvem-se representações que mais tarde se tornarão as bases das considerações goethianas da natureza. Após o retorno a Weimar, Goethe começa a trabalhar sobre as experiências adquiridas: como primeiro fruto desse trabalho surge, no ano de 1790, a "Metamorfose das plantas". À época, fica postergada a ocupação teórica com as cores que Goethe iniciara na Itália e que, segundo suas crenças na doutrina das cores, tomava como ponto de partida o colorido. Permanece empacotado sobre a mesa um prisma que Goethe, após o retorno, emprestara de Hofrat Büttner em Iena a fim de estudar a aparência das cores na decomposição da luz. Apenas quando - já na primavera de 1791 - o proprietário pede o prisma de volta e busca-o durante um jantar, Goethe aproveita a oportunidade de olhar através dele para observar a esperada aparição das cores. Com isso ele descobre, para sua grande surpresa, que grandes superfícies brancas não aparecem coloridas, como ele havia apreendido de seus estudos sobre a doutrina newtoniana das cores, mas sim brancas, o mesmo valendo para grandes superfícies escuras. Apenas nas bordas entre superfícies claras e escuras surgem colunas coloridas. Com isso Goethe reconhece que "deve haver um limite para se produzir as cores". Essa descoberta, a qual Goethe acredita estar em contradição com a doutrina das cores de Newton, dá-lhe o ensejo para uma ocupação intensiva com a gênese das cores durante a decomposição da luz. As cores surgem, assim deduz Goethe, a partir da união do claro com o escuro e não apenas a partir da luz, como ensina Newton. Essa conclusão se comprova em vários outros fenômenos. O sol, que brilhando de dia reluz branco, aparece amarelo ou vermelho quando é obscurecido por uma camada de vapor intermediária. A fumaça que sobe de uma chaminé adquire um brilho azulado à luz do sol. Convencendo-se, mediante várias outras experiências, Goethe acredita finalmente ter descoberto o "fenômeno originário" (Urphänomen) nessa gênese das cores a partir da luz e da escuridão, a partir da mistura entre o opaco e o luminoso. Esse fenômeno originário - que como ideia diretiva é confiada à experiência e não ao entendimento - reúne as diversas aparições das cores de nosso mundo sensível em uma ordem uniforme. A ordem, harmoniosamente erigida diante de nós e recheada de conteúdo vivo até em suas últimas particularidades, compreende todo o domínio de aparição objetiva e subjetiva das cores. Goethe investiga com cuidado especial justamente as cores que estão condicionadas apenas às ocorrências nos olhos e que, com isso, apoiam-se sobre um "engano" dos sentidos. E quando Goethe fala do fenômeno originário da gênese das cores em um dos mais belos poemas do "Divã ocidental-oriental", então podemos perceber o significado que essa descoberta adquiriu para ele mesmo.

Goethe acreditava que sua doutrina das cores encontrava-se em uma oposição intransponível em relação à de Newton. Por isso devemos também falar da teoria newtoniana. Nessa doutrina, que até hoje ainda fornece as bases para toda óptica física, a luz branca é tida como composta a partir de luzes de diferentes cores, de modo análogo ao barulho do mar percebido ao longe que, embora apareça à nossa sensibilidade como algo único e singular, é composto pelo quebrar das ondas particulares. Mediante interferências extremas podem ser extraídas cores a partir do branco. Como para essa extração é sempre necessário matéria que retira luz, e com isso comparável àquilo que Goethe denomina de turvo ou obscuro, então a partir da teoria newtoniana também é bem compreensível que as luzes surjam da luz branca apenas mediante a atuação recíproca com o turvo. Não obstante a isso, nas duas teorias a ordem dos fenômenos é totalmente distinta. Na teoria newtoniana, o fenômeno mais simples é o raio de luz monocromático estritamente delimitado, depurado das luzes de outras cores e outras direções mediante dispositivos complexos. O conceito mais simples da doutrina de Goethe é a clara luz do dia que aflui a nós. Esse fenômeno fundamental da teoria newtoniana, tão estranho à nossa intuição, abre assim à matemática e à arte da medição o acesso aos fenômenos ópticos. A difusão e propagação da luz deixam-se determinar mediante medições e fixar em forma matemática, também a luz pode ser classificada como um número - um comprimento de onda de luz, em nossa designação atual. Com isso, a óptica torna-se aquilo que comumente denominamos de ciência exata, afirmando-se enquanto tal na medida em que nos ensina a construir instrumentos ópticos mais precisos, os quais nos abrem uma parte do mundo que não seria diretamente acessível aos nossos sentidos. Por outro lado, é compreensível que essa doutrina, que possibilita certo domínio sobre o fenômeno da luz e o faz útil a fins práticos, de modo algum nos proporciona apreender vivamente com nossos sentidos o mundo colorido que nos cerca.

