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Operadores e Socialização Link: reflexões sobre sujeitos, telas, dispositivos e interfaces

Operators and Link Socialization: reflections on the individual, screens, devices and interfaces

Resumos

As relações inter-humanas baseadas nas interfaces técnicas e as telecomunicações estão gerando duas tendências acentuadas e só aparentemente antagônicas: um incremento da necessidade de estar telecomunicado; e uma propensão a transformar a "realidade" destas relações em meros enlaces entre códigos e imagens técnicas. A ação se antepõe à relação dialógica. De manipulador de símbolos o sujeito se transforma em operador de dispositivos. Neste processo, dois dispositivos técnicos de comunicação assumem cada vez mais protagonismo: a tela e a interface. Esta tendência se manifesta num tipo de comunicação "link", objeto de análise neste texto.

operador; socialização link; link; interface; tela; videojogo; celular; audiovisual; Internet; comunicação; telecomunicação


The inter-human relations based on technical interfaces and telecommunication are creating two main tendencies only apparently antagonistic: an increase in the need to be tele-communicated, and a propensity to transform the "reality" of these relations into mere links between codes and technical images. Action prevails over dialogic relationship. From manipulator of symbols, one becomes a devices operator. In this process, two technical communication devices are increasingly becoming protagonists: the screen and the interface. This trend manifests itself in a kind of "link" communication, object of analysis in this text.

operator; socialization link; link; interface; screen; videogame; mobile; audiovisual; Internet; communication; telecommunication


TEXTOS / ENSAIOS

Operadores e Socialização Link* * Este texto baseia-se nas minhas investigações precedentes, publicadas nos livros: GIANNETTI, Claudia. The Socialization . Reflections on the Screen, the Interface and the Mask, in: VV.AA. Invideo Mostra Internazionale di Video e Cinema Oltre. Milão: Invideo, 2006; GIANNET-TI, Claudia. Notizen zur Link-Kommunikation,,in: VV.AA. Netzkulturen. Kollektiv, Kreativ, Performativ Munique: Epodium, 2011, p. 31-39. : reflexões sobre sujeitos, telas, dispositivos e interfaces

Operators and Link Socialization* * This text is based on my precedent investigations, published in the following books: GIANETTI, Claudia. The Socialization link, Reflection on the Screen, the interface and the Mask, in: VV.AA. Invideo Mostra internazionale di Video e Cinema Oltre. Milão: Invideo, 2006; GIANETTI, Claudia. Notizen zur Link-Kommunikation, in: VV.AA. Netzkulturen. Kollektiv, Kreativ, Performativ. Munique: Epodium, 2011, p. 31-39. : reflections on the individual, screens, devices and interfaces

Claudia Giannetti

RESUMO

As relações inter-humanas baseadas nas interfaces técnicas e as telecomunicações estão gerando duas tendências acentuadas e só aparentemente antagônicas: um incremento da necessidade de estar telecomunicado; e uma propensão a transformar a "realidade" destas relações em meros enlaces entre códigos e imagens técnicas. A ação se antepõe à relação dialógica. De manipulador de símbolos o sujeito se transforma em operador de dispositivos. Neste processo, dois dispositivos técnicos de comunicação assumem cada vez mais protagonismo: a tela e a interface. Esta tendência se manifesta num tipo de comunicação "link", objeto de análise neste texto.

Palavras-chave: operador; socialização link; link; interface; tela; videojogo; celular; audiovisual; Internet; comunicação; telecomunicação

ABSTRACT

The inter-human relations based on technical interfaces and telecommunication are creating two main tendencies only apparently antagonistic: an increase in the need to be tele-communicated, and a propensity to transform the "reality" of these relations into mere links between codes and technical images. Action prevails over dialogic relationship. From manipulator of symbols, one becomes a devices operator. In this process, two technical communication devices are increasingly becoming protagonists: the screen and the interface. This trend manifests itself in a kind of "link" communication, object of analysis in this text.

