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Entrevista com Giuseppe Penone

Interview with Giuseppe Penone

Resumos

Em entrevista realizada em seu estúdio na cidade de Turim, em 12 de maio de 2014, Giuseppe Penone fala sobre seu interesse na tecnologia existente na natureza – a cultura própria à natureza –, sobre redefinições dos valores culturais em que os artistas tomaram a natureza como ponto de partida e sobre sua intenção de conferir-lhe uma “dignidade”, a fim de estabelecer com os elementos naturais uma relação de paridade observando, sensivelmente, seus comportamentos vitais. O artista, corroborando em certa medida a noção de despersonalização da arte, ecoará Duchamp e seus ready-made, a partir da etimologia da palavra invenção. Se há alguma invenção em sua obra, ela reside, para Penone, nos encontros que se dão no mundo.

Giuseppe Penone; entrevista; despersonalização da arte


In an interview held in his studio in Turin, on May 12, 2014, Giuseppe Penone talks about his interest in the technology of nature – the culture proper to nature –, about redefinitions of cultural values in which artists have taken nature as a start point and about his intention to confer on it a "dignity", in order to establish with the natural elements a relation of parity, observing, sensibly, its vital behaviors. The artist, corroborating the notion of depersonalization of art, will echo Duchamp and his ready-made, from the etymology of the word invention. If there is any invention in his work, it resides, for Penone, in the encounters that take place in the world.

Giuseppe Penone; interview; depersonalization of art



Fig.1
Giuseppe Penone. Essere fiume 1. 1981. Cortesia do artista.

Qual influência a Arte Povera teve em sua escolha por trabalhar em estreita relação com a natureza?

Giuseppe Penone: O trabalho de um artista não tem um programa ou um argumento, cada um faz aquilo que consegue fazer e aquilo que o interessa, não há necessariamente um tema ou um argumento, pois não é este o sentido da arte. O interesse que tenho pelas formas naturais deriva da minha ideia de arte como forma de expressão que nasce não da história da arte, mas da realidade que nos circunda. Nos anos 1960 e 1970, esse era um problema muito presente e perceptível: tratava-se de um momento em que era necessário redefinir as convenções da arte, muitas coisas tinham mudado com o final da Segunda Guerra Mundial, havia uma situação de grandes mudanças econômica, social e política, em nível global. Não acredito que tenha sido uma escolha totalmente consciente, mas era uma necessidade, a necessidade de redefinir a linguagem da arte. Alguns o fizeram partindo da história da arte, outros com pressupostos diferentes. Eu o fiz partindo da realidade que conhecia melhor, que era a da natureza e dos elementos naturais, colocando minha pessoa e meu corpo em relação com a realidade que me circundava. É esta, substancialmente, a direção do meu trabalho e é preciso dizer que esta perspectiva artística sempre esteve presente na cultura italiana, especialmente no renascimento. Naquele momento houve uma redefinição dos valores culturais e os artistas recomeçaram a partir da natureza enquanto objeto de análise e de interesse do ponto de vista formal, filosófico, naturalista e científico. Pensemos em Leonardo Da Vinci ou em Brunelleschi: em toda a obra de ambos há um grande e fundamental interesse por aquilo que é a natureza, há a intenção de compreender as regras e a lógica das formas naturais.

Como foi o desenvolvimento da sua sensibilidade artística?

GP: Ela certamente não se desenvolveu na Accademia di Belle Arti, na qual me inscrevi depois de ter estudado em uma escola contábil, que não tinha nada a ver com arte. A arte era um interesse meu, cultivado pessoal e autonomamente. Inscrevi-me na Accademia di Belle Arti, mas comecei com meu trabalho somente depois de dois anos. Portanto, a escola me serviu para entender, justamente, aquilo que eu não deveria fazer.

A natureza como tema e como objeto artístico são inspirações vindas da observação espontânea do real e da sua sensibilidade ou existiram fundamentos teóricos e autores que contribuíram para definir a sua visão?

