Acessibilidade / Reportar erro

A fantasia decorativa da modernidade dos incultos, malcriados e desviados

The decorative fantasy of modernity of the uneducated, uncouth and deviant

La fantasía decorativa de la modernidad de los incultos, malcriados y desviados

Resumo

A arte decorativa, com seu pressuposto de criar coisas de fantasia ornamental, costumou estar alijada dos debates sobre modernismos no Brasil, apesar de sua ação significativa para os processos de modernidade. Diante de sua natureza polissêmica, muitas manifestações de cunho popular podem estar nela incluídas, produzidas por atores ausentes da historiografia da arte canônica, considerados incultos, malcriados e desviados. Ao assumir carros alegóricos e fantasias de Carnaval como atitudes decorativas, referenciadas por Fléxa Ribeiro, é possível desenvolver outras visadas sobre ações decorativas da modernidade e sobre seus protagonistas, por vezes pouco conhecidos nessas ações e, na maioria, anônimos.

Palavras-Chave:
Arte decorativa; Modernismos; Fantasia; Carnaval; Ausências

Abstract

Decorative art, assumed to create objects of ornamental fantasy, has usually been shirked from the debates on modernisms in Brazil, despite its significant participation in the modernity processes. Given its polysemic nature, many popular manifestations can be included under this moniker, produced by actors excluded from the canonical art historiography for being considered uneducated, uncouth, and deviant. By understanding Carnival floats and costumes as decorative attitudes, referenced by Fléxia Ribeiro, one can develop new perspectives about decorative actions of modernity and their protagonists, sometimes little known and mostly anonymous.

Keywords:
Decorative art; Modernisms; Fantasy; Carnival; Absences

Resumen

El arte decorativo, con la suposición de crear ítems de fantasía ornamental, solía ser excluido de los debates de los modernismos en Brasil a pesar de su acción significativa para los procesos de la modernidad. Dado su carácter polisémico, puede estar incluido en múltiples manifestaciones populares, producidas por actores ausentes en la historiografía del arte canónico y considerados incultos, malcriados y desviados. Al pensar los carros alegóricos y las fantasías de Carnaval como acciones decorativas, referenciadas por Fléxa Ribeiro, es posible desarrollar otras miradas sobre las acciones decorativas de la modernidad y sus protagonistas, a veces poco conocidos en estas acciones y, en su mayoría, anónimos.

Palabras Clave:
Arte decorativo; Modernismos; Fantasía; Carnaval; Ausencias

RÃS MODERNISTAS

A musa das rãs quando passa ao moderno

Levanta a Iaras dos igarapés

Macunaíma dos mambos ao longe

Antropofagia de freiras e monges.

Terreiros em tons modernistas

Abertos aos sons dos paulistas e

Às rãs às rãs

UOC, nos brejos e porcos ao largo

Na ode aos burgueses disfarçados de sapos

(locução)

“avança Oswald de Andrade pela esquerda, cruza no meio da área para Anita Malfatti, mata no peito, toca para Mário de Andrade, vai chutar…

No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho, toca para Carlos Drummond de Andrade, fintou, vai chutar…

Coooorta Plínio Salgado!

- e o detalhe, Apolinho.

- o detalhe, Garotinho, é que o técnico Heitor Villa-Lobos quase engoliu o charuto

E AS RÃS!!!”

Às rãs às rãs

Tupis trucidados Pau brasil sem raiz

Não restam mais rãs, restam ranzinzas rãs

Arrigos Velosos lavrando o Brasil

De peitos abertos ao céu cor de anil (e às rãs).

RÃS MODERNISTAS (1983 - frevo).

Música: Gustavo Polycarpo e Didi Antônio.

Letra: Paulo Maciel, Marize Malta e Gustavo Polycarpo.

Essa letra faz parte de uma música em ritmo de frevo composta com minha contribuição há quase 40 anos. Tempos de estudante de arquitetura mas que, de certo modo, anteciparam algumas questões que tratarei neste artigo1 1 Agradeço a Gustavo Polycaro or ter comartilhado a letra, em leno centenário da semana de arte aulista, o que me roiciou resgatar uma oética que estava adormecida nos recônditos da memória. . No afã da juventude, essa proposta criada a oito mãos veio à tona neste ano de comemorações e de revisões sobre um Modernismo que sempre foi escrito e produzido a muitas mãos em vários tempos e, portanto, não pode ser circunscrito a uma única geografia e data determinada. Naquele tempo, com olhar inocente, mas igualmente indolente, não havia tantas revisões, contudo, na urgência da mocidade, estávamos a misturar coisas que nem tínhamos completa consciência do que eram, já com uma intuição da necessidade de confrontar diversas realidades no diálogo entre tradições e modernidades, entre produções elitistas e populares, entre nomes consagrados e entidades míticas. Embora com o perigo de expor algo distante e ingênuo ao olhar de hoje, percebi que na poética da proposta havia alguns detalhes que mereciam ser resgatados diante da diluição das fronteiras disciplinares que as ciências sociais vêm procedendo nas últimas décadas, permitindo reunir manifestações culturais que estiveram impossibilitadas de se confrontarem e/ou confraternizarem.

Enquanto os paulistas estavam planejando sua bombástica Semana de Arte Moderna, em muitos rincões do país vários atores estavam envolvidos com outras modernidades particulares, bem como diferentes iniciativas anteriores já antecipavam atitudes próprias da modernidade, como a “conjunção entre Carnaval e teatro, belas-artes e ilustração” no Rio de Janeiro (CARDOSO, 2022CARDOSO, Rafael. Modernidade em preto e branco. Arte e imagem, raça e identidade no Brasil, 1890-1945. São Paulo: Companhia das Letras, 2022., p. 142). Com tantas revisões que têm estado em pauta neste ano de centenário da Semana2 2 Desde 2021 vêm ocorrendo inúmeros eventos com a temática do modernismo: o ciclo de encontros on-line “1922: modernismos em debate”, organizado elo Instituto Moreira Salles (IMS), Museu de Arte Contemorânea da USP (MAC-USP) e Pinacoteca do Estado de São Paulo. No Rio de Janeiro, a Festa Literária das Periferias celebrou, em fevereiro de 2022, o “Modernismo negro”, no Museu de Arte do Rio (MAR) e no Museu da História e Cultura Afro-Brasileira (Muhcab). Entre inúmeras exosições, odemos destacar: “Era uma vez o Moderno (1904-1944)”, Centro Cultural FIESP; “Brasilidade Pós-Modernismo”, Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB); “Modernismo: destaque do acervo”, Pinacoteca de São Paulo; “Modernidades fora de foco: a fotografia e o cinema no Brasil”, IMS; “A afirmação modernista: a aisagem e o oular carioca na coleção Banerj”, Paço Imerial; “Arte conquista”, Memorial Régis Pacheco; “Recortes modernos”, Palácio da Liberdade; “Esse extraordinário Mário de Andrade”, “Os artistas modernistas”, “A volta do baile da SPAM de Lasar Segall”, Museu Afro Brasil; “Projetos ara um cotidiano moderno no Brasil (1920-1960)”, MAC-USP; “Raio-que-o-arta: ficções do moderno no Brasil”, SESC 24 de Maio. , tudo indica que estamos prestes a ultrapassar a mitificação paulista3 3 Não custa lembrar o trabalho ioneiro de Monica Pimenta Velloso (1996), que argumentou a antecedência do modernismo carioca em relação ao aulista. e incluir inúmeras outras manifestações artísticas que foram alijadas da discussão das várias modernidades (mesmo incultas) que estiveram em pauta no país, normalmente circunscritas às elites. Havia muitas rãs e sapos a coacharem sem que suas vozes fossem compreendidas e porcos que eram vistos como habitantes de submundos e periferias a participarem ativamente da construção de identidades visuais e materiais no país. E as Iaras nos igarapés, Iansãs e Iemanjás nos terreiros (dentre outras entidades), favelados e suburbanos, capoeiras e sambistas continuavam a vociferar suas potências sem que fossem incorporados à História (com letra maiúscula porque referenciada à história oficial). É diante de uma perspectiva ampliada de modernidade e de arte que é possível empreender visadas de ocorrências poéticas antes desconsideradas e, portanto, passíveis de enxergar outros modernismos, menos futuristas ou antropofágicos, com os quais os discursos na década de 1920 estavam envoltos.

Em plenos anos de 1940, antes da finalização da Segunda Guerra, Gustavo Barroso, diretor do Museu Histórico Nacional, com uma fala entoada com recalque, anunciava que o agito modernista paulista havia arrefecido, mal sabendo que toda a sua elegia e glorificação iriam se construir em breve:

Com toda a certeza, o futurismo, no qual ha uns quatorze anos alguns moços fundavam suas maiores esperanças, gritando como novos muçulmanos que quem se não renovasse seria morto e devorado pelos antropófagos que acompanhavam, morreu de anemia perniciosa, porque não se fala mais dele e ninguém sabe o fim que levou.

É de fazer muita pena! ( BARROSO, 1940 BARROSO, Gustavo. Que fim levou?…, Fon Fon , Rio de Janeiro, n. 12, p. 15, 13 jan. 1940. , p. 15)

Essa atitude soberba mostra, simultaneamente, a impressão do impacto das ações dos modernistas paulistas sobre as posturas mais conservadoras, as quais também não enxergavam outras possibilidades de modernidades bem embaixo de seus narizes. Futuristas ou conservadores, modernos ou contemporâneos, muitos tinham olhos voltados para seus próprios umbigos, incapazes de enxergarem manifestações populares urbanas que duravam bem menos que uma semana mas, anualmente, procuravam viver outras realidades em fantasia, das quais pretendemos chamar atenção neste artigo.

Para não ficar insistindo em uma questão já sabida no meio acadêmico, não custa lembrar que a construção da Semana de Arte Moderna como marco do início cronológico do Modernismo no Brasil já foi abandonada, ainda que sabendo de toda a sua repercussão, competência e feitos relevantes. Ao mesmo tempo, fica patente a coexistência de diferentes lados, não necessariamente opostos. Havia aqueles que insistiam em uma tradição nacionalista arraigada no passado colonial ou “primordial” (marajoara, por exemplo), outros que buscavam, na renovação europeizada, a modernização do futuro e, principalmente, ainda se contava com vieses que negociavam plurilateralidades no debate4 4 Essas várias facetas de modernidades, reunindo manifestações neocoloniais, art déco e racionalistas, no camo da arquitetura, decoração de interiores e mobiliário, foram esecialmente visíveis no eriódico A Casa (MALTA, 2020). . Em todos esses partidos podiam se encontrar modernidades nas tradições e tradições nas modernidades, pois quando o assunto recai sobre modernismos, é indispensável considerar a impossibilidade de estabelecer uma escala de quem é mais ou menos modernista.