A partir dessa comparação, torna-se claro de que modo as duas doutrinas, a newtoniana e a goethiana, deveriam mutuamente criticar-se. O ponto de partida da doutrina newtoniana aparece a Goethe como estranha e antinatural. O branco, a luz propriamente em sua forma mais pura, deve ser reduzida a um composto e os físicos consideram como fenômeno fundamental uma luz violentada com dispositivos complexos através de colunas, lentes e prismas. Bem entendemos quando Goethe desabafa sua decepção com as seguintes palavras: "Assim o físico se faz senhor dos fenômenos, reúne experiências, amontoa-as e parafusa-as umas às outras com experimentos artificiais..., confrontemos a temerária afirmação de que isso ainda seja natureza ao me-nos com um sorriso tranquilo e com um suave menear de cabeça. Não ocorre ao Arquiteto tomar seus palácios por um jazigo de montanhas e florestas." De modo bastante geral, ele reprova o desejo do físico de avançar por detrás do mundo dos fenômenos em direção às suas causas. "Se um tal fenômeno originário fosse encontrado, então ainda permanece o mal de que ele não seria reconhecido como tal, de que algo mais seria ainda procurado por trás e para além dele, porque nós devemos reconhecer aqui o li-mite do olhar (Schauen). Que o pesquisador da natureza deixe os fenômenos originários repousarem em sua paz e glória eternas."

Em contrapartida, o físico poderia objetar à doutrina goethiana das cores que ela não se deixa erigir em uma ciência exata que pudesse conduzir a uma dominação efetiva dos fenômenos ópticos. Manifestações peculiares das cores, que ainda não foram observadas, dificilmente deixam-se prever a partir da doutrina goethiana - entretanto essa pode ser uma exigência da teoria newtoniana. Na teoria goethiana também en-contram-se unidos elementos cuja separação deve sempre ser considerada de modo extremamente cuidadoso pelo físico: separar o subjetivo do objetivo aparece ao físico como o primeiro pressuposto de toda pesquisa. Com isso ele bem pode enriquecer seu conhecimento sobre uma região específica e isolada na doutrina goethiana das cores: ele pode aprender algo sobre a reação dos olhos à impressão da luz; sobre as cores dos compostos químicos; sobre os fenômenos de difração, mas justamente a unidade da doutrina goethiana permanece fora do seu ponto de vista. Pois a reação dos olhos deve encontrar seu esclarecimento na delicada estrutura biológica da retina e dos nervos ópticos (de onde a impressão da luz é transmitida ao cérebro); as cores dos compostos químicos devem deixar-se calcular a partir da estrutura atômica do composto e, finalmente, os fenômenos de difração resultam matematicamente das propriedades de uma onda que se propaga... Uma conexão imediata dos três fenômenos parece incompreensível a partir desses fundamentos [da teoria newtoniana]. Aqui se revela um traço geral da natureza: processos, que aparecem como estreitamente afins e conectados aos nossos sentidos, amiúde perdem essa conexão quando investigamos suas causas.

Tornou-se claro, a todos aqueles que se ocuparam das doutrinas goethiana e newtoniana das cores nos tempos atuais, que obviamente não se ganha muito conhecimento mediante a investigação da pergunta sobre qual das duas doutrinas seria verdadeira ou falsa. Entretanto, em cada questionamento específico uma decisão deve ser tomada e, com isso, nos lugares onde há efetivamente uma oposição o método das ciências naturais de Newton torna-se vitorioso sobre a força intuitiva de Goethe. Mas, no fundo, ambas as teorias tratam de coisas distintas e permanece a pergunta sobre como é possível que tantos objetos distintos possam ser vinculados ao conceito de cor.