GP: Foi uma reação muito espontânea sem um suporte de conhecimentos específicos de preparação teórica. É preciso dizer, porém, que a cultura italiana de um modo geral e o sistema escolar italiano possuem bases humanistas profundas: por exemplo, o estudo da poesia e de Dante naqueles anos – hoje muito menos – era um elemento muito presente em qualquer tipo de escola. Portanto, para além da minha sensibilidade, acredito que tenha sido essa cultura humanista de base que me consentiu intuir valores mesmo sem um conhecimento profundo das coisas.

A consideração que fiz quando iniciei meus primeiros trabalhos foi a constatação sobre como era posta a questão da arte dentro de uma escola como a Accademia di Belle Arti de Turim: com tais pressupostos escolares, que tipo de trabalho eu poderia ter feito? Eis que então a minha intuição foi procurar trabalhar sobre a minha identidade de pessoa – uma identidade com uma cultura muito limitada, pois aos vinte anos não se pode ter uma cultura importante – e fazer do meu trabalho algo que tivesse um caráter próprio, uma individualidade, uma definição precisa. E a única definição que o meu trabalho podia ter – ou seja, o que fazia parte do meu conhecimento e da minha formação – era a relação com a natureza, reconectável também aos aspectos poéticos e filosóficos da cultura humanista italiana.

Uma vez que essa intuição havia sido colhida e definida, comecei a trabalhar autonomamente. Não abandonei a escola – pois, caso o fizesse, teria que prestar serviço militar –, mas comecei meus primeiros trabalhos sobre o crescimento das árvores: fotografava ou pedia que fotografassem e levava as fotos nas galerias – naqueles anos a galeria Sperone era muito ativa. Lá apresentei meus trabalhos sobre o crescimento das árvores e a partir de então tudo começou, já que os demais artistas viram estes trabalhos e Germano Celant os incluiu no livro da Arte Povera, começando assim um percurso de trabalho. Os primeiros trabalhos são de 1968 e eu tinha menos de vinte e três anos e já estava no contexto das mostras. Foi, portanto, algo imediato. Os anos de 1968 e 1969, sobretudo, foram importantes enquanto momentos de proposições. Sucedeu a isso um momento de reflexão que coincidiu com a crise econômica daqueles anos, a primeira grande crise petrolífera, a Guerra dos Seis Dias, o Egito contra os Estados Árabes. Além disso, houve uma mudança nos modos e mecanismos da produção industrial, que antes era baseada na cadeia de montagem e no emprego de pessoas e, em seguida, centrou-se na robotização e na mecanização do trabalho, o que resultou na perda de trabalho para muitos, gerou grandes conflitos e produziu fenômenos de lutas sociais que são associados em certos aspectos às brigate rosse e esse tipo de radicalização da luta proletária – ainda que não se compreendesse bem até onde era exclusivamente proletária ou ligada a outros interesses. Ao final dos anos 1960, superada essa crise, começou um novo período de entusiasmo e fermentação artística, com mais possibilidades e maior disponibilidade por parte das estruturas públicas em organizar mostras e valorizar percursos artísticos.

Você citou dois momentos importantes na sua formação, que são a Renascença italiana e os anos 1960. Geralmente, a Renascença é entendida como o advento do antropocentrismo e percebemos seu trabalho em um movimento junto à natureza. Em Elevazione, por exemplo: você fez a escultura e, no entanto, a natureza “faz” a árvore crescer. E você também citou as guerras mundiais: os anos 1960 como uma época posterior às duas guerras mundiais. O seu trabalho pode ser entendido como uma crítica à própria civilização?

GP: O meu interesse pelo Renascimento tem a ver com a posição dos artistas, naquele período, em relação à realidade: trata-se de um momento de redefinição das relações entre o homem e o mundo, entre o ser humano e a realidade que o circunda. A situação da segunda metade do século XX é obviamente muito diferente, pois a questão é a relação do homem com a natureza e do homem com os outros homens. Há a necessidade de gerir relacionamentos entre populações e culturas diferentes, de colocar em diálogo sul, norte, leste e oeste. Nesse contexto, os artistas elaboraram linguagens e produziram formas de expressões inclusivas. No que se refere ao tipo de relação entre homem e natureza, eu penso que o homem seja um elemento da natureza, e não superior a esta. Para explicar, faço uma consideração simples: tomemos uma pedra que, do nosso ponto de vista, pode não ter valor algum, mas que está presente sobre a Terra há milhares de anos, enquanto o homem tem, em relação a ela, uma duração limitada. O que é mais importante? Uma pedra ou uma pessoa? Esse aspecto deve ser considerado.

