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O contato com o mundo: ambiguidades da fotografia de Mathieu Pernot

Contact with the world: the ambiguities of Mathieu Pernot's photography

RESUMO

Analisando o trabalho de Mathieu Pernot, percebe-se a ambiguidade da fotografia que se encontra na fronteira entre arte e documento. A simplicidade no enquadramento, a claridade da iluminação, a serialização, a montagem, bem como a impessoalidade das imagens de Pernot, assinalam a contradição interminável entre o que é acessível pela visão e o que se segmenta no olhar. Seus trabalhos sugerem uma imagem de contato, sem a recusa da compatibilidade entre a representação simbólica e a marca indicial, o vestígio do mundo e o sintoma da experiência. O documento torna-se impossível posto que ele dá acesso não ao passado tal qual ele foi, mas à experiência da cisão do tempo como potência do presente.

palavras-chave:
fotografia contemporânea; arte e arquivo; documento e arte

ABSTRACT

Analyzing Mathieu Pernot's photography, one can see the ambiguity of the value of the photographic document within art. The simplicity in the frame, the brightness of the lighting, serialization, montage, and the impersonality of Pernot's images mark the endless contradiction between what is available by sight and what segments in looking. Pernot's work suggests a picture made by contact without refusing the identification between the symbolic representation and the index, the world's trace and the symptom of experience. The document becomes impossible in so far as it gives no access to the past such as it was, but the experience of time division as the power of the present.

keywords:
contemporary photography; art and archive; document and art

O questionamento efetuado pela arte conceitual em relação ao objeto de arte e à primazia do visual, considerações derivadas dos minimalistas, compreendia uma ambiguidade fundamental. Desmaterializada a obra, muitas das proposições conceituais eram mediadas por documentações fotográficas1 1 . Diversos autores discutem a problemática do documento fotográfico na arte conceitual e a ambiguidade de sua função. Ver, nesse sentido, FABRIS, Annateresa. Arte conceitual e fotografia: um percurso critico-historiográfico. ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 19-32, jan.-jun. 2008. Ver também: VERHAGEN, Erik. La photographie conceptuelle. Paradoxe, contradictions, impossibilités. Etudes Photographiques, n. 22, set. 2008. E, ainda: ROBERTS, John. The impossible document: photography and conceptual art in Britain, 1966-1976. London: Camera Work, 1997. . Precária formalmente, a fotografia no contexto conceitual apresentava o evento artístico por descrições visuais imprecisas, o que exigia uma leitura ativa por parte do espectador. Tal paradoxo delineou para a geração seguinte uma estética articulada pela contradição entre o valor do documento e o vigor da arte. A fotografia contemporânea retoma a problemática conceitual e faz reviver a reciprocidade incongruente entre a arte e a atitude documental, reinscrevendo e revisando a "ética do moderno" na produção estética atual2 2 . POIVERT, Michel. La photographie contemporaine. Paris: Flammarion, 2010.O autor discute no primeiro capítulo desse livro o que chama de "ética do moderno"na fotografia contemporânea. . Desde os anos 90, vários artistas renunciam à ironia pós-pop contra o signo, preferindo imagens de aparência formal simples sem recusar suas condições contraditórias. Valorizando a incongruência entre a forma clara da descrição e a experiência heterogênea do mundo, muitos artistas voltam à técnica fotográfica para investigar os sintomas da fratura que atinge o mundo na atualidade. De aparência descritiva e prosaica, as imagens apresentam enigmas de uma história a ser decifrada. A descrição produzida no contato com o mundo não apaga os vazios que acolhem a atividade da leitura daquele que olha.

A vontade ética sustenta o valor de uso do documento, e a exigência estética salienta a ambiguidade da forma: eis o paradoxo que alicerça certa produção artística desde os anos 90. Artista e fotógrafo, o francês Mathieu Pernot iniciou sua produção na década de 1990 investindo no valor ambíguo do registro fotográfico como imagem de arte. Sua obra se constitui na aporia interminável da fotografia: informação visível ou construção visual? Rastro visível e semelhança obtida no contato com o mundo, a fotografia documental na arte pertence a um sistema figural que opera por deslocamento, perdas e condensações. A simplicidade no enquadramento, a claridade da iluminação, a serialização, a montagem, bem como a impessoalidade das imagens de Mathieu Pernot, assinalam a contradição interminável entre o que é acessível pela visão e o que se segmenta no olhar.

O artista recupera o "estilo documentário" dos anos 30 e aciona a ambiguidade do registro na montagem que faz as imagens coexistirem de modo problemático. A montagem imprime ao conjunto a complexidade da experiência vivida no cotidiano das cidades atuais. Marcas indiciais claras organizam sintomas obscuros e indefinidos. Afinal, as mensagens das obras de Mathieu Pernot são enigmáticas porque gravam a carne do mundo. A experiência real e contraditória do contato com a vida resta presente nas imagens do artista. Registrando dispositivos de poder, a arquitetura dos grandes conjuntos, os migrantes invisíveis, as pessoas comuns, Pernot não simplifica a atividade do espectador. As marcas do sofrimento humano nas cidades contemporâneas são organizadas por montagem que reinsere certa inadequação entre o que vemos e o vazio real que nos olha. Investigando os sintomas das sociedades atuais, ele nos propõe um problema. Afinal, gravar a carne das coisas comuns é desvelar a ambiguidade do mundo em que vivemos.

