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A crítica de Frederico Morais e a Semana de 22: Mário de Andrade, Núcleo Bernardelli, Rio de Janeiro e desejo de revisão histórica do modernismo no Brasil

The Criticism of Frederico Morais and the “Semana de 22”: Mário de Andrade, Bernardelli Group, Rio de Janeiro and Desire for a Historical Revision of Modernism in Brazil

La crítica de Frederico Morais y la Semana del 22: Mário de Andrade, Núcleo Bernardelli, Río de Janeiro y la intención de una revisión histórica del modernismo en Brasil

Resumo

Este artigo analisa as transformações na produção do crítico brasileiro Frederico Morais (Belo Horizonte, 1936) a partir do início da década de 1980, quando suas posições sobre quais rumos deveria tomar a arte brasileira tornam-se gradativamente menos incisivas, e o tom de seus textos, mais conciliatório. Um discurso mais palatável, em comparação com os combativos anos 1960 e 1970, quando advogava em favor de uma arte de vanguarda no país. Isso acontece simultaneamente à dinâmica de sua incorporação pelo sistema brasileiro de arte, ou seja, uma institucionalização do crítico, que passa a atuar junto às galerias Acervo e Banerj, além de escrever e editar livros e catálogos para companhias como Sul América, Banco Sudameris, leilões Soraia Cals e Instituto Itaú Cultural. Nestas publicações, Morais passa a promover uma revisão sistemática da Semana de 22, em favor de um modernismo que, segundo ele, teria se consolidado a partir do Núcleo Bernardelli, no Rio de Janeiro.

Palavras-Chave:
Arte brasileira; Semana de 22; Núcleo Bernardelli; Modernismo brasileiro, Vanguarda brasileira

Abstract

This article analyzes the transformations in the production of the Brazilian critic Frederico Morais (Belo Horizonte, 1936) from the beginning of the 1980s, when his positions on the paths that Brazilian art should take became gradually less incisive and the tone of his texts more conciliatory. A more palatable discourse, in comparison with the combative 1960s and 1970s, when he advocated for an avant-garde art in the country. This happens simultaneously with the dynamics of his incorporation by the Brazilian art system, that is, an institutionalization of his work. He then begans to work with the galleries Acervo and Banerj, in addition to writing and editing books and catalogs for companies such as Sul América, Banco Sudameris, auctions Soraia Cals and Instituto Itaú Cultural. In these publications, Morais began to promote a systematic revision of the “Semana de 22”, in favor of a modernism that, according to Morais, would have been consolidated from the Bernardelli Group, in Rio de Janeiro.

Keywords:
Brazilian Art; Semana de 22; Bernardelli Group; Brazilian Modernism; Brazilian Avant-garde

Resumen

Este artículo analiza las transformaciones en la producción del crítico brasileño Frederico Morais (Belo Horizonte, 1936) desde principios de la década de 1980 cuando su postura sobre los rumbos que debería tomar el arte brasileño se vuelve cada vez menos incisiva y el tono de sus textos más conciliador. Un discurso más aceptable comparado a los debates combativos de los años 1960 y 1970 cuando defendía el arte de vanguardia en el país. Esto ocurre simultáneamente con su proceso de incorporación por el sistema de arte brasileño, es decir, una institucionalización del crítico, que empieza a actuar en las galerías Acervo y Banerj y a escribir y editar libros y catálogos para compañías como Sul América, Banco Sudameris, casa de subastas Soraia Cals e Instituto Itaú Cultural. En estos, Morais pone en práctica un proceso de revisión de la Semana del 22, a favor de un modernismo que, según él, habría sido consolidado a partir del Núcleo Bernardelli en Río de Janeiro.

Palabras Clave:
Arte brasileño; Semana del 22; Núcleo Bernardelli; Modernismo brasileño; Vanguardia brasileña

No percurso do crítico Frederico Morais nota-se uma inflexão decisiva a partir do início da década de 1980: tem início um verdadeiro movimento de revisão histórica da arte brasileira, em geral, e do modernismo e da Semana de 22, em particular. Esse processo foi conduzido por uma linguagem mais palatável, bastante diferente daquela que vinha sendo adotada por ele até então, notadamente nos anos 1960 e 1970, quando suas posições chamavam atenção pelo aspecto combativo, assertivo, de tomada de posição diante do que deveria ser a “arte nacional”. Nos anos 1980 passa a ganhar corpo no discurso do crítico o desejo de reposicionar movimentos e fatos históricos emblemáticos, especialmente o modernismo, a Semana de 1922 e o papel de eventos ocorridos no Rio de Janeiro - que ele considera pioneiros, porém subestimados.

Esse período na crítica de Frederico Morais se inicia, em suas próprias palavras, “na aurora da Nova República” (MORAIS, 1985MORAIS, Frederico. Opinião 65. Ciclo de exposições sobre arte no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Galeria de Arte Banerj, 1985., p. 12). Ele se referia ao momento em que a ditadura estava perto de chegar ao fim, processo que havia se iniciado com a abertura política, em 1974, consolidando-se na segunda metade da década de 1980, com a posse de um presidente civil e o início da redemocratização do país, após 21 anos de regime repressivo1 1 1. Sobre o processo de abertura política brasileira e suas implicações para o campo da arte e da cultura no país, cf. GASPARI; HOLLANDA; VENTURA (2000), GASPARI (2003, esp. pp. 453-481), NAPOLITANO (2008). . É justamente em 1985 que Morais promove, na galeria Banerj, um retorno ao passado por meio do formato da exposição. No caso, a reencenação, 20 anos depois, de uma coletiva emblemática do período ditatorial: “Opinião 65”, realizada originalmente no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ) em 1965, segundo ele “a primeira manifestação coletiva, realmente significativa, no campo das artes plásticas”, depois da “Revolução de 1964” (Ibidem, p. 12)2 2 2. Para Frederico Morais, a mostra original “Opinião 65” se insere no contexto da definição de uma origem para a vanguarda brasileira de modo geral, e da construção de uma vanguarda carioca, em particular. . No catálogo da mostra de 1985, Morais afirmou que “estamos todos nós, brasileiros, os artistas inclusive, nos esforçando para criar uma nova imagem do país, depois de um longo período de dificuldades. [...] Um país não se constrói sem a contribuição imaginativa do artista” (Ibidem, p.14) (Figura 1).

Neste momento da crítica de Frederico Morais, a partir da primeira metade da década de 1980, dá-se por concluído o longo processo durante o qual ele foi gradativamente abdicando da militância pela vanguarda enquanto principal caminho para a arte feita no Brasil - o que vinha fazendo de maneira sistemática e combativa desde os anos 1960. Nota-se, a partir de então, meados dos anos 1980, um abrandamento do seu discurso, em direção a posturas menos assertivas, especialmente quando se refere ao experimental e ao “novo” na arte3 3 3. Refiro-me aqui ao “novo” na mesma acepção adotada por Frederico Morais, significando a busca por algo “original”, dentro de um estado contínuo de mudança, conforme entendido pelas vanguardas históricas, cujas tendências mais radicais, especialmente proposições do surrealismo e dada, se baseavam em um rompimento absoluto com a noção de arte enquanto representação da realidade aparente. Este conceito de “novo” se oporia à concepção do “eterno”, perene e duradouro da tradição artística. Cf. BÜRGER (2008). .

FIGURA 1
Capa do catálogo da reencenação de “Opinião 65”, organizada por Frederico Morais para o Ciclo de Exposições Sobre Arte no Rio de Janeiro. Galeria Banerj, 1985MORAIS, Frederico. Opinião 65. Ciclo de exposições sobre arte no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Galeria de Arte Banerj, 1985..

Saem de cena as certezas do crítico radical, aquele que lançava slogans e bordões como “o corpo é o motor da obra”, posicionando-se “contra a arte afluente”4 4 4. Durante as décadas de 1960 e 1970 Morais criticava com frequência o que ele via como uma dependência do sistema de brasileiro de arte e seus artistas, uma postura “ancilar”, subalterna, diante da “arte afluente”, aquele produzida nos países ricos e desenvolvidos, então chamados “do Primeiro Mundo”. Um de seus ensaios mais conhecidos é batizado “Contra a arte afluente: o corpo é o motor da ‘obra’”. Cf. MORAIS (1970b). , para dar lugar a um profissional mais cuidadoso com os termos que utiliza. Ele passa a se colocar como parte do sistema brasileiro de arte e não mais no papel de um observador distanciado, a exigir mudanças profundas. Enfim, seu discurso se torna mais palatável e ele começa a adotar posições conciliatórias em relação ao que entende como possibilidades para uma “produção artística brasileira”.

É também nesse momento, meados dos 1980, de estertores da ditadura e início de uma guinada neoliberal na cultura, que suas opiniões diante da arte produzida no Rio Janeiro irão sofrer uma importante inflexão: no lugar da defesa sistemática do que ele chamava “vanguarda carioca”, das ações experimentais, públicas e efêmeras em eventos como Arte no Aterro (1968), Do corpo à terra (1970) e Domingos da criação (1971), seu interesse se voltará para o passado da arte brasileira. Um passado, no entanto, com recorte geográfico bastante específico: o Rio de Janeiro.

O movimento inicial de Morais nessa direção aponta para a pintura realizada no Rio nos anos 1930, década que marca o surgimento, na capital carioca, do Núcleo Bernardelli, cuja atuação ele insere na tentativa de criar uma outra narrativa para a história do modernismo no país - mais proletária, desvinculada das elites, sobretudo em oposição ao que ele entendia como um “caráter aristocrático” dos modernistas de 1922 em São Paulo. No emblemático ano de 1982, marco dos 60 anos da Semana, Morais lançava na galeria carioca Acervo, e pela editora Pinakotheke, a exposição e livro Núcleo Bernardelli - Arte brasileira nos anos 30 e 40 (MORAIS, 1982), um projeto singular, de que falarei a seguir (Figura 2).

Como já disse, a partir dos anos 1980 é possível notar uma relação entre o processo de moderação de seu discurso e, concomitantemente, sua institucionalização pelo sistema brasileiro de arte. Nesse caminho, discreto mas constante, impressiona o fato de a atuação de Frederico Morais como crítico ter sido incorporada não apenas aos poucos, mas de maneira confortável e sem grandes questionamentos de sua parte. Como se fosse algo “natural”, no que aliás ia ao encontro do clima de acomodação característico daqueles tempos da aurora do pensamento neoliberal na sociedade, economia e cultura brasileira.

Tratava-se afinal de movimentos sincrônicos: moderação e incorporação. Essa dinâmica passou a envolver a atividade de Morais como coordenador do espaço cultural de um banco (Galeria Banerj), consultor de exposições para outro (Itaú Cultural) e editor de publicações especializadas para companhias diversas (Sul América Seguros, Banco Sudameris, Julio Bogoricin Imóveis e leilões Soraia Cals).

FIGURA 2
Capa de Núcleo Bernardelli - Arte brasileira nos anos 30 e 40, de Frederico Morais, lançado pela editora Pinakotheke em 1982, com exposição na Galeria Acervo.

Se nos antigos textos feitos para a imprensa o desejo de revisão se colocava de maneira intermitente, pouco conclusiva e esparsa, é nas exposições patrocinadas por empresas financeiras e seus respectivos catálogos, sob sua coordenação, que o seu projeto de reavaliações históricas terá oportunidade de se apresentar de modo objetivo e organizado. Como atestam as mostras por ele concebidas para a Galeria Banerj (“Rio, vertente construtiva”, “Rio, vertente surrealista” e “O Rio é lindo”, todas em 1985; “Depoimento de uma geração”, 1986; “Rio de Janeiro, fevereiro e março: do modernismo à geração 80”, 1987); as curadorias a convite do Instituto Cultural Itaú (“Pintura Brasil séc. XIX e XX”, 1989; “Figurativismo/abstracionismo: o vermelho na pintura brasileira”, 1990; “BR/80 - pintura Brasil década 80”, 1991); e para a Caixa Cultural de Brasília (“Brasil Europa, encontros no século XX”, 2000).