Sobre essa questão, observou-se que Goethe e Newton teriam conduzido seus métodos por caminhos totalmente distintos. Enquanto Newton manifestamente se esforçou por tornar as cores acessíveis a uma medição exata e, com isso, buscou ordenar o mundo das cores de modo matemático, tal como o fizera na mecânica, em Goethe não se encontram considerações matemáticas. Ao contrário, em sua doutrina das cores Goethe teria explicitamente renunciado à relação com a matemática, embora tivesse observado que, em alguns lugares, a ajuda de medidores seria desejada. Olhando mais de perto, essa diferença se revela menos importante do que parece ser à primeira vista. Goethe não renuncia propriamente à matemática em si, mas apenas ao instrumento matemático. Quando falamos da matemática em sua forma mais pura, tal como ela se manifesta na teoria da simetria e na totalidade dos números, então reconhecemos facilmente que a doutrina goethiana das cores também contém um conteúdo matemático considerável. Por exemplo, na parte sobre a "ação sensível-moral das cores", fala-se sobre sua ordem simétrica segundo relações opostas. Goethe nos apresenta uma ordenação das seis cores fundamentais em um hexaedro regular ou em um círculo dividido em seis partes, no qual as cores aparecem circunscritas na seguinte ordem: vermelho; roxo; azul; verde; amarelo; laranja. Nesse círculo, cada cor se en-contra na posição oposta a sua cor complementar: assim o verde diante do vermelho, o azul diante do laranja. A ordenação simétrica das cores gera oportunidade para o estudo da relação da multiplicidade de cores entre si. Cores que se opõem produzem, como diz Goethe, "composições que surgem pura e harmoniosamente de si mesmas e sempre trazem totalidade consigo". A composição de duas cores do círculo que são separadas por uma cor intermediária é denominada por Goethe de "característica", pois essas cores, como ele diz, "reunidas possuem algo de significativo e nos provocam uma determinada impressão, mas que não nos satisfaz pois cada característica é produzida apenas pelo fato de que uma parte é retirada do todo, com o qual ela possui uma relação, sem que nele se resolva". Goethe denomina a composição de cores vizinhas no círculo de "composição sem caráter". Esse estudo da relação das cores com o círculo cromático nos lembra imediatamente a simetria matemática encontrada, por exemplo, em ornamentos artísticos ou, de forma mais simples, quando trazemos um caleidoscópio diante dos olhos. Ordenações simples e simétricas como essas podem ser encontradas em toda construção da obra.

Uma imagem mais clara da diferença entre a doutrina goethiana das cores e a de Newton pode ser alcançada se nós perguntarmos pelo fim ao qual as doutrinas devem servir. Isso não deve ser mal entendido, como se uma doutrina científica fosse sempre escrita tendo em vista um determinado fim e seguisse apenas a intenção de alcançar esse fim. Mas toda teoria científica surge sobre um pano de fundo espiritual o qual contém, de algum modo, representações sobre como a teoria concebida poderia ser posteriormente aplicada. Assim, na maioria das vezes, esse pano de fundo está condicionado ao desenvolvimento histórico da ciência em questão e talvez seja apenas vagamente conhecido pelo autor da teoria. Quando assim falamos de uma intenção da teoria, então não resta dúvida que a doutrina goethiana deve servir aos artistas, especialmente aos pintores. O próprio Goethe nos relata explicitamente como sente a falta de uma doutrina das cores na arte, como ocorreu a ele que "os artistas vivos têm agido sempre a partir de tradições vacilantes e de um certo impulso, que o claro-escuro, o colorido, a harmonia das cores sempre têm girado em torno de um círculo insólito." A doutrina goethiana das cores certamente parte do desejo de criar uma tal teoria das cores na arte. Por trás desse desejo, encontra-se um outro desejo como pano de fundo mais geral o qual Goethe, no primeiro lugar em que fala de seus planos para a teoria das cores em sua Viagem à Italia, resume na seguinte frase: "vejo que poderia, com algum exercício e mediante detidas considerações, apropriar-me assim desse belo deleite da superfície do mundo".

O pano de fundo sobre o qual surge a doutrina newtoniana das cores é totalmente outro. As experiências da ciência da natureza, desde Galileu e Kepler, ensinaram que a mecânica pode ser compreendida e resumida em leis matemáticas. Newton foi o primeiro pesquisador a reconhecer com qual descomunal abrangência seria possível essa perscrutação da natureza. Também na óptica havia uma série de investigações mostrando que uma grande parte dessa região poderia ser dominada mediante leis matematicamente formuláveis. É perfeitamente compreensível que o esforço de Newton se direcionasse justamente em obter progresso nessa perscrutação matemática da doutrina das cores. É bem difícil afirmar em que medida essa pretensão já estava vinculada, então, ao reconhecimento de que um conhecimento preciso das leis físicas também pode conduzir a um domínio técnico da natureza. O fato de que o próprio Newton se esforçou, longa e detidamente, no aperfeiçoamento do telescópio indica que também esse lado da ciência exata da natureza lhe era familiar.

O desenvolvimento posterior iria mostrar o quanto as duas doutrinas das cores efetivamente alcançaram os fins que elas deveriam alcançar. O telescópio e o microscópio de nosso tempo jamais teriam surgido sem aquela teoria matemática da luz. Muitos pintores instruíram-se e enriqueceram-se com a teoria de Goethe.