Mathieu Pernot realiza sua primeira série fotográfica ainda durante o curso da Escola Nacional de Fotografia, em Arles. Após ter descoberto famílias de ciganos vivendo nas proximidades da cidade, decidiu fotografar o grupo. O jovem fotógrafo conhecia o trabalho notório de Josef Koudelka dos anos 60, Gypsies, "investigação no limite entre arte e ritual"3 3 . WITKOSVSKY, Matthew S. (ed.) Josef Koudelka: National Doubtful (catálogo). Chicago: Art Institute of Chicago, 2014, p. 104. . As cerimônias de enterro ou as festas coletivas onde há dança e música não aparecem nas imagens de Mathieu Pernot. A série Tsigane (1995 e 1999) distingue antes vistas em perspectiva frontal e sujeitos anônimos. A impessoalidade do fotografado se coaduna com a sobriedade expressiva do fotógrafo. Sem ângulos imprevistos animados por efeitos de claro e escuro, as imagens inscrevem certa distância entre o fotógrafo e os retratados. Os registros nítidos das casas e as famílias próximas ressaltam a estrutura de estuque, as rachaduras nas paredes, a textura do solo. É incontestável a recuperação do estilo documentário dos anos 30 nessa série, particularmente no que diz respeito aos retratos individuais ou coletivos e a impessoalidade de tratamento dos retratados como a praticou Walker Evans. O documental da fotografia dos anos 30 não está ligado à noção de prova autêntica ou à abordagem objetiva do referente. Embora próximo ao contexto da Nova Objetividade da Alemanha do início do século XX, August Sander instaurava nos anos 20 o que viria a ser conhecido como fotografia documental e articulava a série como procedimento para lidar de modo crítico com a realidade social. Faces of our time, série publicada em 1929, marcaria a fotografia norte-americana de Walker Evans não pela tipificação dos personagens sociais que construía o fotógrafo alemão, mas pela "experiência real" do olhar, isto é, imagens contraditórias, vivas e humanas4 4 . Cf. LUGON, Olivier. Le style documentaires d'August Sander à Walker Evans, 1920-1945. Paris: Macula, 2011. .

As imagens produzidas pela corrente documental da fotografia dos anos 30 e 40 nos Estados Unidos não podem ser reduzidas nem ao puramente visível do mundo social nem a um humanismo acrítico e expressionista, como a percebeu ainda nos anos 70 Allan Sekula5 5 . Ver: SEKULA, Allan. Dismantling Modernism, reinventing documentary (Notes on the politics of representation)". The Massachusetts Review, v. 19, n. 4, Photography. Winter, 1978. Analisando a obra de Martha Rosler, The Bowery in two inadequate descriptive systems, Sekula chama a vertente dos anos 30 de escola "busca um vagabundo", possivelmente referindo-se à fotografia de um bêbado Walker Evans "South Street, New York" (1932). A obra de Rosler trata do bairro nova-iorquino do sul de Manhatan e utiliza fotografias justapostas a expressões que remetem à bebida ou à bebedeira. . A fotografia dos anos 30 articula o olhar que faz oscilar o visível do registro e a imagem da arte: "não somente os dois termos não mais se excluem, mas são rapidamente percebidos como indissociáveis"6 6 . LUGON, Olivier. Op. cit., p. 16. . Com efeito, Walker Evans apresentaria a contradição no termo que criou, "estilo documental", alimentando-se da produção de Sander e daquela de Eugène Atget, a quem o norte-americano dedicava grande admiração7 7 . Cf. EVANS, Walker. Reappearance of photography. Hound and Horn, v. 5, n. 1, 1931. No artigo, Evans atesta sua rejeição pelo formalismo pictorialista de Edward Steichen e demonstra sua inclinação por Eugène Atget e August Sander. . O termo arte documental aparecia na mesma época em um artigo John Grierson sobre o filme Moana, de Robert Flaherty. No entanto, as transformações da noção de documentário no cinema viriam a se dar com as escolas e práticas próprias desse campo8 8 . Cf. DA-RIN, Silvio. Espelho Partido. Tradição e transformação do documentário. Rio de Janeiro: Azougue, 2004. Silvio Da-Rin discute o termo documentário e suas transformações no campo do cinema desde os anos 20 na Inglaterra, passando pelo construtivismo de Dziga Vertov na União Soviética até os dias atuais. . A perspectiva da fotografia documentária nos anos 30 recusava o trabalho do imaginário artístico, colocando-se criticamente distante das ideias modernistas de expressão pessoal e originalidade. O que interessava era antes a experiência do mundo vivida sob a ótica de uma sensibilidade social, o que pressupõe um olhar. Sobre o "estilo documentário" neutro e impessoal que praticava Evans, Olivier Lugon esclarece: "A essa neutralidade expressiva do lado do modelo, equivale a pesquisa simétrica da impessoalidade do lado do fotografo"9 9 . Sobre a impessoalidade e a neutralidade do estilo documentário de Walker Evans, Ver LUGON, Olivier. Op. cit., p. 173. .