O outro aspecto é a mudança na percepção da realidade das coisas: se no Renascimento o homem estava no centro do mundo e era governador dos elementos, a cultura do século XX abandonou a ideia de uma hierarquia monoteísta com uma divindade no topo, o homem à sua imagem e o resto do mundo – animal, vegetal, mineral – submisso. Trata-se de uma consideração não tão óbvia, já que em tantos aspectos da nossa cultura ocidental ainda há a ideia de que o homem deve dominar a natureza e seus elementos.

O que eu estava dizendo antes é que, quando comecei meu percurso artístico, o mundo passava por um momento de redefinição das relações e da linguagem. Para mim estes pensamentos não estavam tão claros, não eram fruto de uma preparação escolar e não tinham sido apreendidos culturalmente, mas eram uma resposta intuitiva ao momento que se vivia. Em seguida tudo isso mudou, pois nos últimos anos houve novamente a forte necessidade de afirmar culturas específicas dominantes sobre outras; mas naqueles anos havia, ao contrário, a ideia de comunicação e não de exclusão. A exclusão é um exercício de poder, certo? Se se excluem os outros, o poder é exercido, já que os outros passam a não terem acesso, desconhecerem algo. Com a comunicação, ao contrário, se cancelam esses tipos de exercício de poder. O poder é sempre prevaricador e é um problema que na cultura não deveria existir.

Estive ontem em Roma na Académie de France à Villa Medici para receber o catálogo da sua mostra, que não está mais disponível para venda. Nele encontrei um texto de Jean-Christophe Bailly que trata da visão animista, em que ele diz: “esta visão e aquilo que ela favorece e suscita entra em relação com os modos de ver típicos dos povos das regiões em que aparecem sopros vitais e espíritos que povoam as coisas, povos animistas para os quais não existe nenhuma fratura nítida entre natureza e cultura”. As culturas não ocidentais podem ajudar neste pensamento de integração. Como você considera esse tipo de visão?

GP: Eu falaria sobre o problema da linguagem expressiva, pois eu faço um trabalho que é baseado nos materiais. O princípio de equivalência entre pessoa, árvore e pedra ao qual me referi antes não define uma relação de poder entre as coisas, mas sim uma relação paritária. Em virtude dessa relação paritária se confere dignidade ao material, à pedra, à árvore, à água, a todos os elementos e se entra em uma lógica que efetivamente não está muito distante da lógica do animismo, ainda que não tenha nada a ver com o animismo. O passo entre considerar os elementos conferindo-lhes dignidade e atribuir a eles uma vitalidade pode parecer breve, mas aquilo que eu faço é revelar a forma dos elementos. Quando faço um trabalho com a madeira, não estou usando a madeira para fazer sabe-se lá que tipo de trabalho ou que tipo de forma. O que eu faço é revelar a própria forma da madeira. E isso pode parecer algo ligado a sua materialidade ou a sua sensibilidade. O mesmo vale para quando trabalho o bronze, que é um material produzido pelo homem, mas do qual eu procuro as características e os componentes, buscando compreender seus processos de criação, a lógica da fusão em bronze e, a partir de então, eu consigo fazer a obra. Não uso o bronze para fazer qualquer coisa, pois ele tem um caráter e não se pode usá-lo para tudo. Se faço um trabalho em pedra, eu coloco em relevo os veios do mármore, refaço sua forma, analisando o processo de escultura em pedra.

Minha posição não é, portanto, a de inventar, mas sim de indicar formas existentes. É um trabalho de indicação mais que de criação. A palavra invenzione deriva do latim invenire, quer dizer, achar, encontrar. Ou seja, acham-se as coisas, não se inventa elas. As coisas existem e essa é uma leitura que se faz da realidade. Quando precisamos de algo, o encontramos. O mesmo acontece quando temos um problema: abre-se um livro ao acaso e encontra-se uma frase que ajuda a resolvê-lo. Acredito que aconteça com todos. Isto porque lemos a realidade segundo as nossas necessidades.