Também já foi dito amiúde que por trás dessa diversidade de propósitos em Goethe e Newton mostra-se uma diferença mais profunda referente a toda consideração de mundo, que as orientações fundamentalmente distintas do poeta e do matemático teriam conduzido a diferentes doutrinas das cores. Certamente aqui é anunciada uma razão essencial para essa disputa na doutrina das cores. Entretanto, estaríamos sendo injustos se quisermos deduzir daí que, por exemplo, aquele lado poético do mundo deveria permanecer estranho ao investigador da natureza. Basta lembrarmos apenas de Kepler, que certamente ajudou a criar os mais importantes fundamentos dessa ciência matemática da natureza. Em suas complexas e diversificadas especulações sobre os números, Kepler constantemente nota a harmonia das esferas; e quem observa

o entusiasmo com que ele festeja as novas descobertas sobre a consonância harmônica das órbitas planetárias dificilmente deixaria de descrever Kepler como um declarado espírito poético. Durante grande parte de sua vida, Newton dedicou-se a investigações filosóficas e religiosas e é bem correto crer que também a esfera da poesia foi bem conhecida de todo pesquisador da natureza realmente grande. Em todo caso, o empenho do físico também está em rastrear a harmonia nos eventos naturais. Em contrapartida, seria também um erro acreditar que o poeta Goethe teria dado mais importância em despertar uma impressão viva do mundo, do que em reunir conhecimentos efetivos. Toda poesia realmente grande transmite uma visada efetiva em um domínio do mundo de difícil conhecimento, uma obra como a doutrina das cores certamente deve transmitir novos conhecimentos e ser escrita com todas as exigências de uma precisão científica.

Talvez possamos descrever melhor a diferença entre as doutrinas goethiana e newtoniana das cores dizendo que elas tratam de duas camadas totalmente distintas da realidade. Devemos pensar aqui que cada palavra de nossa língua pode referir-se a diferentes domínios da realidade e apenas mediante sua inserção no todo, frequentemente mediante a tradição e o hábito, pode-se decidir de qual domínio se trata. Nas ciências naturais dos tempos modernos iniciou-se, desde cedo, a separação entre uma realidade objetiva e uma subjetiva. Enquanto a última não é necessariamente comum a todos os homens, a realidade objetiva é imposta de fora aos homens sempre do mesmo modo e, por isso, ela tornou-se desde o início objeto de investigação das ciências da natureza. Essa ciência da natureza, em certa medida, apresenta a tentativa de descrever o mundo de tal modo que possa ser tomado independentemente de nós mesmos, de nosso pensamento e de nosso agir. Com isso, os sentidos valem como um meio auxiliar, mais ou menos adequado, com o qual obtemos conhecimento do mundo objetivo. É então natural e consequente que o físico busque ampliar os sentidos mediante meios de observação artificiais, até que penetremos nos últimos e mais longínquos domínios da realidade objetiva, os quais já não são diretamente acessíveis a nós. E aqui surge a esperança enganosa de que, mediante o refinamento progressivo dos meios de observação, possamos finalmente chegar a conhecer a totalidade do mundo.

Diante dessa realidade, que ocorre segundo leis fixas e que nos absorve mesmo onde ela aparece como um mero acaso, existe outra que é importante e que possui significado para nós. Nessa outra realidade, o que acontece não é calculado, e sim ponderado, o acontecimento não é esclarecido, mas interpretado. Quando se fala aqui em uma conexão de sentido, trata-se de uma copertinência no interior da alma humana. A doutrina das cores de Goethe trata dessa realidade a qual é seguramente subjetiva, mas certamente não menos eficaz que a outra: toda forma de arte supõe essa realidade e toda obra de arte importante nos enriquece com novos conhecimentos no interior desse domínio.

Assim, em um primeiro momento, parece que essas duas realidades devam sempre permanecer uma diante da outra como opostos intransponíveis. A luta de Goethe contra a doutrina newtoniana das cores seria, então, a expressão de uma oposição inconciliável. Mas o desenvolvimento da ciência da natureza nas últimas décadas mostrou que essa divisão do mundo em dois domínios tornou extremamente grosseira a nossa imagem da realidade. Por isso devemos agora versar sobre o mais recente desenvolvimento da ciência.