Neutralizando as pretensões de autonomia da arte pela função documentária da fotografia, Mathieu Pernot aposta na indeterminação do sentido. A autonomia da obra e sua dependência relativa ao contato do mundo exigem do espectador tanto a passividade da contemplação como a atividade na construção da leitura. O valor de documento não valida considerações de objetividade provenientes do discurso sobre a fotografia desde o final do século XIX. Tampouco alia-se à tendência autorreferencial da fotografia contemporânea representada por Jeff Wall. O trabalho de Pernot admite menos ainda o idealismo da fotografia jornalística de pretensão artística, marcada por forte iconicidade, como a de Sebastião Salgado. E sugere uma imagem de contato, sem a recusa da compatibilidade entre a representação simbólica e a marca indicial, o vestígio do mundo e o sintoma da experiência10 10 . Vários autores atualmente pensam a fotografia, mesmo a digital, como marca impressa, rastro ou índice, seguindo a abordagem de Roland Barthes e Rosalind Krauss, o que não significa objetividade nem transparência. Allan Sekula já havia afirmado em 1978: "A única verdade 'objetiva' que as fotografias oferecem é a certeza de que alguma pessoa ou coisa - nessa caso, uma câmera automática - esteve em algum lugar e tirou uma fotografia". Cf. SEKULA, Allan. Op. cit., p. 859-883. Daniel Bougnoux considera o poder de testemunha da fotografia não uma verdade objetiva, mas "significação indicial (que) se mantém aberta como o real". BOUGNOUX, Daniel. L'Image entre le spectre et la trace. Bry-sur-Marne: INA éditions, 2014, p. 27. Para compreensão da fotografia como marca impressa, ver também: GUNTHER, André. L'empreinte digitale. Théorie et pratique de la photographie à l'ère numérique, 2007. Disponível em: <http://www.arhv.lhivic.org/index.php/2007/10/03/506-l-empreinte-digitale>. Acesso em: 29 jul. 2015.. Para uma reflexão sobre a marca impressa e sua força contraditória entre índice e símbolo, ver DIDI-HUBERMAN, George. La ressemblance par contact: archeology, anachronisme et modernité de l'empreinte. Paris: Minuit, 2008. . A arte documentária no cinema e na fotografia fundou-se sobre o paradoxo das funções da estética e do arquivo. O que está implícito no trabalho de Mathieu Pernot é a aposta moderna da originalidade da fotografia no espaço da arte ao encarnar funções que resistem às categorias instituídas das belas-artes. Como atesta Michel Poivert sobre a fotografia contemporânea: "No momento em que, após Marcel Duchamp, tudo pode ser arte, a fotografia preencheria a missão de ser precisamente aquilo que a arte não pode ser, 'um Outro da arte'"11 11 . POIVERT, Michel. Op. cit., p. 12. .

Publicada na forma de livro em 1999, a série Tsigane dava prioridade à vida atual dos nômades em torno de Arles12 12 . A história dos ciganos é tema raro entre os historiadores na França, com exceção de Henriette Asséo, que vem estudando a comunidade. Ver: ASSÉO, Henriette. Les Tiganes, une destinée européenne. Paris: Gallimard, 1994. . Para o trabalho seguinte, Mathieu Pernot privilegiaria a história ao descobrir um fundo de arquivo sobre campos de internamento para ciganos durante os anos da Segunda Guerra Mundial. Un camp pour les bohémiens (1998/1999) foi apresentada na forma de instalação em 2014 na exposição La Traversée que o museu Jeu de Paume organizou para celebrar os 20 anos de trabalho do artista. Originalmente publicado no formato "livro de fotografia" em 2001, a instalação no Jeu de Paume justapunha quatro componentes: carteiras antropométricas encontradas nos arquivos de Bouches-du-Rhônes, retratos fotográficos realizados pelo artista, registros sonoros de testemunhos dos detentos e desenhos cartográficos.

Mais tarde, em 2006, Mathieu Pernot trabalharia ainda na perspectiva do arquivo com Le meilleur des mondes, utilizando cartões postais com imagens dos grandes conjuntos habitacionais produzidos entre os anos 1950 e 1980. Em Un camp pour les bohémiens, os documentos de arquivos remetiam aos poderes arbitrários do Estado na lida com povos minoritários. A vitrina com as carteiras antropométricas da instalação aludiam à história da governança policial moderna e ao método de identificação judicial desenvolvido por Alphonse Bertillon, chefe do serviço fotográfico da Préfecture de Police de Paris. Bertillon associou retratos fotográficos, impressões digitais e descrições antropométricas com o intuito de criar a identidade do criminoso. Associada aos outros elementos da instalação pela montagem, a vitrina com as carteiras sugeria as exposições de museus científicos e antropológicos. Com elas a obra organizava e exibia os documentos históricos, mas problematizava os métodos positivistas de identificação e classificação do outro como criminoso ou louco. Os testemunhos gravados dos nômades criminalizados, o timbre das vozes assim como o conteúdo das memórias e dos sofrimentos vividos nos campos de concentração singularizavam o sofrimento do passado relatado no presente. A voz dos sujeitos criminalizados e os sofrimentos vividos impunham uma contraposição em relação aos documentos da vitrina. Os retratos dos sobreviventes apresentavam enquadramento distanciado característico da fotografia documentária tradicional: frontalidade, preto e branco, o olhar dirigido para a câmera e para o espectador. Acima de tudo, aqueles retratos juntos às vozes gravadas pareciam convocar o espectador a se posicionar frente os enigmas da história. Os mapas incorporados à instalação são desenhos cartográficos da série A última viagem, realizada por Mathieu Pernot em 2007 com as vítimas dos campos para ciganos na França. Eles representavam, cada um, o itinerário percorrido pelas diferentes famílias de nômades no ano anterior ao internamento no campo de Saliers. Sem pontos de referência objetivos e sem legendas, os desenhos cartográficos não podiam produzir o conhecimento dos lugares percorridos, mas convidavam o espectador a estabelecer algum conhecimento com o auxílio da imaginação. A leitura dos mapas resultava em certa experiência da infinitude do espaço, tal como o vivem os nômades. O infinito concebido pelo pensamento nômade é espaço sem fronteira nem limite.