O mesmo se dá nos livros que levam as marcas de empresas, como Arte brasileira do modernismo à contemporaneidade vista através do acervo da Sul América (Sul América Seguros, 1985) (Figura 3), Da coleção - os caminhos da arte brasileira (Julio Bogoricin Imóveis, 1986) e O Brasil na visão do artista (Sudameris, 2001-2003), grandes compilações de ensaios e fatos históricos que se valem do formato enciclopédico - seja cronológico, geográfico ou temático - adotado pelo crítico.

FIGURA 3
Capa de Arte brasileira do modernismo à contemporaneidade vista através do acervo da Sul América (Sul América Seguros, 1985), livro organizado por Frederico Morais

Núcleo Bernardelli, o “Modernismo Proletário” no Rio. “Retorno à Ordem” apresentado como desejo de mudança

Apesar de o projeto de exposição e livro sobre o Núcleo Bernardelli ter sido lançado em 1982, ele antecipa a série de enciclopédias, cronologias e materiais de revisão que marcou fortemente a produção de Morais a partir dos anos 1980. Ou seja, trata-se naquele momento de uma ação isolada, mas decisiva, que iria pavimentar o caminho para suas publicações mais ambiciosas desse novo ciclo, quando ele aplaina seu discurso, enquanto aprimora os formatos de reexame histórico em relação à arte brasileira - como irão mostrar os volumes Panorama das artes plásticas - séculos XIX e XX (Itaú Cultural, 1989); Cadernos história da pintura no Brasil (Itaú Cultural, 1993); e a portentosa Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro - 1816-1994 (Topbooks, 1994) (Figura 4).

É necessário apontar que tanto a exposição quanto o livro Núcleo Bernardelli - arte brasileira nos anos 30 e 40 são patrocinados e produzidos por uma organização comercial, a Pinakotheke, que atuava no campo editorial desde 1980, voltada para a história da arte brasileira - além de também operar no mercado secundário de obras de arte por meio de uma galeria, a Acervo5 5 5. Por mercado secundário me refiro aqui às casas de leilão e ao trabalho dos marchands, que se diferencia do mercado primário, formado pelas galerias que formam um grupo definido e restrito de artistas, representando-os regularmente, em geral com exclusividade, no sistema de arte. .

O lançamento da publicação sobre o Bernardelli ocorre nesta galeria, no Rio, simultaneamente a uma exposição coletiva, inaugurada em 19 de abril de 1982, com os artistas do grupo representados ou comercializados pela Acervo-Pinakotheke. A coletiva apresenta um total de 52 obras de Ado Malagoli, Borges da Costa, Bruno Lechowski, Bustamante Sá, Eugênio Sigaud, Manoel Santiago, José Pancetti e outros. Como se vê, a estratégia de reinserção dessa produção na história da arte brasileira também passava, além da crítica e da imprensa, pela atuação do mercado de arte.

FIGURA 4
Capa da Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro - 1816-1994 (Topbooks, 1994), enciclopédia organizada por Frederico Morais.

O projeto integrado do Núcleo Bernardelli é a primeira manifestação mais eloquente dentro da linha de revisão que seria a marca desse momento do crítico, a partir da década de 1980. O livro tem como tese central que o modernismo teria, sim, sido iniciado em São Paulo com a Semana de 22, mas só teria encontrado sua “legítima vocação”, próximo do “artista-operário” e distante da aristocracia paulista, no Rio de Janeiro dos anos 1930. E desde aí se disseminado pelo restante do país, devido ao fato de a cidade naquela época ser considerada, segundo Morais, a “capital política e cultural do Brasil”.

O crítico parece estar em busca de construir uma raiz carioca para o modernismo no Brasil. Isso fica claro no texto de abertura do livro, em que ele defende o argumento do pioneirismo do Núcleo na fixação do modernismo no país. Vejamos:

O primeiro fato a destacar é o pioneirismo do Núcleo Bernardelli. Com efeito, depois do movimento modernista de 1922, que teve sede em São Paulo e seguramente já refletindo a nova situação política do país, o Núcleo Bernardelli é o primeiro esforço bem sucedido de uma atuação coletiva. Mas, enquanto o modernismo de 1922 teve um caráter anárquico, destrutivo, elitista, intelectual, refletindo uma certa aristocracia de espírito, fruto da economia do café e da industrialização nascente, o Núcleo Bernardelli revelava um outro comportamento - aberto, construtivo, coletivo, artesanal. (MORAIS, 1982, pp. 61-62)

Enquanto a luta dos modernistas de 22 teria se restringido unicamente ao seu próprio espaço cultural, “visando muito mais a auto-satisfação intelectual”, o Núcleo Bernardelli, segundo Morais, teria aberto suas baterias “diretamente contra o sistema”, ao atacar os dois pilares do poder acadêmico institucional: a Escola Nacional de Belas Artes e o Salão Nacional de Belas Artes.

Lutou, assim, desde o início, contra o ensino e o mecenato oficiais. Neste sentido, seus integrantes foram esteticamente menos rebeldes, porém, de certa maneira, mais eficazes que os modernistas e o resultado de sua atuação interessou a um número maior de artistas. Ou por outra, optando pela auto-satisfação pessoal, os modernistas de 22 buscavam o apoio do público, enquanto os rapazes do núcleo, com sua atuação coletiva, queriam a profissionalização do artista através dos canais existentes na época. (Ibidem)

Morais advoga ainda por um “caráter precursor” do grupo carioca, por ter, segundo ele, servido de inspiração para o surgimento de seu congênere paulista, o Grupo Santa Helena:

Dessa forma, o Núcleo se antecipa ao grupo que lhe é mais próximo, o Santa Helena, criado em São Paulo, em 1935, em torno do pintor Rebolo, e base da chamada Família Artística Paulista. Quirino Campofiorito, que acompanhou de perto o movimento artístico paulista entre 1936 e 1938, nos anos em que dirigiu a Escola de Belas Artes de Araraquara, e que abriu bastante espaço em seu jornal, o Bellas Artes, para São Paulo, está convencido de que o Grupo Santa Helena nasceu sob o impulso do Núcleo Bernardelli. (Ibidem)

Morais também irá opinar no sentido de que haveria “uma excessiva centralização dos estudos de arte brasileira” na Semana de 19226 6 6. Paulo Herkenhoff, curador capixaba radicado no Rio de Janeiro, conhecido por um pensamento análogo ao de Morais nesse aspecto, cunhou o termo pejorativo “semanismo” para se referir ao que considera um excesso de investimento acadêmico na Semana de 22. Cf. HERKENHOFF (2002, pp. 30-44). , o que teria impedido que o Núcleo Bernardelli, “apesar da sua amplitude e profundidade da contribuição dada ao desenvolvimento da arte brasileira a partir dos anos 30” (MORAIS, 1982bMORAIS, Frederico. O Núcleo Bernardelli - Exposição inicia hoje a análise do grupo que minou no Rio a fortaleza do academicismo, O Globo, Rio de Janeiro, 19 abr. 1982b.), fosse estudado por historiadores e críticos de arte até então, o início da década de 1980. Situação que, segundo ele, começaria a mudar justamente nesse momento, quando do lançamento de seu próprio livro e exposição.

Um parêntese: é fato que houve, a partir do final dos anos 1940, um processo de legitimação do passado modernista paulistano e brasileiro, por meio dos novos museus que surgiram (Museu de Arte de São Paulo e Museu de Arte Moderna), “instituições congêneres”, como define Tadeu Chiarelli, que se formariam nos anos seguintes, e também outras instâncias do ambiente local, “como a própria Universidade de São Paulo, as galerias que aos poucos surgiram e, igualmente, as coleções que se formaram” (CHIARELLI, 2003CHIARELLI, Tadeu. Contexto: sobre a arte em São Paulo e o núcleo modernista da Coleção José e Paulina Nemirovsky. In MILLIET, Maria Alice. Coleção Nemirovsky. São Paulo: Museu de Arte Moderna, 2003., p. 32). No entanto acredito que não há dados suficientes para afirmar que esse processo tenha sido o responsável por eclipsar ou impedir estudos sobre a produção visual e os movimentos que aconteceram no Rio de Janeiro, e outros estados, como quer fazer crer Frederico Morais. No caso específico do sistema de arte carioca, sempre houve os mesmos, senão mais, recursos públicos e institucionais que São Paulo, caso do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, além de galerias de arte e departamentos de história da arte nas universidades, sem falar dos grandes jornais e revistas.

Reproduzo abaixo trecho do texto publicado em O Globo por ocasião da abertura da exposição com obras do Núcleo Bernardelli e lançamento do respectivo livro. O autor do artigo para o diário carioca é o próprio Morais, configurando um caso incomum em que o crítico analisa seu próprio projeto, o que não parece ter causado nenhuma estranheza na época. De todo modo, para o que nos interessa aqui, ele deixa claro o que entendia como um empecilho que teria prejudicado a devida apreciação do grupo carioca:

Apesar da amplitude e profundidade da contribuição dada ao desenvolvimento da arte brasileira a partir dos anos 30, o Núcleo Bernardelli, até hoje, não havia sido estudado pelos nossos historiadores e críticos de arte. Nem a obra pictórica por eles deixada tinha sido reunida em museus ou galerias para uma análise conjunta, especialmente de seus aspectos técnico e estético. Isto se deve, em parte, à excessiva centralização dos estudos de arte brasileira na Semana de Arte Moderna de 1922; em parte ao caráter não elitista da proposta do Núcleo. ( MORAIS, 1982b MORAIS, Frederico. O Núcleo Bernardelli - Exposição inicia hoje a análise do grupo que minou no Rio a fortaleza do academicismo, O Globo, Rio de Janeiro, 19 abr. 1982b. , p. 19)7 7 7. Durante a pesquisa para a tese que precedeu este artigo, não foram localizados, além do livro de Morais, outros estudos aprofundados e dedicados exclusivamente à produção do Núcleo Bernardelli, seja no contexto acadêmico ou fora dele.

Antes de prosseguir, gostaria de sublinhar que a produção dos “nucleanos”, se analisada despida das questões políticas e institucionais de que fez parte, como a luta contra o poder acadêmico no Rio de Janeiro, é bastante convencional. Apesar de evitarem os maneirismos acadêmicos mais tradicionais e as repetições estilísticas, suas pinturas, em termos de experimentação, nada trazem de “novo”8 8 8. “Novo” no sentido adotado pelas vanguardas, a mesma acepção adotada por Frederico Morais. Ver nota número 3. . Isso fica evidente nas paisagens de Bustamante Sá, nos retratos de João José Rescala e nos nus femininos de Ado Malagoli, entre outros, quase sempre fiéis a tentativas de assimilação do real ou de uma representação tradicional do espaço tridimensional.

Segundo Chiarelli, o Bernardelli poderia ser analisado sob outra ótica, para além do contexto de uma suposta ampliação do Modernismo de 22 nos anos 30 e 40. Esse outro olhar para o Núcleo incluiria a ideia de “retorno à ordem”9 9 9. Para o autor, o Núcleo Bernardelli pode ser entendido como uma manifestação local do “retorno à ordem internacional”, tendência que buscou resgatar certos valores considerados “eternos” da arte, a partir de um ponto de vista muitas vezes bastante conservador e contrário às vanguardas históricas. Esse movimento muitas vezes assumiu uma posição hegemônica no âmbito da arte internacional no entreguerras com fortes ressonâncias na cena artística brasileira. Cf. CHIARELLI (2008b). , o movimento de superação das vanguardas e retorno a uma ordem supostamente imutável, circunstanciada pelo momento histórico particular do entreguerras:

Sem dúvida alguma, no âmbito da pintura carioca da passagem da década de 20 para a seguinte, a produção daquele núcleo representa uma transformação positiva, no sentido de retirar da produção dos jovens artistas da época o ranço do que pior existia no academismo brasileiro. No entanto, de maneira alguma sua significação estaria na suposta continuidade dada por aqueles artistas à modernização proposta pelos artistas e intelectuais de 22. Muito pelo contrário, o Núcleo Bernardelli parece ser uma outra ramificação do retorno à ordem no Brasil. ( CHIARELLI, 1999 CHIARELLI, Tadeu. Arte internacional brasileira. São Paulo: Lemos Editorial, 1999. , p. 65)10 10 10. O texto foi produzido para uma conferência no ciclo “Presença da cultura italiana nas artes plásticas brasileiras” (Centro Cultural São Paulo, 14 a 30 de maio de 1990).