Afinal, existiria uma escala de valores para medir o que seria mais moderno5 5 Essa ergunta já rocurou ser resondida or inúmeros historiadores, teóricos, estetas e críticos da arte, com a ideia de linguagens, atitudes, manifestos, temáticas ou comosições lásticas articulares, dentre outros, cuja indicação da fortuna crítica não caberia neste esaço. Em contraartida, estudos sobre modernidades em aíses eriféricos nas últimas décadas redimensionaram as visadas sobre seus modernismos. Como já lembrava Lisbeth Rebollo Gonçalves, que organizou um dossiê sobre a Semana de Arte Moderna ara a Revista USP em 2012, “Sabe-se que há uma teia de comlexidades, qualidades e características culturais que é reciso continuamente desvendar” (GONÇALVES, 2012, . 6). Muitos dos autores resentes no dossiê aresentam artigos com outras visadas sobre as tensões do “nosso” modernismo. ? Seria cabível o uso de uma régua cronológica de modernidade em um país tão amplo e desigual, para estabelecer quem começou e quem se atrasou? Haveria um termômetro eficaz para aferir a temperatura de uma arte modernista? E se pusermos na ciranda dos modernismos diferentes produções para além das artes visuais, a tentativa de comparação ficaria ainda mais descabida.

Para exemplificar o argumento, poderíamos perguntar, o que seria mais moderno? Um quadro de Tarsila ou uma capa de revista de J. Carlos? Uma escultura de Brecheret ou um carro alegórico dos Tenentes do Diabo? Um tapete com grafia marajoara de Correia Dias ou um desenho de Di Cavalcanti? E para sairmos do Brasil, o que seria mais moderno? Um vestido de Paul Poiret ou uma fantasia de chuva inventada por duas cariocas carnavalescas? Caminhar pela Champs-Élysées ou frequentar a praia de Copacabana? Seria, assim, possível estabelecer paradigmas diante de tantas imagens e coisas, em realidades tão diferentes, em produções consideradas desequilibradas em termos de estatuto artístico, fixarmos conceitos que modelam maneiras de compreender as modernidades de modo tão restritivo?

O vício classificatório, estilístico e formalista criou muito mais impasses e dificuldades aos países periféricos, como o Brasil, com produção artística maculada pela timidez formal ou dificuldade de forma (NAVES, 1996NAVES, Rodrigo. A forma difícil. Ensaios sobre arte brasileira. São Paulo: Ática, 1996.), provocando um caminho penoso, deslocado e moroso, fortalecido pelo complexo de inferioridade ou o popularmente conhecido complexo de vira-lata6 6 Termo cunhado elo dramaturgo Nelson Rodrigues em 1958, ublicado na revista Manchete Esortiva, remetendo à derrota da seleção brasileira de futebol ara os uruguaios, na Coa de 1950, e reconsiderado recentemente ela filósofa Márcia Tiburi (2021), abordando a estratégia da humilhação desenvolvida a artir da colonização. : “E só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de ‘complexo de vira-latas’” (RODRIGUES, 1993RODRIGUES, Nelson. Complexo de vira-latas. In CASTRO, Ruy (org.). À sombra das chuteiras imortais. São Paulo: Companhia das Letras , 1993, pp. 51-52., p. 51-52). Mas, afinal, o vira-lata é aquele que está longe da soberba, dos compromissos formais com o pedigree e dos comportamentos controlados e domesticados de muitas raças puras. E são a maioria. Em contrapartida, foram vítimas de humilhações no sentido de terem sido rebaixados diante da sua produção cultural e da situação social e racial, segregados dos espaços de legitimação.

Há que se pensar em estratégias de reconhecimento, ultrapassando a tradicional cultura da humilhação a que muitos brasileiros foram e até hoje estão submetidos por questões de raça, gênero, credo, escolaridade, condição econômica, o que estamos referenciando como os “incultos”, “malcriados” e “desviados”. Ainda que parte deles fosse aludida por modernistas, sob a perspectiva primitivista e folclórica, o Modernismo canônico acabou por reforçar mais os estigmas em vez de buscar desfazê-los, mesmo que com algumas vozes contrárias. Ao insistir, no campo da história da arte, em somente considerar artes visuais, não se conseguiu enxergar a potência estética de outras produções. Elas estavam classificadas como arte decorativa, arte aplicada, arte popular, arte de massa ou nem como arte, como alguns artefatos que ficaram à margem da história da arte, considerados pelo campo como verdadeiros objetos do mal (MALTA, 2011). O movimento art déco, que traz na sua essência nominal o compromisso com as artes decorativas, é exemplo emblemático do pouco caso que muitos historiadores da arte impuseram às suas produções. Coleções, trabalhos isolados ou mais recentes têm posto em revisão suas modernidades, aplicadas em muitos objetos, cenas e painéis, resgatando nomes que pouco frequentaram as páginas tradicionais da história da arte no Brasil7 7 Dentre as oucas vozes que buscaram dar maior visibilidade ao art déco no Brasil, odemos citar Márcio Roiter, fundador do Instituto Art Déco Brasil, antiquário, colecionador e curador de algumas exosições, como “A Casa Art Déco Carioca”, ocorrida no Esaço Cultural Península, no Rio de Janeiro (ROITER, 2007). Taetes e cerâmicas de Fernando Correia Dias, relevos e mosaicos de Humberto Cozzo, móveis de Maurice Nozières ara Laubisch Hirth e Leandro Martins e de Antônio Borsoi ara Marcenaria Auler, Laubisch Hirth e Le Mobilier, cenários de Oswaldo Teixeira e a Cerâmica Itaiava são exemlos de trabalhos realizados ao gosto art déco ouco referenciados ela historiografia da arte. No camo do colecionismo, a coleção Fúlvia e Adolho Leirner é exemlo de valorização das artes alicadas dos anos 1920 e 1930, resgatando nomes como Antônio Gomide, Regina Gomide Graz, Cássio M’Boy, Antonio Paim Vieira e reforçando os já conhecidos trabalhos de John Graz e Gregori Warchavchik, dentre os inúmeros ilustradores e artistas que se destacaram nesse eríodo, em esecial em São Paulo (SIMIONI; MIGLIACCIO, 2020). . Mas não é sobre art déco que trataremos neste texto, pois a ideia não é trabalhar com movimentos já canonizados, mas buscar outros antes deles, retrocedendo para fins do século XIX até os anos de 1920, período que antecedeu as principais produções de artefatos neste estilo no Brasil, que se deram pelos anos 1930 e 1940, e época de consolidação da linguagem moderna no Brasil (pelas vias tradicionais da historiografia).

É importante reenfatizar que modernismo e modernidade não deveriam ser colocados no singular, no sentido de haver uma gama de variações, com interpretações fluidas da linguagem modernista “modelar” misturadas com mudanças ocorridas nos vários locais que a assimilaram e desenvolveram um poder particular de criatividade. Os modernismos possíveis nem sempre promoveram rupturas bruscas com o passado e a tradição, mas, diante de escolhas factíveis, negociaram em ritmos desiguais até onde avançar ou retroceder, ou ficar no mesmo lugar, conjugando, não exatamente dentro das regras eruditas, presentes e passados simultaneamente para projetar futuros. Poderia existir, assim, modernismos incultos, malcriados e desviados, distanciados das elites, cultas, bem-criadas e regradas, que produziram e consumiram determinado tipo de modernismo, menosprezando outros, distantes dos salões, clubes e teatros elegantes. O que pretendo nesse texto é revisitar algumas “coisas” que ponham os chamados tempos modernos em tempos vividos, com suas tensões e contradições, e chamar atenção para outras produções artísticas, nem sempre consideradas como tal ou tomadas como modernismos menores (HOCK; KEMP-WELCH; OWEN, 2019HOCK, Beáta; KEMP-WELCH, Klara; OWEN, Jonathan. Introduction: Towards a Minor Modernism? In HOCK, Beáta; KEMP-WELCH, Klara; OWEN, Jonathan (ed.). A Reader in East-Central-European Modernism, 1918-1956. London: The Courtauld Institute of Art, 2019, pp. 10-19., p. 10-19) ou periféricos (SARLO, 1988SARLO, Beatriz. Una modernidad periferica: Buenos Aires 1920 y 1930. Buenos Aires: Nueva Visión, 1988.).

Ao diminuirmos a carga de um modelo de modernidade ideal, portanto idealizada e ideologizada, ao nos confrontarmos com os vários tempos que se superpõem em uma cidade (ainda mais um país), com os diversos hábitos que nela coexistem, com as mais variadas produções artísticas e culturais, não restringindo o olhar somente para o consumo das elites, iremos encontrar muito mais do que a modernidade e o modernismo pré-estabelecidos.

A cidade do Rio de Janeiro, então capital do país, lugar em que irei localizar minhas reflexões, onde desenvolvo minhas pesquisas, não era apenas sede da Escola Nacional de Belas Artes, herdeira do método acadêmico, famigerado processo que teria impedido seus artistas de arroubos vanguardistas. Apesar de abrigar vários tradicionalistas na cidade mais cosmopolita do país, havia muitos que almejavam caminhos diferenciados ou empreendiam percursos distantes de algo que poderia ser considerado retrógrado. Diante de uma cultura visual e material expandida, que incluía negociações de participação e cidadania, há possibilidades de se encontrar outras vias de modernidade, ativadas pelas esferas do sensível, que desenvolveram linguagens e sensações transformadoras.

Fantasia Decorativa

Em fevereiro de 1941, quando a Illustração Brazileira apresentou alguns artigos sobre carnaval, Fléxa Ribeiro publicou “Carnaval, arte decorativa”. Ao introduzir o texto, afirmava que “O enfeite é o elemento que melhor differencia o homem” (RIBEIRO, 1941RIBEIRO, Fléxa. Carnaval, arte decorativa, Illustração Brazileira, Rio de Janeiro, n. 70, pp. 8-9, fev. 1941., p. 8), defendendo a importância do ornamento que, no caso da sua aplicação na moda, seria igualmente foco de controle da opinião pública, o que dificultaria os mais ousados a exporem suas iniciativas, temendo repreensões. Segundo ele, somente uma ocasião permitiria a ultrapassagem dessa limitação: o carnaval, quando “o homem podia dar largas a sua fantasia decorativa” e “seus mais íntimos designios ornamentaes” (Ibidem, p. 9). E assim ele continuava o argumento:

E desde a mudança de sexo, ás variadas modalidades animaes, até os requintes extravagantes e imprevistos da indumentaria carnavalina, em tudo se exalta esse sonho de dar á forma uma riquesa decorativa, fóra das regras normais das proporções. O individuo busca nas excessivas crises das formas e das cores, outras harmonias espectaculares, para que no tumulto sua voz seja ouvida e para que seu typo seja notado e sua personalidade acentuada. (Ibidem, p. 9)