O interesse de Mathieu Pernot pelo sofrimento dos nômades na Europa diz respeito a uma disponibilidade ético-afetiva em relação à história de esquecimento do outro, disponibilidade que não implica identificação13 13 . A disponibilidade para o outro, o desejo do outro, o movimento para o outro, são expressões que orientam o pensamento ético de Lévinas. Ver, por exemplo: LÉVINAS, Emmanuel. O humanismo do outro homem. Petrópolis: Vozes, 2012. . A distância pode ser percebida nos retratos que ele realiza dos nômades para Un camp pour les bohémiens. Impessoais, as imagens estabelecem clara fronteira entre o fotógrafo e o retratado: a iluminação recusa sombras expressivas e o retratado pousa para a câmera mostrando ciência de seu ato. Após ter descoberto a desventura dos nômades durante a Segunda Guerra Mundial na França, Mathieu Pernot constata com surpresa o desaparecimento dos vestígios dos campos de confinamento e o esquecimento operado pela história: "Um estranho silêncio parecia ressoar em torno da memória desse campo que havia desaparecido fisicamente, e cuja história não existia mais senão na lembrança imprecisa de algumas pessoas idosas na cidade de Saliers". Se o afeto em relação ao sofrimento do outro na história impulsiona a geração do trabalho, a ética exige que não haja ostentação da forma artística. A obra Un camp pour les bohémiens é marcada pela forma neutra regulada pelo valor de uso do documento deslocado para a obra de arte. Mathieu Pernot se manifesta em relação ao problema: "Era preciso mostrar essas imagens de arquivo sem acréscimos, sem evidenciar "o artista"14 14 . PERNOT, Mathieu. Trouver une forme à l'histoire. Entrevista de Mathieu Pernot a Etienne Hatt, s.d. Disponível em: <http://www.mathieupernot.com/textes_01.php>. Acesso em: 29 jul. 2015. . Ao enunciar a questão ética de sua poética, Pernot revela a razão da impessoalidade presente nos retratos frontais incluídos em Un camp pour les bohémiens.

Os temas da periferia e da violência urbana aparecem na obra do fotógrafo francês no início do novo milênio. Implosions e Nuages, ambos de 2001-2008 tratam da destruição dos imensos edifícios de classes operárias na França, ao passo que Les migrants (2009) lida com a questão dos imigrantes afegãos no país. O movimento em direção ao sofrimento do outro engendra e orienta a obra de Mathieu Pernot, embora a forma impessoal e neutra não permite a identificação nem a idealização da diferença. Suas imagens estão bem distantes da tendência icônica revisitada por certa fotografia jornalística contemporânea. Documentando a vida dos nômades em Tsigane ou incorporando arquivos em Un camp pour les bohémiens, Pernot experimentava nos anos 90 a potência da forma neutralizada por funções contraditórias da imagem. Na década de 2000, ele continua a trabalhar as incongruências entre arte e documento na obra publicada em livro, Les migrants (2009/2010). Documentando o espaço urbano, o tema de sua nova produção recairia sobre as fraturas nas sociedades globalizadas.

Como valor de testemunho das vidas precárias, Les migrants aposta na indeterminação do sentido produzido entre a imagem e as palavras. Duas séries fotográficas e dois cadernos compõem a obra publicada (2009). O título da primeira série é, por si só, ambíguo. "La jungle" refere-se a uma floresta em Calais - cidade do nordeste da França na qual se instalam migrantes que desejam chegar clandestinamente à Inglaterra -, mas também à selvageria e à truculência vividas por esses retirantes ilegais da atualidade. La jungle mostra a floresta contendo barracas, vestimentas, sacos de dormir, "os estigmas dessa ocupação como uma paisagem marcada pela história"15 15 . Para acesso às imagens, ver o site do artista: <http://www.mathieupernot.com/oeuvres_anim.php?serie=jungle>. Acesso em: 29 jul. 2015. . A outra série, "Les migrants", que dá título ao livro, mostra corpos enrolados em cobertores estendidos nas ruas de Paris. A série foi realizada na capital francesa, perto da praça Villemin em que se instalavam os afegãos ilegais à época. Sobre essa série, Mathieu Pernot sentencia: "Invisíveis, silenciosos e anônimos, reduzidos ao estado de simples forma, os indivíduos dormem e parecem se esconder como se quisessem se isolar de um mundo que não quer mais vê-los"16 16 . Ver site do artista: <http://www.mathieupernot.com/oeuvres_anim.php?serie=migrants&PHPSESSID=122a330608f307082e39abecc0342d42>. Acesso em: 29 jul. 2015. .

Às duas séries de fotografias do livro Les migrants justapõem-se dois cadernos de escola com valor de documento. Registrando a escrita grafada à mão com a qual duas pessoas solicitavam asilo ao Estado francês, os cadernos remetem a um tempo primitivo, à infância, fase da primeira escolarização, mas guardam a dor atual daqueles que são obrigados a viver continuamente na ilegalidade, deslocando-se de uma cultura a outra. No primeiro caderno, observa-se as notas tomadas pelo afegão que estuda a língua francesa. Algumas palavras chamam atenção pelo forte teor afetivo que as vinculam à memória e ao desejo: embrasser, les parents, les enfants, absent, rêve, liberté, combien cout le thé17 17 . Em português: beijar, os pais, as crianças, ausente, sonho, liberdade, quanto custa o chá. . No outro caderno, o imigrante relata seu périplo de Cabul para Paris, passando antes pela Grécia, Macedônia, Sérvia, Hungria, Áustria e Alemanha. Em alguns desses países, ele padeceu pena de prisão, sofreu humilhações como clandestino e/ou foi expulso do território por não pertencer ao Estado-nação. O tempo da globalização aparece na obra de Pernot como uma imagem a contratempo, pois faz aparecer no atual a experiência do obsoleto. O leitor-espectador diante de sua obra não reconhece o mundo sem fronteiras da circulação das mercadorias, mas os sintomas de uma realidade fraturada. Ler os indícios, conectar os vestígios, inferir os fragmentos é a atividade que se apresenta ao espectador que deseja compreender intelectual e afetivamente a globalização por meio de Les migrants.