Keywords: operator; socialization link; link; interface; screen; videogame; mobile; audiovisual; Internet; communication; telecommunication

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Era digital, cultura virtual, hiperespaço, ubiquidade de dados, instantaneidade e interatividade são só alguns dos conceitos que predominaram na primeira etapa das teorias dos media digitais e que já são hoje manejados com prodigalidade, tanto pelos meios de difusão de massas, como por uma parte crescente da população que trabalha, comunica-se ou se diverte através das redes telemáticas e de telecomunicação móvel. Tecnologias e aparelhos que há menos de duas décadas só eram acessíveis a um grupo reduzido de privilegiados estão hoje totalmente incorporados à vida de uma parcela cada vez mais ampla da população. Dedicarei este texto à análise de dois dispositivos técnicos de comunicação que assumem cada vez mais protagonismo: a tela e a interface.

A interface humano-máquina propicia mudanças radicais com respeito às formas e características da comunicação baseadas em meios digitais e telemáticos, entre as quais podemos assinalar: o fator temporal (tempo real, tempo simulado, tempo híbrido, simultaneidade); a ênfase na participação intuitiva mediante a visualização e a percepção sensorial da informação digital; a geração de efeitos de translocalização (como no caso de Internet) e de imersão (como no caso de sistemas de Realidade Virtual); e o acesso à informação mediante sistemas de conexão ramificada, de nexos ou associações pluridimensionais. A interface humano-máquina repercute no próprio entendimento da "arquitetura" da comunicação, que deixa de ser uma metáfora da construção da linguagem que define um espaço concreto, para assumir uma dimensão imaterial e instável, que já não está subordinada a um espaço físico e a um tempo sequencial determinados.

As relações inter-humanas baseadas nas interfaces técnicas e as telecomunicações que se produzem através da tela - screen do computador ou do telefone celular, Smartphone, BlackBerry, por exemplo - estão gerando duas tendências acentuadas e só aparentemente antagônicas: um incremento da necessidade de estar telecomunicado, que se traduz numa dependência crescente dos aparelhos na prática das relações interpessoais; e uma propensão a transformar a "realidade" dessas relações em meros enlaces entre frações de informação (códigos). Esses instrumentos, que substituem a relação física face-to-face pela telepresença, desencadeiam o estranho fenômeno que ao mesmo tempo une e separa os interlocutores1 1 . Cfr. FLUSSER, Vilém. Kleine Philosophie der Telefonie. in: Die Revolution der Bilder. Der Flusser-Reader zu Kommunikation, Medien und Design. Mannheim: Bollmann Verlag, 1995, p. 72. . Os resultados desta tendência plasmam-se num tipo de comunicação2 2 . Emprego o termo comunicação aqui não na sua acepção de transmissão de sinais mediante código, senão como forma de interrelação entre pessoas mediante a ação de se comunicar. que denomino "link".

O "link", enlace ou hiperligação, como função técnica aplicada na informática, permite associar de forma rápida elementos de informação de diferentes partes de um programa para interrelacioná-los. Desta forma, um simples clique de mouse ou outro comando apropriado leva o usuário de uma informação a outra, como pretendia originalmente Vannevar Bush, na sua proposta de criação de um "associative indexing". Do ponto de vista da intertextualidade, promove um tipo de leitura ou escrita ramificada, descontínua, intermitente. De forma análoga, a comunicação "link" caracteriza-se por sua agilidade, fragmentação, superficialidade e dispersão.

Uma das principais consequências da progressiva expansão da comunicação "link" consiste no paulatino declive da comunicação dialógica, que requer a elaboração de uma corrente de ideias e argumentações num tempo dilatado. Ao dialogar, uma pessoa não só precisa articular-se, mas estabelecer também um tipo de relação recíproca com o outro, caracterizado pela linha argumentativa do intercâmbio de ideias. A comunicação "link", ao contrário, fundamenta-se na linguagem fragmentada, na sucessão ou no enlace de breves mensagens, imagens, códigos, micro-imputs que não esperam necessariamente uma resposta.