Nessa mesma direção, o autor assinala ainda que o Bernardelli - assim como outros grupos e artistas que representam as várias ramificações que o retorno à ordem produziu no país entre as décadas de 1930 e 1950, como Bruno Giorgi, Lasar Segall, Portinari e os muitos participantes dos Clubes de Gravura - poderia ser estudado “dentro do que de fato suas produções significaram em termos formais e não pelo prisma que insiste em perceber esses produtores como ‘continuadores’ das vanguardas históricas no Brasil quando, na verdade, eles foram seu reverso”(Ibidem).

Creio ser justamente nesse lugar, o da busca por uma análise “formal” da produção dos artistas e movimentos que defende, que a crítica de Morais encontra seus dilemas e limites. Não apenas no caso do Núcleo Bernardelli, mas também em seus ensaios sobre movimentos posteriores de que tomou partido, caso da chamada “vanguarda carioca” e da Geração 80, são raros os momentos em que ele se dedica a analisar criticamente os trabalhos, olhando-os diretamente. Parece haver sempre vieses, sejam institucionais, sejam políticos ou geográficos. E o contexto em que esses artistas são situados também é na maioria das vezes um lugar de disputas sobre discursos hegemônicos e supostos “pioneirismos”, colocados em detrimento de um olhar mais franco e generoso para as obras.

Essa postura e suas limitações ficam evidentes, justamente, em suas reflexões, ligeiras e superficiais, sobre os artistas da Semana de 22, mas também quando se refere àqueles do Núcleo Bernardelli, que ele busca a todo instante incensar. Por outro lado, e isso não parece ser gratuito, suas análises formais mais detidas, aprofundadas e, do meu ponto de vista, mais complexas e relevantes, se dirigem a artistas desvinculados dessas disputas a que se entregou ao longo de sua carreira. É o caso de seus textos sobre Alberto da Veiga Guignard (MORAIS, 1974MORAIS, Frederico. Guignard. São Paulo: Centro de Artes Novo Mundo, 1974. ; idem, 2000b), Frans Krajcberg (Idem, 2000a)11 11 11. Esta publicação foi lançada na sede do Instituto Itaú Cultural, em São Paulo, em setembro de 2000. e Franz Weissmann (Idem, 1994), entre outros.

Enciclopedismo, Desejo de Revisão e a Semana 22

Como vimos, com exceção do projeto sobre o Núcleo Bernardelli, o desejo de reexame histórico por parte de Frederico Morais ainda não havia se assumido como um propósito definido em seus textos e publicações até meados da década de 1980. É a partir de então que se consolida sua proposta de encampar, de maneira mais aplicada e sistemática, a tarefa de promover reconsiderações sobre a história, o percurso da arte brasileira e alguns de seus momentos decisivos.

Suas enciclopédias e cronologias são por natureza publicações panorâmicas, em que não ficam claros os critérios adotados para a seleção, ou a ausência, de determinados fatos e autores. No entanto, é possível notar nelas algumas constantes. Uma delas é a ênfase dada ao que ele considera “contradições do modernismo brasileiro” nascido na Semana de Arte Moderna de 22. Além do interesse pelo barroco “de feições brasileiras”, que seria “mais austero” que o Europeu.

Outra ideia que se repete obsessivamente é o papel dos núcleos operários dos anos 1930, especialmente o Bernardelli, no Rio de Janeiro, deixando de lado ou minimizando o papel do Grupo Santa Helena, de São Paulo. Também retorna insistentemente a oposição elementar, simplista, entre concretismo e neoconcretismo, em que se repisa a redutora narrativa de “racionalismo exacerbado” dos concretos paulistas versus a “emoção libertadora” dos neoconcretos cariocas. Por fim, é onipresente a defesa de uma “vanguarda brasileira” que teria surgido no Rio de Janeiro nas décadas de 1960 e 1970 e ali se mantido, como se outras regiões do país, caso de Pernambuco e Bahia, também não houvessem conhecido suas próprias dinâmicas vanguardistas12 12 12. Sobre o assunto, cf. ALBUQUERQUE Júnior (1999), ANJOS (2005), DINIZ (2014). .

Entre as suas propostas de reinterpretação de alguns fatos e movimentos na história da arte brasileira, um caso notável, que Morais irá revisitar com frequência, é a noção de modernidade surgida com a Semana de 22.

É importante lembrar que aquele ano marcava o centenário da independência do Brasil, e o tema do nacional ganharia especial destaque. A partir desse momento, diversos grupos de críticos, artistas e intelectuais estarão imersos num complexo debate, buscando construir um início “legítimo” para as artes plásticas no Brasil. Faziam ou vieram a fazer parte da disputa, além da Semana de 1922, elementos emblemáticos como o barroco mineiro e Aleijadinho, Lasar Segall e Mestre Valentim no Rio de Janeiro, o Núcleo Bernardelli no Rio e o grupo Santa Helena em São Paulo, e ainda o pintor Almeida Júnior. Não por acaso, Morais irá discorrer sobre cada um desses tópicos, invariavelmente chamando a atenção para o que seria mais ou menos “autêntico” em termos do que definiria uma “arte brasileira”.

Ao analisar o conjunto das publicações organizadas ou escritas por ele no período a partir da década de 1980, especialmente as cronologias e enciclopédias, é possível afirmar que elas concorrem para construir uma das teses de natureza retificadora mais presentes em sua produção: a ideia de que a Semana de 1922 se resumiu a um evento importante, mas sem repercussão em nível nacional, diferente das mudanças que se deram no Rio de Janeiro, estas sim, segundo ele, capazes de semear o ideário modernista para o restante do país.

O entendimento que Morais tem da Semana e do modernismo fica bastante claro no ensaio de abertura para publicação dedicada ao movimento, lançada em 1993 pelo Itaú Cultural, parte da série em oito volumes Cadernos história da pintura no Brasil13 13 13. Os oito volumes da série Cadernos história da pintura no Brasil, lançados durante 1993 e 1994 pelo Instituto Cultural Itaú, são os seguintes: Pintura colonial, Academismo, Modernismo: anos heróicos, Modernismo: desdobramentos, Abstracionismo, Anos 60: a volta à figura, Do conceitual à arte contemporânea, Gêneros na pintura. . Ele inicia seu texto lembrando que a Semana de Arte Moderna de 1922 certamente não foi “um fato isolado”, mas que possui “antecedentes e desdobramentos”. Entre estes estaria a “fase proletária” do modernismo, que segundo Morais (1993, pp. 9-10) seria a responsável por disseminar as ideias modernistas nas “capitais regionais” do Brasil. Nessa e em outras análises críticas da Semana transparece uma tentativa de minimizar o impacto e o dado de originalidade do evento, bem como de colocar em questão o fato de sua centralidade estar associada, naquele momento inicial, a São Paulo (Figura 5).

FIGURA 5
Capa do volume Modernismo: anos heróicos, da série Cadernos história da pintura no Brasil, editada e com textos de Frederico Morais, para o Instituto Itaú Cultural

Morais também irá sempre ressaltar que Mário de Andrade, em 1942ANDRADE, Mário de. O Movimento Modernista. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil , 1942., em conferência no Rio de Janeiro, fez uma dura autocrítica da Semana, chamando a atenção para seus aspectos “aristocrático”, “festivo”, “a maior orgia intelectual que a história artística registra”. O tema de fato foi colocado pelo intelectual paulista, só que em meio a análises de outra ordem, em um texto mais amplo e complexo, que não se resumia às considerações em tom de mea-culpa que o crítico reiteradamente isola e destaca14 14 14. Em sua produção crítica, Morais se refere com frequência à conhecida conferência realizada por Mário de Andrade no salão de conferências da biblioteca do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, Palácio do Itamaraty, Rio de Janeiro, no dia 30 de abril de 1942, por ocasião do vigésimo aniversário da Semana de Arte Moderna de 1922. A palestra se baseou no ensaio O movimento modernista, preparado por solicitação do escritor Edgard Cavalheiro (1911-1958). No evento, Mário recapitula a história do modernismo sob perspectiva bastante pessoal e melancólica, retomando momentos de sua trajetória literária, em tom autobiográfico, revendo personagens e situações, mas também realizando uma avaliação do modernismo, dividindo-o em fases e caracterizando cada uma delas. CF. ANDRADE (1942). .

“Assim, mais importante que a Semana, que é inquestionavelmente um marco e um divisor de águas na história da arte brasileira deste século, foram os desdobramentos ocorridos ainda nos anos 20”, escreve Morais, em referência aos manifestos de cunho modernizador que foram lançados em São Paulo (“Manifesto da poesia Pau-Brasil”, 1924, e “Manifesto antropófago”, 1928), Minas Gerais (“Para os céticos”, 1925, por Carlos Drummond de Andrade) e Pernambuco (“Manifesto regionalista”, 1926, por Gilberto Freyre) (Ibidem).

O crítico também irá sublinhar que foi no Salão de 193115 15 15. Também chamado Salão Revolucionário, nome pelo qual ficou conhecida a 38ª Exposição Geral de Belas Artes, que aconteceu na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), no Rio de Janeiro, entre os dias 1 e 29 de setembro de 1931. O salão era um tradicional reduto da arte acadêmica, porém, naquele ano, recebeu a presença inédita de modernistas. O motivador dessa mudança foi o arquiteto Lúcio Costa, que estava à frente da ENBA desde dezembro de 1930 e pretendia rejuvenescer a instituição. que, “pela primeira vez no Brasil”, os modernistas tiveram “presença significativa em uma exposição oficial”16 16 16. Sempre que possível, nas publicações de revisão desse seu segundo período, Morais irá incluir o Salão Revolucionário como parte integrante da narrativa do surgimento e desenvolvimento do modernismo no país, valendo da estrutura em linha do tempo, em que o Salão de 31 aparece estrategicamente posicionado logo depois da Semana de Arte Moderna, em 1922, e imediatamente antes da Sociedade Pró Arte Moderna (SPAM) e Clube dos Artistas Modernos (CAM), que surgiram em São Paulo no ano de 1932. (MORAIS, 1993, p. 16). . Para alguns autores, como Lucia Gouvêa Vieira, o evento teria sido tão ou mais relevante que a Semana de 1922. Em seus textos sobre o assunto, Morais costuma ecoar as ideias da pesquisadora carioca, que em 1984 publicou, pela Funarte, o livro Salão de 1931: marco da revelação da arte moderna em nível nacional. Segundo ela, a Semana de Arte Moderna só teria ganhado projeção nacional após a conferência de Graça Aranha sobre o “espírito moderno”, realizada na Academia Brasileira de Letras, no Rio, em 1924. E que, se o evento no Teatro Municipal de São Paulo havia garantido a realização do “trabalho de choque”, o Salão de 31 “sedimentou e irradiou o novo”, por ser mais que um “evento artístico de destaque” e assumir “um significado político-cultural revelador da arte moderna em nível nacional” (VIEIRA, 1984VIEIRA, Lucia Gouvêa. Salão de 1931: marco da revelação da arte moderna em nível nacional. Rio de Janeiro: Funarte/Instituto Nacional de Artes Plásticas, 1984. , p. 43)17 17 17. O livro acompanhava a exposição “Salão de 31 - Sala Especial do 7o Salão Nacional de Artes Plásticas”, realizada na sede carioca da Funarte de 12 de dezembro de 1984 a 2 de janeiro de 1985. .

No entanto, não podemos esquecer que o chamado “salão modernista” - na verdade, a 38a Exposição geral de Belas Artes do Rio de Janeiro, patrocinada pela Escola Nacional de Belas Artes, antiga Academia Imperial - é resultado de um processo conciliatório entre o então jovem diretor da Escola Nacional, o arquiteto e urbanista Lúcio Costa, e setores mais conservadores daquela instituição e do poder ditatorial recém-empossado no país, como lembra o historiador Tadeu Chiarelli (CHIARELLI, 2007CHIARELLI, Tadeu. Pintura não é só beleza: a crítica de arte de Mário de Andrade . Florianópolis: Letras contemporâneas, 2007., pp. 62-63) ao refletir sobre os postulados estéticos de Mário de Andrade a partir da resenha sobre a exposição publicada no Diário Nacional (ANDRADE, 1931ANDRADE, Mário de. O Salão, Diário Nacional, São Paulo, 13 set. 1931. Republicado em Táxi e crônicas no Diário Nacional. Belo Horizonte: Editora Garnier, pp. 429-431.).