A fratura social tematizada em Les migrants já havia surgido no final dos anos 90 em Hautes surveillances, por meio do questionamento do sistema de vigilância da era moderna. Embora o sistema de controle na atualidade tenha integrado dispositivos eletrônicos concebendo a liberdade vigiada, o aparelho de poder das prisões que herdamos da modernidade ainda se conserva dominando os corpos e as subjetividades18 18 . Cf. DELEUZE, Gilles. Post-scriptum sobre as sociedade de controle. In: Conversações. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. . Construindo a memória do sofrimento nas sociedades de controle contemporâneas, Hautes surveillances articula os traumas atuais vividos por pessoas encarceradas ou não nos regimes prisionais sem apelar ao voyeurismo miserabilista nem à indiferença.

Hautes surveillances é um livro de fotografias que superpõe quatro séries diferentes: Promenades, Panoptiques, Portes e Les hurleurs. À análise severa dos dispositivos de encarceramento das três primeiras, contrapõe-se a única série de retratos. Os poderes asseguram o controle através da padronização das atitudes e dos desejos, mas forças móveis podem promover fluxos de resistências. As três primeiras séries, realizadas de 2001 a 2002, figuram casas de detenção em preto e branco com simplicidade e clareza de detalhes. Em Les hurleurs, produzida entre 2001 e 2004, o assunto é o gesto, a corporalidade, a comunicação. Sem apostar na dramatização, Hautes suveillances produz certo saber relativo aos sistemas de poder, ainda que embaralhado às emoções dos corpos envolvidos. À indiferença clara e imóvel dos espaços que estruturam o sistema carcerário, Les hurleurs apresenta uma rede de resistência pela dinâmica corporal dos retratados. Os personagens se reúnem como grupo ao repetir um mesmo gesto e exibir o grito abafado, mas contundente, contra a intolerância dos poderes instituídos. Em contraposição ao preto e branco dos espaços de poder, Les hurleurs apresenta as cores do espaço da vida. A rarefação dos corpos nos amplos espaços vazios das prisões confronta-se com a densidade grave das pessoas que se unem na rede de Les hurleurs. Seja no preto e branco das três primeiras séries ou na cor da última, as imagens de Hautes surveillances são formalmente simples, embora a montagem faça despontar os sintomas da fratura por meio de vigorosa visualidade.

Mediante o uso da montagem de três séries distintas, o espaço do sistema correcional parece fazer vizinhança com o exterior em que se encontram aqueles que tentam comunicar-se. Nada garante, contudo, a continuidade dos espaços no mundo, mas a exposição das fotografias sugere uma leitura. Vale a pena notar a diferença da apresentação da série nas paredes de uma galeria em contraponto à do livro. Na publicação, após o título de cada série, a imagem é mostrada sozinha na página. O conjunto articula-se pela composição que constrói um discurso visual com séries em sequência. Les hurleurs é a última série do livro. Na galeria do Jeu de Paume, a disposição mostrava a oposição entre as três primeiras séries e a última posicionadas em paredes perpendiculares. De um lado, oito fotografias figuravam o sistema de controle da prisão; de outro, seis imagens articulavam o gesto da comunicação resistindo à fronteira imposta pela ordem carcerária. A contraposição física das imagens nas parede destacava manifestamente o antagonismo simbólico latente no formato livro publicado em 2004.

No livro, as três primeiras séries mostram espaços internos e externos ao regime correcional, substancialmente esvaziados dos prisioneiro que os ocupam. Nos despovoados caminhos e passeios exteriores de Promenades, aparece uma figura solitária recostada na murada da construção fortificada. O contraste das medidas toma evidente contradições: de um lado, a fortaleza monumental; de outro, a insignificante miudeza do detento. Tudo sugere o sentimento de desolação, mas também o peso de um poder desproporcional. Na última imagem, transição para Panoptiques, vê-se um policial de pé na soleira da porta, como quem vigia a partir da passagem. Panoptiques apresenta visualmente elementos da arquitetura prisional projetada por Jeremy Bentham: a circularidade das celas, os longos corredores, a perspectiva de profundidade, as grades, as conexões por escadas. No panóptico, cada célula pode ser observada de um ponto de vista central, a torre, sem que os detentos possam perceber o ato que os controla. A vigilância em ato aparece duas vezes em Panoptiques. São imagens que contemplam a raridade da figura humana nas três primeiras séries. Servindo de transição para Portes, a última imagem de Panoptiques mostra um soldado atrás da porta em atitude de inspeção. As portas são o tema da nova série que apresenta passagens sempre fechadas. Indicando a impossibilidade de acesso, Portes ostenta um olho mágico adequado à observação e à vigilância19 19 . Portes sinalizou para mim a recuperação da tradição do "estilo documentário" na linguagem que constrói Mathieu Pernot. Ao documentar a arquitetura, muitos dos fotógrafos ligados à vertente documentária nos Estados Unidos nos anos 30 registraram portas de casas americanas. Ver LUGON, Olivier. Op. cit. 2011, p. 38-39. .

