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Ouro dos tolos

Fool’s gold

Resumos

Este texto conta os assuntos com pedras, empilhando-os à maneira de Robert Smithson (1938-1973). Em 1965, o artista norte-americano apresentou pela primeira vez a obra dupla aqui em questão, de nome Quick Millions. Ao lado do objeto, uma pequena declaração fora redigida pelo artista para o catálogo da mostra ART ‘65: Lesser Known and Unknown Painters / Young American Sculpture – East to West, editado por Brian O’Doherty (Patrick Ireland). A fim de que a matéria impressa não aparecesse só ou mal acompanhada. Vem daí um monte de complicações.

escritos de artistas; Robert Smithson


This text lists the subjects with stones, piling them in the manner of Robert Smithson (1938-1973). In 1965, the American artist first presented the twofold work in question here, named Quick Millions. Beside the object, a brief statement was written by the artist for the catalog of the exhibition ART ‘65: Lesser Known and Unknown Painters / Young American Sculpture – East to West, edited by Brian O’Doherty (Patrick Ireland). In order to prevent the printed matter from appearing alone or in bad company. Thence comes a heap of language.

artist writings; Robert Smithson



ALDISS, B. W. Earthworks. New York: Signet Books, 1967.(capa)

Quando tudo começa assim, com uma pedra-de-toque. Formulada às pressas, uma questão aparentemente menor. Feito matéria, lá está a primeira pessoa, singular. “Eu” nada diz. Vinda dum mundo de possibilidades remotas. Por motivos escusos, um produto estrelado de Hollywood. Mas importa o mistério de sua origem? De que substância é feita, de onde nasceu essa insignificância, em breve tomaremos conhecimento. Por ora, as pistas são parcas. Quantas quentes, já não se sabe. Talvez um par de vestígios baste, uma escrita que tenda ao provérbio, e que seja válida repetidas vezes, em diferentes situações. Por causa de uma nominação voluntariamente charadista. O título dos filmes pauta um pequeno comunicado impresso, apesar do autor negar tê-los visto. Pouco importa. Sabe-se que este é o nome de dois filmes em branco e preto típicos dos anos de 1930; e então, algumas décadas mais tarde, objeto de parede e nota de ocasião. Sem dúvida, não se trata precisamente de uma ausência. Pelo contrário, uma curiosa presença ou quiproquó instaurou-se no encadeamento dos eventos. Quick Millions é o nome de um filme da era pre-Code do cinema norte-americano, dirigido por Rowland Brown em 1931. Em resumo, assim dá-se o caso. O motorista de caminhão Daniel J. ‘Bugs’ Raymond (Spencer Tracy) organiza uma associação de caminhoneiros e passa a cobrar por proteção. Enricado, decide se casar com a socialite Dorothy Stone (Marguerite Churchill). A escolha, tudo indica, toma solitário. Dorothy acaba noiva de outro. O pequeno inseto então planeja sequestrá-la no dia de seu casamento. Tal sinopse importa mais como um sinal negativo para a lógica de nosso problema. Há um outro longa metragem de mesmo nome. Contudo, mais jovial. Trama que certamente toma mais tempo para ser empilhada. Nas mãos de um arquiteto diletante aos poucos se tornará ruína em reverso. Integra uma série de dezessete filmes sobre a família Jones, sequência que se inicia com Every Saturday Night (1936) e finda com On Their Own (1940). Quick Millions é o nome de uma comédia do ano de 1939. Outro foi o título comercial dado à película. Sobrepõe-se ao primeiro, uma sentença explicativa quanto à paisagem e aos personagens implicados, The Jones Family at the Grand Canyon; uma continuação de um episódio prévio, The Jones Family in Hollywood. Parcialmente gravado em uma locação em Red Rock Canyon, Califórnia; em parte, rodado em estúdio, quase por inteiro castanha resultou a intervenção do pano de fundo cenográfico. Este é um dos dois filmes da família Jones escritos pelo memorável ator e diretor do cinema mudo Joseph Francis Keaton. Dizem que Buster é um batismo tardio, cunhado pelo mágico artista das escapadas Harry Houdine (Erik Weisz). A fama e o renome o fizeram depois caricato, de suas emblemáticas atuações nasceram as alcunhas ‘O grande cara de pedra’, ‘O homem que nunca ri’ e ‘O pequeno que não se machuca’. (Mas, afinal, o que é uma fisionomia cômica? No filme mudo o gesto do personagem não rivaliza com a palavra falada. Há algo de risível nesses movimentos inaudíveis. Os procedimentos de fabricação do cômico aparecem aos tropeços: Buster, uma vez ou outra, tomava a forma de seu chapéu porkpie. Um conhecimento sobretudo prático, a arte da comédia? Perguntamos sobre o que há de propriamente cômico na comédia. O que significa pensar para Buster Keaton? Certos efeitos hilários são intraduzíveis de uma língua para outra). Nessa bem humorada aventura, os velhos e conhecidos do público Americano, os Jones, ao retornarem de suas férias, recebem via telegrama a notícia de que o recém falecido tio Ezra acabara de deixar como herança uma mina de ouro em um sítio próximo ao ilustre cânion. A mensagem é urgente. Restam apenas quatro dias para que reclamem a fortuna. Submetidos a tal golpe de sorte, a família faz as malas e parte em direção a árida zona sudoeste dos Estados Unidos, rumo ao estado do Arizona. Chegando lá, a trupe é recebida por Henry ‘Beaver’ Howard (Eddie Collins), aspirante a advogado que os guia ao destino ambicionado. No caminho, Castor oportunamente os distrai, proseando sobre estórias de massacres dos “peles-vermelhas”. Desconhecida pela família, a cabana na montanha que pertencia ao tio Ezra está sendo usada como esconderijo pelo assaltante de