Nas sociedades pós-industriais telecomunicadas3 3 . Dada a coexistência atual de muitas e diferentes sociedades, nas quais se verificam condições desiguais de expansão das tecnologias, é importante sublinhar que nos centramos, neste texto, nas sociedades pós-industriais que experimentam um alto grau de concentração e uso de meios técnicos e de telecomunicação. , baseadas em redes informacionais, a imediatez, o isolamento e a dispersão (entendidos como características do estado de crise dialógica) crescem na mesma proporção em que se incrementa o predomínio do tipo de relações interpessoais "link", que é assumido como um elemento mais da prática hedonista. A conformação de uma nova forma de socialização "link" significa a coincidência - equivocada por seu anacronismo, mas assim percebida - entre tela e interface, entre indivíduo e dispositivo. O resultado é a constituição de sujeitos operadores desrealizados, de indivíduos conectados em amplas redes "links" dissipativas, que terminam por desmantelar a perspectiva da comunicação dialógica. A tela como "válvula de escape"? Como ferramenta de evasão frente à "realidade" da comunicação?

Ao conceito de interface vinculamos três noções fundamentais que salvaguardam a comunicação: a linguagem, o visual e o gestual (a expressão, a percepção e a ação).

A capacidade de simbolização, que alicerça não só a linguagem, mas também todas as demais formas de entender a realidade, é o que permite a condição humana baseada na comunicação. Portanto, constatar a crise - ou o momento de instabilidade inerente à mudança - no seio da comunicação dialógica inter-humana é a condição para que se possa analisar suas consequências para a cultura, a arte e a sociedade. Em 1978, muito antes da verdadeira revolução digital, Vilém Flusser já aludia ao processo de progressiva substituição do texto (entendido como "lugar" da teoria, da ideologia, da comunicação e do conhecimento) pelo código técnico. Esta substituição desencadeia a implantação de um novo modelo, no qual já não há lugar nem para o diálogo nem para a história. "A caída e o ocaso do alfabeto significam o fim da história no sentido literal"4 4 . FLUSSER, Vilém. Die kodifizierte Welt. in: Die Revolution der Bilder. Der Flusser-Reader zu Kommunikation, Medien und Design. Mannheim: Bollmann Verlag, 1995, p. 37. . Os códigos intervêm na transformação do conceito em (campo) visual técnico5 5 . Idem, ibidem, p. 36. . O que Flusser considera revolucionário nesse processo não é o fato de que as tecno-imagens ou o código técnico sejam audiovisuais, eletrônicos ou digitais, senão que eles assumam o lugar e a função do conceito, transformando-se em "modelo"6 6 . Idem, ibidem, p. 37. .

