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Sobre a mesa de mármore do café, uma iguaria canibal: perspectivas do olho, entre Walter Benjamin e Georges Bataille.

On the marble cafe table, a cannibal delicacy: perspectives of the eye, between Walter Benjamin and Georges Bataille.

RESUMO

Este artigo tem por intuito discutir as relações entre experiência e escrita nas obras de Walter Benjamin e Georges Bataille, tomando como fio condutor as figuras do olho e do olhar. A partir de uma análise das relações críticas que os dois autores estabeleceram com o surrealismo no final dos anos 1920, procede-se em seguida à leitura de dois textos: “Policlínica”, de Benjamin, extraído de Rua de mão única, e “Olho”, de Bataille, publicado na revista Documents. Discute-se especialmente o sentido que assume neles a figuração do olho e a encenação do olhar.

palavras-chave:
Walter Benjamin; Georges Bataille; experiência; escrita; olho; olhar

ABSTRACT

In order to discuss the relationship between experience and writing in the works of Walter Benjamin and Georges Bataille, this article starts with an analysis of the critical relations that the two authors established with surrealism in the late 1920s, and then propose the reading of the fragment “Polyclinic”, extracted from Benjamin’s One-way street, and of Bataille’s “Eye”, published in the magazine Documents. We then discuss specifically the meaning that the figuration and the enactment of the eye assume in them.

keywords:
Walter Benjamin; Georges Bataille; experience; writing; eye; gaze

No intuito de tecer algumas reflexões sobre as relações entre experiência e escrita tal como se encenam nas obras de Walter Benjamin e de Georges Bataille, tomarei como fio condutor dois textos: “Policlínica”, do primeiro, extraído de Rua de mão única, e “Olho”, do segundo, publicado na revista Documents. Antes, porém, de proceder à leitura desses textos, farei uma breve exposição sobre as relações mais ou menos críticas que ambos, cada um à sua maneira e em condições e circunstâncias bem diversas, estabeleceram com o surrealismo. Creio que essas relações foram decisivas para os dois escritores, muito especialmente no que diz respeito ao interesse de ambos pela imagem e pelo olhar.

Com seu interesse pelo novo espaço citadino, pelo modo como ele passou a solicitar cada vez mais a atenção visual; pelo modo cada vez mais insistente com que palavras e imagens se materializavam, se disseminavam e se expunham nesse espaço, em função da multiplicação de seus meios e formas de circulação; com seu interesse pelo uso da fotografia, da colagem, desenvolvendo técnicas de montagem tanto no âmbito da literatura quanto no das artes visuais; com seu interesse pelos objetos que brotavam de toda parte, acumulando-se e proliferando-se em sua condição de restos e resíduos de um progresso técnico em constante aceleração, a aventura surrealista teve um impacto importante sobre todos aqueles que, na Europa do primeiro pós-guerra, em meio à ascensão do fascismo e do comunismo, por algum viés escreviam e pensavam no sentido da arte e da literatura em suas relações com a vida cotidiana e com a política.

Se essa aventura já produzira, indubitavelmente, um sopro de liberdade ao problematizar e embaralhar as fronteiras entre a arte, a vida e a política, ela também se deixaria cada vez mais atravessar, em sua tendência a uma espécie de autoembriaguez, de autocelebração permanente, por um certo idealismo purificatório, que revelava uma forte tendência à estetização, tanto da vida como da política.

Entre 1929 e 1930, Georges Bataille engaja-se em violenta polêmica com André Breton e o surrealismo. Crítico, justamente, de certo idealismo revolucionário que atribui a Breton, e que associa a “uma revolução icariana castrada”1 1 BATAILLE, Georges. La “vieille taupe” et le préfixe sur dans les mots surhomme et surréaliste. In: BATAILLE, Georges. Œuvres complètes. Paris: Gallimard, 1970. v. 2. p. 96. Quando não houver referência a edições brasileiras, a tradução das citações é minha. , o escritor refere-se à “predominância dos valores superiores e etéreos”2 2 Ibidem, p. 103. entre os surrealistas e ironiza a reivindicação de Breton da importância decisiva de “crer [na] liberdade [do homem]”, presente no final do “Segundo Manifesto do Surrealismo”, de 19293 3 BRETON, André. Manifestos do surrealismo. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2001. p. 218. .

Bataille escreveu um outro texto importante nesse contexto, intitulado “O valor de uso de DAF Sade”, uma “carta endereçada aos [seus] contemporâneos”, como ele escreve no subtítulo, mas que permaneceria inédita até 19674 4 BATAILLE, Georges. La valeur d’usage de D.A.F. de Sade (Lettre ouverte à mes camarades actuels). In: BATAILLE, Georges. Œuvres complètes. Paris: Gallimard, 1970. v. 2. p. 54-69. . Neste texto, que antecipa muito do que desenvolveria em ensaios como “A noção de dispêndio”, de 1933, e “A parte maldita”, de 1949, ele se interroga sobre a vocação da realidade industrial da sociedade burguesa de “[persistir na] necessidade dominante de apropriação”, na “obstinação doentia da vontade que tenta representar para si própria um mundo homogêneo e servil”5 5 Ibidem, p. 64. .

Pois Bataille quer então pensar a organização das sociedades humanas a partir de “dois impulsos polarizados, a excreção e a apropriação”, em relação aos quais se acusa ou se destrói o caráter “heterogêneo” dos “corpos estranhos”6 6 Ibidem, p. 58. - ou seja, das coisas - que nos rodeiam. Referindo-se ao caso de Sade, justamente, como um “corpo estranho”, Bataille afirma que a vida e a obra do Marquês, no âmbito de sua apropriação pelos surrealistas, “não teriam mais qualquer outro valor de uso a não ser o valor de uso vulgar dos excrementos, nos quais só amamos na maioria das vezes o prazer rápido (e violento) de evacuá-los e de não mais os ver”7 7 Ibidem, p. 56. . O escritor aponta o modo como o domínio erótico violento, destrutivo, performado por Sade é destituído pelos seus contemporâneos - dele, Bataille - de “qualquer realidade”, fazendo com que Sade torne-se então “inconcebível fora da ficção”8 8 Ibidem, p. 56-67. .

Mas é de regra que a sociedade industrial devote-se incessantemente a homogeneizar, a racionalizar os “corpos estranhos”, para assim dispô-los ao consumo. A homogeneização, diz Bataille, “[substitui] em toda parte os objetos exteriores, a priori inconcebíveis, por séries ordenadas de concepções ou de ideias”9 9 Ibidem, p. 60. . Ele associa todas as forças eróticas, excremenciais, como ele as chama, encenadas na obra de Sade, aos “impulsos orgíacos” presentes nas sociedades ditas primitivas e nelas associados ao sagrado10 10 Ibidem, p. 58. . Bataille quer pensar a obra de Sade, assim como o que ele associa ao sagrado, na perspectiva de um ritmo alternativo de apropriação e de excreção em que os corpos estranhos, estrangeiros, heterogêneos, circulam como tais, resistindo a toda homogeneização, a toda idealização, em que o excremento resiste a se tornar ideia.