bancos Floyd ‘Bat’ Douglas (Horace McMahon) e sua gangue. Com a aparição dos novos e inoportunos residentes, os ladrões refugiam-se momentaneamente no sótão. Ao inesperado respondem mascarados. Como parte dum estratagema, um dos membros do grupo, H. Jenkins ‘Hank’ Pierson (George Lynn), apresenta-se como um colecionador de relíquias indígenas. Madeixa faz uma oferta pela propriedade, ao tempo que narra a lenda de Big Chief, suposto fantasma que há muito assombra a rústica choupana. Outro comparsa, Pete, faz-se passar pelo professor Mathews (John T. Murray), um geólogo que, após sumária avaliação, chega ao veredito de que a mina não vale níquel. Enquanto Jack Jones (Kenneth Howell), o mais velho dos irmãos, apaixona-se por Daisy Landers (Helen Ericson), amante de Morcego, a pequena Lucy (June Carlson) flerta com o ranger Barry Frazier (Robert Shaw). Barry, à medida que é apresentado ao grupo, começa a desconfiar dos farsantes Pierce, Mathews e Daisy. Todavia, toma as providências legais somente para encarcerar o professor. Apesar da certeira suspeita do ranger, John Jones (Jed Prouty), o pai, está prestes a aceitar a tentadora proposta de Madeixa. Neste mesmo instante, toma lugar uma reviravolta nos fatos. Bobby por acaso encontra uma pepita nativa de ouro! Movida por esse contratempo, Daisy decide se livrar da família. Sem demora, coloca parte do assalto ao banco na carteira de John. O plano é bem sucedido, e ele amarga curta reclusão atrás das grades; um ensejo ao grande desfecho. Quando, depois de muito ser esperado, Morcego aparece no xadrez com seu bando de celerados, a fim de libertar seu camarada, o professor Mathews (ou melhor, Pete), John avisa do plano à polícia, e Barry prende os verdadeiros bandidos. Embora tenham comprovado a validade do laudo expedido pelo falso geólogo – a jazida de fato não valia a pena –, a família Jones recebe uma recompensa de $2,000 pela captura dos criminosos. Desnecessário dizer aos admiradores do mundo dos espetáculos que a comicidade sempre joga com a previsibilidade. Considerando-se a propensão dos Jones aos apuros – imagem construída com certa teima nos capítulos precedentes da série – era de se esperar que desta feita, uma vez mais, fossem encontrar de tudo menos ouro. Isto nos faz refletir: quantas coisas há que só se conseguem com a oportunidade das circunstâncias? Enfim, Quick Millions é também a designação dada a um objeto de parede, assim como é o nome de uma declaração escrita que o acompanha aonde quer que vá, ambos pensados por Robert Smithson em 1965. Superfície pictórica de aparência futurística obsoleta, tomado de empréstimo duma história de ficção científica: efeito kitsch do plástico, bumerangue de geometria dura e simétrica. Instrumento que, após descrever curvas, volta a um ponto próximo daquele donde foi atirado. Não à toa comparado por muitos aos objetos minimalistas fabricados na mesma época. Toma a forma, portanto, das coisas que virão, uma roupagem do futuro que já saiu de moda. No que diz respeito à dita declaração, não se pode afirmar o mesmo de seu tom, nem de longe literal. (Hoje, ainda, as armas de raio laser não são vistas por aí. Todos lembramos de seu advento ao ouvirmos o barulho das crianças atirando com a boca e o dedo indicador em riste, ou quando perseguem umas às outras com luminosas pistolas de brinquedo. À maneira das crianças, ainda hoje o raio laser vive nas estórias passadistas. Talvez Earthworks (1965), de Brian Aldiss, por mérito de seu título, tenha sido a pista falsa de maior popularidade entre os escritos sobre Robert Smithson1. O romance de Aldiss corre na frente dos ponteiros, ambientado num tempo ficcional que há de vir real, num mundo de catástrofe ambiental e desigualdade socioeconômica extrema. No campo, fora das populosas cidades africanas então controladas por um Estado policial, uma classe de poderosos agricultores explora uma população de trabalhadores em uma prisão rural, ao mesmo tempo que tenta caçar e conter as ações da subversiva ordem dos Viajantes. Basta ver a ilustração da capa do exemplar de bolso que constava na biblioteca de Smithson. Nas palavras do autor, a moda tem para o atual um material de “não-conteúdo”. Desde o início, tudo parecia convidativo, uma vez que tudo parecia prescindir de explicação. De todo modo, não se pode levar muito a sério as possíveis relações. Elas tem isso de arriscado: podem nos puxar para todo lado; ora para a direita, ora para a esquerda. O caso é que não convém abusar das conclusões, confiar na verve desses sujeitos. Numa palavra, haviam dois termos, coisa e nome; uma coisa nomeada. As palavras implicam em certas aceitações e recusas. Assim, as modificações aparecem como que do interior das obras. Mesmo quando o autor permanece calado, ainda quando não dá explicações. A coisa simplesmente acontece. Por ventura há riqueza ou dinamismo num objeto estático como este? Poderíamos multiplicar os exemplos. Logo na primeira declaração, uma arbitrariedade. O que significa pensar para Robert Smithson? O que seu pensamento artístico significa para aquele que se ocupa da escrita? No jazigo, encontra-se um metal de coloração amarelada; uma caveira surge de dentro do escrínio dourado. Pois é ditado: da verdade carregada no provérbio, extrai-se uma suspeita em relação àquilo que reluz. Em busca do ouro desejado, no buraco mais óbvio. De pronto o chama de pirita, à beira do poço não conhece o nível d’água. Ao atirar a mesma pedra, mede a fundura, indiretamente. Embora o teste não seja acurado. Nem tudo falar se pode. Passe bem, seu palpite é frio. E isso é tudo.