A concepção de que nossos sentidos, de certo modo, apenas constituem meios incompletos para conhecer o mundo objetivo determinou o crescente afastamento da ciência da natureza do nosso mundo sensível imediato. Técnicas de observação refinadas trouxeram à luz novas facetas da natureza, ocultas à nossa intuição, na mesma medida em que os conceitos com os quais a ciência da natureza trabalha tornaram-se mais abstratos e menos intuitivos. O próprio raio de luz monocromático, que constitui um conceito fundamental da óptica newtoniana, é um conceito estranho à nossa intuição. Na doutrina dos fenômenos elétricos, o desligamento da ciência da natureza do mundo sensível realiza-se de modo bastante claro. Na primeira metade do século passado, buscou-se unir a teoria da eletricidade à mecânica mediante o conceito de força. Entretanto, as descobertas de Faraday e Maxwell mostraram que os fenômenos elétricos e magnéticos poderiam ser mais facilmente ordenados quando partimos do conceito de campo elétrico. Esse conceito de campo pode ser trazido para mais perto da nossa intuição quando o comparamos com as oscilações dos corpos elásticos, porém trata-se aqui, claramente, apenas de um meio auxiliar intuitivo, apropriado para esclarecer relações matemáticas. Esse meio não tem nada a ver com o que, de modo sensível, observamos imediatamente na eletricidade. Pois mesmo se falássemos de um éter, cuja oscilação elástica deve efetuar-se eletricamente, esse éter não seria observável sensivelmente. Mas, ao mesmo tempo, revela-se uma força peculiar dessa ciência da natureza, cada vez mais abstrata, de reconhecer as conexões entre fenômenos distintos e remetê-los a uma raiz comum. A exploração do mundo objetivo obtém sua justificação mais profunda pelo fato de ter traçado sempre novas conexões e ter simplificado nessas grandes conexões a imagem de mundo que assim surge, junto com toda complexidade dos casos específicos. Mediante a descoberta de Maxwell, a luz foi reconhecida como fenômeno eletromagnético e, com isso, regiões totalmente diferentes do nosso mundo sensível foram reconhecidas como facetas diferentes do mesmo domínio físico: os fenômenos elétricos e eletromagnéticos; a luz; os invisíveis raios ultra-violeta e ultra-vermelho; os raios caloríficos. Finalmente, esse desenvolvimento foi levado a cabo de modo consequente pela moderna física atômica. A física atômica empreende esclarecer toda propriedade da matéria acessível aos nossos sentidos ou aos nossos experimentos, ou seja, busca remetê-las às propriedades dos átomos, as quais podem ser submetidas a leis matemáticas. Assim, a infinita multiplicidade de fenômenos se reflete, de certo modo, na infinidade das várias deduções de um simples sistema matemático de axiomas. A partir das propriedades dos átomos a moderna física atômica pode, de fato, esclarecer as propriedades dos corpos sólidos, as regularidades químicas, o efeito do calor e tudo aquilo que ainda possamos observar na matéria. Entretanto, até agora apenas em relativamente poucos casos esse esclarecimento tem sido conduzido com as necessárias e derradeiras leis matemáticas, mas em todos esses casos a teoria tem sustentado as provas mais precisas do modo mais prodigioso. Porém, com o esclarecimento das propriedades sensíveis da matéria a partir do comportamento do átomo, revela-se o fato de que não podemos, de modo simples, atribuir propriedades sensíveis à última partícula da matéria. Com efeito, o átomo pode ser observado em seus efeitos mediante o refinamento extremo de técnicas experimentais, mas ele já não é objeto da nossa intuição sensível imediata. Assim, o pesquisador da natureza deve aqui abdicar de unir imediatamente ao mundo sensível os conceitos fundamentais sobre os quais constrói sua ciência. Esses conceitos se mantém, como fundamentais, pela ordem homogênea e regular com a qual penetram nos infinitos e variados fenômenos do mundo sensível e os tornam compreensíveis. Que aqui se trata de uma verdadeira ordem, comprova-o a técnica que é desenvolvida a partir dessa ordem e que permite ao homem tornar a natureza servil aos seus propósitos.

Entretanto, mediante esse desenvolvimento o mundo objetivo das ciências da natureza transformou-se de uma maneira notável. O desejo de descrever o mundo de um modo totalmente independente de nosso próprio pensar e agir nasceu da intenção de eliminar os erros que poderiam surgir da confusão dos sentidos ou da inexatidão de nossas observações. Deveria ser traçada uma imagem do mundo que fosse a mais precisa possível. Agora, essa imagem precisa da natureza viva se mostra cada vez mais distante. A ciência da natureza já não trata do mundo que se oferece imediatamente a nós, e sim de um fundo obscuro desse mundo que nós devemos trazer à luz com nossos experimentos. O mundo objetivo é assim haurido apenas mediante nossa interferência efetiva e refinadas técnicas de observação, desse modo, esbarramos aqui também nos limites intransponíveis do conhecimento humano.