Num artigo que publiquei em 20017 7 . GIANNETTI, Claudia. Reflexiones acerca de la crisis de la imagen técnica, la interfaz y el juego. in: Anàlisi Quaderns de Comunicació i Cultura, núm. 27, Bellaterra/ Barcelona: UAB, 2001, p.151-158. , analisei a possível relação entre o aparecimento do fenômeno visual e a crise da imagem técnica. Uma das principais características do visual consiste em que ele se automediatiza e, portanto, a réplica tem um efeito multiplicador, é inesgotável, o que incita o princípio do excesso e a perda da noção primordial. Para entender a expansão do visual, deve-se analisar, antes de qualquer coisa, a nova forma de percepção e recepção da imagem pelo observador. O olhar distraído, resultante do efeito do excesso do visual, gera uma recepção irrefletida, leviana do que se observa, como se o espectador navegasse sobre as imagens (num sentido análogo à navegação em Internet). Isto significa, em outras palavras, que tanto a fragilidade como a complacência de seus conteúdos estão ao serviço de um novo tipo de pseudonarração, caracterizado pela superficialidade: a ação se antepõe à cognição. "O visual opera de acordo com o princípio do prazer, enquanto a imagem funcionava pelo princípio de realidade", argumenta Régis Debray8 8 . DEBRAY, Régis. Vida y muerte de la imagen. Historia de la mirada en Occidente. Barcelona, Paidós, 1994. p. 255. . O efeito mais imediato dessa crise evidencia-se no fato de que a imagem é substituída pelo visual: transmite, mas não verbaliza9 9 . Idem, ibidem. . Dito de um modo mais radical: as imagens que nutrem a comunicação são em parte insubstanciais, "imateriais" em duplo sentido: inconsistentes e incorpóreas. Debray resume numa frase esta ideia: "Nosso olho ignora cada vez mais a carne do mundo. Lê grafismos, em vez de ver coisas"10 10 . Idem, ibidem, p. 272. . Esta descarnação11 11 . Dou preferência a este termo por considerá-lo mais adequado que o neologismo "desmaterialização", já que deixa entrever sua relação direta com o orgânico. Como dizia John Searle, não podemos conceber a cultura sem o biológico, precisamente porque a consciência e a intencionalidade, as duas características dos seres humanos, são os termos que vinculam biologia e cultura. "A cultura é a forma que cobra a biologia" (SEARLE, John. A construção da realidade social. Barcelona: Paidós, 1997, p. 231-232). emana do processo de expansão do visual, tanto no sentido quantitativo, como do ponto de vista da conotação espaçotemporal. A intercomunicação descarnada, na qual os interlocutores estão fisicamente ausentes, constitui-se em palco para a articulação da socialização "link".

Ao analisar o vínculo humano-máquina, que se manifesta com e através dos gestos (a ação), constatamos um processo semelhante de descarnação. Vilém Flusser afirmava que, mediante o gesto de fazer, os seres humanos tomam posse do mundo objetivo12 12 . FLUSSER, Vilém. Art and Politics. in: Artforum, n. 4, dezembro de 1990, vol. 39, p. 25-27, escrito como parte da série de textos intitulada "Curies' Children"; publicado em espanhol e inglês em: Seminários online Media_ArtPerspectivas, MECAD/UNESCO, 2005, ‹ www.mecad.org/unesco.htm›. . O indício do gesto humano no mundo e na conformação da sua realidade é inequívoco. A mudança é produzida no momento em que o gesto perde seu vínculo direto com o mundo objetivo e passa a se relacionar com este através do objeto técnico: a máquina. Enquanto o "gesto brando", como Flusser o denomina, ocupa-se dos símbolos cujo resultado é a elaboração de modelos, o "gesto duro" impõe esses modelos à matéria. O gesto brando serve-se de interfaces técnicas e dispositivos, enquanto o gesto duro é produzido diretamente pela máquina. "Nesta transformação do trabalho há vários aspectos que nos surpreendem. O primeiro é que a imposição atual de uma forma sobre um material ('trabalho' no sentido estrito) voltou-se um gesto mecânico, deixou de ser humano"13 13 . Idem, ibidem. . A ação foi transferida à máquina, ficando ao sujeito a tarefa de intervir na interface. De manipulador de símbolos (construtor de realidades), o sujeito se transforma em operador de dispositivos (consumidor das realidades articuladas pela máquina)14 14 . Um exemplo prático da Internet seria o tipo de link de geração espontânea aplicado em alguns sites ou o sistema de tags. . O gesto descarnado é o gesto dos sujeitos operadores desrealizados - como mencionado antes -, é o gesto que permite estabelecer a socialização "link".

A tela, um dos displays mais emblemáticos das tecnoculturas, acopla o visual à interface, tanto no sentido de integração de um com o outro, como no sentido de produção de interferências. A tela (screen) é, em princípio, a superfície de um meio sobre o qual se reproduzem as imagens. Como display, é um visualizador que permite a apresentação de informações digitais em forma visível e a representação visual dos dados processados através de dispositivos eletrônicos conectados com computadores ou equipamentos auxiliares.