É notável que Morais, quando se refere ao Salão de 31, pareça suspender seu juízo crítico - o que não acontece nos constantes comentários de cunho negativo que faz ao que considera uma falta de experimentação formal nas obras que integravam a Semana de 192218 18 18. Sobre os trabalhos exibidos na Semana, Morais (2009, p. 63) escreveu: “Era enorme a disparidade qualitativa entre os expositores, alguns deles decididamente acadêmicos ou criativamente inexpressivos, cujos nomes foram apagados quase por completo da história da arte moderna brasileira”. . Ele opta por não questionar, em momento algum, a suposta modernidade das escolhas do evento na então capital do país, o Rio de Janeiro. Mesmo as leituras de obras que realiza com precisão em outros ensaios - caso dos artistas do Núcleo Bernardelli (MORAIS, 1982aMORAIS, Frederico. Núcleo Bernardelli - arte brasileira nos anos 30 e 40. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1982a. ) - inexistem no caso desse salão. Fica disso a impressão que Morais não o enfrenta com o mesmo rigor, justamente pelo fato de ser considerado um símbolo dessa outra modernidade defendida por ele e que, em suas palavras, teria “se transferido” de São Paulo para o Rio a partir dos anos 1930.

No verbete sobre a Semana de Arte Moderna publicado no modesto, mas muito popular, manual enciclopédico lançado pelo Itaú Cultural em 1989, o Panorama das artes plásticas - séculos XIX e XX (Figura 6), Frederico Morais reafirma sua tese de que a Semana se tratava de um movimento “aristocrático” e que, apesar de necessária naquele momento, sua importância se limita a de ter sido um elemento catalisador:

Certamente não foi a Semana, em si mesma, a causadora das profundas mudanças que iriam ocorrer na cultura brasileira deste século e que significariam, segundo Mário de Andrade, a fusão de três princípios: “O direito permanente à pesquisa estética, a atualização da inteligência artística brasileira e a estabilização de uma consciência criadora nacional”. Como reconhece Mário, o Movimento Modernista era, de início, nitidamente aristocrático: “Pelo seu caráter de jogo arriscado, pelo seu espírito aventureiro ao extremo, pelo seu internacionalismo modernista, pelo nacionalismo embrabecido, pela sua gratuidade antipopular, pelo seu dogmatismo prepotente, era uma aristocracia de espírito”. É no período que se segue à realização da Semana, até perto de 1930, descrito por Mário como “a maior orgia intelectual que a história artística do país registrou”, que ocorrem os principais desdobramentos teóricos do Modernismo brasileiro. ( MORAIS, 1989 MORAIS, Frederico. Panorama das artes plásticas - séculos XIX e XX. São Paulo: Itaú Cultural Itaú, 1989. , p. 132)

De acordo com Morais, a Semana teria sido responsável por dar início a um processo que só iria se consolidar de fato na década seguinte, os anos 1930, no Rio de Janeiro, e a partir da capital, tendo como principal catalisador o Núcleo Bernardelli, grupo carioca que se constituiu, na visão do crítico, como o verdadeiro responsável por difundir o ideário modernista pelas outras capitais do Brasil.

FIGURA 6
Capa do Panorama das artes plásticas - séculos XIX e XX (São Paulo: Itaú Cultural Itaú, 1989), pequeno manual enciclopédco organizado e escrito por Frederico Morais.

Em seus comentários de matriz retificadora, Morais irá criticar o que ele considera uma falta de projeção da Semana em nível nacional, uma suposta circunscrição de sua ressonância cultural a São Paulo. O crítico também irá mencionar frequentemente a exposição do 1o Centenário da Independência19 19 19. A também chamada Exposição Internacional comemorativa do Centenário da Independência do Brasil (1822-1922) foi inaugurada no dia 7 de setembro de 1922 e se prolongou até o dia 24 de julho de 1923. A Exposição do Centenário, realizada no mesmo ano de outros eventos relevantes para a história brasileira, como a Semana de Arte Moderna, a fundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e a Revolta do Forte de Copacabana, vem despertando crescente interesse da historiografia preocupada com o tema da identidade nacional na década de 1920. Sobre o assunto, ver MOTTA (pp. 31-35). , no Rio de Janeiro, como um evento injustiçado pela história, que teria tido o mesmo peso na modernização do Brasil que a Semana (MORAIS, 1995MORAIS, Frederico. Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro, 1816- 1994. Da missão artística francesa à geração 90. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995., pp. 127-128).

Morais (1986bMORAIS, Frederico. Sete décadas da presença italiana na arte brasileira. Rio de Janeiro: Paço Imperial, 1986b. ) defende portanto a tese de que, nos anos 1930, o modernismo “transfere-se para o Rio”20 20 20. Essa ideia foi apresentada publicamente por Morais, pela primeira vez, ainda no final de 1981, durante o simpósio “Metropolização das artes visuais no Brasil”, no contexto do 2º Encontro Nacional de Críticos de Arte, realizado em Recife. “Depois da festa de 1922, ocorrida em São Paulo, o Modernismo transferiu-se, nos anos 1930, para o Rio de Janeiro, de onde expandiu-se para todo o país, sedimentando-se nos anos 1940/1950 nas capitais regionais: Belo Horizonte, Recife, Salvador, Fortaleza, Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis.” (MORAIS, 1983, pp. 45-52). , impulsionado pela criação do Núcleo Bernardelli (1931); mas também pela realização do “I Salão de arquitetura tropical” (1933), com a presença de Frank Lloyd Wright; e a criação do Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal (1935) e do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1937). E que, a partir da então capital, ele “se expande” para o restante do país, em grande parte, segundo ele, devido à ação dos “nucleanos”, epíteto de que ele se utiliza para se referir aos artistas do Bernardelli:

Foram ainda os integrantes do Núcleo, em grande parte, responsáveis pela expansão e interiorização da arte moderna no Brasil. Premiados em viagem ao país, no Salão Nacional, deslocaram-se para o Sul e para o Nordeste/Norte, divulgando o espírito da arte moderna, ao mesmo tempo em que redescobriam a paisagem física e cultural do Brasil. Quanto mais adentravam o país e se distanciavam dos modelos acadêmicos, mais clara e luminosa ficava sua pintura. E alguns desses artistas acabaram fixando residência fora do Rio, como Malagoni, que ficou em Porto Alegre, e Rescala, em Salvador. Nessas capitais atuaram, ademais, como professores, animadores culturais e como técnicos em restauração e conservação de bens culturais. (Idem, 1982, p.82)

Em ensaio para a Revista Crítica de Arte, no ano seguinte à exposição do Núcleo Bernardelli, ele é mais explícito em relação ao que considera a “interiorização” da arte moderna, a partir do Rio de Janeiro, mencionando as capitais “regionais” que, segundo ele, teriam sido alcançadas por esse movimento - além de se referir a uma “segunda etapa” desse processo, agora mais “profundo”, a partir da década de 1970:

Desde os anos 1970, estamos vivendo, no Brasil, uma segunda etapa do processo de interiorização da arte moderna. Depois da festa de 1922, ocorrida em São Paulo, o Modernismo transferiu-se, nos anos 1930, para o Rio de Janeiro, de onde expandiu-se para todo o país, sedimentando-se nos anos 1940/1950 nas capitais regionais: Belo Horizonte, Recife, Salvador, Fortaleza, Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis. Hoje, essa interiorização é mais profunda, vai além das capitais para atingir as cidades do ABC paulista, do Vale do Paraíba, da Baixada fluminense, do Vale do Itajaí, da Zona da Mata, em Minas Gerais, o eixo Recife-Olinda-João Pessoa ou vastas regiões como o Centro-Oeste: Brasília, Goiânia, Campo Grande, Cuiabá. (Idem, 1983, p. 47)

Morais estabelece ainda uma correspondência entre o modelo de viagens dos nucleanos pelo interior do país e um reencontro com a “paisagem física e cultural” do Brasil. E, mais uma vez, a simplicidade e o desapego do Bernardelli são colocados pelo crítico em contraposição ao perfil abastado dos modernistas de 1922, em particular Oswald de Andrade, que “se permitia” constantes viagens à Europa, interessado nas “modas vanguardistas”:

Intelectuais e eruditos, os modernistas de 22 e aqueles que os patrocinavam eram oriundos da elite econômica enriquecida com o café. Enquanto Oswald de Andrade se permitia constantes viagens à Europa, em busca de modas vanguardistas, os artistas que começavam a atuar nos anos 1930, pobres e humildes, sem cultura livresca, limitavam-se a pequenos passeios nos fins de semana nos arredores proletários da grande cidade: núcleo Bernardelli, no Rio de Janeiro, grupo Santa Helena, em São Paulo, ou, já nos anos 1950, o Clube da Gravura, no Rio Grande do Sul, e o Ateliê Coletivo, em Recife. À medida que crescem na profissão, desenvolvendo sua carreira, esses artistas estendem seus “passeios” até o interior do país, no que são estimulados pelos prêmios de viagem ao país no Salão Nacional. Assim, ao mesmo tempo em que redescobrem o Brasil, sua paisagem física e cultural, divulgam as ideias modernistas dentro de uma ótica menos culta e mais proletária. Ou seja, o regional e o nacional casavam-se com a ideia de arte social. (Ibidem)

No que se refere à questão da ressonância nacional da Semana de 1922 e do modernismo, autoras como Aracy Amaral - contemporânea de Morais, com quem já havia polemizado em outras ocasiões, e pesquisadora do tema - possuem, obviamente, posições bastante diversas das do crítico. Desse modo, creio ser importante citar um trecho escrito por ela:

Setenta anos depois da Semana muitos detratores surgiram desejando diminuir o valor desse marco de nosso meio artístico e cultural do século XX. Desde autores como Clarival do Prado Valladares, que indiretamente atinge a Semana ao dizer que São Paulo se quer moderna ao fazer uma Bienal em 1951 por não ter tido um passado colonial rico, a outros que afirma que a Semana teve importância menor por ter sido elitista e seu recado ter sido dado de cima para baixo; ou que, por ter sido em São Paulo, não teve tanta repercussão, e o que valeu foi depois o Salão de 1931 no Rio de Janeiro, capital federal, tais colocações não se sustentam a não ser por bairrismo tolo. (...)Seus propósitos [os da Semana] foram disseminados rapidamente através de posteriores viagens dos modernistas pelos demais Estados, com conferências, recitais, envio de revistas e livros. Seja a viagem de Guilherme de Almeida ao Sul e ao Nordeste, seja a de Joaquim Inojosa que, vindo a São Paulo em 1922, não mais desfaria o contato encetado divulgando as ideias em Pernambuco, seja em Minas Gerais com a viagem histórica dos modernistas em 1924, ou em 1927 ao Norte, na viagem de Mário de Andrade até a Amazônia. ( AMARAL, 1998 ANDRADE, Mário (org.). Mário Pedrosa. Acadêmicos e modernos. Textos escolhidos III. São Paulo: Edusp , 1998. , pp. 16-19)

Em relação à sua suposta natureza “aristocrática”, Amaral lembra que a manifestação cultural da Semana “constituiu um registro sintomático da pulsação do organismo nacional, antecipando, por meio do pensamento, a insatisfação que tomaria forma política contra o tradicionalismo-aristocracismo poucos anos depois”, escreve ela, referindo-se ao contexto político da década de 1920 (sublevação do Forte de Copacabana em 1922, no Rio de Janeiro, e Revolução de 1924, em São Paulo), que culminou com a revolução de 1930 (Ibidem).