O crítico esclarecia que as fantasias se estabeleciam na seara das artes decorativas e que elas se afastavam dos cânones das imagens ideais, traduzidas em regras normais de proporções, as quais ainda poderiam encontrar resguardo nas belas artes mais conservadoras. Essa modalidade artística, tão preconceituosamente apartada da maioria da historiografia da arte, também identificada como artes aplicadas, não estava presa às demandas de uma formação acadêmica que lhe impusesse expectativas institucionais8 8 Somente em 1931 foi introduzida a discilina Artes alicadas - Tecnologia - Comosição decorativa ara todos os cursos da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), resumida ara Comosição decorativa em 1933. Em 1934 foi imlementado o curso de extensão de Arte decorativa, ofertado ela Escola Politécnica na Universidade do Rio de Janeiro (atual UFRJ). Idealizado or Eliseu Visconti, a direção ficou or conta de Fléxa Ribeiro e contou, como docentes, além dos dois citados, com Corrêa Lima, Paulo Santos, Paulo Pires, Henrique Cavalleiro, Rodolfo Amoedo, Luís Pereira e Iris Pereira. Aenas em 1948 foi arovado novo regimento da ENBA com a criação do curso de bacharelado de Arte decorativa (VIANA, 2015). . E mesmo aqueles formados em academias de artes, quando se aventuravam em diferentes searas artísticas, acabavam por ter maior liberdade criativa e a assumir outras personalidades9 9 Nos catálogos das Exosições Gerais de Belas Artes de fins do século XIX e início do século XX, os arquitetos Adolfo Morales de Los Rios, Ludovico Berna e Heitor de Melo, e os intores Eliseu Visconti, Helios Seelinger e Henrique Bernardelli, aresentaram decoração de interiores, vitrais, decoração de janela e teto, decoração mural, vitrais, selos e comosições decorativas ara cerâmica e taeçaria. (CATÁLOGO…, 1898, . 19-20; CATÁLOGO…, 1900, . 17; CATÁLOGO…, 1901; CATÁLOGO…, 1902, . 26-27). Em exosições subsequentes, adentrando-se elo século XX, é crescente a articiação de artistas, mesmo da Escola Nacional de Belas Artes e esecialmente de mulheres, a exorem na seção de Arte decorativa ou Arte alicada, denominação que sofre mudanças ao longo das décadas, fruto da instabilidade do seu conceito. . É como se essa área de atuação artística, menos prestigiosa, não maculasse suas carreiras oficiais e fosse mais afeita a excessos ou a diversificadas harmonias e fantasias estéticas, assemelhando-se ao próprio Carnaval, momento para brincadeiras e liberdades, condescendente com os demais dias do ano, laboriantes, tristes e sisudos.

Contudo, desde a assimilação de posturas relacionadas à arte nova, na versão visual orgânica ou geometrizada, quando muitos artistas criaram seus próprios repertórios ornamentais, a exemplo de Eliseu Visconti, Henrique Bernardelli e Theodoro Braga, os ares de renovação plástica já puderam ser observados em projetos voltados às artes decorativas. Vasos, vitrais, diplomas, frisos, painéis, etc. ultrapassavam a revisitação estilística europeia e impunham planificações, composições inovadoras e fantasias de estética moderna para o período da Belle Époque. Tais transformações também reverberaram por rótulos e pelos periódicos ilustrados em molduras, vinhetas e ilustrações, ou seja, nos impressos de uma arte gráfica com impressionante atualização nas décadas de 1910 e 1920 (CARDOSO, 2009CARDOSO, Rafael. Impressos no Brasil, 1808-1930: destaques da história gráfica no acervo da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Verso Brasil, 2009.). Ainda que diante de suas renovações, muitas dessas produções não foram consideradas posturas de modernidade, como se ainda estivessem na seara da fantasia, de um desejo de ornar, ainda que a estratégia fosse bem diferente.

Decerto, a fantasia decorativa ou ornamental e seus excessos foram alvo de duras críticas das vanguardas modernistas europeias, que reverberaram na historiografia da arte no Brasil. Conforme aponta Elissa Auther (2004AUTHER, Elissa. The Decorative, abstraction and the Hierarchy of art and Craft in the Art Criticism of Clement Greenberg, Oxford Art Journal, Oxford, v. 7, n. 3, pp. 341-364, 2004., p. 341), autores como Karl Scheffler e Adolf Loos, nas primeiras décadas do século XX, demonizaram a cultura de massas, o ornamento e a feminilidade na busca de apartar a decoração da arte e positivar a estética moderna de vanguarda, discurso consolidado décadas depois pelo crítico Clement Greenberg, especialmente na valorização da abstração que, segundo ele, transcendeu o decorativo, interpretado como próprio de uma baixa cultura, concernente à arte “acadêmica” de fácil apreensão, considerada kitsch, e decorrente de um declínio do gosto de uma sociedade de consumo afetada pelos produtos industriais serializados.

Se as novas artes pecavam pelo excesso e pela falta de gosto conforme alguns discursos intelectuais, embora dirigidas à elite, o que pensar então sobre produções que nem eram consideradas artísticas, imaginadas para agradar às massas? Com isso fica patente que se estabeleceu um paradigma do que seria arte pura moderna e o que seria a impura e fadada à condição não artística e não moderna. O deslumbramento seria uma recepção impura de obras efêmeras e para agradar o povo. Entretanto, é incontornável pensar que muitas manifestações originais ocorreram em áreas consideradas não artísticas, mas de forte impacto na cultura visual local, como o Carnaval, questão já indicada por Rafael Cardoso em Modernidade em preto e branco, em especial no capítulo “Uma festa pagã para a modernidade: arte, boemia e carnaval” (CARDOSO, 2022CARDOSO, Rafael. Modernidade em preto e branco. Arte e imagem, raça e identidade no Brasil, 1890-1945. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.).

Nos desfiles dos préstitos das grandes sociedades (Figura 1), com seus carros alegóricos altamente fantasiosos, sejam para o encantamento ou a crítica política, apesar de as notícias do sucesso que obtinham a cada Carnaval, era recorrente a crítica denegatória à sua estética. Para muitos não havia “qualquer preocupação de arte, cousa, aliás, impossível para mim nessa espécie de exhibições” (A ESTHETICA…, 1910, p. 22). As “purezas artísticas” jamais teriam aplausos dos populares, incapazes de apreciações refinadas, e eram os recursos cenográficos (tomados como a única feição artística possível) que importavam para a criação desses grandes objetos moventes e efêmeros: “Precisam ser vistosos, iluminados e impressionantes pelo berro das côres e pelo luxo dos dourados. […] O que o povo aprecia especialmente nessas occasiões é o deslumbramento” (Ibidem, p. 22).

FIGURA 1.
Os carros do desfile de Carnaval de 1910 no Rio de Janeiro, com a seguinte legenda: “Fenianos: I - Exportação fructifera (critica); II - Justa homenagem (allegorico); III - Apotheose das flores (allegorico); IV - Os gelos do Polo (allegorico); V - Aeroplano (allegorico); VI - Fantasia chineza (allegorico). Democraticos: 1 - A cheisha carnavalesca (allegorico); 2 - Recordações de Pompéa (allegorico); 3 - O parto do velho orgão (critica); 4 - O Reino da Flora (allegorico); 5 - O reintegrativo (critica); 6 - Delenda oedilis! (critica); 7 - A navegação nos ares (allegorico); 8 - Magnonias (allegorico). Tenentes: A - Fantazia japoneza (allegorico); B - O mesmo com uma garbosa geisha; C - Diabolo (allegorico); D - Reclusão de Flora (allegorico); E - Tour de force (allegorico)”.

As referências privilegiadas para vislumbrarmos essas coisas carnavalescas são os periódicos cariocas, apesar de as apresentarem em preto e branco e na imobilidade10 10 Um dos raros registros fílmicos do carnaval - O que foi o Carnaval de 1920! -, com direção de Alberto Botelho, ode ser encontrado no acervo do CTAv (Centro Técnico Audiovisual) e acessado elo link: <htts://www.youtube.com/watch?v=gq9rORyOyI>. Para além dos corsos, há cenas com o desfile dos clubes, odendo se vislumbrar a quantidade de úblico assistente e alguns movimentos de elementos dos carros alegóricos. da imagem fotográfica, de ilustrações, charges e vinhetas (desde Angelo Agostini). As irreverências e os impactos fantasiosos acabaram sendo reverberados por crônicas e artigos de opinião, alguns embaçados por preconceitos elitistas. Idealmente, seria desejável um desfilar de imagens ampliadas para melhor enxergar essas esculturas andantes e avaliá-las nas suas plásticas desconcertantes (Figura 2). Mas podemos imaginar o gigantismo de sua escala (para a época), olhar de relance as composições que desfiguravam a arte canônica e confrontar seus títulos criativos. Ainda que pudessem expor carros temáticos, com esculturas de gosto clássico ou a remissão a determinados países ou personagens, ou os divertidos carros de crítica com representações caricatas, os carros alegóricos eram os que assumiam as mais inesperadas montagens, fantasias abstratizantes e surreais, a comporem formas tridimensionais e cinéticas de uma realidade fantástica, completamente destoantes de tudo que se podia encontrar construído na cidade em forma de monumento.

FIGURA 2a
Recordação do carnaval e dos grandes préstitos - Fenianos. Carros: Reino das flores, Espelho encantado, Remoção dos canhões… da zona, Leque de Mme. de Pompadour, A coluna de Karnakc, Um beijo de Halley, O veneno infernal.

FIGURA 2b.
Imagens do préstito dos Tenentes do Diabo, com a seguinte legenda “Alguns carros dos Tenentes do Diabo, velha e victoriosa sociedade Carioca que concorre sempre com brilho ás pugnas carnavalescas”.

FIGURA 2c
Carnaval de 1914 - Os Democráticos. Carros: Império Chinez, O escrínio das joias, O Amor e o vinho, O Firmamento, Rosal florido, Salvador dos salvadores.

FIGURA 2d
Carros dos Tenentes do Diabo, carnaval de 1920, com a seguinte legenda: “Ao alto: Um aspecto do prestito do symphatico club carnavalesco - Ao centro: O Templo de Brahma, carro allegorico. Em baixo: A balança do Amor, carro critico-allegorico”.

FIGURA 2e
Carros dos Tenentes do Diabo, carnaval de 1921, com a seguinte legenda: “1, 2 e 7 - O carro chefe: Orpheu nos Infernos. 3 - Campeões brasileiros, carro allegorico. 4 - Carro homenagem a Santos Dumont e Bartholomeu de Gusmão. 5 - Os lucivelos, (abatjours), carro allegorico. 6 - A Fonte Castlia, lindo carro de alegoria. No segundo plano: diavolinas e o grupo dos 8 batutas, que entre outros acompanharam o préstito dos baetas”.

FIGURA 2f
Carros dos Tenentes do Diabo, carnaval de 1922, com a seguinte legenda: “Diversos aspectos do cortejo dos ‘baetas’: os carros alegóricos “O Sonho Azul”, “Magia Floral” e “Carrilhão do Amor”.