Não obstante, à tela começam a ser atribuídas outras significações, outorgando-lhe um sentido ambíguo. Antes de qualquer coisa, é importante aclarar a acepção dos termos. Enquanto os instrumentos técnicos permitem uma ação concreta com a ferramenta, os meios são suportes de algo e o contêm. Por exemplo, a linguagem é o meio da fala: o fala está contida na linguagem e sem esta não existe. Os aparelhos podem assumir a vertente de dispositivos e de mecanismos. O mecanismo consiste no artefato que põe algo em funcionamento; é o mecanismo que corrobora a ação. Para citar um exemplo: o mecanismo do relógio cumpre com seu objetivo de computar o tempo. O dispositivo é uma peça que serve para um propósito concreto. Em eletrônica, um dispositivo de entrada, por exemplo, as teclas alfanuméricas do teclado acoplado ao computador, pode servir de conversor de dados (por exemplo, ideias) em sinais eletrônicos (códigos binários); um dispositivo de saída pode converter impulsos elétricos (sinais) em resultados concretos (como a escritura). É um artifício (eletrônico) de tradução. A interface, como meio de interconexão entre sistemas ou elementos (com frequência, de diferentes características), é a que permite a ensamblagem entre aparelhos ou entre estes e os seres humanos, facilitando o intercâmbio de informação entre ambos os sistemas.

Com seu uso generalizado, a tela começa a ser tomada indevidamente pelo meio e a ser confundida também com o dispositivo e a interface. Isto significa que, de sistema de apresentação de dados (função instrumental), passa a ser imaginada como suporte que contém os dados (função medial) e veículo de nexo entre o humano e a máquina (função interconectiva). O equívoco é especialmente grave, mas muito revelador. Enquanto o usuário - a pessoa que entende sua relação com a máquina desde uma vertente funcional - acerca-se à tela como superfície na qual pode visualizar os dados (aqui, mantém-se uma distância real entre sujeito e dispositivo), o operador percebe os conteúdos como aderidos à tela que os mostra, até o ponto de não discernir dispositivo e meio. Seria como se os conteúdos reproduzidos através da tela estivessem acoplados ao aparelho e gerassem um universo de conhecimento próprio, que se encarregaria de transmitir a informação ao operador, inclusive - ab absurdo - de se comunicar com ele.

Três exemplos nos ajudarão a compreender o fenômeno: o audiovisual, os videojogos e os telefones celulares. O filme Fahrenheit 451, de François Truffaut, já tratava, em 1966, a questão da coincidência entre meio, informação e tela. Adaptação da novela de mesmo título de Ray Bradbury, de 1953, o filme aborda a relação dos indivíduos com a informação emitida pelos meios de comunicação de massa audiovisuais. Na sociedade retratada no filme, está proibido ler e reflexionar; qualquer livro existente deve ser imediatamente queimado por um esquadrão policial especializado. A felicidade consiste em participar da "vida" das imagem. O audiovisual e as imagens dominam o cotidiano dos indivíduos, que crêem pensar e se mover no que vêem e não na sua "realidade". Telas de TV interativa, situadas nas paredes das casas, transmitem continuamente o que as pessoas devem pensar e como devem se comportar. A visualização das imagens induz a que os sujeitos assumam o ponto de vista dos conteúdos transmitidos, aceitando o terminal "tela" como espaço-mundo. Em resumo, sua visão de mundo se confunde com a "visão" da tela15 15 . Cfr. LUSSER, Vilém. Die kodifizierte Welt. in: Die Revolution der Bilder. Der Flusser-Reader zu Kommunikation, Medien und Design. Mannheim: Bollmann Verlag, 1995, p. 85. .

Outro exemplo refere-se aos computergames, nos quais o operador se encontra imerso na realidade (o jogo) que observa na tela e acaba concebendo a presença da tela como a interface entre sua ação - entendida como atuação segundo o papel atribuído - e o que ocorre; o programa, como arquitetura geradora do jogo, permanece oculto. Da mesma maneira que se dissipa a fronteira entre a realidade do jogo e a realidade do operador, também se mascaram as funções específicas da tela e do software.