Depois de discutir, ao longo do texto, os modos próprios de apropriação homogeneizante da filosofia e da poesia, na primeira por abstração, na segunda por elevação estetizante, Bataille propõe o que chama de uma “teoria heterológica do conhecimento”. Eis os termos com que ele sintetiza a questão, problematizando a possibilidade da própria constituição de um saber positivo:

Quando dizemos que a heterologia encara cientificamente as questões da heterogeneidade, não queremos dizer com isso que a heterologia é, no sentido habitual de tal fórmula, a ciência do heterogêneo. O heterogêneo está até mesmo decididamente situado fora do alcance do conhecimento científico, que, por definição, só é aplicável aos elementos homogêneos. Antes de tudo, a heterologia se opõe a qualquer representação homogênea do mundo, isto é, a qualquer sistema filosófico. Representações como essas sempre têm por objetivo privar tanto quanto possível o universo em que vivemos de toda fonte de excitação e desenvolver uma espécie humana servil apta unicamente para a fabricação, para o consumo racional e para a conservação dos produtos.11 11 Ibidem, p. 62-63.

A heterologia vai se ater “a retomar conscientemente e decididamente”12 12 Ibidem, p. 63. os dejetos desse processo intelectual, vai mesmo reivindicá-los, mas como tais, em sua precariedade e em sua informidade, em sua negatividade, em sua resistência, justamente, à apropriação intelectual. Daí sua conclusão sobre as possibilidades da filosofia, prenunciando o que ele viria a pensar mais à frente como “não-saber”:

A partir do momento em que o esforço de compreensão racional resulta na contradição, a prática da escatologia intelectual comanda a dejeção dos elementos inassimiláveis, o que equivale a constatar vulgarmente que uma gargalhada é a única saída imaginável, definitivamente terminal, e não o meio, da especulação filosófica.13 13 Ibidem, p. 64.

Eu gostaria de reter dessas reflexões a seguinte questão: como pode a vida escapar de fato das homogeneizações civilizatórias que se organizam e se impõem sempre a partir de princípios idealizantes que na verdade a ignoram, que a ultrapassam? Do ponto de vista de Bataille, a vida só “começa”, só se oferece à experiência, a partir do déficit dos sistemas normativos, a partir da “insubordinação” de tudo o que eles não cessam de recalcar, o “esplendor sem condição das coisas materiais”, como ele diria em “A noção de dispêndio”14 14 BATAILLE, Georges. La notion de dépense. In: BATAILLE, Georges. Œuvres complètes. Paris Gallimard, 1970. v. 1. p. 319. , ou, em outros termos, a “parte maldita” da experiência, aquela que se experimenta, justamente, como pura vertigem.

Ou seja, aquilo que só se experimenta, paradoxalmente, saindo de si, no êxtase, na gargalhada, no horror, no gozo. Como diz Giorgio Agamben sobre o êxtase em Bataille:

O paradoxo do êxtase bataillano é, na realidade, que o sujeito deve estar ali onde não pode estar, ou vice-versa, que ele deve faltar ali onde deve estar presente. É essa a estrutura antinômica daquela experiência interior a que Bataille procurará por toda a vida prender-se(…).15 15 AGAMBEN, Giorgio. Bataille e o paradoxo da soberania. Outra Travessia, Florianópolis, n. 5, p. 91-93, 2005.

Estamos, portanto, entre o mundo homogeneizante e o heterogêneo que resiste a ele, o “corpo estranho” que se abre para a “experiência interior”, para o que Bataille chamaria de “a diferença não explicável”16 16 BATAILLE, Georges. La structure psychologique du fascisme. In: BATAILLE, Georges. Œuvres complètes. Paris Gallimard, 1970. v. 1. p. 345. , ou de “impossível”, que é justamente o que, para ele, leva, coage, obriga à escrita. No prefácio a uma de suas narrativas, “O azul do céu”, ele vai escrever:

Só a prova sufocante, impossível, dá ao autor o meio de atingir a visão distante esperada por um leitor fatigado dos limites próximos impostos pelas convenções. (…) Como nos demorar em livros a que, de maneira sensível, o autor não foi coagido?17 17 BATAILLE, Georges. Le bleu du ciel. In: BATAILLE, Georges. Œuvres complètes. Paris: Gallimard, 1972. v. 3. p. 381, grifo do autor.

A experiência em Bataille está fortemente ligada a isso, à escrita desse “impossível”, à escrita que o performa, que o encena, que o pensa, no limite do não-sentido, do não-saber; como ele diz em seu livro Sobre Nietzsche: vontade de chance: “Descrevi (…) a experiência (extática) do sentido do não-sentido invertendo-se num não-sentido do sentido… então de novo… sem saída aceitável…”18 18 BATAILLE, Georges. Sobre Nietzsche: vontade de chance. Belo Horizonte: Autêntica, 2017. p. 181. (Tradução ligeiramente modificada). .

É por esse viés que se poderá distinguir a experiência interior de Bataille da experiência mística, justamente porque, nesta última, a noite e o não-saber são, em última instância, passagens para a luz, para a revelação. Por isso, aliás, o escritor fala em ateleologia, porque a experiência de que ele trata é ateleológica, não leva a nada. Não há exterioridade abstrata, o homem da “experiência interior” permanecerá nu e supliciante após o êxtase, separado e solitário.

Chego aqui para dizer que se há visão a partir da experiência interior - Bataille diz, de fato, que nela o espírito, a mente pode ser um olho -, o que esse olhar descobre é sua própria turbulência, suas próprias “manchas”. À imagem poética surrealista que pretendia transfigurar o banal em maravilhoso, Bataille contrapunha, assim, a “mancha cega” do entendimento:

Há no entendimento uma mancha cega: que recorda a estrutura do olho. No entendimento como no olho é difícil discerni-la. Mas ao passo que a mancha cega do olho não tem maiores consequências, a natureza do entendimento quer que a mancha cega tenha nele mais sentido do que o próprio entendimento (…). [N]a medida em que se considera no entendimento o próprio homem, quero dizer, uma exploração do possível do ser, a mancha absorve a atenção: não é mais a mancha que se perde no conhecimento, e sim o conhecimento que se perde nela. A existência, dessa maneira, fecha o círculo, mas não pôde fazê-lo sem incluir a noite de que só sai para nela entrar de novo. Como ela ia do desconhecido ao conhecido, é-lhe preciso inverter-se no ápice e retornar ao desconhecido.19 19 BATAILLE, Georges. A experiência interior. Belo Horizonte: Autêntica, 2017. p. 149-150. (Tradução ligeiramente modificada).