Morais foi um dos críticos que em diversas ocasiões depreciou o que considerava o caráter “festivo”21 21 21. Como aponta Tadeu Chiarelli (2010), Rubem Navarra foi um dos poucos intelectuais que se pronunciou contrário ao peso supostamente excessivo dado à Semana de Arte Moderna de 1922 no quadro geral da arte local. No texto de Navarra, produzido para ser publicado no catálogo de uma exposição de arte brasileira realizada na Inglaterra, em 1943, a Semana foi vista como uma “festa” que apenas simbolicamente poderia ser entendida como o início da arte moderna no país. Publicado em português, pela primeira vez, na Revista Acadêmica (NAVARRA, 1945) e republicado no catálogo da mostra “Modernidade negociada: um recorte da arte brasileira nos anos 40”, ocorrida no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 2007, com curadoria de Taísa Palhares (Idem, 2007). da Semana, opondo a ele o que via como um contexto de abnegação e estoicismo do Núcleo Bernardelli:

Com efeito, se a Semana realizou-se com vaias, apupos e petardos sobre o palco, mas sem perder o seu caráter de festa, os vários “núcleos operários” que foram nascendo tinham como sede porões, sótãos, ruínas ou pequenas salas escuras em edifícios ou sobrados, de onde eram frequentemente enxotados, numa sequencia de despejos humilhantes e expulsões violentas. O Núcleo Bernardelli funcionou durante vários anos nos porões da Escola Nacional de Belas Artes, até que foi dali expulso após os incidentes que culminaram com a invasão da Sociedade Brasileira de Belas Artes que funcionava ao lado, num ataque noturno perpetrado por estudantes integralistas a mando de um diretor reacionário. A partir daí, pulou de sala em sala, em velhos sobrados, até extinguir-se por falta de sede. (MORAIS, 1982aMORAIS, Frederico. Núcleo Bernardelli - arte brasileira nos anos 30 e 40. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1982a. , p. 25)

Nesse trecho citado, nota-se outro aspecto para o qual Frederico Morais irá seguidamente chamar atenção: os nucleanos enfrentaram fortes críticas do meio acadêmico, uma resistência de fato, diferentemente dos participantes da Semana de 22, que, segundo o crítico, receberam apenas algumas “vaias e petardos”, vindos dos mesmos grupos de elite de que faziam parte. No entanto, houve muitas críticas à Semana, caso do escritor Rubem Navarra, que questionou o peso supostamente excessivo dado a ela no meio de arte brasileiro. No conhecido texto de Navarra, produzido para ser publicado no catálogo de uma exposição de arte brasileira, realizada na Inglaterra, em 1943, a Semana era vista como uma “festa”, que apenas simbolicamente poderia ser entendida como o início da arte moderna no país22 22 22. Ver nota anterior. .

Instrumentalização das Ideias de Mário de Andrade

Ainda em 1965, ou seja, antes de iniciar seu período como colunista do Diário de Notícias do Rio de Janeiro, Morais se dedica, em ensaio para uma coletânea de artigos (MORAIS, 1965MORAIS, Frederico. Mário de Andrade - crítico de arte. In ARAÚJO, J. Oswaldo (org). Mário de Andrade. Belo Horizonte: Edições Movimento-Perspectiva, 1965, pp. 37-49.)23 23 23. O texto de Morais seria depois publicado na capa do Suplemento Dominical do Estado de Minas (7 mar. 1965), periódico em que trabalhava como crítico antes de se transferir para o Rio de Janeiro, no ano seguinte. , a analisar a produção de Mário de Andrade, um pensador que lia com frequência e ao qual voltaria muitas outras vezes. No entanto, nesse texto, as menções a Andrade se resumem ao seu lado crítico de arte, especialmente sua relação com a arte brasileira, em particular o barroco - que era também o grande tema de interesse de Morais em seus escritos iniciais, quando ainda vivia e trabalhava em Minas Gerais, entre 1966 e 1973.

Ou seja, não havia grande interesse, nas críticas de Morais pré-1974MORAIS, Frederico. Guignard. São Paulo: Centro de Artes Novo Mundo, 1974. , pelas questões relativas à Semana de 1922, no que se refere à centralidade de São Paulo no movimento modernista e o papel do Rio de Janeiro, assuntos que a partir dos anos 1980 ganhariam protagonismo absoluto, por terem uma função em seu projeto de sistematização e revisão da história da arte brasileira - qual seja, o de minimizar tanto o papel da Semana como a continuidade do poder irradiador do modernismo, em prol da tese de que o movimento, a partir dos anos 1930, teria “se deslocado” para o Rio de Janeiro.

O texto de Morais de 1965MORAIS, Frederico. Mário de Andrade - crítico de arte. In ARAÚJO, J. Oswaldo (org). Mário de Andrade. Belo Horizonte: Edições Movimento-Perspectiva, 1965, pp. 37-49. se baseou em uma palestra sua na Academia Mineira de Letras, ao lado de outros críticos, cada um se dedicando a um aspecto da produção de Andrade, como o de poeta, musicólogo ou folclorista, por ocasião dos 20 anos de sua morte. A Morais coube falar sobre a faceta crítico de arte, sobre que reflete:

Quando Mário fala de uma “tal ou qual denguice” em relação às igrejas barrocas mineiras projetadas por Aleijadinho, ele está, ainda que não pareça, fazendo uma observação rigorosamente técnica. Em outros termos, ele está falando de um abrasileiramento do barroco português, de “uma invenção que contém algumas das constâncias mais íntimas, mais arraigadas e mais étnicas da psicologia nacional, um protótipo da religiosidade brasileira”. E aquelas “núpcias delirantes” nas quais “Segall quase se perdeu” correspondiam a outra constatação corretíssima: a de que o pintor expressionista russo mudara bruscamente a cor de sua pintura, caíra num certo folclorismo, tão empolgado se achava com o Brasil, a ponto de prejudicar a própria qualidade de sua obra. (Ibidem, p. 39)

Como é possível constatar no trecho acima, sua maior preocupação naquele momento era a relação entre os artistas e sua obra, de um lado, e os elementos que seriam típicos da realidade brasileira. E a leitura de Mário de Andrade sobre Segall, publicada originalmente em 1943 , sobre a questão da “perdição”, serve a este propósito25 25 25. Tadeu Chiarelli, sobre o mesma tema, observa, em texto de 2008: “Nos anos 1940, ao analisar os trabalhos realizados por Segall logo após a chegada ao Brasil, Mário de Andrade, o principal crítico modernista brasileiro, escreverá que esse período teria sido um momento de ‘perdição’, uma fase em que o artista, seduzido pelos aspectos insuspeitos que a paisagem física e humana do país lhe ofereciam, não conseguiu articular tais estímulos nas balizas que ele havia trazido da Europa”. CHIARELLI (2008a). .

No entanto, nas suas críticas a partir da década de 1980, o olhar de Morais em direção ao escritor paulista estará apontado sempre para a mesma direção: a reavaliação que Mário fez da Semana de Arte Moderna quando da celebração de seus 20 anos, no Rio de Janeiro. Naquele balanço crítico, o escritor, entre outras memórias, faz uma referência ao caráter de certo modo inconsequente, festivo do movimento (ANDRADE, 1942ANDRADE, Mário de. O Movimento Modernista. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil , 1942.)26 26 26. Ver nota 14. .

As reavaliações que Mário faz da Semana de 22 na conferência de 1942 são muitas vezes citadas por Morais, em cujos textos o crítico deixa transparecer certa satisfação, como se visse confirmadas suas críticas ao “elitismo” do grupo e o “caráter aristocrático” de suas ações. Contudo, chama a atenção o fato de Morais retornar sempre ao mesmo Mário de Andrade, ou seja, nunca se refere a outros ensaios, mesmo àqueles em que a questão do nacional é enfrentada diretamente, o que reflete uma tentativa de instrumentalização de suas ideias. Para ficar em apenas um exemplo, podemos citar “Regionalismo”, texto de 1928 publicado em 19 de fevereiro no Diário Nacional e disponível em livro desde 1975 (cf. ANDRADE, 1975ANDRADE, Mário de. Regionalismo [1928]. In AMARAL, Aracy. Tarsila: sua obra e seu tempo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1975, pp. 425-426.).

Morais em geral reproduz, mas também torna operacionais, em favor de seus próprios pressupostos, as colocações de Mário de Andrade. O crítico adapta às suas ideias as abordagens que lhe interessam e que lhe podem ser úteis. Por exemplo nesta reflexão sobre as reações contrárias à presença da arte moderna no Brasil. Ao tentar se utilizar do pensamento de Andrade, Morais acaba fazendo uma transição bastante brusca, em que fica evidente (a partir do trecho “Mário Andrade tocou no ponto...”) o modo como retira de contexto as ideias do escritor, ao associar diretamente a crítica feita por Mário aos acadêmicos do Salão de 3127 27 27. Mário de Andrade se referia especificamente aos profissionais da Escola Nacional de Belas Artes que se colocaram contra o Salão de 1931, que Lúcio Costa tentava modernizar. Cf. ANDRADE (1976). , de um lado, a, por outro lado, o “caráter aristocrático” da Semana de 1922, nove anos antes:

Mário de Andrade tocou no ponto. A Semana de 22 foi, na verdade, uma grande festa promovida no Teatro Municipal de São Paulo, símbolo da burguesia ascendente, pela aristocracia cafeeira. Eles não ameaçavam ninguém, apenas provocaram um escândalo.

Os artistas-operários dos anos 30 tinham outra mentalidade e outra formação e, principalmente, tinham outros propósitos. Buscavam uma profissão, queriam fazer da arte uma profissão e ocupar, com ela, um espaço na sociedade, participar da divisão social do trabalho. ( MORAIS, 1982a MORAIS, Frederico. Núcleo Bernardelli - arte brasileira nos anos 30 e 40. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1982a. , pp. 27-28)

No entanto, Morais deixa de citar trechos do texto do intelectual em que ficam mais evidentes as nuances do ensaio em questão, e do pensamento de Mário em geral, como a seguir:

Junto disso, o movimento renovador era nitidamente aristocrático. Pelo seu caráter de jogo arriscado, pelo seu espírito aventureiro, pelo seu internacionalismo modernista, pelo seu nacionalismo embrabecido, pela gratuidade antipopular, era uma aristocracia do espírito. Era natural que a alta e a pequena burguesia o temessem. ( ANDRADE, 1942 ANDRADE, Mário de. O Movimento Modernista. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil , 1942. , p. 41)

O livro de Morais sobre o Núcleo Bernardelli é exemplar da maneira como ele passa a dispor, de maneira pouco rigorosa, de questões lançadas pelo intelectual paulista em relação ao modernismo e à Semana de 1922. O ensaio do crítico carioca para a publicação se inicia citando Mário:

Em sua famosa conferência de 30 de abril de 1942, promovida pela Casa do Estudante do Brasil e proferida na Biblioteca do Ministério das Relações Exteriores, no Rio de Janeiro, Mário de Andrade faz uma autocrítica severa, quase cruel, do Modernismo brasileiro. “Como atualização da inteligência artística”, diz, “o movimento modernista representou papel contraditório e muitas vezes gravemente precário. Deveríamos ter inundado nosso discurso de maior angústia do tempo, de maior revolta contra a vida como está”. (MORAIS, op. cit., p. 15)

Segundo Morais, Mário estaria “lamentando que os modernistas não tivessem promovido o melhoramento político e social do homem brasileiro”. Olhando para os trechos que Morais pinça da conferência, fica evidente que ele está sublinhando invariavelmente as passagens mais polêmicas e conflituosas. São esses recortes, em geral fora de contexto, que ele irá republicar nas cronologias, enciclopédias e brochuras didáticas que povoarão sua produção discursiva a partir dali e pelas décadas seguintes.

No entanto, há momentos do mesmo texto de Andrade que nunca são mencionados pelo crítico carioca. Por exemplo, quando ele faz uma crítica direta a Graça Aranha - o mesmo autor cuja conferência sobre o “espírito moderno”, em 1924 na Academia Brasileira Letras, costuma ser referido por Morais como o verdadeiro gatilho para a projeção do modernismo em nível nacional (MORAIS, 1995MORAIS, Frederico. Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro, 1816- 1994. Da missão artística francesa à geração 90. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995., p. 129):

Graça Aranha, sempre desacomodado em nosso meio que ele não sentia, tornou-se o exegeta desse conformismo modernista, com aquela frase detestável de não sermos a “câmara mortuária de Portugal”. Quem pensava nisso! Pelo contrário, o que ficou escrito foi que não nos incomodava nada “coincidir” com Portugal, pois o importante era a desistência do confronto e das liberdades falsas. ( ANDRADE, 1942 ANDRADE, Mário de. O Movimento Modernista. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil , 1942. , p. 43)

É fundamental apontar, no percurso crítico de Morais, essas lacunas selecionadas. Outra importante afirmação da conferência de Andrade que não é utilizada pelo crítico em momento algum é aquela em que o literato faz uma avaliação de tom positivo sobre parte do legado da Semana de 1922, referindo-se ao que considera o “primeiro postulado fundamental do modernismo”, o “direito permanente à pesquisa estética”28 28 28. Os outros dois princípios, conforme colocado por Mário de Andrade na mesma conferência de 1942, são a “atualização da inteligência artística brasileira” e a “estabilização de uma consciência nacional”. ANDRADE (1942, p. 52) .