A partir desse desenvolvimento devemos reconhecer que a luta de Goethe contra a doutrina das cores da física deve ser decidida, ainda hoje, em um front mais alargado. Helmholtz diz sobre Goethe que: "sua doutrina das cores deve ser considerada como uma tentativa de salvar do ataque da ciência a verdade imediata da impressão sensível". Hoje em dia essa tarefa se apresenta a nós de modo mais urgente do que nunca; pois o mundo todo se transformou mediante o crescimento descomunal de nosso conhecimento da natureza e da riqueza das possibilidades técnicas que, como toda riqueza, nos é dada em parte como dádiva, em parte como maldição. Daí porque tantas vozes terem se levantado advertidamente nas últimas décadas aconselhando-nos a recuar. Elas apontam para o fato de que esse abandono do mundo sensível imediatamente dado e a consequente divisão do mundo em diferentes domínios seriam seguidos, já agora, de uma grande fragmentação da vida espiritual e de que, com o distanciamento da natureza viva, nós nos encontraríamos em um vácuo no qual já nenhuma vida seria possível. Onde esses conselheiros já não recomendam o abandono total da ciência da natureza e da técnica existentes até agora, eles exigem de nós que, concomitante ao desenvolvimento das ciências da natureza, permaneçamos estreitamente vinculados à experiência intuitiva. Não bastaria reconhecer as leis segundo as quais ocorrem todos os eventos do mundo objetivo, seria antes necessário manter presentes a cada instante todas as consequências dessas leis para o nosso mundo sensível. Por meio do trato constante com a natureza em seus experimentos, o pesquisador da natureza deveria tornar os fenômenos observados tão familiares que as próprias leis apareceriam apenas como ordenações desses fenômenos para fins práticos. O fato de o mundo dos nossos experimentos tornar-se tão intuitivo e vivo para nós, como a natureza circundante, deveria evitar o perigo de uma separação completa das duas realidades. Está claro de antemão que apenas aquele que pode reconhecer a coesão da natureza pode familiarizar-se totalmente com ela no domínio físico em questão. Sem o conhecimento exato de vários resultados experimentais não se alcança nenhum progresso no conhecimento da natureza. Mas com isso os perigos da nossa atual ciência da natureza não são superados; pois nossos complexos experimentos já não são a natureza ela mesma, e sim uma natureza transformada e modificada por meio de nossa ação direcionada ao conhecimento. Quem quisesse mudar essa situação, já deveria ter abandonado toda a técnica moderna e a ciência da natureza a ela vinculada. Ninguém pode dizer se tal recuo, desse caminho iniciado pela ciência moderna, seria uma dádiva ou um infortúnio. Mas, independente de qual seja o julgamento sobre isso, é certo que esse recuo é impossível e nós devemos nos resignar com o fato de que nossa época está determinada a ir até o fim desse caminho iniciado.

Quando no início da modernidade, com o florescimento das viagens marítimas e das ações audazes dos primeiros circunavegadores, abriu-se a possibilidade de se conquistar terras longínquas e trazer de lá para a terra natal tesouros infinitos, poderse-ia talvez também duvidar se, com a nova riqueza, a felicidade e o infortúnio não seriam distribuídos na mesma medida. Talvez, também naquela época, vozes tivessem se levantado em alerta, desejando um retorno ao modo de vida mais tranquilo e menos exigente das épocas anteriores. Mas, naqueles tempos, os gritos de alerta foram se esvanecendo, tornando-se inaudíveis. A marcha em direção a terras e tesouros distantes apenas poderá encontrar seu fim natural quando todas as terras forem exploradas e seus tesouros compartilhados. Então o olhar se tornará novamente livre para tarefas talvez mais importantes, que seriam discutidas em círculos mais reduzidos. Em nossa época as ciências da natureza e a técnica irão se desenvolver de modo semelhante. Do mesmo modo que a marcha em direção a terras distantes não pôde ser balizada por um marco qualquer, tampouco o curso da técnica poderá ser suspenso por obstáculos externos. Apenas a natureza mesma poderá impor limites a esse impulso em direção (Vorwärtsdringen) aos seus domínios mais distantes, na medida em que ela nos mostrar que as terras que aqui podem ser descobertas não são infinitas. O traço mais importante da física moderna talvez consista justamente no fato de tornar claro a nós onde se encontram os limites de nosso comportamento ativo diante da natureza.