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Walter Benjamin, por seu turno, põe-se também, pelos idos de 1929, em posição que começa a se desenhar como crítica em relação ao surrealismo. Encontra-se, contudo, em situação completamente diferente da de Georges Bataille. Está ainda em Berlim - só irá para o exílio na França em 1933 -, e ali, diante da ascensão galopante do fascismo, interroga-se, em seu ensaio sobre o surrealismo, sobre a necessidade de “ultrapassar o estágio das eternas discussões e chegar a todo preço a uma decisão desperta nessa crise”20 20 BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 8. ed. rev. São Paulo: Brasiliense, 2012. p. 21. . E se Benjamin percebe o surrealismo como “o último instantâneo da inteligência europeia”, subtítulo do ensaio, é para esboçar, a partir desse “instantâneo”, qual o historiador materialista que já começa a ser, sua pré e sua pós-história.

A pré-história, do surrealismo e da época, está no século XIX. Benjamin vai realçar especialmente - é o que realmente o fascina no movimento, nas obras que dele emergem - o modo como os surrealistas detectam “as energias revolucionárias que transparecem no antiquado” (antiquado, obsoleto, ou caduco, conforme a tradução)21 21 Ibidem, p. 25. , o modo como a irrupção cada vez mais assombrosa, ao longo do século XIX, de objetos fora de uso, digamos assim, solaparia e colocaria em questão o triunfo da modernidade, mostraria seu “caráter destrutivo”, a produzir incessantemente ruínas - e imagens. É na mesma época em que começa a escrever o ensaio sobre o surrealismo, em 1927, que Benjamin se lança ao projeto do Livro das passagens, em torno de Baudelaire e de Paris, a que se dedicará até a sua morte. Pois se “no centro desse mundo de coisas está o mais onírico dos seus objetos, a própria cidade de Paris”22 22 Ibidem, p. 26. , o “espaço da imagem” que ele pensa a partir dela “não pode mais absolutamente ser medido de forma contemplativa”23 23 Ibidem, p. 34-35. , como tenderiam a fazer os surrealistas.

Assim, se Benjamin reconhece o mérito do surrealismo na “explosão”, “a partir de dentro”, do “domínio da literatura, levando a vida literária até os limites extremos do possível”, ele também diagnostica, por outro lado, um momento de impasse, em que o grupo tende a “entregar ao público os precipitados [ou resíduos] literários de uma forma de existência, mais do que [a] revelar [criticamente] essa forma de existência”, derivando antes numa “luta material pelo poder e pela hegemonia”, em vez de “fragmentar-se e transformar-se”, oferecendo-se como “manifestação pública”24 24 Ibidem, p. 22. .

Vai referir-se à “experiência viva e fecunda” do “afrouxamento do Eu pela embriaguez”, mas também à necessidade de, a partir dessa experiência, “fugir ao fascínio da embriaguez”. O que ele identifica justamente com “a superação autêntica e criadora da iluminação religiosa”, mística, que se daria não “através do narcótico”, mas da “iluminação profana, de inspiração materialista e antropológica”25 25 Ibidem, p. 25 . “A historiografia que mostrou ‘como as coisas efetivamente aconteceram’ foi o narcótico mais poderoso do século”, precisaria Benjamin mais tarde no Livro das passagens26 26 BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. p. 505. . Mas “despertar” desse sonho narcótico implicará reconhecer que “a ‘pureza’ do olhar não só é difícil, mas também impossível de ser alcançada”27 27 Ibidem, p. 512. .

Nesse sentido, talvez possamos dizer que essa “iluminação profana de inspiração materialista e antropológica” seria, antecipando o que Benjamin nomearia explicitamente em “Sobre o conceito da História” como “imagem dialética”, aquela fulgurância que ofereceria à visão, para além daquilo que ela supostamente dá a ver, o próprio olhar que dá a ver, seu modo próprio de visibilidade, e também, ao mesmo tempo, sua “narcose”, a um só tempo libertadora e enceguecedora. Todo entendimento traz consigo sua mancha cega…

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Como ponte para um breve corpo a corpo com os textos que inspiraram o título deste ensaio, faço uma pequena digressão, uma “digressão objetiva”, digamos assim, já que me parece constituir um ótimo exemplo do que os surrealistas chamaram de “acaso objetivo”. Quando começava a preparar a intervenção que deu origem a este texto28 28 Refiro-me a uma conferência ministrada na “Benjaminiana 2018”, encontro de pesquisadores de Walter Benjamin realizado na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro em setembro de 2018. , mencionei o título proposto a Rodrigo Silva Ielpo. Disse a ele que pretendia partir das relações de Walter Benjamin e de Georges Bataille com o surrealismo para confrontar a questão do olhar na obra de ambos, e Rodrigo imediatamente evocou a “mesa de dissecação” de Lautréamont, tão cara aos surrealistas. Ele me deu assim a imagem que me fazia ver o que eu procurava intuitivamente ao ter a ideia de reunir os dois fragmentos.

“Belo (…) como o encontro fortuito, sobre uma mesa de dissecação, de uma máquina de costura e de um guarda-chuva”29 29 LAUTRÉAMONT, Comte de. Os cantos de Maldoror. Campinas: Editora da Unicamp, 2015. p. 240. . Numa minuciosa e arguta análise em que retoma a célebre frase de Lautréamont citada por Breton em “Situação surrealista do objeto”30 30 BRETON, Op. cit., p. 330. , e cantada e decantada pelos surrealistas como imagem da experiência fusional do encontro amoroso, Eliane Robert Moraes vai alçar “a mesa da dissecação” à condição de imagem atualizada, na racionalização da crueldade operada pelo século XX, da “mesa sacrificial” que seria o cenário por excelência do êxtase erótico bataillano, e que se desenha, não como o lugar da realização efetiva do amor louco bretoniano, mas como o lugar sempre presente da experiência de corpos agonizantes, doentes, de corpos estranhos, sendo perpassados de feridas e incisões por objetos cortantes31 31 MORAES, Eliane Robert. O corpo impossível. São Paulo: Iluminuras, 2002. p. 52-54. . E como o próprio lugar da escrita.

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Em “Policlínica”, um dos textos algo aforismáticos de Walter Benjamin publicados em Rua de mão única, um “autor” põe em cena sua própria “mesa de dissecação”. Valho-me aqui das traduções de Rubens Rodrigues Torres Filho e José Carlos Martins Barbosa e de João Barrento, que explorarei na sequência:

O autor coloca o pensamento sobre a mesa de mármore do café. Longa contemplação: pois ele utiliza o tempo em que o copo - a lente sob a qual examina o paciente - ainda não está diante dele. Em seguida desempacota gradualmente seu estojo: caneta-tinteiro, lápis e cachimbo. A multidão dos fregueses, ordenada anfiteatralmente, compõe seu público clínico. Café, precavidamente servido e fruído do mesmo modo, põe o pensamento sob clorofórmio. Aquilo sobre o qual este está cismando não tem a ver com a coisa mesma mais que o sonho do narcotizado com a intervenção cirúrgica. Nos cautelosos lineamentos do manuscrito são feitos cortes, o operador desloca acentos no interior, queima fora as tumescências das palavras e insere como costela de prata uma palavra estrangeira. Por fim, a pontuação lhe costura com finas picadas o conjunto e ele remunera o garçom, seu assistente, em dinheiro vivo.32 32 BENJAMIN, Walter. Rua de mão única: obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1987. v. 2. p. 54.