É nesse sentido que eu falava sobre a linguagem e o uso dos materiais. Eles têm suas características próprias e específicas, que não podem ser desconsideradas, caso contrário obtém-se uma forma sem interesse.

Você acaba de falar sobre o real. Como seria a relação entre seu trabalho e essa dimensão do real?

GP: É uma relação física. Eu faço escultura. A escultura é um objeto, é um volume. Um volume pressupõe uma compreensão que é visual, mas também tátil: o toque. Se você fecha os olhos e toca algo, não tem uma dimensão precisa, já que não está olhando ao mesmo tempo. A sensação de tocar é algo que ocupa o espaço da sua mente de um modo sem confins. É essa a relação com a realidade, ou seja, aquela se dá nos limites do infinito, em um ponto preciso. Por exemplo, este trabalho que você está vendo [indica Spoglia d’oro su spine d’acacia (bocca), 2001-2002] é um aumento de uma marca de boca. Eu o fiz com esta dimensão [o trabalho tem 3m de largura], mas eu poderia fazê-lo muito, muito maior. Quando se fecha os olhos, se tem uma concentração da mente. Através do tato não se tem a dimensão visual, de mensuração, não se tem a medida, pois esta se torna sem limites. Esta é uma relação real com as coisas: o contato. Podemos dizer que o contato é a relação com a realidade e essa relação pode se dar em um ambiente limitado, por exemplo, com as coisas que nos circundam em um quarto.

Quase todos os textos sobre seus trabalhos insistem muito sobre a concepção do tempo. Que tipo de relação existe entre o tempo e suas esculturas?

GP: O tempo é sobretudo um elemento necessário para a realização da obra. Nos trabalhos que fiz em 1968, a consideração do tempo era muito importante, porque quem produzia a obra era o tempo do crescimento das árvores. Porém, em um processo normal de trabalho existe um tempo de execução, de realização. Ele pode ser muito rápido, quando se trata de um gesto; muito lento, quando são muitos gestos. O tempo é, portanto, importante, mas o mais importante é o processo no sentido da consequência da ação que se realiza para se obter a obra. É fundamental encontrar a lógica do processo para que se possa realizar a obra. Se não se encontra a lógica, a necessidade e também a compreensão das diversas passagens, não se consegue realizar a obra. Isso é algo mais significativo em escultura que em pintura, já que em escultura existem diversos momentos que não são a obra, que são fases intermediárias – às vezes não muito fortes e extraordinários – para se chegar até a obra, mas cuja forma não será evidenciada no trabalho final. Ao passo que, em pintura, todo o processo fica evidente na obra.

Mas se a obra foi realizada seguindo uma lógica, ela consegue manter sua necessidade, sua urgência: a forma não é casual, tem seu porquê. E é isto que permite que a obra tenha características apropriadas ou tenha sua beleza estética, sua perfeição estética, já que a estética é uma lógica da forma e não algo de abstrato. Isso é verificável em um utensílio, certo? Quando se tem um utensílio qualquer, um martelo, uma faca, se ele tem uma forma que funciona melhor que outra, normalmente ele também é mais belo esteticamente, tem uma exatidão em todas as suas partes. Esse processo também é evidente em outras culturas: pensando nas ferramentas e nos instrumentos japoneses – que têm uma cultura muito ritualística –, vemos isso ser transposto para a necessidade de perfeição do objeto. O mesmo vale para a obra de arte: no momento em que emerge a lógica da forma, a obra se constrói sozinha... Às vezes se faz a obra e depois se acha a lógica que a produziu, ou segue-se a lógica e se obtém a obra.

Tendo em vista que a cultura ocidental é uma cultura do progresso e da produção, a arte é um espaço privilegiado para que nós tenhamos uma relação de outra ordem com a natureza?