A física atômica partiu do pressuposto, aparentemente natural, de que também nosso conhecimento dos átomos poderia tornar-se cada vez mais perfeito com o aperfeiçoamento contínuo dos meios de observação. Os átomos, mesmo quando representavam as últimas e indivisíveis partículas de toda matéria, pareciam ser em certa medida como que cópias de pedaços da matéria com a qual estamos familiarizados, de modo que, ao menos em nossa representação, o átomo seria dotado das mesmas qualidades que podemos observar nos elementos em geral. Apenas com o passar do tempo reconheceu-se que as menores partículas, por exemplo os elétrons, embora devessem explicar as qualidades da matéria em geral, não poderiam também possuir essas mesmas qualidades, porque assim a pergunta pelo fundamento dessas qualidades estaria apenas deslocada mas não resolvida. Por exemplo, embora um corpo quente possa se distinguir de um corpo frio pela forte movimentação dos átomos em seu interior, um átomo isolado não pode ser quente ou frio. Assim, com o passar do tempo, o átomo foi despido de toda qualidade sensível. As únicas qualidades que pareciam sustentar-se ao longo do tempo eram as geométricas: o preenchimento do espaço, um determinado lugar, um determinado movimento. Entretanto, o desenvolvimento da moderna física atômica também retirou, de certo modo, essas propriedades das últimas e indivisíveis partículas de todos os elementos, na medida em que nos mostra que o grau de aplicação desses conceitos geométricos junto às menores partículas da matéria é dependente dos experimentos que fazemos com essas partículas. Com uma exigência relativamente pequena de exatidão, é mesmo possível falar do lugar ou da velocidade de um elétron e essa exatidão é extraordinariamente grande se comparada aos objetos da nossa experiência cotidiana. Porém, ela é pequena em comparação com as medidas da pequenez atômica, e uma lei da natureza nesse mundo diminuto nos impede de determinar com igual precisão o lugar e a velocidade de uma partícula. Assim, podem ser conduzidos experimentos que nos permitam estabelecer o lugar de uma partícula com grande precisão mas, nessa medição, precisamos submeter a partícula a uma operação extrema, o que traz como consequência uma grande indeterminação de sua velocidade. Logo, mediante a interferência inevitável que está vinculada a toda observação, a natureza se esquiva de uma determinação precisa em nossos conceitos intuitivos. Se o fim originário de toda ciência da natureza era descrever a natureza o máximo possível tal qual ela é, ou seja, tal qual ela seria sem a nossa interferência e sem a nossa observação, agora reconhecemos precisamente que esse fim é inatingível. Na física atômica não é de modo algum possível abstrair as alterações que toda observação produz no objeto observado. Apenas mediante o modo de observação é decidido quais traços da natureza devem ser determinados e quais devem ser apagados pela nossa observação. Devido a essas propriedades, as menores partículas da matéria estão separadas do domínio dos nossos conceitos intuitivos. Somente sob essa condição se justifica a suposição de que com os elétrons, prótons e nêutrons - a partir dos quais, segundo a perspectiva da física atual, os elementos são compostos - temos as efetivas e últimas indivisíveis partículas da matéria e de que não haveria sentido em se pensar ainda em uma estrutura espacial dessas partículas.

A partir desse estado de coisas, segue-se que o domínio que pode ser aberto pela ciência da natureza e pela técnica, no sentido até agora exposto, é finito, e isso de duas maneiras distintas. Por um lado, o fato de alcançarmos com a física atômica as últimas e indivisíveis partículas da matéria deveria conduzir, em um tempo não muito distante, a uma visão total das forças utilizáveis da natureza e, com isso, das possibilidades que ainda permanecem abertas para a técnica. Por outro lado, a forma como os fenômenos atômicos se distinguem dos fenômenos de nossa experiência cotidiana nos dão um exemplo importante de que na investigação da natureza, mediante o modo de questionamento e o método de pesquisa, um domínio finito e fechado já é sempre isolado da totalidade dos fenômenos. Antes, mostrava-se como tarefa das ciências exatas da natureza compreender e descrever o movimento dos corpos no espaço em sua trajetória regular. Agora, reconhecemos que com esse modo de questionamento o domínio dos fenômenos atômicos não pode ser conquistado. Ali, no interior de um sistema atômico, quando questionamos a natureza a respeito do lugar e da trajetória, então destruímos certos nexos característicos para esse mundo diminuto por meio de investidas necessárias com experimentos.