Diferentemente de espaços institucionalizados para exposições de artes visuais, os carros alegóricos apresentariam “[…] um grande espaço de arte em movimento. Uma galeria que se mostra à população sem medo de ousar” (FERREIRA, 2011FERREIRA, Felipe. Apresentação. In FEIJÓ, Carlos; NAZARETH, André. Artesãos da Sapucaí . São Paulo: Olhares , 2011, pp. 19-21., p. 21). Se o texto de Felipe Ferreira remete às escolas de samba atuais e assume sua manifestação como arte contemporânea, suas versões antecedentes já carregavam o compromisso de inovar, criticar, encantar e reunir inúmeros artistas e artesãos anônimos para expor na rua suas criações a todos que tivessem olhos para ver. Esculturas cinéticas e andantes (puxadas a burro ou cavalo), decoradas com alegorias e pessoas fantasiadas, desfilavam uma arte que parecia do improviso porque sem reconhecimento profissional daqueles que atuavam na produção dos préstitos. Por outro lado, figuras como Calixto Cordeiro (K. Lixto), José Fiúza Guimarães e Publio Marroig, renomados artistas nas revistas ilustradas mais destacadas e/ou populares e nos teatros, operaram significativamente, como cenógrafos, na criação desses desfiles de encantamento decorativo (CARNAVAL, 1913, p. 27-30).

Em reportagem para a Fon Fon (Figura 3), os três decoradores são procurados para serem entrevistados, quando parte dos espaços de confecção das alegorias é flagrada. Galpões precários, com artífices sentados ao chão, nada remete ao esplendor a ser apresentado, muito menos aos ateliês de artistas consagrados. Desconfiados com a visita, os três carnavalescos, conforme registra a legenda das imagens, estão distantes de mostrarem a alegria que suas criações deveriam despertar durante o desfile. A coisa era séria. Entre as disputas de melhor apresentação no carnaval, a originalidade deveria estar escondida a sete chaves, garantindo o fator surpresa e impedindo que os concorrentes lhes roubassem a ideia. O fator surpresa era parte inerente do espetáculo, um artifício para impactar o público e trazer imagens inesperadas de renovação (Figura 4). Pura (ou “impura”) modernidade!

FIGURA 3
Registro fotográfico da reportagem sobre os cenógrafos dos grandes clubes carnavalescos.

FIGURA 4
Página com fotografias dos três carros alegóricos de abertura dos préstitos no ano de 1916, sob o título “O carnaval no Rio de Janeiro. Os grandes préstitos de domingo último” e com a seguinte legenda: 1) “O Rei do Carnaval”, carro-chefe do Club dos Democraticos, feito pelo Sr. Angelo Lazary; 2) “Paz ao mundo”, carro-chefe do Club dos Fenianos, feito pelo Sr. Fiuza Guimarães; 3) “Apotheose ao ouro”, carro-chefe do Club dos Tenentes do Diabo, feito pelo sr. Publio Marroig.

Outro cenógrafo de renome foi Jayme Silva11 11 Jayme Silva, junto a João Cândido Ferreira, conhecido como De Chocolat, fundou a Comanhia Negra de Revista, que, aesar de sua curta existência, de julho de 1926 a julho de 1927, e de atritos entre os dois sócios, foi um marco na cena artística brasileira, ois era formada quase na sua totalidade or artistas negras e negros, o que, or outro lado, romoveu críticas de caráter racista sobre a imagem desejável do Brasil ela elite branca, esecialmente ela Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT) (BARROS, 2005). , português nascido em Arouca, distrito de Aveiro, que, começando como pintor de cenários para o teatro carioca, angariou glória nos anos 1910-20 criando alegorias para o clube dos Democráticos:

Carnavalesco de primeira ordem, o seu triumpho scenico designou-o, logo, para organizador artistico do prestito dos Democraticos. Imaginativo e original, rompendo com a tradição, imprimiu, desde logo, aos carros do grande Club o cunho da sua imaginação. E foram, desde logo, victorias sobre victorias, com as combinações audaciosas das cores, das luzes, dos movimentos, que embascavam a população do Rio na ultima noite de Carnaval. ( POLEIRO, 1925 POLEIRO, João do. Gente da “brocha”. Jayme Silva, A Maçã, Rio de Janeiro, n. 158, p. 15, 14 fev. 1925. , p. 15)

Imaginação, rompimento com a tradição, combinação audaciosa de cores, luzes e movimento, originalidade. Poucos artistas teriam recebido tais críticas nos Salões, mostrando a dificuldade da intelectualidade artística de enxergar uma modernidade em personagens e produções que estavam longe dos meios consagrados para a arte. Ao lado de Jayme Silva, havia também nomes como Ângelo Lazary e André Vento (REIRA, 1925REIRA, Zé P. Gente da “brocha” . Angelo Lazary, A Maçã, Rio de Janeiro, n. 159, p. 13, 21 fev. 1925., p. 13), além dos já conhecidos cenógrafos do carnaval, citados acima, bem como Helios Seelinger, Hipólito Colombo, Modestino Kanto, Miguel Bilotta, ou gente da “brocha”, como eram chamados os decoradores dos préstitos pela revista A Maçã, com suas apimentadas referências, certamente para fazer contraponto à gente do pincel12 12 Havia também seções denominadas “Brochas” e “Pinceis”, quando se fazia referência a artistas, como foi o caso de Antônio Parreiras em edição de A Maçã de 2 de outubro de 1926, e do ríncie Gagarin, de 30 de outubro de 1926. Também o cenógrafo Luís de Barros esteve resente na seção em 20 de novembro de 1926. (GENTE DA ‘BROCHA’, 1925). O estatuto artístico daqueles que empunhavam o pincel era bem diferente daqueles que usavam a brocha, dedicados a cenários teatrais e alegorias carnavalescas, apesar de muitos empunharem ambas ferramentas, o que não era tão raro assim.

Passado o carnaval, ainda se discutiam os desfiles, arrancando contendas a favor ou contra os baetas, carapicus ou gatos pretos, alcunha que o povo deu aos Tenentes do Diabo, Democráticos e Fenianos, respectivamente (ARMANDO, 1909). Embora esses clubes fossem formados por uma porção social privilegiada, os préstitos contavam com uma miríade de mão de obra que estava longe de gozar do progresso cotidiano acessível a uma parcela mínima da população. A estética carnavalesca, contudo, subvertia a realidade assimétrica, e a decoração eloquente realizada a muitas mãos tomava as ruas para encantar uma quantidade expressiva de olhos de variados extratos sociais, grande parte deles sem acesso à educação formal e ao habitus da intelectualidade, o que “confirma que a cultura de elite e a cultura popular eram permeáveis a trocas” (CARDOSO, 2022CARDOSO, Rafael. Modernidade em preto e branco. Arte e imagem, raça e identidade no Brasil, 1890-1945. São Paulo: Companhia das Letras, 2022., p. 116) e “que o meio das belas-artes era mais permeável à cultura popular do que se costuma supor” (Ibidem, p. 124).

A charge de K. Lixto em O Malho de 1904 (Figura 5), sob o título “Raul e Calixto depois do Carnaval”, apresenta-os esgotados e sem ideia para trabalharem nas ilustrações da revista, cercados de muitos personagens carnavalescos e a acusarem os carros dos Democráticos e Fenianos de terem consumido toda a criatividade da equipe editorial. A fantasia decorativa carnavalesca ofuscava até as mentes criativas (muitas das quais atuavam diretamente no Carnaval), apontando o quanto afetava o imaginário de toda a assistência mundana, desenvolvendo uma cultura visual de particular modernidade que se reverberava por outras formas artísticas.

Figura 5
K. Lixto, Raul e K. Lixto depois do carnaval, 1904. Abaixo do desenho, havia a seguinte legenda: “Estamos aqui, estamos sem idéas nenhumas! Si os Democraticos e os Fenianos puzeram tudo nos seus carros de idéas! (Dona Sinceridade, á parte: - O estrago é o diabo…)”.

O deslumbramento da fantasia decorativa era destinado aos gostos dos deseducados: “Aquillo que eu vi, fazendo mal á vista, de tanta luz e de tanto dourado póde ser o que vocês quiserem, mas nunca foi Arte, nem uma simples manifestação esthetica. Aquillo é pura scenographia vistosa” (FLAVIO, 1911, p. 11). Para outro articulista, ela não passaria de um “phantasmagoria de papel dourado e illunimada a fogos de bengala” (A ARTE CARNAVALESCA, 1911, p. 12), pois, sendo uma arte cenográfica, seria incapaz de perfeições estéticas. O povo só apreciava o que era escandaloso: “É o fogo de bengala, é o dourado da ornamentação, é a belleza, é o maillot da rapariga […]” (Ibidem, p. 12). A modernidade para o povo cosmopolita seria escandalosa e imperfeita na sua ornamentação carnavalesca. Em um lapso do tempo presente, nos três dias de folia, a modernidade da efemeridade, do passageiro, do contingencial estava incorporada em fantasias decorativas, “na vulgaridade, banalidade e sensualidade” (CARDOSO, 2022CARDOSO, Rafael. Modernidade em preto e branco. Arte e imagem, raça e identidade no Brasil, 1890-1945. São Paulo: Companhia das Letras, 2022., p. 230), típicas de um estado de ser carioca aos olhos de Mário de Andrade. Não era exclusivamente no “Brasil profundo” em que estariam referências para uma modernidade nacional. Ela pulsava no meio de uma cidade carnavalesca com disparidades sociais, na convivência assimétrica de pessoas diversas que frequentavam uma nova avenida, bairros portuários e litorâneos, favelas e subúrbios. Uma modernidade tão efêmera que foi praticamente desconsiderada dos debates sobre modernismos no Brasil, que não encontra fundamento no confronto entre modernos e contemporâneos, visto não tratar de formas ou estilos, mas de atitudes, atitudes de fantasia.

Aos que tinham acesso à voz nos periódicos não faltava um permissivo preconceito: “De vez em quando, ladeando o carro, elles viam passar os ‘cordões’ das associações populares, empoeirados, amarrotados, luzidios de suor, aos trancos e barrancos, empestando o ar abafado com a morrinha da carne excitada, de pelle escura” (ALMEIDA, 1925ALMEIDA, Julia Lopes de. A noite de carnaval, A Maçã, Rio de Janeiro, n. 159, p. 21, 21 fev. 1925., p. 21). Segundo Julia Lopes de Almeida, esses cordões pareciam reverenciar “algum Deus ou ídolo africano” (Ibidem, p. 21) e não gozavam da mesma fantasia e carnavalização da elite branca, que se comprazia com as batalhas de confete dos corsos, os bailes privados em clubes e hotéis e com a borbulhante champanhe e as borrifadas inebriantes de lança-perfume. As contradições e assimetrias sociais ecoavam também pelo Carnaval.