Voltando ao ensaio de Morais sobre o Núcleo Bernardelli, o crítico irá estabelecer ali a relação central que lhe interessaria dali em diante: de um lado, o pensamento de Mário de Andrade e a noção de uma fase “mais calma”, “mais “proletária” do modernismo; de outro, a ideia de que esse novo momento teria surgido com os artistas do núcleo operário, a partir da década de 1930, no Rio de Janeiro:

Passada a festa, terminado o porre, “principia para a inteligência brasileira”, com a década de 1930, “uma fase mais calma, mais modesta e cotidiana, mais proletária, por assim dizer, de construção”, falou Mário, que concluiu sua conferência afirmando: “Creio que os modernistas da Semana não devemos servir de exemplo a ninguém. Mas podemos servir de lição”. ( MORAIS, 1982a MORAIS, Frederico. Núcleo Bernardelli - arte brasileira nos anos 30 e 40. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1982a. , p. 15)

Nas décadas de 1930 e 1940 se iniciaria, segundo Morais, esse outro período modernista, marcado pela maturidade e pelo estoicismo, de que o Núcleo Bernardelli seria o paradigma, encarregando-se de “disseminá-lo” para o restante do Brasil:

E viajaram pelo país, deslocando-se para o Sul, para o Nordeste e o Norte, para o Centro-Oeste, para o interior de Minas (cidades barrocas e Juiz de Fora), de São Paulo (Campos do Jordão) e do Rio de Janeiro (Cabo Frio, Arraial do Cabo, Barra de São João, Saquarema e Niterói). Caso de Dacosta, Pancetti, Bustamante Sá, Rescala, Malagoli, Camargo Freire, Tenreiro, Edson Motta.Essa interiorização realizada pelos artistas do Núcleo, de forma muito mais profunda que seus colegas paulistas do Grupo Santa Helena, começou por influenciar tematicamente a pintura de vários deles, acabando por repercutir, profissionalmente, na medida em que abriu novos campos de atuação.Com efeito, muitos deles iriam se transformar em professores e, posteriormente, diretores de Escolas de Belas Artes em diferentes estados brasileiros, onde também atuaram como técnicos em conservação e restauração e animadores culturais. (Idem, 1983, p. 50)

Morais irá sempre insistir na origem proletária dos pintores do Núcleo Bernardelli, a ela associando a fatura e os temas de suas pinturas. Ele procura estabelecer, mais uma vez, uma diferenciação que considera fundamental entre o modernismo dos nucleanos e a postura dos “rapazes de 22”, uma arte com “função” em oposição aos devaneios e ao ócio:

Uma arte para cumprir uma função de equilíbrio emocional em suas vidas - na dos pintores e na de seus usuários. Um quadro devia ser um objeto tão coerente, necessário e útil quanto os demais objetos do quotidiano. Não devia ser um mero devaneio intelectual, algo ocioso e puramente decorativo. (pp. 69-70)

Sobre o pensamento acima, gostaria de ressaltar, ainda, que Morais se utiliza, conscientemente ou não, de uma mesma ideia presente em Mário de Andrade, quando este atesta a importância de Candido Portinari - cuja pintura estaria impregnada de um realismo “moral, franco, forte, sadio”:

Portinari se fez realista [...]. Uma espécie de realismo moral, franco, forte, sadio, de um otimismo dominador. [...] Portinari, sob o signo dos Antigos em que se colocou, ao mesmo tempo que pode conservar uma calma, um equilíbrio, uma temática que nada têm de literários, e são exclusivamente plásticos, soube dar uma esperança ao mundo. [...] É um realismo apenas muito sadio e dinâmico. Eu gosto dessas mulheres suaves e fortes, brasileiras, brasileiríssimas de tipo, boas como minha mãe. Não tenho o menor medo de gostar. Eu gosto desses machos rudes de trabalho, olhe-se a mão em afresco. Isso é mão dura mas nobre, mão beijável [...]. (ANDRADE apud CHIARELLI, 2007 CHIARELLI, Tadeu. Pintura não é só beleza: a crítica de arte de Mário de Andrade . Florianópolis: Letras contemporâneas, 2007. , p. 132)29 29 29. Publicado originalmente na Revista Acadêmica sob o título “Portinari”.

Morais irá se apropriar, ainda, de outra reflexão lançada por Mário em relação à Semana, a de que ela só seria possível em São Paulo, pelo seu provincianismo, e nunca no Rio de Janeiro, por ser uma cidade portuária e capital do país, portanto mais cosmopolita e menos afeita a modismos importados da Europa. Reproduzo primeiramente o texto do escritor:

Ora São Paulo estava muito mais “ao par” que o Rio de Janeiro. E, socialmente falando, o modernismo só podia ser importado por São Paulo e arrebentar aqui. Havia uma diferença profunda, já agora pouco sensível, entre Rio e São Paulo. O Rio era muito mais internacional, como norma de vida exterior. Está claro: capital do país, porto de mar, o Rio tem um internacionalismo ingênito. São Paulo era muito mais “moderna” porém, fruto necessário da economia do café e do industrialismo consequente. Ingenitamente provinciana, conservando até agora um espírito provinciano servil, bem denunciado na política. São Paulo ao mesmo tempo estava, pela sua atualidade comercial e sua industrialização, em contato, se menos social, mais espiritual (não falo “cultural”) e técnico com a atualidade do mundo. É mesmo de assombrar como o Rio mantém, dentro da sua malícia de cidade internacional, um ruralismo, um caráter tradicional muito maiores que São Paulo. O Rio é dessas cidades em que não só permanece indissolúvel o “exotismo” nacional (o que é prova de vitalidade do seu caráter), mas a interpenetração entre o rural e o urbano. Cousa impossível de achar em São Paulo, como funcionalidade permanente. Como Belém, o Recife, a Cidade do Salvador, apesar do seu urbanismo rescendente, o Rio ainda é uma cidade… folclórica. ( ANDRADE, 1942 ANDRADE, Mário de. O Movimento Modernista. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil , 1942. , p. 63)

É curioso como Morais retoma essas reflexões de Andrade, adotando no entanto uma leitura bastante particular, e não raro seletiva. Além de não perceber o aspecto de crítica que ela carrega, ao ressaltar, por exemplo, características ligadas a “um ruralismo”, ao “exotismo” nacional, e fazer a comparação com Belém, Recife e Salvador, para concluir que “o Rio ainda é uma cidade... folclórica” (MORAIS, 1970aMORAIS, Frederico. Arte/Brasil/Hoje, Revista de Cultura Vozes, Petrópolis, vol. 64, n. 9, nov. 1970a, pp. 29-37., p. 33).

No entendimento do crítico carioca, o Rio seria “mais criador que importador de modas”, frase que repete em diversos textos, como no que reproduzo a seguir, de 1995, retirado da introdução à sua Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro:

Os modismos ou novidades não são acompanhados com igual intensidade nas diferentes regiões do país. São Paulo, por sua atualidade econômica e industrial, sempre esteve em sintonia fina com as últimas novidades da arte high-tech, que é um tanto desprezada pelos cariocas, mas se deixou levar pela avalancha tachista, especialmente através dos artistas japoneses, eslavos e italianos ali residentes, enquanto o Rio demonstrou maior receptividade por um tipo de arte orgânica (arte povera) e por um construtivismo sensível.Mais criador que importador de modas, o Rio absorve menos afoitamente as vanguardas internacionais e neste sentido cabe lembrar que muitas dessas novidades chegam aqui (geralmente ao Museu de Arte Moderna) depois de vistas na Bienal de São Paulo. (Idem, 1995, pp. 15-16)

Nessa fase, a partir da década de 1980, entre as constantes dos textos de Morais baseados em reconsiderações históricas, uma delas salta aos olhos pela reiteração: além de um protagonismo em nível nacional, o crítico irá insistentemente associar um caráter de “pioneirismo” aos fatos e movimentos que surgiram, ou se desenvolveram, no Rio de Janeiro.

Ele passa, inicialmente, a promover reavaliações do papel que a cidade teria desempenhado no surgimento e disseminação do modernismo no Brasil - importância que ele considera subestimada, portanto merecedora de estudos que lhe restituam sua verdadeira dimensão30 30 30. Um exemplo significativo dessa postura é o caso de sua análise da “Exposição internacional do centenário da Independência”, em 1922, que ele considera mais influente e, sobretudo, “mais moderna” que a Semana de Arte Moderna realizada em São Paulo no mesmo ano. . No contexto de sua crítica, quando a arte em si não é produzida no Rio de Janeiro, é a partir da cidade que ganha projeção nacional.

Isso acontece, segundo ele, com a produção de Lasar Segall, mas também com a Semana de Arte Moderna, divulgada no Rio e para o Brasil a partir da conferência de Graça Aranha em 1924 na Academia Brasileira de Letras; com os núcleos de artistas operários, como o Bernardelli, que a partir do Rio teriam se espalhado pelo Brasil, disseminando uma nova ética do ideário modernista, até então, de acordo com essa visão, limitado aos círculos restritos, especializados e aristocráticos de São Paulo; a vanguarda brasileira, que segundo ele nasceu na capital carioca nos anos 1960, ali floresceu e dali se difundiu para o restante do país; e por fim o retorno ao “prazer da pintura” promovido pela Geração 80 no Rio31.

Outro comportamento recorrente nessa época, a década de 1980, é o fato de Morais passar a relacionar uma questão política, que é a perda do estatuto de capital do país, em 196032 32 32. Em 21 de abril de 1960 foi inaugurada Brasília, nova capital do Brasil. Sobre o assunto, cf. MOTTA (2004). , ao que ele considera um problema cultural do Rio de Janeiro: o desapego por sua própria história. Segundo ele, mesmo transformada em município, a cidade continuou porém a pensar em nível nacional, “esquecendo-se” de seus problemas regionais.

Essa mentalidade, de certo descaso altivo pela própria importância, começaria a ser transformada, de acordo com ele, justamente a partir do lançamento da publicação sobre o Núcleo Bernardelli, de sua autoria. “Creio ter sido o primeiro livro aqui publicado sobre um movimento especificamente carioca”, pontuou, alguns anos depois, em Revisão histórica da arte no Rio, no qual ele fala sobre o fato de a cidade ainda se considerar “a capital cultural do país” e nunca ter se posicionado “como região”:

Não há nenhuma arrogância nessa posição, mesmo se, vez por outra, ela atrai alguma antipatia ou provoca o ciúme de outros estados. Tudo parece ser feito com absoluta naturalidade, com a consciência de que muito do que se faz aqui tem imediata repercussão nacional. Isto também se deve ao fato de que, apesar de abrigar tantas instituições oficiais, o Rio tem sido, ao mesmo tempo, o território privilegiado da vanguarda mais marcadamente brasileira como o Neoconcretismo e o Tropicalismo, exemplarmente representada na obra de Hélio Oiticica. ( MORAIS, 1986a MORAIS, Frederico. Revisão histórica da arte no Rio, Revista do Brasil - edição especial Política cultural no Rio de Janeiro / Org. Darcy Ribeiro, Governo do Estado do Rio de Janeiro, 1986a, pp. 128-131. , pp. 128-131)

Como se vê, a ideia, lançada por ele ainda na década de 1960, de que o Rio de Janeiro seria “naturalmente” o lugar da vanguarda no Brasil, continuaria a ter ressonâncias em sua crítica quase três décadas depois.