O autor coloca os pensamentos sobre a mesa de mármore do café. Longa meditação: aproveita o tempo em que o vidro - a lente com a qual examina o doente - ainda não está à sua frente. Depois, vai retirando os seus instrumentos: caneta, lápis e cachimbo. A multidão dos frequentadores, disposta em anfiteatro, constitui o seu público clínico. O café, servido por mão solícita e assim saboreado, submete o pensamento aos efeitos do clorofórmio. Aquilo em que pensa tem tanto a ver com a coisa em si como o sonho do narcotizado com a intervenção cirúrgica. Fazem-se incisões nas cuidadas linhas da caligrafia, o operador desloca acentos no seu interior, cauteriza as protuberâncias verbais e insere, como se fosse uma costela de prata, uma palavra estrangeira. Por fim, costura tudo com os pontos finos da pontuação e paga ao criado, seu assistente, em numerário.33 33 BENJAMIN, Walter. Rua de mão única: infância berlinense: 1900. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. p. 50.

Vemos que a “mesa de dissecação” é aqui uma mesa de café, disposta de saída como um posto de “contemplação”, ou de “meditação” (na tradução de João Barrento), do “autor”, em que este se dispõe primeiramente à contemplação do próprio “pensamento”, ou dos “pensamentos”, como quer Barrento. Pensamento que parece, a princípio, ser ele próprio o “paciente”, o “doente” a ser “examinado”. Ou o pensamento “colocado” como uma doença, desdobrando-se do corpo do autor como uma espécie de “corpo estranho”:

O autor coloca o pensamento [os pensamentos] sobre a mesa de mármore do café. Longa contemplação [meditação]: pois ele utiliza [aproveita] o tempo em que o copo - a lente sob a qual examina o paciente [o doente] - ainda não está diante dele.

Gosto da ideia de pensar tanto no singular, como na primeira tradução, quanto no plural, na segunda tradução: “colocar” o “pensamento” sobre a mesa, no singular, soando, assim, mais abstratamente, remetendo mais à época, a um modo de pensar, a um modo de ver mais geral. No primeiro caso, antes de propriamente pensar, investigar seu próprio modo de pensar; antes de “contemplar” o objeto, de “observá-lo”, de “meditar” sobre ele, contemplar o modo de contemplar, de meditar, de abordar: “O autor coloca o pensamento sobre a mesa de mármore do café”. Ao passo que a segunda opção, pôr “os pensamentos”, no plural, parece remeter a uma investigação mais voltada para pensamentos circunstanciais, pessoais, para um fluxo de pensamentos, talvez, quem sabe, para livrar-se deles, antes de lançar-se ao exame do que viria a ser propriamente seu objeto, seu “paciente”, seu “doente”. O autor investigaria, portanto, de saída, antes de voltar-se para o objeto, o que pudesse constituir sua “mancha cega” singular, seu modo próprio de não ver…

E nessa segunda frase (“Longa contemplação: pois ele utiliza, aproveita o tempo em que o copo - a lente sob a qual examina o paciente - ainda não está diante dele”), põe-se a questão deste “copo-lente” ainda por vir, deste “café” que, com seu efeito “clorofórmio”, virá, talvez, distrair o “autor” de si mesmo, que virá levá-lo, quem sabe, a confundir-se com o “narcotizado” objeto da intervenção. Trata-se, ao que parece, para “o autor”, de “utilizar”, “aproveitar” o tempo em que ainda não terá sido narcotizado pelo olhar do “paciente”, do “doente”, do seu “público clínico”, dos seus “fregueses”, de seus “leitores”. O tempo por um instante “[arrancado] ao contínuo da história”34 34 BENJAMIN, Walter. O anjo da história. Belo Horizonte: Autêntica, 2012. p. 18. , talvez pudéssemos dizer…

Além disso, Benjamin, o autor de fato, se podemos dizer assim, já começa a performar - “operar” - os “cortes” e “costuras” da “pontuação” explicitados no final do aforismo, que dão a ver o processo cirúrgico de composição, implicando uma temporalidade lenta e entrecortada, da leitura (leitura do autor do que se põe sobre sua mesa, de seu pensamento, seus pensamentos, e para além dela…) e da escrita que constitui essa leitura (essa leitura escrita como dissecação) e que se oferece a nós, seus leitores. De toda maneira, trata-se, de saída, de um modo de construir as relações de um olhar que perscruta o espaço fragmentariamente. Dissecar-se primeiramente a si mesmo, ao modo próprio de pensar, aos próprios pensamentos, desapropriar-se, desapossar-se deles, de si. Para só então tornar-se propriamente “operador”. Essa experiência de contemplar, de ler, que se faz escrita é, assim, em primeiro lugar, contemplação, observação do próprio processo de escrita, “meditação” sobre as condições da “forma de existência-autor”.

Na sequência, o campo do olhar do autor abre-se no espaço e o processo de “dissecação” amplia-se:

Em seguida desempacota gradualmente seu estojo [os seus instrumentos]: caneta-tinteiro, lápis e cachimbo. A multidão dos fregueses, ordenada anfiteatralmente, compõe seu público clínico. Café, precavidamente servido e fruído do mesmo modo, põe o pensamento sob clorofórmio. Aquilo sobre o qual este está cismando [em que pensa] não tem a ver com a coisa mesma mais que o sonho do narcotizado com a intervenção cirúrgica.

Ou seja, enquanto o autor “gradualmente” “desempacota” seus “instrumentos”, a “multidão dos fregueses” ordena-se “anfiteatralmente” como um “público clínico”; como se o “autor”, ao mesmo tempo em que se pusesse a “examinar seu paciente”, se expusesse como tal num púlpito universitário a um “público”, justamente seus “fregueses”, sua clientela - os estudantes, os leitores, o mercado, poderíamos, talvez, em suma, dizer… E com “o pensamento sob clorofórmio” - efeito do “café servido” -, “sob a lente”, portanto, do narcótico, tem início a “intervenção cirúrgica” - que se confunde com a própria escrita -, e na qual o autor-dissecador-operador volta a se confundir em certo momento com o próprio “paciente”, o “doente” “narcotizado”, com a “coisa mesma” que se encontra sobre a mesa daquele que “pensa” e “examina”. Narcotizado - com o pensamento “cismado”, ou “coagido”, como disse Bataille35 35 Cf. citação referida na nota 17. - pelas “fantasmagorias” de sua época, diria, talvez, Benjamin. Movimento, portanto, ininterrupto de associação e dissociação entre o autor e o pensamento, a escrita e o paciente, a coisa mesma e o sonho. Imagem dialética, imagem onírica, portanto, em que sujeito e objeto, examinador e examinado, olhante e olhado parecem se confundir de maneira de certo modo indecidível. E que se consuma na própria operação da escrita, aquela em que, como dirá Benjamin no Livro das passagens, “o historiador assume a tarefa da interpretação dos sonhos”36 36 BENJAMIN, 2006, p. 506. ,37 37 Aqui poderíamos evocar o relato de Benjamin sobre o regime que ele se impõe para proceder à sua tradução de Proust: ao despertar, em jejum, ainda “de dentro do sono”. (Cf. MORAES, Marcelo Jacques de. Envelhecimento e esquecimento, contratempos da tradução (com Walter Benjamin e Marcel Proust). In: MORAES, Marcelo Jacques de. Sobre a forma, o poema e a tradução. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2017. p. 267-268). Um outro fio poderia ser seguido na confrontação desses dois gestos de escrita, na mesa do café e na “sala de desjejum”: o da encenação da escrita como ato público, no café, em contraposição ao ato privado e solitário do escritor burguês do século XIX, que a cena do tradutor em jejum dá a ver. .