A Decoração Da Fantasia

Imagens caricatas, de humor, de brincadeira, povoavam os tempos de Carnaval, desde o antigo entrudo até os desfiles das sociedades carnavalescas e dos corsos, próprios da elite, e dos ranchos, cucumbis, blocos e cordões, conduzidos por populares. A formalidade e a seriedade estavam longe de deambular por essa festa. É na perspectiva da brincadeira e da fantasia que poderíamos encontrar outros caminhos para vislumbrar diferentes formas de modernidade13 13 É relevante lembrar que, em 2018, a Galeria da Gávea, no Rio de Janeiro, sob curadoria de Marcelo Camos, roôs a exosição coletiva “Vadios e beatos”, com o tema do Carnaval brasileiro, artindo da revisão da oinião de Gonzaga Duque sobre a oulação carioca, ignorante e acanhada, como um retardador ao avanço das artes. Mais de 100 anos deois da morte do crítico, a mostra com 18 artistas resgatou o triunfo dos vadios e beatos (CAMPOS, 2018). , cujas produções decorativas lhes conferiam materialidade e visualidade14 14 Em artigo de 1912 na revista Fon Fon intitulado “O carnaval de outr’ora: de 65-75 a 80-90. O que elle foi. Os antigos clubs e gruos”, enumeram-se as muitas agremiações que comuseram o carnaval carioca desde 1865, muitos dos quais já extintos à éoca (O CARNAVAL DE OUTR’ORA…, 1912). A longevidade de algumas iniciativas carnavalescas encobriu outras que merecem ser resgatadas ara os anais da história. Tal qual muitas revistas, gruos carnavalescos também gozaram da efemeridade de suas existências. Contudo, diferentemente dos eriódicos, não há quase registros de suas roduções. , em um “trabalho coletivo em sua criação e realização, sempre com uma quantidade de gente anônima, que não aparece nos ‘créditos’ mas que vive, ama e sonha com aquilo que faz” (PAMPLONA, 2011PAMPLONA, Fernando. Prefácio. In FEIJÓ, Carlos; NAZARETH, André. Artesãos da Sapucaí . São Paulo: Olhares , 2011, p. 13., p. 13).

Os excessos davam a tônica com outras formas de compor imagens para que cada fantasia pudesse ser percebida na multidão. O Carnaval, retomando Fléxa Ribeiro, era considerado momento privilegiado, quando “o cidadão pacato encontra sua veia artística” (RIBEIRO, op. cit., p. 9). Seria, assim, nas festas carnavalescas que se poderia “fixar o grau de espirito, de idealismos, de generosidade imaginosa que se perde diariamente, dentro de nós, por falta de applicação a serio em horas transfigurantes de fantasia…” (Ibidem, p. 9).

A fantasia15 15 Não retendemos discorrer sobre fantasia do onto de vista sicanalítico, esecialmente a artir das três dimensões lacanianas da fantasia síquica: a imaginária, a simbólica e a real, que, embora cabível, conferiria outro rumo ao texto, e que invocaria reflexões a artir dos aortes de Freud, Melaine Klein e do rório Lacan. permitia dissimulação de ordem social, de gênero e de raça. Uma liberdade de perambular pela cidade, praticamente sem interdição, possivelmente uma compensação para “o brutal, o doido, o inesquecível entrudo” (CASCUDO, 2005CASCUDO, Luís da Câmara. Carnaval! Carnaval! [1929]. In ARRAIS, Raimundo (org.). Crônicas de origem: a cidade do Natal nas crônicas cascudianas dos anos 20. Natal: EDUFRN, 2005, pp. 122-129., p. 123), cuja performatividade estava muito mais num jogo, cujo objetivo era cobrir o corpo alheio com farinhas, água, lama, limões de cheiro, portanto melar e mascarar os outros, e usar da pilhéria para promover insultos e expor alguém ao ridículo (CUNHA, 2001CUNHA, Maria Clementina Pereira. Ecos da folia: uma história social do carnaval carioca entre 1880 e 1920. São Paulo: Companhia das Letras, 2001., p. 26). Com a repressão do entrudo em prol de atitudes mais “civilizadas”, em fins do século XIX, o jogo se inverteria (ainda que o entrudo insistisse), e a fantasia passaria a ser o ponto de partida, planejada decoração corporal, criada e vestida, podendo ser improvisos de aniagem e roupas velhas ou baseadas em tradições europeias, como diabinhos, dominós, pierrots, colombinas e arlequins, ou a invenção de outras personagens: zé-pereiras vestidos de campim, velhos de cabeças grandes, narigudos com narizes postiços, pais-joãos (ou sujos), morcegos, índios, baianas… (Figuras 6). Fantasiar-se era uma atitude decorativa, e o ato de enfeitar-se envolvia mais do que agradar esteticamente. A decoração podia ser transgressão (Figura 7). Na capa da revista Fon Fon de 1911 são representados por K. Lixto três fantasiados muito compenetrados a criarem fantasias para os préstitos dos Fenianos, Tenentes do Diabo e Democráticos, representados pelo príncipe, o diabo e a colombina, fantasias tradicionais, mascaradas de luxo, que se misturavam às demais criações irreverentes, tanto criadas pelos próprios cenógrafos-figurinistas quanto pelos populares.

FIGURA 6
K. Lixto. Ilustração para a crônica de João do Rio “Elogio do Cordão”.

FIGURA 7
K. Lixto. Capa da revista Fon Fon (n. 7, 18 fev. 1911, representando as produções carnavalescas dos clubes dos Fenianos, Tenentes do Diabo e Democráticos.

Se o primeiro baile de mascarados, que remonta a 1846 (DORIA, 1925DORIA, Escragnolle. O primeiro baile mascarado no Rio, A Maçã, Rio de janeiro, n. 159, p. 25, 21 fev. 1925.), foi voltado para a elite, as máscaras e fantasias ganharam as ruas nas décadas subsequentes. Em fins do século XIX, a fantasia de diabo permitia encobrir a cor da pele, uma condescendência social momentânea, mas que acabou por tornar a personagem sinônimo de perigo e contravenção (NEPOMUCENO, 2013NEPOMUCENO, Eric Brasil. Diabos encarnados: carnaval e liberdade nas ruas do Rio de Janeiro (1879-1888). Textos escolhidos de cultura e arte populares, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, pp. 7-28, nov. 2013.), visto encobrir a cor da pele do fantasiado, acusadamente negro, pobre e/ou capoeira:

As mascaras feias, borradas a côres vivas, também se transformaram - passaram a carantonhas, cada qual mais terrível e arreganhada.

De anno para anno o crescimento dos diabos era visível. Dos diabinhos vieram os diabos, dos diabos os diabões, tão grande, tão espadaúdos appareceram! Não houve capoeira, moleque de máos bofes, rebotalho de bodegas e cortiços, que se não fantasiasse de diabinho para exercer suas façanhas cruéis. (DIP, 1911, p. 19)

Apesar de a fantasia do diabo ter sido importada originalmente, foi ganhando ares particulares no carnaval carioca. A caracterização poderia até ser feia, mas o impacto na sua atuação decorativa deixava marcas de subversão indeléveis. E muitas fantasias acintosas foram sendo reprimidas… Eram incômodos modernistas…

A máscara ou a pessoa mascarada gozava de uma liberdade especial, já que lhe facilitava o anonimato, instaurando um jogo duplo entre identidade e alteridade, o real e o imaginário, dando-lhe outro corpo (FERREIRA, 1999FERREIRA, Felipe. O marquês e o jegue: estudo das fantasias para escolas de samba. Rio de Janeiro: Altos da Glória, 1999., p. 98). Os mascarados brincavam com os passantes e muitos reclamavam da situação: “Tambem como é que um sujeito enverga uma phantasia, põe á cara uma mascara, vem pra a rua, encontra um pobre diabo e pergunta fanhosamente ou em voz de falsete: Você me conhece?” (VOCÊ ME CONHECE?, 1913, p. 35). A figura disfarçada se permitia liberdades de comportamentos e, com decoração travestida, incorporava personagem cuja transgressão lhe era inerente, uma alternativa para responder à desigualdade patente na expressão “Você sabe com quem está falando?” (DAMATTA, 1997DAMATTA, Roberto da. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6 ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.).

Algumas fantasias, ainda que alegres, incomodavam mais que outras. Muitos articulistas, sob pseudônimos convenientes, mostravam o preconceito burguês acerca “da incommoda alegria popular” (CARIOCA, 1908, p. 10). A respeito dos cordões, manifestações decorrentes de herança africana, fica patente o impacto de sua subversão: “A sua musica é triste, os seus versos medonhamente errados e inexpressivos e os seus vestuarios tem o escandalo das cores vivas e irritantes, como feitas para seduzir a visualidade mal educada de gentes barbaras. É o Carnaval” (Ibidem, p. 10). Tomada como atitude primitiva, aos olhos do articulista, tais manifestações eram consideradas um retrocesso na marcha da civilização, ao mesmo tempo, potencializavam as transformações de uma modernidade de comportamentos e das ousadias dos populares. Poderíamos, então, supor uma modernidade dos “incultos” e “malcriados”, que, na sua espontaneidade criativa, nas expressões “mal-educadas”, fora das normas cultas, e pelos incômodos provocados pelas fantasias escandalosas, desenvolviam pontos de inflexão para os olhares e ouvidos burgueses mais conservadores16 16 Na revista Careta, de 16 de janeiro de 1909, havia a seguinte notícia na coluna “Pequenas observações”, assinada or Enxergão: “O chefe da olicia rohibiu os indios no Carnaval elo seguinte: não querendo rohibir os sordidos cordões, rohibiu o que nelles havia de mais reles e indecente, isto, é, aquelles indios sem esirito que vão á frente a sorar aito, abrindo o caminho cum uma brutalidade sem nome”, como indicou K. Lixto na ilustração do texto de João do Rio, acima registrada. .

Em tom saudosista, em “Cartas de um aborrecido” (1913, p. 44), endereçada ao pierrot, o cronista se lamentava do abandono “da alvura immaculada da tua fantasia”, incompatível com “décor moderno do Carnaval de hoje”, afeito ao “disfarce popular de um clovis” e ao “barulho arranhador de um reco-reco africano” e às mulheres vestidas de maiô que lhes revelavam as formas e sacolejavam os quadris - a modernidade estava sendo percebida. E os modelos comportados à europeia foram cedendo espaço às manifestações populares que ousavam inventar outras fantasias, sons e performances. Do mesmo modo, nas grandes e pequenas sociedades, as indumentárias eram imaginadas como complementos da cena, para fazerem vista e ornarem o conjunto17 17 Algumas aquarelas de figurinos dos anos de 1910, de autoria de Amaro do Amaral ara o rancho Ameno Resedá, de Niterói, foram foco de esquisa de ós-doutorado de Madson Gomes de Oliveira, entre 2013 e 2014, no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRJ, ublicada em 2022. , perfazendo as mais inesperadas composições. E a prática dos banhos à fantasia trazia um atrativo a mais para a criatividade dos foliões, inspirados em seres aquáticos ou referências da vida marinha. Impossível não imaginar a relação dessas criações vestimentares com as capas que muitos artistas desenharam por ocasião do Carnaval. Ambas se utilizavam de capas sobre o rosto e o corpo e como meio de dar cara (a cara da revista), as quais tinham em comum as muitas experimentações visuais (Figura 8).

FIGURA 8a
Vaz, O Malho, 4 mar. 1905.

FIGURA 8b
K. Lixto. Fon Fon, n. 16, 4 fev. 1910.

FIGURA 8c
J. Carlos. Careta, n. 608, 11 fev. 1920.