Cabe aqui generalizarmos esses pensamentos e recordarmos novamente a objeção que Goethe fez à física newtoniana. Quando Goethe diz que já não seria a natureza aquilo que os físicos observam com seus aparatos, com isso ele também pensa que existem outros e mais vivos domínios da natureza que não seriam acessíveis aos métodos das ciências da natureza. Com efeito, nós acreditamos que ali onde a ciência da natureza já não se volta para a matéria sem vida, e sim para a matéria animada, ela deve ser cada vez mais cuidadosa com as investidas que faz na natureza a fim de conhecê-la. Quanto mais direcionamos nosso desejo de conhecimento para os domínios mais elevados da vida, também os domínios espirituais, mais devemos nos contentar com uma investigação apenas receptiva e contemplativa. A partir deste ponto de vista, pareceria uma simplificação extremamente grosseira da realidade uma divisão do mundo em um domínio subjetivo e um domínio objetivo. Poderíamos antes pensar em uma divisão em vários domínios, uns nos outros engrenados, separados entre si pelas perguntas e investidas direcionadas à natureza durante nossas observações. Na tentativa de fixar em conceitos tal divisão, recordemos uma ordenação por afinidade entre os domínios que lemos no apêndice de Goethe à doutrina das cores. Goethe ressalta que todas as ocorrências (Wirkungen) que observamos na experiência estão ligadas do modo mais contínuo e, portanto, seria impensável separá-las umas das outras. Ele as ordena de modo ascendente, do grau mais baixo ao mais elevado: ocasional (zufällig); mecânico; físico; químico; orgânico; psíquico; ético, religioso; genial. Do ponto de vista da ciência moderna da natureza, talvez separássemos os primeiros domínios uns dos outros de um modo um pouco diferente. No lugar de "mecânico" nós colocaríamos a totalidade dos fenômenos que são acessíveis à física clássica, ou seja, os fenômenos junto aos quais podemos realizar uma descrição rigorosamente causal e espaço-temporal. O domínio da química abrangeria os processos (Vorgänge) atômicos e sua estrutura regular seria esclarecida pela moderna física atômica. Nós não introduziríamos um domínio próprio da física que, de certa forma, abrangesse os dois domínios anteriores. Também ao acaso não seria atribuído nenhum domínio particular. O acaso desempenha antes um papel que pode ser descrito por leis naturais, mesmo nos domínios mais elevados. Assim, os quatro domínios inferiores da ordenação de Goethe deixam-se entrever em sua estrutura regular, em suas conexões e delimitações. A biologia já crê poder reconhecer, ainda que de modo impreciso, os limites e a estrutura interna do domínio subsequente, o orgânico. Em nossa época, ninguém deve ousar fixar com precisão os domínios mais elevados.

Quando separarmos desse modo a realidade em diferentes regiões, então a contradição entre as doutrinas das cores de Goethe e Newton se dissolve por si mesma. Ambas as teorias encontram-se em lugares diferentes nessa grande edificação da ciência. Certamente o reconhecimento da física moderna não pode impedir o cientista da natureza de também ir e avançar pelo caminho goethiano da consideração da natureza. Obviamente seria ainda mais sedutor se nós pudéssemos, a partir desse conhecimento, retornar logo para um posicionamento mais vivo e unificado diante da natureza; pois nossa época parece ter nos imposto a tarefa de conhecermos os domínios inferiores da natureza através de experimentos e nos apropriarmos deles pela técnica. Mas com esse avanço sobre os domínios da ciência da natureza devemos, por enquanto, renunciar em muitos lugares a uma ocupação viva com a natureza, ocupação essa que aparecia para Goethe como pré-requisito para um conhecimento profundo da natureza. Nós suportamos essa renúncia, porque com isso podemos conhecer novas conexões e fazê-las transparecer com clareza matemática - conexões essas que apresentam o pré-requisito também para o entendimento completo e claro dos domínios mais elevados. Aquele para quem o abandono dessa região imediatamente viva parece ser um sacrifício muito grande não pode seguir, por enquanto, o caminho das ciências exatas da natureza. Apenas quando essa ciência, nos limites mais extremos do seu modo de pesquisa atual, descobrir relações com a vida mesma, poderá o sentido da ciência tornar-se compreensível para a vida.

Mas talvez fosse preciso comparar o cientista ao montanhista que quer conquistar o cume de uma enorme montanha para, dali, contemplar o terreno abaixo de si em suas conexões. Também o montanhista deve abandonar o vale fértil habitado pelos homens. Quanto mais alto ele vai, mais larga aos seus olhos abre-se a paisagem, mais escassa torna-se a vida ao seu redor. Finalmente ele galga uma região ofuscantemente clara de gelo e neve, na qual toda vida se extinguiu e ele mesmo pode respirar apenas com grande dificuldade. Somente através dessa região está o caminho que conduz ao cume. Mas lá em cima ele se encontra em momentos nos quais a terra, em toda clareza, repousa estendida abaixo dele e, quem sabe, também o reino vivo não esteja tão longe.

Compreendemos quando, em épocas anteriores, aquela região sem vida era concebida apenas como um terrível ermo, quando entrar em seus domínios aparecia como a violação de poderes supremos, os quais se vingariam severamente daqueles que ousassem se aproximar deles. Também Goethe descobriu o elemento violador no avanço da ciência da natureza. Mas devemos estar certos de que também o poeta Goethe possuía total confiança naquela última e pura clareza, almejada por essa ciência.

  • Traduzido do original em alemão por Alexandre de Oliveira Ferreira
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    A presente tradução foi feita a partir do original intitulado "Die Goethe'sche und die Newton'sche Farbenlehre im Lichte der modernen Physik", que se encontra na coletânea Wandlungen in den Grundlagen der Naturwissenschaft, organizada pelo próprio Heisenberg (cf. 2005b).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015
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