GP: A ideia do progresso é um problema muito presente em algumas culturas e menos presente em outras. Na arte, como poderíamos dizer que há um progresso? Na cultura anglo-saxã, por exemplo nos EUA, se tem uma ideia de progresso e de continuidade para as quais as novas realidades são melhores do que as velhas. Quando fazem uma mostra de um artista, procuram sempre quais são seus antecedentes, quais são os artistas que inspiraram seu trabalho, como se houvesse uma continuidade, como se o artista considerasse o trabalho feito por outra artista que o precedeu e, em seguida, continuasse, pegasse seus valores e desse continuidade; produzisse algo e, em seguida, um outro artista prosseguisse naquilo. Esta concepção é, ao meu ver, um tanto ridícula, não verdadeira, já que podemos ter reflexões atuais sobre obras que existiram há dois mil anos atrás. A questão da arte e o interesse que há nela é justamente aquilo que não está na ciência. Na ciência, uma invenção, uma descoberta científica, anula a precedente, certo? Uma nova formulação da ideia do espaço, do tempo, anula a precedente. Na arte, entretanto, você vê uma obra de dois ou três mil anos atrás e tem interesse por ela – provavelmente um interesse diferente do que tinham os contemporâneos de quem a fez – e experimenta emoções, já que ela se baseia em sentimentos da realidade do homem. É uma necessidade parecida com a de comer, de amar, de dormir e, logo, muito basilar e, por isso, no fundo, não muda. Por esse motivo, a questão do progresso na arte não procede. O progresso em arte pode ter um sentido quando se pensa em instrumentos de domínio, de poder.

Tomemos uma outra questão, ligada à comunicação, à linguagem: suponhamos que você se emocione ao ver o nascer do sol e queira transmitir essa emoção. Se tentar transmiti-la através da linguagem dos artistas que precederam você, não conseguirá exprimir sua visão pessoal, já que seu trabalho estará propagando o trabalho de outros, você estará lançando mão de uma linguagem e de um modo preexistente de dizer coisas. Portanto, é necessário dizer, talvez, as mesmas coisas, mas de modos diferentes. E esse é um problema que nasceu com a cultura ocidental. Por exemplo, na cultura bizantina não havia a questão do indivíduo. Havia um esquema de representação e o artista continuava a reproduzi-lo, de um jeito melhor ou pior. Foi no Renascimento que surgiu a ideia do homem que, através da linguagem da arte, se reinventa e pode-se, então, identificar o autor pela linguagem.

Mas retomando a ideia de que o mundo ocidental segue sempre mais rapidamente na linha progressista desenvolvimentista, ou de desenvolvimento progressista, a arte seria um modo de resistir a este quadro?

GP: É provável que ela tenha, sim, essa função. A tal propósito, me vem à mente uma reflexão sobre o uso da tecnologia. Pensando na tela de um Iphone, por exemplo: você toca e algo aparece. É uma coisa maravilhosa, mas essa maravilha se exaure muito rapidamente, já que depois que você usou cinco vezes, você mesmo se lembra daquela aparição. Ora, a tecnologia se limita à própria dimensão econômica. Usa-se a tecnologia para realizar uma obra de arte e baseia-se o interesse da obra no encanto e na maravilha oferecidos pela tecnologia; assim, a obra é imediatamente velha, já que a tecnologia é feita de modo que se torna velha no momento em que é usada. Já existe uma nova tecnologia que supera aquela. E tem também a questão da atividade econômica de determinadas sociedades: no momento em que não existe mais a necessidade econômica naquela sociedade, o produto é abandonado. O mesmo não vale para um pedaço de argila, que existe há milhares de anos, existe hoje e existirá no futuro, sendo, portanto, um material que tem uma perspectiva no futuro, coisa que a tecnologia não tem.

Para a arte, é importante se colocar esse tipo de reflexão, pois torna claro e evita equívocos sobre a ideia de progresso do homem, que pode ser não tão justo ou pode ser instrumental.

Tem algo importante na sua arte que é a saída do museu, a superação do espaço do museu, do confinamento ao museu. Enfim, eu gostaria que você falasse um pouco mais sobre esta relação arte-vida, pensando no gesto do Duchamp – quando coloca um mictório – de questionamento do espaço institucional da arte, e também em uma frase do Hélio Oiticica, que diz que o museu é o mundo. Enfim, gostaria que você falasse também um pouco mais sobre essa preocupação quase ecológica que parece ter sua arte, também pensando na crise ambiental que vivemos hoje em dia.