Outra perspectiva sobre as fantasias seria sua particular efemeridade, opostamente às ideias de monumentalização e perenidade, que reforçam os valores que são considerados dignos de serem preservados, normalmente seguidores das regras estabelecidas pelo grupo social hegemônico. Se foram feitas para durar apenas um dia, ou horas, antes de serem desmanchadas ou mergulhadas no mar, seus efeitos eram tão momentâneos que foram desconsiderados nas suas agências de modernidade.

Como imaginar as capas de J. Carlos, na revista Para Todos, sem os ecos do carnaval em sua mente criativa? As capas mais pungentes deste artista, um dos mais destacados criadores da visualidade moderna no Brasil, foram as destinadas às representações carnavalescas, pelos anos 1920-30, afetadas pelas produções desses dias de liberalização imaginativa, em processo desde a virada do século XX. Suas imagens eram a mais contundente fantasia decorativa da modernidade, descendente dileto de tantos outros artistas que o antecederam afeitos às artes carnavalescas. Não se trata, contudo, da representação mimética do que J. Carlos assistia, mas a incorporação do espírito visual carnavalesco nas suas atitudes estéticas.

Muitas figuras femininas ostentavam as mais diversas vestes fantásticas (Figura 9), mesmo em meses distantes do Carnaval18 18 A revista Para Todos, desde sua criação (1918), ublicava caas com fotografias de artistas da cena teatral e cinematográfica, até J. Carlos introduzir caas com desenhos somente na éoca do Carnaval. A artir do número 378, de 13 de março de 1926, as caas ficaram exclusivamente a cargo do ilustrador. Dessa data em diante, inúmeras caas, ao longo deste ano e do seguinte, aresentaram imagens fantasiosas de mulheres fantasiadas em muitas edições sucessivas, as quais ermaneceram sazonalmente nos anos seguintes, instituindo criações “exuberantes, oníricas e elegantes” (SOBRAL, 2005, . 144). , reverberando as manifestações de folia esfuziante ao longo do ano, no processo de carnavalização das imagens. Até com modelos vestimentares passíveis de serem executados, as mais impressionantes composições das capas de J. Carlos foram de pura fantasia gráfica - chapéus, capas e inúmeras saias se transfiguravam em padrões decorativos. O arrebatamento do olhar com o escândalo das cores chapadas, os ornatos de deslumbramento e os excessos de contrastes, além do comportamento libertário e sedutor de suas personagens, expõem o quanto a fantasia carnavalesca promovia modernismo e quanto o modernismo criava fantasia. Um não pode ser pensado sem o outro.

FIGURA 9
As fantasias para além dos dias de Carnaval. Capas de J. Carlos para a Para Todos de 19 jun. 1926; 25 set. 1926 e 11 jun. 1927.

Fantasias De Modernidades Desviadas

Dos muitos relatos sobre o Carnaval carioca divulgados em jornais e revistas, pode-se vislumbrar os impactos da folia momesca. Reportagens sobre os préstitos, cordões, ranchos, bailes, sugestões para fantasias, crônicas visuais sobre foliões, críticas acerca dos comportamentos e das músicas, dentre tantas outras narrativas, permitem resgatar movimentos de desvios do cotidiano. Se nos demais dias do ano a elite branca espalhava-se pelas páginas em fotografias mostrando-se bem-vestida, elegante e civilizada (a exemplo de “Rio em flagrante”, na revista Fon Fon), a população desfavorecida era flagrada em caricaturas e reportagens desabonadoras, tomada como meliante, vagabunda ou por maltrapilho cão vira-lata.Era praticamente no Carnaval que muitas pessoas do povo podiam sair de sua condição subalternizada para se transformarem em reis, príncipes, senhores, e gozarem de liberdade de circulação em “grande estilo” pelas áreas prestigiosas da cidade, local que as acolhia normalmente em prestação de serviços inferiorizados. Os cordões não agradavam à intelectualidade, como o crítico Gonzaga Duque expressou em artigo na revista Kosmos: “É uma choréa selvagem, com esgares recordativos de ritos barbaros e uma pandórga d’alegria rustica” (DUQUE, 1906, p. 45). Sobre as fantasias, sentenciava:

[…] agitando esturdios cocares, ao requebro capadócio de hombros de que pendem rumas de belbutina negra, galões de prata, pennugens de arminho de algodão… E a notar esse complicado superabundante, estapafurdio luxo de capas, mantos, mantéos, capellinas e ressurgidas crenolines, agaloadas e bordadas num mixtiforio delirante de arabescos symbolicos, […]” (Ibidem, p. 45).

A crônica segue rememorando os arlequins, pierrots, colombinas e princeses vindos da Europa, elegantes e discretos, segundo o crítico, lamentando-se das novas fantasias e de outras manifestações que não primavam pela estética refinada. Seus olhos enxergavam exagero, simulação de luxo, esquisitices ornamentais, selvagerias caricatas, embalados a sons ruidosos e sem ritmo. Ele mesmo completaria: “Mas a erudição contraria o carnaval” (Ibidem, p. 48). E foi justo essa erudição intelectualizada que não conseguiu ver a atuação de grupos marginais ou mesmo os préstitos a se entregarem aos brilhos falsos das fantasias para trespassar suas condições sociais, como uma emancipação e uma subversão a legitimar uma modernidade possível.

Os carnavalescos e foliões tomariam atitudes desviantes, vivendo por breves dias para além das fronteiras das regras sociais estabelecidas, ainda que certas condutas, informalmente constituídas, fossem consentidas e admitidas. A partir de algumas crônicas tratadas aqui é patente o processo de tornar público o incômodo provocado por algumas manifestações, em especial se realizadas por grupos sociais subalternos. Como lembra o sociólogo americano Howard Becker, “Desvio não é uma qualidade que reside no próprio comportamento, mas na interação entre a pessoa que comete um ato e aquelas que reagem a ele” (BECKER, 2008BECKER, Howard S. Outsiders. Estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008., p. 27). Se as reações podem ser vistas por críticas maledicentes, dentro dos préstitos e ranchos os desviantes se tornariam os insiders, e o público autorizado a falar sobre eles, os outsiders, da mesma forma que acontecia com os fantasiados e mascarados nas ruas, quebrando os limites da regra e do delito, da hierarquia e da diferenciação.

No jogo de disputas sociais entre quem são os autorizados a estabelecer as regras, haverá sempre os desviados, considerados extravagantes e não convencionais. E se essas podem ser atitudes concernentes aos modernismos, no campo das artes, por que não considerar outras manifestações com comportamentos também de desvio? A fantasia decorativa estaria nessa agência do desvio: “Cumpre vê-lo como um tipo de comportamento que alguns reprovam e outros valorizam, estudando os processos pelos quais cada uma das perspectivas é construída e conservada” (Ibidem, p. 178).Os exageros caricatos, as deformações bem-humoradas, as aberrações plásticas, garantiam as imagens materializadas de insurreição decorativa, percebidas pelo público como expressões inovadoras. As fantasias permitiam subverter regras, ultrapassar a realidade catastrófica de muitos desafortunados e desviados, pois configuravam um sonho materializado e vivido. E se também muitos artistas se dedicaram a criar fantasias decorativas, traduzidas em carros alegóricos, cenários e indumentárias, em especial nas duas primeiras décadas do século XX, o que acabou angariando maior reconhecimento foram as representações da folia ou seu imaginário fantasioso cooptado por artistas modernistas nas ditas artes maiores.

A modernidade anunciada pelo Carnaval, amparada tanto por artistas gráficos-cenógrafos quanto por anônimos, merece uma visada mais cuidadosa para compreender os trânsitos de diferentes mídias que estavam a experimentar outras imagens modernistas bem antes da Semana de Arte Moderna. Diferentemente de telas e esculturas imersas em salões e galerias, interditadas socialmente à maioria da população, as artes gráficas e decorativas e populares, especialmente voltadas ao Carnaval, foram capazes de construir uma cultura visual de modernidade bem mais ampla e disseminada.

Mas o Carnaval termina. O corpo extenuado, as fantasias rotas, o rosto borrado pelo suor, carros alegóricos destroçados. A máscara, a alegoria e a indumentária carnavalescas talvez não sirvam mais. Mesmo com sua efemeridade, com o fugidio de suas cores, movimentos e brilhos, as memórias do vivido não se apagam, deixando marcas indeléveis que merecem ser resgatadas, fazendo da folia decorativa possível uma potência para borrar fronteiras entre o que seria arte culta e popular, arte moderna e tradicional, arte e não arte. É especialmente a partir dos anos 1930 que poderemos assistir a um certo reconhecimento dessas experiências momescas das décadas anteriores, quando outras gerações de artistas irão ser legitimadas por suas produções efêmeras, a exemplo de Gilberto Trompowsky19 19 Para além de ilustrações, cenários ara teatro, bailes e desfiles carnavalescos, Gilberto Tromowsky (1908-1982) também desenhava fantasias, como as que foram editadas na revista Bazar de número 7, de 15 de janeiro de 1932. (este, “bem-criado” pela Escola Nacional de Belas Artes, como alguns dos artistas do Carnaval mencionados neste texto) e de muitos outros que continuaram no anonimato e não tiveram acesso à educação formal (os “malcriados”). A partir dos anos 1940, a modernidade decorativa do Carnaval se institucionalizaria, com a organização das escolas de samba e as decorações de rua (GUIMARÃES, 2006). Nessas duas décadas, muitos foram os artistas que se dedicaram a representar o Carnaval em formas de modernidades.

Há muito ainda o que se olhar para a produção simbólica dos incultos, malcriados e desviados para perceber várias outras modernidades, cujos conceitos impermeáveis do mundo da arte (ou suas ranzinzas rãs) não permitiam dar a ver e a conhecer os vira-latas, iaras, porcos e inúmeras personagens que produziram as fantasias decorativas da modernidade. A eles caberia a pergunta a muitos historiadores da arte: você me conhece?