Enquanto os mundos audiovisuais baseiam-se em plataformas discursivas orais e visuais, e o contexto dos videojogos articula uma endocomunicação "link", o aparelho de enlace com o "exterior" por excelência na atualidade, o telefone celular, gera a exocomunicação. O visor do celular (ou suas versões tipo Smartphone, BlackBerry) transformou-se no "meio" mais imediato e "próximo", inclusive íntimo, de estabelecer a socialização "link". A exocomunicação "link" implica a conformação de novas regras, que poderíamos denominar, aludindo a Gregory Bateson, "jogo de interação"16 16 . BATESON, Gregory Bateson. Mind and Nature: A Necessary Unity. Toronto: Bantam Books, 1979. . O jogo gera um marco de atuação que prescinde de normas ou leis "convencionais" de comunicação e diálogo; portanto, permite a articulação de novas regras: as regras do jogo. Recordemos a asserção de Flusser: o revolucionário consiste no fato de que o dispositivo assuma a função do conceito, transformando-se em modelo17 17 . Cfr. cita número 3. , neste caso, em modelo de jogo com a realidade.

Portanto, a tela passa a ser o veículo de construção da realidade no visual. Slavoj Žižek interpreta a "tela deformante" (como metáfora do Real) como um obstáculo invisível que, de fato, "falsifica nosso acesso à realidade externa"18 18 . ŽIŽEK, Slavoj. El títere y el enano. El núcleo perverso del cristianismo. Barcelona: Paidós, 2005, p. 94. , apesar de intensificar a ilusão de entender o Real. É um instrumento de "proteção" contra a insuportável confrontação com a "realidade do Real".

Fruto desta grave confusão entre tela e meio, o aparelho se converte em máscara, assumindo duas dimensões: como antiface e como interface. Como máscara, a tela perde o sentido de prótese e adere ao sujeito. Produz-se o absurdo fenômeno de dupla aderência: dos conteúdos à tela e da tela ao sujeito. Esta aderência permite a superposição - incorporação - de muitas, inumeráveis máscaras19 19 . Cfr. FLUSSER, Vilém, Op. cit., p. 179. .

Precisamente este processo de aderência é o que garante a transformação de normas (sociais) em regras de jogo. Mediante essa complexa coincidência, o visual (confundido com a tela) exerce seu poder sobre o sujeito, seu entendimento do mundo e das realidades construídas. Através da(s) máscara(s), o sujeito realiza a realidade do visual e se autorrealiza; experimenta mundos e anula a autoexperiência no mundo. A clássica e histórica posição do "estar-no-mundo" (In-der-Welt-Sein)20 20 . Idem, ibidem. é substituída pelo deleite do "jogo-com-o-mundo" (deparamo-nos com uma das causas das crises da história e do humanismo). O princípio do prazer, que fundamenta o hedonismo contemporâneo, prescinde de forma radical da dúvida existencial: o "quem sou; quem quero ser?" da tradição moderna21 21 . Idem, ibidem. . Substitui-se a ação individual (e individualista) sistêmica de construção da realidade pela operação compartilhada de internalização das realidades construídas extrinsecamente: múltiplas, simultâneas, pré-programadas e pré-digeridas. Vive-se realidades de segunda ordem, como diria Niklas Luhmann. Não há singularidade, nem na visão de mundo, nem na ficcionalização da realidade. Junto com a suspensão da singularidade, desarticula-se o indivíduo singular.

A consequência tangível deste processo de amálgama e fragmentação é a ausência da pergunta pela identidade do "Eu" individual e o triunfo das pseudoidentidades à la carte. O que não quer dizer que o ser humano capitulou como tal; significa que perdeu a nostalgia pelo indivíduo, da mesma forma como perdeu a nostalgia pelo diálogo face-a-face com o "outro".