Em Les hurleurs, verifica-se a fragilidade da fronteira entre fotografia documental e imagem encenada. As pessoas aqui têm forte presença, preenchendo quase todo o quadro. Elas foram fixadas pela fotografia no exato instante em que se põem a bradar. Nada garante que essas imagens sejam registros documentais, pois a repetição de uma mesma atitude sugere a possibilidade do recurso à ação teatralizada. A ambiguidade entre real e ficção, documento e encenação torna eficaz a elaboração a que a obra se propõe. O real visível precisa ser fabulado para constituir-se em imagem para o pensamento. Ao fixar o momento do gesto dos personagens, as fotografias de Les hurleurs parecem homenagear o "instante decisivo" formulado por Cartier-Bresson, noção que marcou a prática da street photography20 20 . SCOTT, Clive. Street photography. From Atget to Cartier-Bresson. London, New York: Ibtauris, 2013. . Não é, contudo, a beleza do instante inusitado monumentalizado pela fotografia o que conta nessa série, mas a repetição de um único e mesmo ato.

O contraste com as outras séries é enorme. Aqui ninguém vigia, mas todos resistem à fronteira, vociferando uma tentativa de comunicação que atravesse a murada. Sente-se o sol nos corpos ao ar livre. As fotografias coloridas sugerem vitalidade que contrasta com o cinza das demais séries21 21 . Sobre o cinza nas fotografia de Mathieu Pernot, ver o texto do catálogo da exposição La Traversée, "Sortir du gris", carta escrita a Mathieu Pernot por George Didi-Huberman. PERNOT, 2014. . A energia dos personagens, o vigor das cores e a sensação de liberdade suscitam ambivalência. Situando-as no exterior da murada carcerária, Les hurleurs salienta a coerção e o constrangimento que vivem as pessoas vinculadas ao sistema prisional. Como afirma Philippe Artières, historiador que assina a introdução no livro de Mathieu Pernot, "a prisão não isola apenas os detentos, ela funciona para além dos muros"22 22 . PERNOT, Mathieu. Hautes surveillances. Texto de Philippe Artières. Entrevistas de Mellany Robinson. Paris: Actes Sud, 2004, p. 8. . Embora isoladas pelo quadro da câmera fotográfica e pela murada, as pessoas constituem um laço e tramam uma rede invisível. A repetição do gesto cria a teia que une as figuras.

A despeito do artifício da repetição inerente ao formato da série fotográfica, a iteração em Les hurleurs se torna significativa. Um a um, os corpos se juntam em torno de um objetivo comum: vencer o isolamento imposto pelo sistema carcerário. Alguma comunicação com os internos pode ocorrer fora das determinações e dos horários da ordem correcional. Há, portanto, luta, investimento, vontade, resistência. Esse aspecto não escapa às elaborações do artista realizadas na entrevista a Mellany Robinson inserida no final do livro23 23 . Em entrevista a Mellany Robinson, Pernot afirma: "Eles gritam para falar com seus parentes, mas também de maneira simbólica, para resistir à violência do encarceramento de que eles são também vítimas". Idem , p. 74. . Formando uma espécie de circuito dinâmico, essas figuras infiltram seus gritos e seus desejos nas redes de poder. Comunicando sua contrariedade ao sistema carcerário, elas formam um impulso, uma malha energética. Embora franzina, é a vida operando no contrassenso.

As três primeiras séries tratam dos espaços como partes de um sistema orgânico e impessoal em que o preso vigiado, coisificado, é invisibilizado como sujeito. Sempre vazios, os espaços apresentam uma negatividade, uma contradição. A ordem carcerária com seu olho de observação em Hautes surveillances serve de metáfora à câmera fotográfica. Não é à toa que as celas são vistas com profundidade de campo proporcionada pela perspectiva óptica sistematizada na câmera e as portas são dotadas de olho mágico. A metáfora, entretanto, apresenta contradições. Nas três fotografias em que policiais se posicionam em ato de vigilância, eles parecem desconhecer a câmera que os observa e os fotografa. Essas três imagens mostram, sobretudo, a ambiguidade dos dispositivos. Podem servir ao domínio arbitrário ou à resistência. Enquanto "câmera-prisão", o dispositivo identifica e fixa o indivíduo na identidade de um criminoso. Enquanto câmera obscura, ele ordena o espaço pela perspectiva. Enquanto câmera fotográfica, imprime o rastro de um contato vivo com o mundo. O mesmo dispositivo que controla fabrica a trilha de um olhar que se transforma e se emancipa. Longe da proposição otimista da Nova Visão que acreditou no dispositivo fotográfico como olho mecânico liberado das amarras do corpo humano, Mathieu Pernot parece indicar a ambiguidade que funda a fotografia.