GP: Eu respondo com uma reflexão que emergiu do meu trabalho. Nos anos 1980 fiz uma obra pegando uma pedra de um rio. Fui até a pedreira onde tinha o mesmo tipo de pedra, retirei um bloco e dele recriei uma pedra igual, pensando que a técnica da escultura é muito parecida com o processo ao qual é submetida uma pedra trabalhada pela água do rio. Portanto, o título da obra foi Essere fiume (Ser rio). Ora, realizar a obra tem para mim um interesse e um valor; produzir a pedra e colocá-la no contexto do mundo tem um valor para mim. Mas, caso eu não colocasse ao lado dela a pedra que peguei no rio, ninguém compreenderia esse valor. Por isso é importante reproduzi-la de modo não perfeito.

Fig. 2
Giuseppe Penone. Spoglia d'oro pine d'accacia (boca), 2002.

Outro exemplo é a obra que tenho aqui [indica Albero di dodici metri]. Se dela tiro a parte de baixo, não terei uma escultura e sim uma árvore. O trabalho perfeito seria remover tudo, deixando somente a forma da árvore, mas neste caso eu teria um elemento que possui um valor natural, mas não um valor de linguagem artística, enquanto escultura.

Portanto, a ideia de que o museu é o mundo é algo muito belo de se dizer, algo poético, mas não é real, visto que, a fim de que as obras tenham um interesse, devem estar inseridas em um contexto ou em um debate cultural que advém, por sua vez, das galerias, dos museus, das revistas de arte. Logo, se o artista faz suas obras sem dizer que está fazendo arte, por sua conta, e em seguida desfruta da estrutura de um museu ou de uma galeria, torna-se contraditório. É como artistas que, por exemplo, fotografam os índios da Amazônia e vendem suas imagens dizendo “vejam quanto são malvados os colonos que matam essas pessoas para perdê-las, derrubá-las; devemos protegê-las” etc., mas em seguida vendem este produto nas galerias de Nova Iorque. Há um contrassenso enorme, do meu ponto de vista, inclusive moral. Por mim, tudo bem, mas é contraditório.

A arte é uma linguagem e como tal possui um instrumento, uma estrutura que em uma época já foi a Igreja e muda segundo o tempo histórico e econômico. Hoje são os museus e as galerias, onde se dão os debates sobre tais problemáticas. Nos anos 1960, por exemplo, se dizia: “Basta com os museus, a revolução somos nós.” Mas os mesmos artistas que o diziam, se apresentavam nos museus. E há também o problema ligado aos materiais da arte, já que a arte ocupa um espaço e, caso seja um objeto, ocupa um espaço físico bem preciso. Logo, para que seja vista por outras pessoas, precisa ter uma duração no tempo. Se se faz uma obra que não tem uma duração, que se consome em tempos breves, ela será vista por pouquíssimas pessoas ou será preciso registrá-la e, uma vez mais, tem-se uma contradição em relação ao efêmero na arte.

Essas minhas considerações sobre as problemáticas da linguagem da arte podem soar como um discurso reacionário, mas eu acredito que realizar uma obra persistente, com materiais duradouros e que possa ser colocada em um contexto preciso seja uma vantagem para a obra que, deste modo, tem a possiblidade de permanecer e de se propagar no tempo.

Já em relação à questão da ecologia, a minha opinião é muito simples: o amor que devemos ter para com a natureza é uma questão de sobrevivência da nossa espécie; para a natureza – natureza enquanto forma geral – é irrelevante se a espécie dominante sobre a terra é o homem ou se são as formigas. A ecologia é um problema totalmente humano, uma questão egoísta de tutela da própria espécie, pois se compreendeu que, se o ambiente não é preservado, o homem será o primeiro a sofrer os danos. A ecologia tem esta ambiguidade.

Considerando as relações que você indica entre os materiais, nós mesmos e os diferentes elementos do mundo, parece que a metamorfose é uma ideia presente em seu trabalho.