Na socialização "link", na qual desaparecem as normas, criam-se regras de jogo e se estabelecem critérios de conduta recicláveis, os sujeitos se realizam no momento do "link". A intercomunicação circunscreve-se ao instante do evento comunicacional, sua condição e principal característica. O gesto do evento comunicacional descarnado, incontinente, próprio das ações dos sujeitos operadores - ações que fundamentam a socialização "link" -, instalam a tela entre-as-faces. O evento operacional assume os atributos e a função do gesto duro, assimilado sem resistência como parte do gesto brando. O importante para o operador passa a ser a tela, absurdamente assumida como meio que garante o estar-telecomunicado: a socialização "link".

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Claudia Giannetti é Professora Catedrática Convidada da Universidade de Évora (UÉ), Departamento de Artes Visuais e Design e Diretora do Doutorado em Artes Visuais da UÉ; membro do Centro de História da Arte e Investigação Artística CHAIA, UÉ, é teórica e investigadora no âmbito da arte contemporânea, especialista em media art, curadora de exposições e escritora. ‹http://www.artmetamedia.net› © cgiannetti, 2011.

  • 1. Cfr. FLUSSER, Vilém. Kleine Philosophie der Telefonie. in: Die Revolution der Bilder. Der Flusser-Reader zu Kommunikation, Medien und Design. Mannheim: Bollmann Verlag, 1995, p. 72.
  • 4. FLUSSER, Vilém. Die kodifizierte Welt. in: Die Revolution der Bilder. Der Flusser-Reader zu Kommunikation, Medien und Design. Mannheim: Bollmann Verlag, 1995, p. 37.
  • 7. GIANNETTI, Claudia. Reflexiones acerca de la crisis de la imagen técnica, la interfaz y el juego. in: Anàlisi Quaderns de Comunicació i Cultura, núm. 27, Bellaterra/ Barcelona: UAB, 2001, p.151-158.
  • 8. DEBRAY, Régis. Vida y muerte de la imagen. Historia de la mirada en Occidente. Barcelona, Paidós, 1994. p. 255.
  • 11. Dou preferência a este termo por considerá-lo mais adequado que o neologismo "desmaterialização", já que deixa entrever sua relação direta com o orgânico. Como dizia John Searle, não podemos conceber a cultura sem o biológico, precisamente porque a consciência e a intencionalidade, as duas características dos seres humanos, são os termos que vinculam biologia e cultura. "A cultura é a forma que cobra a biologia" (SEARLE, John. A construção da realidade social. Barcelona: Paidós, 1997, p. 231-232).
  • 12. FLUSSER, Vilém. Art and Politics. in: Artforum, n. 4, dezembro de 1990, vol. 39, p. 25-27,
  • 15. Cfr. LUSSER, Vilém. Die kodifizierte Welt. in: Die Revolution der Bilder. Der Flusser-Reader zu Kommunikation, Medien und Design. Mannheim: Bollmann Verlag, 1995, p. 85.
  • 16. BATESON, Gregory Bateson. Mind and Nature: A Necessary Unity. Toronto: Bantam Books, 1979.
  • 18. ŽIŽEK, Slavoj. El títere y el enano. El núcleo perverso del cristianismo. Barcelona: Paidós, 2005, p. 94.
  • *
    Este texto baseia-se nas minhas investigações precedentes, publicadas nos livros: GIANNETTI, Claudia. The Socialization . Reflections on the Screen, the Interface and the Mask, in: VV.AA.
    Invideo Mostra Internazionale di Video e Cinema Oltre. Milão: Invideo, 2006; GIANNET-TI, Claudia. Notizen zur Link-Kommunikation,,in: VV.AA.
    Netzkulturen. Kollektiv, Kreativ, Performativ Munique: Epodium, 2011, p. 31-39.
  • *