Em contraponto ao “desinteresse do Rio de Janeiro em refletir sobre si mesmo”, apesar de seu “pioneirismo” em muitos movimentos culturais, Morais situa uma postura que ele reconhece em São Paulo: a “sacralização” da Semana de 1922 e de outros grupos e eventos históricos de origem paulista. Em artigo publicado na imprensa em 1982, ano em que se celebravam os 60 anos do evento, expõe os seguintes argumentos:

Durante muito tempo capital federal, abrigando as sedes das principais instituições culturais do país, o Rio de Janeiro nunca se preocupou em analisar sua própria história artística. O mesmo comportamento verifica-se na área econômica: sede das principais empresas estatais, o Rio pensa nos problemas nacionais e esquece os seus. Reduzido a Estado, com a transferência da capital para Brasília e, depois, com a fusão, a município, o Rio recusa-se a assumir seu novo estatuto e, ao deixar de enfrentar os problemas, definindo uma nova política cultural e artística, contribui para seu próprio esvaziamento.Enquanto São Paulo, que a cada dez anos sacraliza a sua Semana de Arte Moderna com mil comemorações, praticamente exauriu, em exposições e estudos, todos os seus movimentos culturais, como Grupo Santa Helena, a Família Artística Paulista, o Grupo Seibi, o Grupo 19, dos 15 etc., o Rio esquece o que aqui surgiu, muitas vezes pioneiramente, e cuja repercussão não se restringiu ao Estado, mas se estendeu a todo o País. (Idem, 1982b, p. 1)

Uma vez que “o Rio esquece”, caberia a ele, Morais, como um agente do meio de arte, crítico e curador de exposições, fornecer meios para que os fatos relevantes de sua história artística fossem resgatados. Parece vir daí a urgência em revisar e sistematizar os fatos, como mostram as muitas exposições e publicações que, a partir da experiência inicial com o Núcleo Bernardelli, em 1982, passam a ser lançadas por ele nos anos seguintes, caso de Ciclo de exposições sobre arte no Rio de Janeiro (1984-1987), Panorama das artes plásticas - séculos XIX e XX (1989); Pintura Brasil séc. XIX e XX (1989); BR/80 - pintura Brasil década 80 (1991); Cadernos história da pintura no Brasil (1993-1994); Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro - 1816-1994. Da missão artística francesa à Geração 90 (1995); O Brasil na visão do artista (2001-2003); e ao longo de uma década, entre 2002 e 2012, os textos para os catálogos da casa de leilões Soraia Cals.

Nota-se que no livro sobre o núcleo operário carioca, pela primeira vez, Morais irá associar seu trabalho diretamente a um dever de memória. O seguinte trecho, de 1982, reforça essa ideia:

A inauguração, hoje, na Galeria Acervo, da primeira exposição dedicada ao exame do Núcleo Bernardelli - cujo encerramento, a 17 de maio, coincidirá com o lançamento do livro deste crítico, sobre o mesmo grupo, editado pela Pinakotheke - poderá ser o início de uma nova postura em relação à nossa própria história da arte. (Ibidem, p. 2)

Esse pensamento, de um desinteresse do Rio de Janeiro por si próprio, aliado ao que Morais considera certa injustiça da historiografia oficial em relação à cidade, também começou a se manifestar de maneira mais evidente durante o projeto do Núcleo Bernardelli, lançado em 1982, consolidando-se ao longo das décadas de 1980 e 1990.

FIGURA 7
Capa de Pintura Brasil séc. XIX e XX - Obras do Acervo Banco Itaú (1989), publicação organizada e escrita por Frederico Morais.

A ação de resgate de um movimento artístico e sua época funcionou, apenas alguns anos depois, como base conceitual e metodológica para nova e ambiciosa proposta de revisão: o Ciclo de exposições sobre arte no Rio de Janeiro (1984-1987). A iniciativa, na galeria de um banco estatal, o Banerj (Banco do Estado do Rio de Janeiro), promoveu 15 exposições, todas em torno do passado da arte na cidade, dentre as quais dez eram acompanhadas de catálogo com textos, reproduções de obras e material de arquivo - imagens e documentos de época, mas também depoimentos atualizados, tomados aos antigos participantes, convidados a rever os eventos originais.

É importante lembrar que ambos os projetos (Núcleo Bernardelli, em 1982, e o Ciclo sobre arte no Rio na Galeria Banerj, entre 1984 e 1987) serviriam de suporte nos anos seguintes, ao longo das décadas de 1990 e 2000, para mais publicações (de ensaios, livros, cronologias e enciclopédias), todas voltadas para a sistematização e reconsiderações de eventos marcantes da história da arte brasileira, especialmente aquelas patrocinadas pelo Instituto Itaú Cultural, sempre sob coordenação do crítico, caso de Panorama das artes plásticas - séculos XIX e XX (1989); Pintura Brasil séc. XIX e XX - Obras do Acervo Banco Itaú (1989) (Figura 7); Figurativismo/abstracionismo: o vermelho na pintura brasileira (1990); BR/80 - pintura Brasil década 80 (1991); e Cadernos história da pintura no Brasil (1993), em oito volumes.

FIGURA 8
Capa de Quando o Brasil era moderno: artes plásticas no Rio de Janeiro 1905-1960, projeto de revisão histórica sobre o modernismo brasileiro que teve consultoria de Frederico Morais.

FIGURA 9
Capa do catálogo de leilão Soraia Cals Sobre a crítica de arte, 2004, com textos de Frederico Morais.

Em meados da década de 1990, Morais publica, pela Topbooks, uma jovem editora do Rio de Janeiro dedicada ao “resgate de autores importantes da história nacional” e à “recuperação da memória cultural do país”33 33 33. A Topbooks, casa editorial carioca surgida em 1990 e até hoje em atividade, promoveu relançamentos de obras de Joaquim Nabuco (Um estadista do império), Manuel Oliveira Lima (Dom João VI no Brasil) e Manoel Bomfim (O Brasil nação), entre outros. , a alentada Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro - 1816-1994. Da missão artística francesa à Geração 90 (MORAIS, 1995MORAIS, Frederico. Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro, 1816- 1994. Da missão artística francesa à geração 90. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.), um volume de 560 páginas que reunia 1.875 verbetes, agrupados por décadas e em ordem cronológica, abarcando não apenas as artes visuais propriamente ditas, mas também artes gráficas, arquitetura e urbanismo, ensino de arte, museus e instituições culturais, prêmios e salões de arte, entre outras categorias.

Esse trabalho se tornaria nas décadas seguintes uma obra de referência para outras ações em torno da produção artística na cidade, prova de que o projeto de revisão de Morais se manteve influente. Este é o caso, entre outros, da exposição “Quando o Brasil era moderno: artes plásticas no Rio de Janeiro 1905-1960”, realizada no Paço Imperial em 2001(Figura 8). A consultoria foi do próprio crítico. No catálogo, todos os autores (Lauro Cavalcanti, curador da mostra, Paulo Venâncio, Marcio Doctors, Wilson Coutinho e Lúcia de Meira Lima) defendiam teses que relativizavam o surgimento e a centralidade do modernismo brasileiro em São Paulo, convocando para o Rio de Janeiro o papel de pioneirismo nesse aspecto no país34 34 34. No texto da “orelha” do livro O modernismo plural do Rio de Janeiro, a historiadora Beatriz Resende (UFRJ) escreve: “O primeiro mérito da exposição é acabar com aquela velha história de que o modernismo nasceu com a Semana de Arte Moderna, em 1922. Como se modificações tão decisivas na arte, na cultura, no comportamento, no gosto, pudessem se dar em 3 dias. Nessa releitura, a exposição se inicia mostrando o ‘gesto modernizador’ de Pereira Passos cortando a cidade do Rio de Janeiro com a abertura da Avenida Central, em 1905” (CAVALCANTI; OLIVIERI, 2001). .

Uma particularidade decisiva na trajetória de Frederico Morais desde a década de 1980 é que, a partir de então, tudo acontecerá no plano institucional, com trabalhos para Banerj, Banco Itaú, Sul América, Sudameris e leilões Soraia Cals. Se isso não chega a constranger sua liberdade de pensamento e escrita, parece colocá-lo em uma posição, digamos, mais tímida em relação à busca pelo “novo” na arte brasileira e à defesa dos artistas e obras a ele associadas, atitudes que até meados dos 1980 caracterizaram sua atuação no sistema brasileiro de arte.

Creio que tal situação fica mais evidente no caso de sua longa e profunda ligação com o Itaú Cultural, que atravessou toda a década de 1990. Nessa época, se por um lado Morais conduziu e participou de grandes projetos de exposição e catálogos para a companhia35 35 35. Morais foi convidado a fazer parte do projeto do Instituto Itaú Cultural desde a sua fundação, em 1987, atuando como consultor de artes visuais da instituição até 1996, e a partir de então, até 2001, em projetos especiais de exposições, catálogos, cursos e palestras. Nesse período de 14 anos, assinou a curadoria de 12 exposições, a maioria de caráter retrospectivo, ou seja, voltada para momentos históricos da arte brasileira (“Geração 80”, em 1991, mas também de seu “Do corpo à terra”, evento homenageado pelo Itaú Cultural em 2001) e para reavaliações da trajetória de artistas consagrados (como Guignard, em 1992, e Abraham Palatnik, em 1999). Sob sua coordenação ou participação foram lançadas publicações dirigidas à sistematização e reapresentação da história da arte brasileira, caso de: Panorama das artes plásticas - séculos XIX e XX (1989); Pintura Brasil séc. XIX e XX (1989); Figurativismo/ abstracionismo: o vermelho na pintura brasileira (1990); BR/80 - pintura Brasil década 80 (1991); Cadernos história da pintura no Brasil (1993), em oito volumes. As mostras organizadas por Morais para o Itaú, ou que tiveram sua participação na curadoria, são, por ordem cronológica: “Pintura Brasil séc. XIX e XX” (1989); “Figurativismo/abstracionismo: o vermelho na pintura brasileira” (1990); “BR/80 - pintura Brasil década 80” (1991); “Guignard - paixão cotidiana” (1992); “7 artistas contemporâneos” (1993), como integrante da comissão das Itaugalerias; “Objeto/abjeto” (1994); “Máquinas de arte” (1999); “Retrospectiva Abraham Palatnik: a trajetória de um artista inventor” (1999); “Kitsch” e “Beba Mona Lisa” (ambas em 1999); “O trabalho do artista” (2000); “Do corpo à terra: um marco radical na arte brasileira” (2001). , por outro, deixou de perceber – ou ao menos de apoiar publicamente – os fenômenos que ali despontavam, caso dos novos artistas brasileiros cuja produção se firmou na passagem para os 199036 36 36. Cito alguns deles, apenas à guisa de referência, e sabendo ser impossível fazer aqui um inventário do período: Efrain Almeida, Marepe, Eduardo Frota, Rivane Neuenschwander, Iran do Espírito Santo, Sandra Cinto, Ernesto Neto. . Se antes Morais procurava se antecipar, ou ao menos se mostrar a par do que acontecia, a partir de então irá em grande medida apenas responder a demandas institucionais. Passava assim a se colocar, ele também, numa posição, para usar um termo seu, “ancilar”.

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  • ZANINI, Walter (org.). História geral da arte no Brasil. 2 volumes. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1983.