GP: A metamorfose é mudança de uma forma de vida para outra, do casulo à borboleta, da semente para a folha. E isto é algo que sempre fascinou o homem e também a fantasia poética, a visão poética da realidade, já que toca profundamente a imaginação. Por exemplo, Goethe realizou estudos sobre a metamorfose dos vegetais e iniciou a partir de uma semente onde, segundo seus estudos, já existe toda a estrutura da árvore desenvolvida. As flores, por sua vez, são uma outra forma das folhas. A partir desses importantes estudos científicos, ele formulou a ideia de que o crânio do homem é uma vértebra modificada da coluna vertebral, que se submeteu a uma metamorfose. E, para demonstrá-lo, quando se observa o crânio, há uma vértebra – um pequeno ossinho – que Goethe localizou, localizada no queixo. Essa é uma demonstração de que o crânio é uma metamorfose da vértebra. Portanto, pode-se passar da análise de um aspecto da realidade a outro, encontrando regras, lógicas comuns e afins.

Não me lembro mais do título, mas é um estudo que faz parte da sua obra científica, sobre a botânica e a natureza. Não sei se respondi a sua pergunta sobre a metamorfose.

Sim, mas para além das transformações na forma dentro de uma mesma estrutura, se pensarmos nas identificações que você realiza, por exemplo entre a nossa estrutura e o crescimento das árvores que, de todo modo, são transformações formais – seria possível pensar em uniões entre os reinos mineral, vegetal etc.?

GP: Esse exemplo de Goethe se encaixa bem, pois há nele um paralelo entre o mundo vegetal e o mundo animal. Evidentemente existem transformações que ocorrem de modo específico, como a madeira fossilizada, ou seja, o silício que ocupa o espaço do carbono, mas que, de todo modo, se torna pedra pois a água se infiltra no seu interior. É o resultado de um processo no qual componentes orgânicos do vegetal são completamente substituídos por minerais como o silício. Essas transformações são surpreendentes.

E há um aspecto da realidade da metamorfose que interessou muito a poesia e as artes visuais. Por exemplo, umas das histórias ligadas à metamorfose é o mito clássico de Dafne e Apolo: Dafne, em grego, é uma planta que em italiano se chama alloro (louro), uma planta perfumada. Dafne é uma garota que foge da perseguição de Apolo e ela pede a Zeus para que seja salva. Este, para tanto, a transforma em uma árvore de louro. Essa é a história, mas para além disso ela traz um fundamento de observação muito profundo da realidade. Ora, se você não toca o louro, ele não perfuma, pois seu perfume é um mecanismo de defesa. De fato, o louro era usado nos jardins do Mediterrâneo, pois mantinha os pernilongos afastados, já que eles são repelidos tanto pelo perfume do louro quanto pelo dos gerânios, por exemplo, e por isso há tantos gerânios nas janelas. Trata-se, portanto, de uma compreensão e de uma inteligência que é próxima à inteligência animal, mas pertencente à planta: uma defesa.

Fig. 3
Giuseppe Penone. Spoglia d’oro sus pine d’accacia (boca), 2001-2002. Cortesia do artista.

Neste meu trabalho [indica Spoglia d’oro su spine d’acacia (bocca), 2001-2002] usei espinhos de acácia. Comecei a recolher os espinhos de acácia no bosque para fazer este trabalho e percebi que havia um determinado lugar em que os espinhos eram muito maiores que os demais. Isso porque os espinhos são a defesa do broto e, onde há novas folhas se desenvolvendo, os brotos se direcionam para cima e os espinhos para baixo, para protegê-los dos animais que deles se alimentam. Como neste local havia um cabo elétrico que cortava continuamente os espinhos, a planta desenvolvia espinhos sempre maiores que os habituais. Um mecanismo muito próximo ao comportamento animal. E existem muitos estudos botânicos que confirmam que há um pensamento e uma reação das plantas que não são distantes do pensamento e das reações humanas. Algo que se desenvolve nas raízes, que são consideradas o cérebro das plantas. Com as novas tecnologias está sendo possível compreender muitas coisas do mundo vegetal, como sua notável capacidade de pensamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    08 Dez 2016
  • Aceito
    24 Fev 2017
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