Segundo André Rouillé, a modernidade entra no universo da crença do visível por meio da fotografia24 24 . Cf. ROUILLÉ, André. A fotografia: entre documento e arte contemporânea. São Paulo: Senac, 2009.. . Ao final do século XIX, o inventário fotográfico moderno do mundo visível começou a ser produzido por arqueólogos, engenheiros, arquitetos, zoólogos, médicos, jornalistas. Na contemporaneidade, a relação entre arte e fotografia leva artistas a incorporar procedimentos do arquivo fotográfico e da montagem moderna sem conduzir o sentido a uma visibilidade totalizadora. O interesse é a política da imagem da arte realizada no contato com o mundo: como essa política pode construir novos modos de ver, agir e pensar? A arte da fotografia desde os anos 90 articula certos problemas relativos ao "estilo documentário" dos anos 30, sem esquecer as questões levantadas pela arte conceitual. Os artistas nos anos 60 e 70 fizeram as técnicas de deslocamento próprias ao readymade conviverem com as funções mnemônicas da fotografia abordando uma nova arte de arquivo25 25 . B25 Cf. BUCHLOH, Benjamin. Procedimentos alegóricos: apropriação e montagem na arte contemporânea. Arte&Ensaios. Revista do Programa de Pós-graduação da EBA - UFRJ, ano VII, n. 7, 2000. . Apropriação e montagem na arte contemporânea levaram diversos artistas ao arquivo, mas foram as contradições entre obra artística e documento no contexto da arte que permitiram novas leituras da imagem. Rejeitando a imagem em prol da análise conceitual, os artistas conceituais paradoxalmente valorizaram a fotografia em seu uso vernacular e amador. Durante o episódio fotoconceitualista, a imagem tornava-se "documento impossível" ao encarnar na arte o que a contradizia26 26 . Cf. ROBERTS, John. Op. cit., 1997. Devo a expressão "episódio fotoconceitualista" a Michel Poivert que caracteriza as questões envolvidas nas relações entre fotografia e arte conceitual nos anos 60-70 pelo "papel eminente que teve a fotografia no estabelecimento de uma dialética entre arte e documento". POIVERT, Michel. Op. cit., p. 22. . Sobretudo, segundo John Roberts, surgiam novas condições e exigências para o espectador obrigado a contemplar ativamente - ver/ler o evento artístico na imagem ambígua e fragmentada do registro.

Na entrevista realizada por Etienne Hatt, Mathieu Pernot mostra certa reserva para compreender seu trabalho na relação com o arquivo, seja por meio de protocolos de classificação, de procedimentos conceituais ou dos chamados arquivos imaginários. Ele afirma: "Tenho dificuldade de me definir em relação a esses procedimentos e me parece que meus trabalhos poderiam ser encontrados em categorias diversas"27 27 . PERNOT, Mathieu. Op. cit., s.d. . Realizando montagens com imagens, sobrepondo testemunhos escritos ou gravados, o que é importante para o artista, segundo suas próprias palavras, é "manter-se em contato com o mundo". Marcas articuladas na montagem fazem emergir o sentido indeterminado, paradoxalmente índice e símbolo ao mesmo tempo. Preenchendo a função contraditória de ser documento e ser arte, a imagem fotográfica de Mathieu Pernot não desempenha nem o papel de puro ícone, nem a função de simples prova descritiva do evento artístico temporário. Ela mostra um acontecimento passado aberto às inferências do espectador.

A fotografia contemporânea desde os anos 90 requalifica a estética com bases na ética28 28 . Cf. POIVERT, Michel. Op. cit., p. 12. . Se o contato com o referente molda a semelhança indicial da fotografia, a montagem abre a significação e introduz ambiguidades que fazem a imagem oscilar entre o valor de documento e a forma artística. A imagem por contato produz a memória da experiência, tempo que paradoxalmente não pode ser acessado em razão da distância. George Didi-Huberman pondera: "O que podemos dizer com certeza sobre a marca impressa - e segundo a admirável lição duchampiana - é que, primeiro, uma distância se imprime, nos toca e até mesmo nos 'impressiona', depois, sua própria e inacessível memória do contato"29 29 . DIDI-HUBERMAN, Georges. Op. cit., p. 309. . O documento é impossível uma vez que ele dá acesso não ao passado tal qual como foi, mas à experiência da cisão tempo como potência do presente.