Referências Bibliográficas

  • A ARTE CARNAVALESCA, Fon Fon, Rio de Janeiro, n. 9, p. 12, 4 mar. 1911.
  • A ESTHETHICA DOS PRESTITOS CARNAVALESCOS, Fon Fon , Rio de Janeiro, n. 9, p. 22, 26 fev. 1910.
  • ALMEIDA, Julia Lopes de. A noite de carnaval, A Maçã, Rio de Janeiro, n. 159, p. 21, 21 fev. 1925.
  • ANDRADE, Mário de. Carnaval carioca. In MANFIO, Diléa Zanotto (ed.). Poesias completas. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1987, pp. 163-173.
  • ARMANDO. Isso é verdade, Fon Fon , Rio de Janeiro, n. 10, p. 9, 6 mar. 1909.
  • AUTHER, Elissa. The Decorative, abstraction and the Hierarchy of art and Craft in the Art Criticism of Clement Greenberg, Oxford Art Journal, Oxford, v. 7, n. 3, pp. 341-364, 2004.
  • BARROS, Orlando de. Corações de Chocolat: a história da Companhia Negra de Revistas (1926-1927). Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2005.
  • BARROSO, Gustavo. Que fim levou?…, Fon Fon , Rio de Janeiro, n. 12, p. 15, 13 jan. 1940.
  • BECKER, Howard S. Outsiders. Estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
  • CAMPOS, Marcelo. Vadios e beatos. Rio de janeiro: Galeria da Gávea, 2018. Disponível em: Disponível em: http://www.galeriadagavea.com.br/uploads/exposition/ release_pt_br/13/Vadios_e_Beatos.pdf Acesso em: fev. 2022.
    » http://www.galeriadagavea.com.br/uploads/exposition/ release_pt_br/13/Vadios_e_Beatos.pdf
  • CARDOSO, Rafael. Impressos no Brasil, 1808-1930: destaques da história gráfica no acervo da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Verso Brasil, 2009.
  • CARDOSO, Rafael. Modernidade em preto e branco. Arte e imagem, raça e identidade no Brasil, 1890-1945. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
  • CARIOCA. O meu domingo, Fon Fon, Rio de Janeiro, n. 48, p. 10, 7 mar. 1908.
  • CARNAVAL. Fallam os tres scenographos Kalixto, Fiuza e Marroig, Fon Fon , Rio de janeiro, n. 5, pp. 28-30, 1 fev. 1913.
  • CARTAS DE UM ABORRECIDO. A pierrot, Fon Fon , Rio de Janeiro, n. 4, p. 44, 25 jan. 1913.
  • CASCUDO, Luís da Câmara. Carnaval! Carnaval! [1929]. In ARRAIS, Raimundo (org.). Crônicas de origem: a cidade do Natal nas crônicas cascudianas dos anos 20. Natal: EDUFRN, 2005, pp. 122-129.
  • CATÁLOGO DA QUINTA EXPOSIÇÃO GERAL DE BELLAS-ARTES. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Bellas-Artes, 1898.
  • CATÁLOGO DA SÉTIMA EXPOSIÇÃO GERAL DE BELLAS-ARTES. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Bellas-Artes , 1900.
  • CATÁLOGO DA OITAVA EXPOSIÇÃO GERAL DE BELLAS-ARTES. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Bellas-Artes , 1901.
  • CATÁLOGO DA NONA EXPOSIÇÃO GERAL DE BELLAS-ARTES. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Bellas-Artes , 1902.
  • CUNHA, Maria Clementina Pereira. Ecos da folia: uma história social do carnaval carioca entre 1880 e 1920. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
  • DAMATTA, Roberto da. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6 ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
  • DIP. Diabinhos. Notas de outr’ora, Fon Fon , Rio de Janeiro, n. 8, pp. 19-20, 24 fev. 1911.
  • DORIA, Escragnolle. O primeiro baile mascarado no Rio, A Maçã, Rio de janeiro, n. 159, p. 25, 21 fev. 1925.
  • ENXERGÃO. Pequenas observações, Careta, Rio de Janeiro, n. 33, p. 22, 16 jan. 1909.
  • FEIJÓ, Carlos; NAZARETH, André. Artesãos da Sapucaí. São Paulo: Olhares, 2011.
  • FERREIRA, Felipe. O marquês e o jegue: estudo das fantasias para escolas de samba. Rio de Janeiro: Altos da Glória, 1999.
  • FERREIRA, Felipe. O livro de ouro do carnaval brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.
  • FERREIRA, Felipe. Apresentação. In FEIJÓ, Carlos; NAZARETH, André. Artesãos da Sapucaí . São Paulo: Olhares , 2011, pp. 19-21.
  • FERREIRA, Luiz Felipe. Rio de janeiro, 1850-1930: a cidade e seu carnaval. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/article/viewFile/7223/5221 Acesso em: jan. 2022.
    » https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/article/viewFile/7223/5221
  • FLAVIO. Dias passados, Fon Fon , Rio de Janeiro, n. 9, p. 11, 4 mar. 1911.
  • FLUMINENSE, Américo. O carnaval no Rio (notas ligeiras para uma chronica), Kósmos, Rio de Janeiro, n. 2, p. 29, fev. 1907.
  • GENTE DA ‘BROCHA’, A Maçã, Rio de Janeiro, n. 159, p. 12, 21 fev. 1925.
  • GONÇALVES, Lisbeth Rebollo. Apresentação [Dossiê Semana de Arte Moderna], Revista USP, São Paulo, n. 94, pp. 6-8, jun./ago. 2012.
  • GUIMARÃES, Helenise Monteiro. A batalha das decorações: a Escola de Belas Artes e o carnaval carioca. Tese (Doutorado) − Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
  • HOCK, Beáta; KEMP-WELCH, Klara; OWEN, Jonathan. Introduction: Towards a Minor Modernism? In HOCK, Beáta; KEMP-WELCH, Klara; OWEN, Jonathan (ed.). A Reader in East-Central-European Modernism, 1918-1956. London: The Courtauld Institute of Art, 2019, pp. 10-19.
  • MALTA, Marize. Casa assombrada ou circo dos horrores? Discussão sobre territórios para objetos do mal. In ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 19, 2010, Cachoeira. Anais […] Salvador: ANPAP/UFBA, 2010, pp. 650-664.
  • MALTA, Marize. Versions of Modernity in the Household Magazine A Casa (1923-45). In CORREA, Felipe Botelho; GUIMARÃES, Valéria dos Santos; VELLOSO, Monica Pimenta (org.). Magazines and Modernity in Brazil. Transnational Networks and Cross-Cultural Exchanges. London: Antehm Press, 2020, pp. 77-93.
  • NAVES, Rodrigo. A forma difícil. Ensaios sobre arte brasileira. São Paulo: Ática, 1996.
  • NEPOMUCENO, Eric Brasil. Diabos encarnados: carnaval e liberdade nas ruas do Rio de Janeiro (1879-1888). Textos escolhidos de cultura e arte populares, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, pp. 7-28, nov. 2013.
  • MORAES, Eneida de. História do carnaval carioca. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1958.
  • O CARNAVAL DE OUTR’ORA. De 65-75 a 80-90. O que elle foi. Os antigos clubs e grupos, Fon Fon , Rio de Janeiro, n. 14, pp. 32-33, 6 abr. 1912.
  • OLIVEIRA, Madson. A folia carnavalesca de 1913 e o rancho Ameno Resedá. Rio de Janeiro: Rio Books /Faperj, 2012.
  • O QUE FOI O CARNAVAL DE 1920! Direção de Alberto Botelho. Rio de Janeiro: Centro Técnico Audiovisual, 1920. (12 min.) Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=pgq9rORyOyI Acesso em: fev. 2022.
    » https://www.youtube.com/watch?v=pgq9rORyOyI
  • PAMPLONA, Fernando. Prefácio. In FEIJÓ, Carlos; NAZARETH, André. Artesãos da Sapucaí . São Paulo: Olhares , 2011, p. 13.
  • POLEIRO, João do. Gente da “brocha”. Jayme Silva, A Maçã, Rio de Janeiro, n. 158, p. 15, 14 fev. 1925.
  • REIRA, Zé P. Gente da “brocha” . Angelo Lazary, A Maçã, Rio de Janeiro, n. 159, p. 13, 21 fev. 1925.
  • RIBEIRO, Fléxa. Carnaval, arte decorativa, Illustração Brazileira, Rio de Janeiro, n. 70, pp. 8-9, fev. 1941.
  • RODRIGUES, Nelson. Complexo de vira-latas. In CASTRO, Ruy (org.). À sombra das chuteiras imortais. São Paulo: Companhia das Letras , 1993, pp. 51-52.
  • ROITER, Márcio Alves. A casa art déco carioca. Rio de Janeiro: Espaço Cultural, 2007.
  • SARLO, Beatriz. Una modernidad periferica: Buenos Aires 1920 y 1930. Buenos Aires: Nueva Visión, 1988.
  • SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti; MIGLIACCIO, Luciano. Art déco no Brasil. Coleção Fulvia e Adolpho Leirner. São Paulo: Olhares , 2020.
  • SOBRAL, Julieta. J. Carlos, designer. In CARDOSO, Rafael (org.). O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica 1860-1960. São Paulo: Cosac Naify, 2005, pp. 124-159.
  • TIBURI, Marcia. Complexo de vira-lata: análise da humilhação colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2021.
  • VELLOSO, Monica Pimenta. Modernismo no Rio de Janeiro: turunas e quixotes. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996.
  • VIANA, Marcele Linhares. Arte decorativa na Escola Nacional de Belas Artes - Inserção, conquista de espaço e ocupação (1930-1950). 2015. Tese (Doutorado em Artes Visuais) - Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
  • VOCÊ ME CONHECE?, Fon Fon , Rio de Janeiro, n. 5, p. 35, 1 fev. 1913.
  • WANDERLEY, Andrea C. T. O carnaval nas primeiras décadas do século XX, Brasiliana fotográfica . São Paulo. Instituto Moreira Salles, 2016. Disponível em: Disponível em: https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?p=4376 Acesso em: jan. 2022.
    » https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?p=4376

