O viajante e as cidades
João Musa
Caro Janub
Estranho recurso que me propuseste utilizar. No início acolhi a idéia de que poderia documentar, desenhar realidades com a luz, em placas de vidro, depois em nitratos, e finalmente em acetatos ou papéis sensíveis, onde as luzes e as sombras recolhidas pelas fotografias guardariam estranha similaridade com as dos objetos; e onde as formas expostas e reveladas pareceriam se confundir com meu próprio olhar. Aos poucos descobri que as placas antigas, pela fato de não serem sensíveis à cor vermelha, registravam os lábios das mulheres em tons de cinza escuro, que não eram nem próximos do que se podia supor. O mesmo ocorria com maçãs e vestidos vermelhos, que transmitiam uma impressão grave em suas representações escurecidas. Os azuis luminosos eram representados por branco, não havia nuvens, elas que tanto ajudam no "clima" das paisagens, e era preciso pintálas. Com o passar do tempo, os filmes monocromáticos adquiriram uma sensibilidade à cor que conseguia reproduzir os azuis em tons de cinza, e ainda depois, com a descoberta dos filtros, os fotógrafos passaram a exagerar, fazendo com que céus tivessem tons de cinzas profundos em contraste com nuvens brancas. Tudo começou a se transformar na linguagem fotográfica: a luz mudou, não a que banhava as casas e paredes do início do século, mas sim a dos materiais que gravavam essa luz. Das nuances suaves entre os tons escuros e claros, onde se podia ver as texturas das sombras, até o brilho intenso do sol batendo nas torres altas e brancas da estação de trem.
Parte do ensaio "O Viajante e as Cidades" de autoria de João Luiz Musa
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
19 Abr 2011 -
Data do Fascículo
2004