  • 1
    . Diversos autores discutem a problemática do documento fotográfico na arte conceitual e a ambiguidade de sua função. Ver, nesse sentido, FABRIS, Annateresa. Arte conceitual e fotografia: um percurso critico-historiográfico. ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 19-32, jan.-jun. 2008. Ver também: VERHAGEN, Erik. La photographie conceptuelle. Paradoxe, contradictions, impossibilités. Etudes Photographiques, n. 22, set. 2008. E, ainda: ROBERTS, John. The impossible document: photography and conceptual art in Britain, 1966-1976. London: Camera Work, 1997.
  • 2
    . POIVERT, Michel. La photographie contemporaine. Paris: Flammarion, 2010.O autor discute no primeiro capítulo desse livro o que chama de "ética do moderno"na fotografia contemporânea.
  • 3
    . WITKOSVSKY, Matthew S. (ed.) Josef Koudelka: National Doubtful (catálogo). Chicago: Art Institute of Chicago, 2014, p. 104.
  • 4
    . Cf. LUGON, Olivier. Le style documentaires d'August Sander à Walker Evans, 1920-1945. Paris: Macula, 2011.
  • 5
    . Ver: SEKULA, Allan. Dismantling Modernism, reinventing documentary (Notes on the politics of representation)". The Massachusetts Review, v. 19, n. 4, Photography. Winter, 1978. Analisando a obra de Martha Rosler, The Bowery in two inadequate descriptive systems, Sekula chama a vertente dos anos 30 de escola "busca um vagabundo", possivelmente referindo-se à fotografia de um bêbado Walker Evans "South Street, New York" (1932). A obra de Rosler trata do bairro nova-iorquino do sul de Manhatan e utiliza fotografias justapostas a expressões que remetem à bebida ou à bebedeira.
  • 6
    . LUGON, Olivier. Op. cit., p. 16.
  • 7
    . Cf. EVANS, Walker. Reappearance of photography. Hound and Horn, v. 5, n. 1, 1931. No artigo, Evans atesta sua rejeição pelo formalismo pictorialista de Edward Steichen e demonstra sua inclinação por Eugène Atget e August Sander.
  • 8
    . Cf. DA-RIN, Silvio. Espelho Partido. Tradição e transformação do documentário. Rio de Janeiro: Azougue, 2004. Silvio Da-Rin discute o termo documentário e suas transformações no campo do cinema desde os anos 20 na Inglaterra, passando pelo construtivismo de Dziga Vertov na União Soviética até os dias atuais.
  • 9
    . Sobre a impessoalidade e a neutralidade do estilo documentário de Walker Evans, Ver LUGON, Olivier. Op. cit., p. 173.
  • 10
    . Vários autores atualmente pensam a fotografia, mesmo a digital, como marca impressa, rastro ou índice, seguindo a abordagem de Roland Barthes e Rosalind Krauss, o que não significa objetividade nem transparência. Allan Sekula já havia afirmado em 1978: "A única verdade 'objetiva' que as fotografias oferecem é a certeza de que alguma pessoa ou coisa - nessa caso, uma câmera automática - esteve em algum lugar e tirou uma fotografia". Cf. SEKULA, Allan. Op. cit., p. 859-883. Daniel Bougnoux considera o poder de testemunha da fotografia não uma verdade objetiva, mas "significação indicial (que) se mantém aberta como o real". BOUGNOUX, Daniel. L'Image entre le spectre et la trace. Bry-sur-Marne: INA éditions, 2014, p. 27. Para compreensão da fotografia como marca impressa, ver também: GUNTHER, André. L'empreinte digitale. Théorie et pratique de la photographie à l'ère numérique, 2007. Disponível em: <http://www.arhv.lhivic.org/index.php/2007/10/03/506-l-empreinte-digitale>. Acesso em: 29 jul. 2015.. Para uma reflexão sobre a marca impressa e sua força contraditória entre índice e símbolo, ver DIDI-HUBERMAN, George. La ressemblance par contact: archeology, anachronisme et modernité de l'empreinte. Paris: Minuit, 2008.
  • 11
    . POIVERT, Michel. Op. cit., p. 12.
  • 12
    . A história dos ciganos é tema raro entre os historiadores na França, com exceção de Henriette Asséo, que vem estudando a comunidade. Ver: ASSÉO, Henriette. Les Tiganes, une destinée européenne. Paris: Gallimard, 1994.
  • 13
    . A disponibilidade para o outro, o desejo do outro, o movimento para o outro, são expressões que orientam o pensamento ético de Lévinas. Ver, por exemplo: LÉVINAS, Emmanuel. O humanismo do outro homem. Petrópolis: Vozes, 2012.
  • 14
    . PERNOT, Mathieu. Trouver une forme à l'histoire. Entrevista de Mathieu Pernot a Etienne Hatt, s.d. Disponível em: <http://www.mathieupernot.com/textes_01.php>. Acesso em: 29 jul. 2015.
  • 15
    . Para acesso às imagens, ver o site do artista: <http://www.mathieupernot.com/oeuvres_anim.php?serie=jungle>. Acesso em: 29 jul. 2015.
  • 16
    . Ver site do artista: <http://www.mathieupernot.com/oeuvres_anim.php?serie=migrants&PHPSESSID=122a330608f307082e39abecc0342d42>. Acesso em: 29 jul. 2015.
  • 17
    . Em português: beijar, os pais, as crianças, ausente, sonho, liberdade, quanto custa o chá.
  • 18
    . Cf. DELEUZE, Gilles. Post-scriptum sobre as sociedade de controle. In: Conversações. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.
  • 19
    . Portes sinalizou para mim a recuperação da tradição do "estilo documentário" na linguagem que constrói Mathieu Pernot. Ao documentar a arquitetura, muitos dos fotógrafos ligados à vertente documentária nos Estados Unidos nos anos 30 registraram portas de casas americanas. Ver LUGON, Olivier. Op. cit. 2011, p. 38-39.
  • 20
    . SCOTT, Clive. Street photography. From Atget to Cartier-Bresson. London, New York: Ibtauris, 2013.
  • 21
    . Sobre o cinza nas fotografia de Mathieu Pernot, ver o texto do catálogo da exposição La Traversée, "Sortir du gris", carta escrita a Mathieu Pernot por George Didi-Huberman. PERNOT, 2014.
  • 22
    . PERNOT, Mathieu. Hautes surveillances. Texto de Philippe Artières. Entrevistas de Mellany Robinson. Paris: Actes Sud, 2004, p. 8.
  • 23
    . Em entrevista a Mellany Robinson, Pernot afirma: "Eles gritam para falar com seus parentes, mas também de maneira simbólica, para resistir à violência do encarceramento de que eles são também vítimas". Idem , p. 74.
  • 24
    . Cf. ROUILLÉ, André. A fotografia: entre documento e arte contemporânea. São Paulo: Senac, 2009..
  • 25
    . B25 Cf. BUCHLOH, Benjamin. Procedimentos alegóricos: apropriação e montagem na arte contemporânea. Arte&Ensaios. Revista do Programa de Pós-graduação da EBA - UFRJ, ano VII, n. 7, 2000.
  • 26
    . Cf. ROBERTS, John. Op. cit., 1997. Devo a expressão "episódio fotoconceitualista" a Michel Poivert que caracteriza as questões envolvidas nas relações entre fotografia e arte conceitual nos anos 60-70 pelo "papel eminente que teve a fotografia no estabelecimento de uma dialética entre arte e documento". POIVERT, Michel. Op. cit., p. 22.
  • 27
    . PERNOT, Mathieu. Op. cit., s.d.
  • 28
    . Cf. POIVERT, Michel. Op. cit., p. 12.
  • 29
    . DIDI-HUBERMAN, Georges. Op. cit., p. 309.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    24 Dez 2015
  • Aceito
    14 Jan 2016
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