Notas

  • 1
    1. Sobre o processo de abertura política brasileira e suas implicações para o campo da arte e da cultura no país, cf. GASPARI; HOLLANDA; VENTURA (2000), GASPARI (2003, esp. pp. 453-481), NAPOLITANO (2008).
  • 2
    2. Para Frederico Morais, a mostra original “Opinião 65” se insere no contexto da definição de uma origem para a vanguarda brasileira de modo geral, e da construção de uma vanguarda carioca, em particular.
  • 3
    3. Refiro-me aqui ao “novo” na mesma acepção adotada por Frederico Morais, significando a busca por algo “original”, dentro de um estado contínuo de mudança, conforme entendido pelas vanguardas históricas, cujas tendências mais radicais, especialmente proposições do surrealismo e dada, se baseavam em um rompimento absoluto com a noção de arte enquanto representação da realidade aparente. Este conceito de “novo” se oporia à concepção do “eterno”, perene e duradouro da tradição artística. Cf. BÜRGER (2008).
  • 4
    4. Durante as décadas de 1960 e 1970 Morais criticava com frequência o que ele via como uma dependência do sistema de brasileiro de arte e seus artistas, uma postura “ancilar”, subalterna, diante da “arte afluente”, aquele produzida nos países ricos e desenvolvidos, então chamados “do Primeiro Mundo”. Um de seus ensaios mais conhecidos é batizado “Contra a arte afluente: o corpo é o motor da ‘obra’”. Cf. MORAIS (1970b).
  • 5
    5. Por mercado secundário me refiro aqui às casas de leilão e ao trabalho dos marchands, que se diferencia do mercado primário, formado pelas galerias que formam um grupo definido e restrito de artistas, representando-os regularmente, em geral com exclusividade, no sistema de arte.
  • 6
    6. Paulo Herkenhoff, curador capixaba radicado no Rio de Janeiro, conhecido por um pensamento análogo ao de Morais nesse aspecto, cunhou o termo pejorativo “semanismo” para se referir ao que considera um excesso de investimento acadêmico na Semana de 22. Cf. HERKENHOFF (2002, pp. 30-44).
  • 7
    7. Durante a pesquisa para a tese que precedeu este artigo, não foram localizados, além do livro de Morais, outros estudos aprofundados e dedicados exclusivamente à produção do Núcleo Bernardelli, seja no contexto acadêmico ou fora dele.
  • 8
    8. “Novo” no sentido adotado pelas vanguardas, a mesma acepção adotada por Frederico Morais. Ver nota número 3.
  • 9
    9. Para o autor, o Núcleo Bernardelli pode ser entendido como uma manifestação local do “retorno à ordem internacional”, tendência que buscou resgatar certos valores considerados “eternos” da arte, a partir de um ponto de vista muitas vezes bastante conservador e contrário às vanguardas históricas. Esse movimento muitas vezes assumiu uma posição hegemônica no âmbito da arte internacional no entreguerras com fortes ressonâncias na cena artística brasileira. Cf. CHIARELLI (2008b).
  • 10
    10. O texto foi produzido para uma conferência no ciclo “Presença da cultura italiana nas artes plásticas brasileiras” (Centro Cultural São Paulo, 14 a 30 de maio de 1990).
  • 11
    11. Esta publicação foi lançada na sede do Instituto Itaú Cultural, em São Paulo, em setembro de 2000.
  • 12
    12. Sobre o assunto, cf. ALBUQUERQUE Júnior (1999), ANJOS (2005), DINIZ (2014).
  • 13
    13. Os oito volumes da série Cadernos história da pintura no Brasil, lançados durante 1993 e 1994 pelo Instituto Cultural Itaú, são os seguintes: Pintura colonial, Academismo, Modernismo: anos heróicos, Modernismo: desdobramentos, Abstracionismo, Anos 60: a volta à figura, Do conceitual à arte contemporânea, Gêneros na pintura.
  • 14
    14. Em sua produção crítica, Morais se refere com frequência à conhecida conferência realizada por Mário de Andrade no salão de conferências da biblioteca do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, Palácio do Itamaraty, Rio de Janeiro, no dia 30 de abril de 1942, por ocasião do vigésimo aniversário da Semana de Arte Moderna de 1922. A palestra se baseou no ensaio O movimento modernista, preparado por solicitação do escritor Edgard Cavalheiro (1911-1958). No evento, Mário recapitula a história do modernismo sob perspectiva bastante pessoal e melancólica, retomando momentos de sua trajetória literária, em tom autobiográfico, revendo personagens e situações, mas também realizando uma avaliação do modernismo, dividindo-o em fases e caracterizando cada uma delas. CF. ANDRADE (1942).
  • 15
    15. Também chamado Salão Revolucionário, nome pelo qual ficou conhecida a 38ª Exposição Geral de Belas Artes, que aconteceu na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), no Rio de Janeiro, entre os dias 1 e 29 de setembro de 1931. O salão era um tradicional reduto da arte acadêmica, porém, naquele ano, recebeu a presença inédita de modernistas. O motivador dessa mudança foi o arquiteto Lúcio Costa, que estava à frente da ENBA desde dezembro de 1930 e pretendia rejuvenescer a instituição.
  • 16
    16. Sempre que possível, nas publicações de revisão desse seu segundo período, Morais irá incluir o Salão Revolucionário como parte integrante da narrativa do surgimento e desenvolvimento do modernismo no país, valendo da estrutura em linha do tempo, em que o Salão de 31 aparece estrategicamente posicionado logo depois da Semana de Arte Moderna, em 1922, e imediatamente antes da Sociedade Pró Arte Moderna (SPAM) e Clube dos Artistas Modernos (CAM), que surgiram em São Paulo no ano de 1932. (MORAIS, 1993, p. 16).
  • 17
    17. O livro acompanhava a exposição “Salão de 31 - Sala Especial do 7o Salão Nacional de Artes Plásticas”, realizada na sede carioca da Funarte de 12 de dezembro de 1984 a 2 de janeiro de 1985.
  • 18
    18. Sobre os trabalhos exibidos na Semana, Morais (2009, p. 63) escreveu: “Era enorme a disparidade qualitativa entre os expositores, alguns deles decididamente acadêmicos ou criativamente inexpressivos, cujos nomes foram apagados quase por completo da história da arte moderna brasileira”.
  • 19
    19. A também chamada Exposição Internacional comemorativa do Centenário da Independência do Brasil (1822-1922) foi inaugurada no dia 7 de setembro de 1922 e se prolongou até o dia 24 de julho de 1923. A Exposição do Centenário, realizada no mesmo ano de outros eventos relevantes para a história brasileira, como a Semana de Arte Moderna, a fundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e a Revolta do Forte de Copacabana, vem despertando crescente interesse da historiografia preocupada com o tema da identidade nacional na década de 1920. Sobre o assunto, ver MOTTA (pp. 31-35).
  • 20
    20. Essa ideia foi apresentada publicamente por Morais, pela primeira vez, ainda no final de 1981, durante o simpósio “Metropolização das artes visuais no Brasil”, no contexto do 2º Encontro Nacional de Críticos de Arte, realizado em Recife. “Depois da festa de 1922, ocorrida em São Paulo, o Modernismo transferiu-se, nos anos 1930, para o Rio de Janeiro, de onde expandiu-se para todo o país, sedimentando-se nos anos 1940/1950 nas capitais regionais: Belo Horizonte, Recife, Salvador, Fortaleza, Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis.” (MORAIS, 1983, pp. 45-52).
  • 21
    21. Como aponta Tadeu Chiarelli (2010), Rubem Navarra foi um dos poucos intelectuais que se pronunciou contrário ao peso supostamente excessivo dado à Semana de Arte Moderna de 1922 no quadro geral da arte local. No texto de Navarra, produzido para ser publicado no catálogo de uma exposição de arte brasileira realizada na Inglaterra, em 1943, a Semana foi vista como uma “festa” que apenas simbolicamente poderia ser entendida como o início da arte moderna no país. Publicado em português, pela primeira vez, na Revista Acadêmica (NAVARRA, 1945) e republicado no catálogo da mostra “Modernidade negociada: um recorte da arte brasileira nos anos 40”, ocorrida no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 2007, com curadoria de Taísa Palhares (Idem, 2007).
  • 22
    22. Ver nota anterior.
  • 23
    23. O texto de Morais seria depois publicado na capa do Suplemento Dominical do Estado de Minas (7 mar. 1965), periódico em que trabalhava como crítico antes de se transferir para o Rio de Janeiro, no ano seguinte.
  • 24
    24. Texto para o catálogo da exposição promovida pelo Ministério da Educação, publicado também na Revista Acadêmica, Rio de Janeiro, em 1943. Cf. ANDRADE (1982).
  • 25
    25. Tadeu Chiarelli, sobre o mesma tema, observa, em texto de 2008: “Nos anos 1940, ao analisar os trabalhos realizados por Segall logo após a chegada ao Brasil, Mário de Andrade, o principal crítico modernista brasileiro, escreverá que esse período teria sido um momento de ‘perdição’, uma fase em que o artista, seduzido pelos aspectos insuspeitos que a paisagem física e humana do país lhe ofereciam, não conseguiu articular tais estímulos nas balizas que ele havia trazido da Europa”. CHIARELLI (2008a).
  • 26
    26. Ver nota 14.
  • 27
    27. Mário de Andrade se referia especificamente aos profissionais da Escola Nacional de Belas Artes que se colocaram contra o Salão de 1931, que Lúcio Costa tentava modernizar. Cf. ANDRADE (1976).
  • 28
    28. Os outros dois princípios, conforme colocado por Mário de Andrade na mesma conferência de 1942, são a “atualização da inteligência artística brasileira” e a “estabilização de uma consciência nacional”. ANDRADE (1942, p. 52)
  • 29
    29. Publicado originalmente na Revista Acadêmica sob o título “Portinari”.
  • 30
    30. Um exemplo significativo dessa postura é o caso de sua análise da “Exposição internacional do centenário da Independência”, em 1922, que ele considera mais influente e, sobretudo, “mais moderna” que a Semana de Arte Moderna realizada em São Paulo no mesmo ano.
  • 31
    31. Morais considera que a mostra “Entre a mancha e a figura” (MAM-RJ, 1982), concebida e realizada por ele, foi precursora de “Como vai você, Geração 80?” (Parque Lage, 1984), por antecipar ideias e soluções que só depois viriam a se concretizar plenamente.
  • 32
    32. Em 21 de abril de 1960 foi inaugurada Brasília, nova capital do Brasil. Sobre o assunto, cf. MOTTA (2004).
  • 33
    33. A Topbooks, casa editorial carioca surgida em 1990 e até hoje em atividade, promoveu relançamentos de obras de Joaquim Nabuco (Um estadista do império), Manuel Oliveira Lima (Dom João VI no Brasil) e Manoel Bomfim (O Brasil nação), entre outros.
  • 34
    34. No texto da “orelha” do livro O modernismo plural do Rio de Janeiro, a historiadora Beatriz Resende (UFRJ) escreve: “O primeiro mérito da exposição é acabar com aquela velha história de que o modernismo nasceu com a Semana de Arte Moderna, em 1922. Como se modificações tão decisivas na arte, na cultura, no comportamento, no gosto, pudessem se dar em 3 dias. Nessa releitura, a exposição se inicia mostrando o ‘gesto modernizador’ de Pereira Passos cortando a cidade do Rio de Janeiro com a abertura da Avenida Central, em 1905” (CAVALCANTI; OLIVIERI, 2001).
  • 35
    35. Morais foi convidado a fazer parte do projeto do Instituto Itaú Cultural desde a sua fundação, em 1987, atuando como consultor de artes visuais da instituição até 1996, e a partir de então, até 2001, em projetos especiais de exposições, catálogos, cursos e palestras. Nesse período de 14 anos, assinou a curadoria de 12 exposições, a maioria de caráter retrospectivo, ou seja, voltada para momentos históricos da arte brasileira (“Geração 80”, em 1991, mas também de seu “Do corpo à terra”, evento homenageado pelo Itaú Cultural em 2001) e para reavaliações da trajetória de artistas consagrados (como Guignard, em 1992, e Abraham Palatnik, em 1999). Sob sua coordenação ou participação foram lançadas publicações dirigidas à sistematização e reapresentação da história da arte brasileira, caso de: Panorama das artes plásticas - séculos XIX e XX (1989); Pintura Brasil séc. XIX e XX (1989); Figurativismo/ abstracionismo: o vermelho na pintura brasileira (1990); BR/80 - pintura Brasil década 80 (1991); Cadernos história da pintura no Brasil (1993), em oito volumes. As mostras organizadas por Morais para o Itaú, ou que tiveram sua participação na curadoria, são, por ordem cronológica: “Pintura Brasil séc. XIX e XX” (1989); “Figurativismo/abstracionismo: o vermelho na pintura brasileira” (1990); “BR/80 - pintura Brasil década 80” (1991); “Guignard - paixão cotidiana” (1992); “7 artistas contemporâneos” (1993), como integrante da comissão das Itaugalerias; “Objeto/abjeto” (1994); “Máquinas de arte” (1999); “Retrospectiva Abraham Palatnik: a trajetória de um artista inventor” (1999); “Kitsch” e “Beba Mona Lisa” (ambas em 1999); “O trabalho do artista” (2000); “Do corpo à terra: um marco radical na arte brasileira” (2001).
  • 36
    36. Cito alguns deles, apenas à guisa de referência, e sabendo ser impossível fazer aqui um inventário do período: Efrain Almeida, Marepe, Eduardo Frota, Rivane Neuenschwander, Iran do Espírito Santo, Sandra Cinto, Ernesto Neto.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Ago 2022

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2022
  • Aceito
    07 Jun 2022
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