NOTAS

  • 1
    Agradeço a Gustavo Polycaro or ter comartilhado a letra, em leno centenário da semana de arte aulista, o que me roiciou resgatar uma oética que estava adormecida nos recônditos da memória.
  • 2
    Desde 2021 vêm ocorrendo inúmeros eventos com a temática do modernismo: o ciclo de encontros on-line “1922: modernismos em debate”, organizado elo Instituto Moreira Salles (IMS), Museu de Arte Contemorânea da USP (MAC-USP) e Pinacoteca do Estado de São Paulo. No Rio de Janeiro, a Festa Literária das Periferias celebrou, em fevereiro de 2022, o “Modernismo negro”, no Museu de Arte do Rio (MAR) e no Museu da História e Cultura Afro-Brasileira (Muhcab). Entre inúmeras exosições, odemos destacar: “Era uma vez o Moderno (1904-1944)”, Centro Cultural FIESP; “Brasilidade Pós-Modernismo”, Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB); “Modernismo: destaque do acervo”, Pinacoteca de São Paulo; “Modernidades fora de foco: a fotografia e o cinema no Brasil”, IMS; “A afirmação modernista: a aisagem e o oular carioca na coleção Banerj”, Paço Imerial; “Arte conquista”, Memorial Régis Pacheco; “Recortes modernos”, Palácio da Liberdade; “Esse extraordinário Mário de Andrade”, “Os artistas modernistas”, “A volta do baile da SPAM de Lasar Segall”, Museu Afro Brasil; “Projetos ara um cotidiano moderno no Brasil (1920-1960)”, MAC-USP; “Raio-que-o-arta: ficções do moderno no Brasil”, SESC 24 de Maio.
  • 3
    Não custa lembrar o trabalho ioneiro de Monica Pimenta Velloso (1996VELLOSO, Monica Pimenta. Modernismo no Rio de Janeiro: turunas e quixotes. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996.), que argumentou a antecedência do modernismo carioca em relação ao aulista.
  • 4
    Essas várias facetas de modernidades, reunindo manifestações neocoloniais, art déco e racionalistas, no camo da arquitetura, decoração de interiores e mobiliário, foram esecialmente visíveis no eriódico A Casa (MALTA, 2020MALTA, Marize. Versions of Modernity in the Household Magazine A Casa (1923-45). In CORREA, Felipe Botelho; GUIMARÃES, Valéria dos Santos; VELLOSO, Monica Pimenta (org.). Magazines and Modernity in Brazil. Transnational Networks and Cross-Cultural Exchanges. London: Antehm Press, 2020, pp. 77-93.).
  • 5
    Essa ergunta já rocurou ser resondida or inúmeros historiadores, teóricos, estetas e críticos da arte, com a ideia de linguagens, atitudes, manifestos, temáticas ou comosições lásticas articulares, dentre outros, cuja indicação da fortuna crítica não caberia neste esaço. Em contraartida, estudos sobre modernidades em aíses eriféricos nas últimas décadas redimensionaram as visadas sobre seus modernismos. Como já lembrava Lisbeth Rebollo Gonçalves, que organizou um dossiê sobre a Semana de Arte Moderna ara a Revista USP em 2012GONÇALVES, Lisbeth Rebollo. Apresentação [Dossiê Semana de Arte Moderna], Revista USP, São Paulo, n. 94, pp. 6-8, jun./ago. 2012., “Sabe-se que há uma teia de comlexidades, qualidades e características culturais que é reciso continuamente desvendar” (GONÇALVES, 2012GONÇALVES, Lisbeth Rebollo. Apresentação [Dossiê Semana de Arte Moderna], Revista USP, São Paulo, n. 94, pp. 6-8, jun./ago. 2012., . 6). Muitos dos autores resentes no dossiê aresentam artigos com outras visadas sobre as tensões do “nosso” modernismo.
  • 6
    Termo cunhado elo dramaturgo Nelson Rodrigues em 1958, ublicado na revista Manchete Esortiva, remetendo à derrota da seleção brasileira de futebol ara os uruguaios, na Coa de 1950, e reconsiderado recentemente ela filósofa Márcia Tiburi (2021TIBURI, Marcia. Complexo de vira-lata: análise da humilhação colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2021.), abordando a estratégia da humilhação desenvolvida a artir da colonização.
  • 7
    Dentre as oucas vozes que buscaram dar maior visibilidade ao art déco no Brasil, odemos citar Márcio Roiter, fundador do Instituto Art Déco Brasil, antiquário, colecionador e curador de algumas exosições, como “A Casa Art Déco Carioca”, ocorrida no Esaço Cultural Península, no Rio de Janeiro (ROITER, 2007ROITER, Márcio Alves. A casa art déco carioca. Rio de Janeiro: Espaço Cultural, 2007.). Taetes e cerâmicas de Fernando Correia Dias, relevos e mosaicos de Humberto Cozzo, móveis de Maurice Nozières ara Laubisch Hirth e Leandro Martins e de Antônio Borsoi ara Marcenaria Auler, Laubisch Hirth e Le Mobilier, cenários de Oswaldo Teixeira e a Cerâmica Itaiava são exemlos de trabalhos realizados ao gosto art déco ouco referenciados ela historiografia da arte. No camo do colecionismo, a coleção Fúlvia e Adolho Leirner é exemlo de valorização das artes alicadas dos anos 1920 e 1930, resgatando nomes como Antônio Gomide, Regina Gomide Graz, Cássio M’Boy, Antonio Paim Vieira e reforçando os já conhecidos trabalhos de John Graz e Gregori Warchavchik, dentre os inúmeros ilustradores e artistas que se destacaram nesse eríodo, em esecial em São Paulo (SIMIONI; MIGLIACCIO, 2020SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti; MIGLIACCIO, Luciano. Art déco no Brasil. Coleção Fulvia e Adolpho Leirner. São Paulo: Olhares , 2020.).
  • 8
    Somente em 1931 foi introduzida a discilina Artes alicadas - Tecnologia - Comosição decorativa ara todos os cursos da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), resumida ara Comosição decorativa em 1933. Em 1934 foi imlementado o curso de extensão de Arte decorativa, ofertado ela Escola Politécnica na Universidade do Rio de Janeiro (atual UFRJ). Idealizado or Eliseu Visconti, a direção ficou or conta de Fléxa Ribeiro e contou, como docentes, além dos dois citados, com Corrêa Lima, Paulo Santos, Paulo Pires, Henrique Cavalleiro, Rodolfo Amoedo, Luís Pereira e Iris Pereira. Aenas em 1948 foi arovado novo regimento da ENBA com a criação do curso de bacharelado de Arte decorativa (VIANA, 2015VIANA, Marcele Linhares. Arte decorativa na Escola Nacional de Belas Artes - Inserção, conquista de espaço e ocupação (1930-1950). 2015. Tese (Doutorado em Artes Visuais) - Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.).
  • 9
    Nos catálogos das Exosições Gerais de Belas Artes de fins do século XIX e início do século XX, os arquitetos Adolfo Morales de Los Rios, Ludovico Berna e Heitor de Melo, e os intores Eliseu Visconti, Helios Seelinger e Henrique Bernardelli, aresentaram decoração de interiores, vitrais, decoração de janela e teto, decoração mural, vitrais, selos e comosições decorativas ara cerâmica e taeçaria. (CATÁLOGO…, 1898, . 19-20; CATÁLOGO…, 1900, . 17; CATÁLOGO…, 1901; CATÁLOGO…, 1902, . 26-27). Em exosições subsequentes, adentrando-se elo século XX, é crescente a articiação de artistas, mesmo da Escola Nacional de Belas Artes e esecialmente de mulheres, a exorem na seção de Arte decorativa ou Arte alicada, denominação que sofre mudanças ao longo das décadas, fruto da instabilidade do seu conceito.
  • 10
    Um dos raros registros fílmicos do carnaval - O que foi o Carnaval de 1920! -, com direção de Alberto Botelho, ode ser encontrado no acervo do CTAv (Centro Técnico Audiovisual) e acessado elo link: <htts://www.youtube.com/watch?v=gq9rORyOyI>. Para além dos corsos, há cenas com o desfile dos clubes, odendo se vislumbrar a quantidade de úblico assistente e alguns movimentos de elementos dos carros alegóricos.
  • 11
    Jayme Silva, junto a João Cândido Ferreira, conhecido como De Chocolat, fundou a Comanhia Negra de Revista, que, aesar de sua curta existência, de julho de 1926 a julho de 1927, e de atritos entre os dois sócios, foi um marco na cena artística brasileira, ois era formada quase na sua totalidade or artistas negras e negros, o que, or outro lado, romoveu críticas de caráter racista sobre a imagem desejável do Brasil ela elite branca, esecialmente ela Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT) (BARROS, 2005BARROS, Orlando de. Corações de Chocolat: a história da Companhia Negra de Revistas (1926-1927). Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2005.).
  • 12
    Havia também seções denominadas “Brochas” e “Pinceis”, quando se fazia referência a artistas, como foi o caso de Antônio Parreiras em edição de A Maçã de 2 de outubro de 1926, e do ríncie Gagarin, de 30 de outubro de 1926. Também o cenógrafo Luís de Barros esteve resente na seção em 20 de novembro de 1926.
  • 13
    É relevante lembrar que, em 2018, a Galeria da Gávea, no Rio de Janeiro, sob curadoria de Marcelo Camos, roôs a exosição coletiva “Vadios e beatos”, com o tema do Carnaval brasileiro, artindo da revisão da oinião de Gonzaga Duque sobre a oulação carioca, ignorante e acanhada, como um retardador ao avanço das artes. Mais de 100 anos deois da morte do crítico, a mostra com 18 artistas resgatou o triunfo dos vadios e beatos (CAMPOS, 2018CAMPOS, Marcelo. Vadios e beatos. Rio de janeiro: Galeria da Gávea, 2018. Disponível em: Disponível em: http://www.galeriadagavea.com.br/uploads/exposition/ release_pt_br/13/Vadios_e_Beatos.pdf . Acesso em: fev. 2022.
    http://www.galeriadagavea.com.br/uploads...
    ).
  • 14
    Em artigo de 1912 na revista Fon Fon intitulado “O carnaval de outr’ora: de 65-75 a 80-90. O que elle foi. Os antigos clubs e gruos”, enumeram-se as muitas agremiações que comuseram o carnaval carioca desde 1865, muitos dos quais já extintos à éoca (O CARNAVAL DE OUTR’ORA…, 1912). A longevidade de algumas iniciativas carnavalescas encobriu outras que merecem ser resgatadas ara os anais da história. Tal qual muitas revistas, gruos carnavalescos também gozaram da efemeridade de suas existências. Contudo, diferentemente dos eriódicos, não há quase registros de suas roduções.
  • 15
    Não retendemos discorrer sobre fantasia do onto de vista sicanalítico, esecialmente a artir das três dimensões lacanianas da fantasia síquica: a imaginária, a simbólica e a real, que, embora cabível, conferiria outro rumo ao texto, e que invocaria reflexões a artir dos aortes de Freud, Melaine Klein e do rório Lacan.
  • 16
    Na revista Careta, de 16 de janeiro de 1909, havia a seguinte notícia na coluna “Pequenas observações”, assinada or Enxergão: “O chefe da olicia rohibiu os indios no Carnaval elo seguinte: não querendo rohibir os sordidos cordões, rohibiu o que nelles havia de mais reles e indecente, isto, é, aquelles indios sem esirito que vão á frente a sorar aito, abrindo o caminho cum uma brutalidade sem nome”, como indicou K. Lixto na ilustração do texto de João do Rio, acima registrada.
  • 17
    Algumas aquarelas de figurinos dos anos de 1910, de autoria de Amaro do Amaral ara o rancho Ameno Resedá, de Niterói, foram foco de esquisa de ós-doutorado de Madson Gomes de Oliveira, entre 2013 e 2014, no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRJ, ublicada em 2022.
  • 18
    A revista Para Todos, desde sua criação (1918), ublicava caas com fotografias de artistas da cena teatral e cinematográfica, até J. Carlos introduzir caas com desenhos somente na éoca do Carnaval. A artir do número 378, de 13 de março de 1926, as caas ficaram exclusivamente a cargo do ilustrador. Dessa data em diante, inúmeras caas, ao longo deste ano e do seguinte, aresentaram imagens fantasiosas de mulheres fantasiadas em muitas edições sucessivas, as quais ermaneceram sazonalmente nos anos seguintes, instituindo criações “exuberantes, oníricas e elegantes” (SOBRAL, 2005SOBRAL, Julieta. J. Carlos, designer. In CARDOSO, Rafael (org.). O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica 1860-1960. São Paulo: Cosac Naify, 2005, pp. 124-159., . 144).
  • 19
    Para além de ilustrações, cenários ara teatro, bailes e desfiles carnavalescos, Gilberto Tromowsky (1908-1982) também desenhava fantasias, como as que foram editadas na revista Bazar de número 7, de 15 de janeiro de 1932.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Ago 2022

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2022
  • Aceito
    01 Jun 2022
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Depto. De Artes Plásticas / ARS, Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, 05508-900 - São Paulo - SP, Tel. (11) 3091-4430 / Fax. (11) 3091-4323 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ars@usp.br