E assim chegamos ao fim do texto, em que se assinalam, em tom de ensaio, os “cortes”, “incisões”, as “cauterizações”, as “palavras estrangeiras”, as “picadas” que despertarão o leitor para a necessidade de empreender, ele também, seu próprio trabalho de dissecação, de destruição, de remontagem do texto, para restituir, em sua leitura, uma “conjunção” do texto com as manchas cegas e corpos estranhos de sua época, “operando”, portanto, a seu turno, qual, ele também, cirurgião, para fazer “conjunto” a partir de sua - do texto - “máscara mortuária”38 38 “A obra é a máscara mortuária da sua concepção” (BENJAMIN, 2013b, p. 28). :

Nos cautelosos lineamentos do manuscrito são feitos cortes [Fazem-se incisões nas cuidadas linhas da caligrafia], o operador desloca acentos no interior, queima fora as tumescências das palavras [cauteriza as protuberâncias verbais] e insere como costela de prata uma palavra estrangeira. Por fim, a pontuação lhe costura com finas picadas o conjunto [costura tudo com os pontos finos da pontuação] e ele remunera o garçom, seu assistente, em dinheiro vivo.

“Conjunto” que, “no auge do capitalismo”, parece ter a concisão e o cuidado visual com que se trataria um reclame, um anúncio (figura frequente em vários outros aforismos do livro), e que não se perfaz sem a “assistência” de alguém que faça a mediação entre olhantes/olhados e olhados/olhantes… Não estaria, aliás, aqui o “garçom” sendo pago em “dinheiro vivo” para cumprir o papel de uma espécie de agente literário?

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Em 1929-1930, Georges Bataille participa, como secretário de redação, da revista Documents, que terá como colaboradores escritores, fotógrafos, pintores e etnógrafos. Será, nas palavras de Michel Surya, “uma máquina de guerra contra o surrealismo”39 39 SURYA, Michel. Georges Bataille, la mort à l’œuvre. Paris: Gallimard, 2012. p. 143. , ou, nas de Yve-Alain Bois e Rosalind Krauss, no catálogo da exposição “Informe, mode d’emploi”, “um dos atos de sabotagem mais eficazes de Georges Bataille contra o universo acadêmico e o espírito de sistema”40 40 BOIS, Yves-Alain; KRAUSS, Rosalind. L’informe mode d’emploi. Paris: Centre Georges Pompidou, 1996. . No número 4 de 1929 da revista, na seção “Dicionário crítico” (uma seção composta de verbetes mais ou menos aleatórios escritos pelos colaboradores da revista), Bataille põe à sua mesa de dissecação o “olho”.

Apropriando-se de uma expressão retirada de uma das narrativas de Robert Louis Stevenson, Bataille designa o olho, de saída, como uma “iguaria canibal”:

Iguaria canibal. Sabe-se que o homem civilizado se caracteriza pela acuidade de horrores frequentemente pouco explicáveis. O temor aos insetos é certamente um dos mais singulares e dos mais desenvolvidos desses horrores, entre os quais causa surpresa encontrar o temor ao olho. Parece de fato impossível, em relação ao olho, pronunciar outra palavra além de “sedução”, já que nada é tão atraente nos corpos dos animais e dos homens. Mas a sedução extrema está provavelmente no limite do horror.41 41 BATAILLE, Georges. Documents. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2018. p. 97, grifo do autor.

Vemos de saída a condição do “homem civilizado” associada à presença aguda de “horrores pouco explicáveis”, fenômeno que podemos aproximar daqueles que Bataille chamava de heterogêneos. Ele exemplifica então com “o temor aos insetos”, deslizando em seguida para “o temor ao olho”, referindo-os como aqueles “dos mais singulares e dos mais desenvolvidos”. Se o olho, diz ele, é tomado a princípio como objeto de fascinação, de “sedução”, esta é imediatamente associada ao horror. Há, portanto, aí um imbricamento de movimentos contraditórios, um movimento mal resolvido de homogeneização do heterogêneo. O horror como uma espécie de “limite” do fascínio, a partir do qual o objeto deste não se deixa plenamente possuir, incorporar: dissecar. Ao contrário, para Bataille é justamente no limite entre o horror e o fascínio que o objeto pode “revidar [retribuir, na tradução de Barrento] o olhar”, para dizer como Walter Benjamin em “Sobre alguns temas Baudelairianos”…

E é justo na medida em que, no limite do fascínio, o olho horroriza que Bataille aproxima-o do que corta, da lâmina, do gume, evocando então a famosa cena do “corte a sangue frio” do olho de uma jovem no filme O cão andaluz, de Salvador Dalí e Luis Buñuel:

Desse ponto de vista, o olho poderia ser aproximado do gume, cujo aspecto também provoca reações agudas e contraditórias: é isso que devem ter sentido de maneira terrível e obscura os autores de O Cão andaluz quando, nas primeiras imagens do filme, decidiram pelos amores sangrentos daqueles dois seres. O corte a sangue frio, com uma navalha, do olho deslumbrante de uma mulher jovem e encantadora é o que teria admirado até a desrazão um jovem que, observado por um gatinho deitado e tendo por acaso nas mãos uma colher de café, teve de repente vontade de tomar um olho com a colher.42 42 Ibidem, p. 97-98, grifo do autor.

Vale notar aqui dois aspectos destacados por Bataille. Em primeiro lugar, numa nota, o modo como os espectadores do filme são “arrebatados e até mesmo, para ser mais exato, pegos pela garganta, e sem nenhum artifício”, e como, assim, “o horror se torna fascinante”, “brutal o bastante para romper o que sufoca”43 43 Ibidem. , ou seja, a homogeneidade do cotidiano, como a do “homem civilizado” que, por exemplo, limitar-se-ia a usar a navalha para fazer a própria barba… Em segundo lugar, como vemos, o escritor apresenta “o corte a sangue frio” desse “olho deslumbrante” como uma “iguaria”, por que não?, a ser devorada, “tomada com a colher” por um jovem que devora a cena (“admira até a desrazão”) com seus próprios olhos, enquanto a seu turno é “observado por um gatinho”.