    This text is based on my precedent investigations, published in the following books: GIANETTI, Claudia. The Socialization link, Reflection on the Screen, the interface and the Mask, in: VV.AA.
    Invideo Mostra internazionale di Video e Cinema Oltre. Milão: Invideo, 2006; GIANETTI, Claudia. Notizen zur Link-Kommunikation, in: VV.AA.
    Netzkulturen. Kollektiv, Kreativ, Performativ. Munique: Epodium, 2011, p. 31-39.
  • 1
    . Cfr. FLUSSER, Vilém. Kleine Philosophie der Telefonie. in:
    Die Revolution der Bilder. Der Flusser-Reader zu Kommunikation, Medien und Design. Mannheim: Bollmann Verlag, 1995, p. 72.
  • 2
    . Emprego o termo comunicação aqui não na sua acepção de transmissão de sinais mediante código, senão como forma de interrelação entre pessoas mediante a ação de se comunicar.
  • 3
    . Dada a coexistência atual de muitas e diferentes sociedades, nas quais se verificam condições desiguais de expansão das tecnologias, é importante sublinhar que nos centramos, neste texto, nas sociedades pós-industriais que experimentam um alto grau de concentração e uso de meios técnicos e de telecomunicação.
  • 4
    . FLUSSER, Vilém. Die kodifizierte Welt. in: Die Revolution der Bilder. Der Flusser-Reader zu Kommunikation, Medien und Design. Mannheim: Bollmann Verlag, 1995, p. 37.
  • 5
    . Idem, ibidem, p. 36.
  • 6
    . Idem, ibidem, p. 37.
  • 7
    . GIANNETTI, Claudia. Reflexiones acerca de la crisis de la imagen técnica, la interfaz y el juego. in: Anàlisi Quaderns de Comunicació i Cultura, núm. 27, Bellaterra/ Barcelona: UAB, 2001, p.151-158.
  • 8
    . DEBRAY, Régis. Vida y muerte de la imagen.
    Historia de la mirada en Occidente. Barcelona, Paidós, 1994. p. 255.
  • 9
    . Idem, ibidem.
  • 10
    . Idem, ibidem, p. 272.
  • 11
    . Dou preferência a este termo por considerá-lo mais adequado que o neologismo "desmaterialização", já que deixa entrever sua relação direta com o orgânico. Como dizia John Searle, não podemos conceber a cultura sem o biológico, precisamente porque a consciência e a intencionalidade, as duas características dos seres humanos, são os termos que vinculam biologia e cultura. "A cultura é a forma que cobra a biologia" (SEARLE, John.
    A construção da realidade social. Barcelona: Paidós, 1997, p. 231-232).
  • 12
    . FLUSSER, Vilém. Art and Politics. in: Artforum, n. 4, dezembro de 1990, vol. 39, p. 25-27, escrito como parte da série de textos intitulada "Curies' Children"; publicado em espanhol e inglês em: Seminários online Media_ArtPerspectivas, MECAD/UNESCO, 2005, ‹
  • 13
    . Idem, ibidem.
  • 14
    . Um exemplo prático da Internet seria o tipo de
    link de geração espontânea aplicado em alguns
    sites ou o sistema de
    tags.
  • 15
    . Cfr. LUSSER, Vilém. Die kodifizierte Welt. in:
    Die Revolution der Bilder. Der Flusser-Reader zu Kommunikation, Medien und Design. Mannheim: Bollmann Verlag, 1995, p. 85.
  • 16
    . BATESON, Gregory Bateson. Mind and Nature: A Necessary Unity. Toronto: Bantam Books, 1979.
  • 17
    . Cfr. cita número 3.
  • 18
    . ŽIŽEK, Slavoj. El títere y el enano. El núcleo perverso del cristianismo. Barcelona: Paidós, 2005, p. 94.
  • 19
    . Cfr. FLUSSER, Vilém, Op. cit., p. 179.
  • 20
    . Idem, ibidem.
  • 21
    . Idem, ibidem.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      2011
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