Enterrados vivos
Cesar Sartorelli
Ser enterrado vivo é um medo atávico de todos. Na nossa pouca relação com a cidade onde vivemos ignoramos o fato de que existem várias tumbas com mortos que foram enterrados vivos. Passamos todos os dias por elas.
Seria muito triste somente se não houvesse a possibilidade de ressuscitá-los.
Eu me dei conta um dia indo à feira e vendo que a calçada havia cedido num trecho da Rua Aimberê perto de casa (1). No buraco eu vi água, limpa e cristalina, correndo. A direção em que corria era a entrada de um terreno em declive. Fiquei curioso, fui na academia ao lado e nos fundos vi que havia árvores e plantas. (2)
De quem é o terreno? De ninguém, descobri.
Dei a volta e fui à Rua Caiowaá, paralela, e vi que ali havia a continuação desse terreno. Um estacionamento ocupa esse terreno. (3)
Perguntando aos mais antigos no bairro, onde estou só há 9 anos, descobri que são nascentes e riachos perdidos, porque enterrados. Nessa região indefinida de morros entre Sumaré, Pompéia e Perdizes existem muitos desses riachos enterrados vivos, nascentes que levam ao córrego Sumaré sob a avenida de mesmo nome. Um outro riacho perdido é passagem entre as ruas Ministro Gastão Mesquita e Vanderley (4 e 5) e continua como estacionamento de um trio elétrico.
Quando criança, morei no bairro da Penha em São Paulo e pulei pedras de riachos sujos, porém ainda com mata ciliar, em agonia. Hoje eles também foram enterrados vivos.
Esse manifesto é a primeira etapa de um trabalho de intervenção urbana que pretende recuperar a relação com as águas de São Paulo, objetivando desenterrar os riachos perdidos e criar espaços de convívio nos não-espaços sem dono, ou ocupados irregularmente, construídos sobre os túmulos de nossas nascentes.
Os espíritos das águas agradecerão a todos.
RIACHOS PERDIDOS
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Mar 2011 -
Data do Fascículo
2008