Olhos e olhares cortantes, cortados, devorantes, devorados… Mas que, como Bataille ressalta em seguida, não cessam de ser “ocultados”, qual corpo estranho, pelo “homem branco”:

Vontade singular, evidentemente, da parte de um homem branco, a quem os olhos dos bois, dos cordeiros e dos porcos que come sempre foram ocultados. Pois o olho, segundo a deliciosa expressão de Stevenson, iguaria canibal, é de nossa parte objeto de tamanha inquietude que jamais o morderemos.44 44 Ibidem, p. 98, grifo do autor.

Passa, assim, o olho de objeto a ser devorado a objeto fóbico: o “olho da consciência” que vem perseguir o criminoso e devorá-lo com sua boca de peixe, como no desenho de Grandville, “Primeiro sonho: crime e expiação”, reproduzido na revista:

O olho chega, aliás, a ocupar uma posição extremamente elevada no ranking do horror, por ser, entre outras coisas, o olho da consciência. Todos conhecem bem o poema de Victor Hugo, o olho obsedante e lúgubre, olho vivo e pavorosamente sonhado por Grandville no decorrer de um pesadelo que precedeu de pouco sua morte: o criminoso “sonha que acaba de atacar um homem num bosque sombrio… O sangue humano foi derramado (…). As mãos da vítima se elevam suplicantes mas em vão. O sangue continua a correr”. É então que aparece o olho enorme, que se abre num céu negro e persegue o criminoso através do espaço, até o fundo dos mares, onde o devora após ter assumido a forma de um peixe. Enquanto isso, olhos incontáveis se multiplicam sob as ondas.45 45 Ibidem, p. 97-99, grifo do autor.

Eis o desenho com o olho arregalado e devorador da justiça, que se torna um peixe devorador:

Fig. 1
Últimos desenhos de J.-J. Grandville: Primeiro sonho - crime e expiação46 46 HOLLIER, Denis (org.). Documents. Paris: Jean-Michel Place, 1991. v. 1. p. 220. .

A respeito desses olhos, Bataille cita uma pergunta que o próprio Grandville teria feito a si mesmo: “Seriam os mil olhos da multidão atraída pelo espetáculo do suplício que se prepara?” E Bataille encaminha-se para o final do verbete referindo-se aos olhos atraídos pela revista O olho da polícia, publicada entre 1908 e 1914 com grande sucesso:

Mas por que esses olhos absurdos seriam atraídos, como uma nuvem de moscas, por algo repugnante? Por que também, na capa de uma revista semanal ilustrada, perfeitamente sádica, publicada em Paris de 1907 a 1924, um olho figura regularmente sobre fundo vermelho, acima de espetáculos sangrentos? Por que o Olho da polícia, semelhante ao olho da justiça humana no pesadelo de Grandville, não passa, afinal, da expressão de uma cega sede de sangue?47 47 BATAILLE, 2018, p. 99.

Vejam-se os olhares fora de órbita que se entredevoram para devorar os devorados pelo “Olho” da polícia: a “sede cega de sangue”:

Fig. 2
O olho da polícia , página da capa em cores. 1908, nº 2648 48 HOLLIER, Op. cit., p. 217. .

Ou os olhos de Joan Crawford:

Fig. 3
Os olhos de Joan Crawford . Foto: Metro-Goldwin49 49 Ibidem, p. 216. .

A essa imagem da “sede” sucede a cena final do verbete, a alusão a “um fait divers tão macabro quanto burlesco”, como disse Michel Leiris50 50 LEIRIS, Michel. Nos tempos de Lord Auch. In: BATAILLE, Georges. História do olho. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 111. : trata-se da enucleação de um olho: um criminoso condenado à morte oferece ironicamente seu olho de vidro ao capelão, representante do mundo da consciência:

Semelhante também ao olho de Crampon, que, condenado à morte e, um instante antes do golpe de trinchete, solicitado pelo capelão, o repeliu; mas se enucleou e lhe ofereceu como presente jovial o olho assim arrancado, pois esse olho era de vidro.51 51 BATAILLE, 2018, p. 100, grifo do autor.

Oferecer “jovialmente” o próprio olho, olho de vidro, olho cego, que brilha mas não vê, corpo estranho ao próprio corpo, oferecê-lo, “como presente”, em puro dispêndio, ao olho da consciência…

***

Apesar de radicalmente diferentes quanto ao tom, ao estilo, à linguagem e ao “outro” que encenam, “Policlínica” e “Olho” têm primeiramente em comum - foi o que tentei evidenciar aqui ao colocar em contato esses dois textos - a exposição do olhar, da atenção e da tensão visual como uma caótica e violenta rua de mão dupla. A iguaria posta à mesa de dissecação dos dois escritores é o seu próprio olho cego, exposto à cegueira do olho alheio52 52 Eu não poderia deixar de evocar aqui os olhos dos cegos do poema “Os cegos”, de Charles Baudelaire, aqueles “globos tenebrosos” que “atravessam (…) a escuridão ilimitada” em meio ao olhar do poeta e à “cidade [que] cant[a], r[i] e mug[e],/ Tomada pelo prazer até a atrocidade”. Ao final do poema, o poeta lamenta-se e se interroga: “[T]ambém me arrasto! mas, mais do que eles embrutecido,/ Digo: o que procuram eles no céu, todos este cegos?” BAUDELAIRE, Charles. Œuvres complètes. Paris: Gallimard, 1975. v. 1. p. 92. .

Gostaria de especular, para concluir, sobre um outro aspecto fundamental que, a meu ver, permitiria estabelecer “comunidade” entre Walter Benjamin e Georges Bataille, e que também se deixa de algum modo indicar, parece-me, nesses dois textos. Trata-se da relação ao próprio contexto de produção de pensamento que eles, cada um a seu modo, encenam, e que põe como atores decisivos no palco de sua contemporaneidade aqueles que Benjamin chamou, em “Experiência e pobreza”, de “novos bárbaros”, os “contemporâneos nus, deitados nas fraldas sujas de [sua] época”53 53 BENJAMIN, 2012a, p. 125. . E que certamente poderiam ser encarnados pelos “canibais” de Bataille, ainda mais explicitamente atualizados, aliás, no verbete anterior ao “Olho”, naquele mesmo número da Documents, um verbete intitulado “Black Birds”, em que o escritor comenta um espetáculo de revista de negros americanos chegados a Paris para fazer seu espetáculo no Moulin Rouge54 54 BATAILLE, 2018, p. 95. . Eis algumas das imagens que aparecem ao longo desse número, dialogando com esse texto e com outros como “Figura humana”, do próprio Bataille55 55 Ibidem, p. 85-94. , “Civilização”, de Michel Leiris, ou um outro artigo sobre os Black Birds, assinado pelo antropólogo e etnomusicólogo André Schaeffner56 56 HOLLIER, Op. cit., p. 194-201, 221-223. . As imagens reúnem fotografias de atualidades do mundo “civilizado” com outras recolhidas da coleção do Museu Etnográfico do Trocadero:

Fig. 4
Canacas de Kroua, Koua-oua, lado leste (Álbuns E. Robin)57 57 Ibidem, p. 223. .