§

Em terras férteis, furando o chão de ricas plantações, também espalham a rama ervas silvestres, daninhas ou inúteis. Sobre a terra como planta, e debaixo como raiz. Por certo, uma disciplina que desperta a atenção. A etimologia, entretanto, ao demonstrar as imprevisíveis transformações do sentido primitivo das palavras no correr do tempo, não passa por vezes de uma distração ociosa. Ex.: smith. [Inglês]. S. Pessoa que faz e repara à mão coisas em ferro; artífice que trabalha em metal, algumas vezes o aquecendo para o torná-lo melhor trabalhável; forma reduzida de blacksmith; ferreiro, forjador. -smith. forma composta. Denota pessoa hábil em criar alguma coisa a partir de um material específico: goldsmith, wordsmith.

  • 1
    . análogo. Adj. 1. Em que há ou que demonstra analogia; semelhante, comparável, afim: reações análogas, aspectos análogos, formas análogas. 2. Fundado em analogia. Ex.: Incidents of Mirror-Travel in the Yucatan (1969), de Robert Smithson, é o reflexo analógico de uma expedição realizada em 1843, pelo explorador John L. Stephens, Incidents of Travel in the Yucatan. 3. Diz-se dos órgãos ou partes que, conquanto sejam de origens diferentes, têm a mesma função biológica. 4. Hist. Filos. Segundo os tomistas, diz-se especialmente de palavra, conceito ou atributo que se aplica, de modo nem totalmente diverso nem totalmente idêntico, a objetos essencialmente diferentes. É uma qualificação que se situa a igual distância de unívoco e equívoco.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2013

Histórico

  • Aceito
    23 Abr 2013
  • Recebido
    28 Ago 2012
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