Fig. 5
A guarnição da penitenciária de Kanala, Nova Caledônia. (Álbuns E. Robin).

Fig. 6
Os Lew Leslie’s Black Birds em sua chegada à França, a bordo do navio “France”58 58 Ibidem, p. 225. .

Eis o texto de Bataille sobre os “Black Birds”:

É inútil continuar procurando uma explicação para as coloured people que rompem repentinamente, com uma loucura incôngrua, um absurdo silêncio de gagos: estávamos apodrecendo com neurastenia, sob nossos tetos, cemitério e fossa comum, de tantas patéticas mixórdias; então os negros que se civilizaram conosco (na América ou alhures) e que, hoje, dançam e gritam são pantanosas emanações da decomposição que se inflamaram sobre esse imenso cemitério: numa noite negra, vagamente lunar, assistimos então a uma demência embriagante de fogos-fátuos equívocos e encantadores, bizarros e uivantes como gargalhadas. Essa definição evitará qualquer discussão.59 59 BATAILLE, 2018, p. 95, grifo do autor.

Volto a Benjamin para concluir: será que não poderíamos considerar o tratamento do próprio pensamento como “corpo estranho”, no início de “Policlínica”, como uma primeira intuição em relação ao que seria o “caráter destrutivo” reivindicado pelo escritor numa de suas “imagens de pensamento”? “[C]riar espaço”, “esvaziar”, “[remover] os vestígios da própria idade”, e assim, em vez de “[transmitir] as coisas tornando-as intocáveis”, transmitir “as situações, tornando-as manejáveis e liquidando-as”, diz Benjamin60 60 BENJAMIN, Walter. Imagens de pensamento: sobre o haxixe e outras drogas. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. p. 97-98. … Datando nossa ira, como queria o Baudelaire de “O mundo vai acabar”61 61 Conhecido fragmento dos “Journaux intimes” do poeta, que termina assim: “Entretanto, deixarei estas páginas, - pois quero datar minha ira” (BAUDELAIRE, Op. cit., p. 667). , “organiz[ando] o pessimismo”, como reivindicava Benjamin no ensaio sobre o surrealismo62 62 BENJAMIN, 2012a, p. 34. , e remontando - no sentido da remontagem - as “situações” em que nos vemos enredados, para “[arranjarmo-nos], de novo e com poucos meios”, “[preparando-nos], se necessário, para sobreviver à cultura”, como sugeriria ainda o escritor no final de “Experiência e pobreza”:

Em seus edifícios, quadros e narrativas a humanidade se prepara, se necessário, para sobreviver à cultura. E o que é mais importante: ela o faz rindo. Talvez esse riso tenha aqui e ali um som bárbaro. Perfeito. No meio tempo, possa o indivíduo dar um pouco de humanidade àquela massa, que um dia talvez retribua com juros e com os juros dos juros.63 63 Ibidem, p. 128, grifo do autor.

Pois é justamente no desnudamento de sua própria precariedade, de sua “pobreza”, de sua inumanidade, que Benjamin vê a “chance” (para usar ainda uma palavra cara a Bataille64 64 Além de dar título a uma importante seção de O culpado (BATAILLE, 2017c), o termo compõe o subtítulo de seu livro sobre Nietzsche: Sobre Nietzsche: vontade de chance (BATAILLE, 2017b). ) de seu contemporâneo de, como “indivíduo”, em sua expropriação da experiência coletiva, poder redescobrir, “rindo”, com um riso de “um som bárbaro”, um pouco de sua própria humanidade, a vitalidade de sua própria vida. E de poder assim legá-la, outra, sobrevivente, aos que vêm, outros, sobreviventes.

Para terminar de vez à maneira benjaminiana, cito Benjamin citando Paul Valéry no Livro das passagens, numa alusão ao pensamento como trabalho infinito e labiríntico de dissecação do estranho corpo que nos constitui como vivos, de dissecação de nossa estranha vida: “O homem só é homem na superfície. Levante a pele, disseque: aqui começam as máquinas. Depois, você se perde numa substância inexplicável, estranha a tudo o que você conhece e que é, entretanto, o essencial”65 65 BENJAMIN, 2006, p. 448. .

Bibliografia

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  • SURYA, Michel. Georges Bataille, la mort à l’œuvre. Paris: Gallimard, 2012.
  • 1
    BATAILLE, Georges. La “vieille taupe” et le préfixe sur dans les mots surhomme et surréaliste. In: BATAILLE, Georges. Œuvres complètes. Paris: Gallimard, 1970. v. 2. p. 96. Quando não houver referência a edições brasileiras, a tradução das citações é minha.
  • 2
    Ibidem, p. 103.
  • 3
    BRETON, André. Manifestos do surrealismo. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2001. p. 218.
  • 4
    BATAILLE, Georges. La valeur d’usage de D.A.F. de Sade (Lettre ouverte à mes camarades actuels). In: BATAILLE, Georges. Œuvres complètes. Paris: Gallimard, 1970. v. 2. p. 54-69.
  • 5
    Ibidem, p. 64.
  • 6
    Ibidem, p. 58.
  • 7
    Ibidem, p. 56.
  • 8
    Ibidem, p. 56-67.
  • 9
    Ibidem, p. 60.
  • 10
    Ibidem, p. 58.
  • 11
    Ibidem, p. 62-63.
  • 12
    Ibidem, p. 63.
  • 13
    Ibidem, p. 64.
  • 14
    BATAILLE, Georges. La notion de dépense. In: BATAILLE, Georges. Œuvres complètes. Paris Gallimard, 1970. v. 1. p. 319.
  • 15
    AGAMBEN, Giorgio. Bataille e o paradoxo da soberania. Outra Travessia, Florianópolis, n. 5, p. 91-93, 2005.
  • 16
    BATAILLE, Georges. La structure psychologique du fascisme. In: BATAILLE, Georges. Œuvres complètes. Paris Gallimard, 1970. v. 1. p. 345.
  • 17
    BATAILLE, Georges. Le bleu du ciel. In: BATAILLE, Georges. Œuvres complètes. Paris: Gallimard, 1972. v. 3. p. 381, grifo do autor.
  • 18
    BATAILLE, Georges. Sobre Nietzsche: vontade de chance. Belo Horizonte: Autêntica, 2017. p. 181. (Tradução ligeiramente modificada).
  • 19
    BATAILLE, Georges. A experiência interior. Belo Horizonte: Autêntica, 2017. p. 149-150. (Tradução ligeiramente modificada).
  • 20
    BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 8. ed. rev. São Paulo: Brasiliense, 2012. p. 21.
  • 21
    Ibidem, p. 25.
  • 22
    Ibidem, p. 26.
  • 23
    Ibidem, p. 34-35.
  • 24
    Ibidem, p. 22.
  • 25
    Ibidem, p. 25
  • 26
    BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. p. 505.
  • 27
    Ibidem, p. 512.
  • 28
    Refiro-me a uma conferência ministrada na “Benjaminiana 2018”, encontro de pesquisadores de Walter Benjamin realizado na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro em setembro de 2018.
  • 29
    LAUTRÉAMONT, Comte de. Os cantos de Maldoror. Campinas: Editora da Unicamp, 2015. p. 240.
  • 30
    BRETON, Op. cit., p. 330.
  • 31
    MORAES, Eliane Robert. O corpo impossível. São Paulo: Iluminuras, 2002. p. 52-54.
  • 32
    BENJAMIN, Walter. Rua de mão única: obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1987. v. 2. p. 54.
  • 33
    BENJAMIN, Walter. Rua de mão única: infância berlinense: 1900. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. p. 50.
  • 34
    BENJAMIN, Walter. O anjo da história. Belo Horizonte: Autêntica, 2012. p. 18.
  • 35
    Cf. citação referida na nota 17.
  • 36
    BENJAMIN, 2006BENJAMIN, Walter. Rua de mão única: obras escolhidas v. 2. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho, José Carlos Martins Barbosa. São Paulo: Brasiliense, 1987., p. 506.
  • 37
    Aqui poderíamos evocar o relato de Benjamin sobre o regime que ele se impõe para proceder à sua tradução de Proust: ao despertar, em jejum, ainda “de dentro do sono”. (Cf. MORAES, Marcelo Jacques de. Envelhecimento e esquecimento, contratempos da tradução (com Walter Benjamin e Marcel Proust). In: MORAES, Marcelo Jacques de. Sobre a forma, o poema e a tradução. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2017. p. 267-268). Um outro fio poderia ser seguido na confrontação desses dois gestos de escrita, na mesa do café e na “sala de desjejum”: o da encenação da escrita como ato público, no café, em contraposição ao ato privado e solitário do escritor burguês do século XIX, que a cena do tradutor em jejum dá a ver.
  • 38
    “A obra é a máscara mortuária da sua concepção” (BENJAMIN, 2013bBENJAMIN, Walter. Passagens. Tradução de Irene Aron, Cleonice Paes Barreto. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006., p. 28).
  • 39
    SURYA, Michel. Georges Bataille, la mort à l’œuvre. Paris: Gallimard, 2012. p. 143.
  • 40
    BOIS, Yves-Alain; KRAUSS, Rosalind. L’informe mode d’emploi. Paris: Centre Georges Pompidou, 1996.
  • 41
    BATAILLE, Georges. Documents. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2018. p. 97, grifo do autor.
  • 42
    Ibidem, p. 97-98, grifo do autor.
  • 43
    Ibidem.
  • 44
    Ibidem, p. 98, grifo do autor.
  • 45
    Ibidem, p. 97-99, grifo do autor.
  • 46
    HOLLIER, Denis (org.). Documents. Paris: Jean-Michel Place, 1991. v. 1. p. 220.
  • 47
    BATAILLE, 2018, p. 99.
  • 48
    HOLLIER, Op. cit., p. 217.
  • 49
    Ibidem, p. 216.
  • 50
    LEIRIS, Michel. Nos tempos de Lord Auch. In: BATAILLE, Georges. História do olho. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 111.
  • 51
    BATAILLE, 2018BATAILLE, Georges. La valeur d’usage de D.A.F. de Sade (Lettre ouverte à mes camarades actuels). In: BATAILLE, Georges. Œuvres complètes. Paris: Gallimard, 1970a. v. 2. p. 54-69., p. 100, grifo do autor.
  • 52
    Eu não poderia deixar de evocar aqui os olhos dos cegos do poema “Os cegos”, de Charles Baudelaire, aqueles “globos tenebrosos” que “atravessam (…) a escuridão ilimitada” em meio ao olhar do poeta e à “cidade [que] cant[a], r[i] e mug[e],/ Tomada pelo prazer até a atrocidade”. Ao final do poema, o poeta lamenta-se e se interroga: “[T]ambém me arrasto! mas, mais do que eles embrutecido,/ Digo: o que procuram eles no céu, todos este cegos?” BAUDELAIRE, Charles. Œuvres complètes. Paris: Gallimard, 1975. v. 1. p. 92.
  • 53
    BENJAMIN, 2012aBENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 8. ed. rev. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 2012a., p. 125.
  • 54
    BATAILLE, 2018BATAILLE, Georges. La “vieille taupe” et le préfixe sur dans les mots surhomme et surréaliste. In: BATAILLE, Georges. Œuvres complètes. Paris: Gallimard, 1970b. p. 93-109. v. 2., p. 95.
  • 55
    Ibidem, p. 85-94.
  • 56
    HOLLIER, Op. cit., p. 194-201, 221-223.
  • 57
    Ibidem, p. 223.
  • 58
    Ibidem, p. 225.
  • 59
    BATAILLE, 2018BATAILLE, Georges. La notion de dépense. In: BATAILLE, Georges. Œuvres complètes. Paris: Gallimard, 1970c. v. 1. p. 302-320., p. 95, grifo do autor.
  • 60
    BENJAMIN, Walter. Imagens de pensamento: sobre o haxixe e outras drogas. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. p. 97-98.
  • 61
    Conhecido fragmento dos “Journaux intimes” do poeta, que termina assim: “Entretanto, deixarei estas páginas, - pois quero datar minha ira” (BAUDELAIRE, Op. cit., p. 667).
  • 62
    BENJAMIN, 2012aBENJAMIN, Walter. O anjo da história. Tradução de João Barrento. Belo Horizonte: Autêntica, 2012b., p. 34.
  • 63
    Ibidem, p. 128, grifo do autor.
  • 64
    Além de dar título a uma importante seção de O culpado (BATAILLE, 2017cBATAILLE, Georges. La structure psychologique du fascisme. In: BATAILLE, Georges. Œuvres complètes. Paris: Gallimard, 1970d. v. 1. p. 339-371.), o termo compõe o subtítulo de seu livro sobre Nietzsche: Sobre Nietzsche: vontade de chance (BATAILLE, 2017bBATAILLE, Georges. Le bleu du ciel. In: BATAILLE, Georges. Œuvres complètes. Paris: Gallimard, 1972. v. 3.).
  • 65
    BENJAMIN, 2006BENJAMIN, Walter. Imagens de pensamento: sobre o haxixe e outras drogas. Tradução de João Barrento. Belo Horizonte: Autêntica, 2013a., p. 448.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Set 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    23 Dez 2018
  • Aceito
    26 Maio 2019
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