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CILDO MEIRELES E A REFORMA DO ZERO DA ECONOMIA

CILDO MEIRELES AND ECONOMY’S REFORM FROM ZERO

CILDO MEIRELES Y LA REFORMA DESDE CERO DE LA ECONOMÍA

RESUMO

O sistema monetário internacional deve passar por transformações radicais em virtude da concorrência de moedas digitais e da emergência de uma nova ordem multipolar. Em busca de propor um conceito alternativo de dinheiro, neste artigo revisitaremos as obras de Cildo Meireles que versam sobre o dinheiro, especialmente Zero Dólar (1978-1984), Zero Cruzeiro (1974) e Zero Real (2013), todas pertencentes ao projeto Inserções em circuitos antropológicos. O artista propõe uma reforma “do zero” da economia, em que são ques­tionadas as relações entre moeda e matéria, entre confiança e reputação, entre criação e circulação de valor. Trata-se de uma utopia das trocas monetárias, irredutível à tirania financeira da especulação e do endividamento.

PALAVRAS-CHAVE
Dinheiro; Sistema monetário; Cildo Meireles; Arte Contemporânea

ABSTRACT

The international monetary system must undergo radical transformations due to the competition of digital currencies and the emergence of a new multipolar order. In order to propose an alternative concept of money, in this article we will revisit the works of Cildo Meireles that deal with money, especially Zero Dólar (1978-1984), Zero Cruzeiro (1974) and Zero Real (2013), all belonging to the project Insertions in Anthropological Circuits. The Brazilian artist proposes a reform “from scratch” of the economy, in which the relationships between currency and matter, between trust and reputation, between creation and circulation of value are questioned. It is a utopia of monetary exchange, irreducible to the financial tyranny of speculation and indebtedness.

KEYWORDS
Money; Monetary System; Contemporary Art; Cildo Meireles

RESUMEN

El sistema monetario internacional debe sufrir transformaciones radicales debido a la competencia de las monedas digitales y la emergencia de un nuevo orden multipolar. En busca de proponer un concepto alternativo de dinero, en este artículo revisaremos las obras de Cildo Meireles que tratan sobre el dinero, especialmente Zero Dólar (1978-1984), Zero Cruzeiro (1974) y Zero Real (2013), todas pertenecientes al proyecto Inserciones en circuitos antropológicos. El artista propone una reforma “desde cero” de la economía, cuestionando las relaciones entre moneda y materia, confianza y reputación, creación y circulación de valor. Se trata de una utopía de los intercambios monetarios, irreducible a la tiranía financiera de la especulación y el endeudamiento.

PALABRAS CLAVE
Dinero; Sistema monetario; Cildo Meireles; Arte Contemporáneo

Eu não entendo nada a não ser NOTAS VERDES

Andy Warhol 1 1 WARHOL (2008, p. 149).

O conceito de dinheiro passa por vertiginosa mutação. O sistema monetário internacional, já bastante pressionado pela concorrência de moedas digitais, volta ao centro da disputa geopolítica em ocasião da Guerra da Ucrânia. O Ocidente – isto é, os Estados Unidos e a União Europeia – não tem hesitado em explorar a hegemonia do dólar como arma de guerra híbrida contra adversários econômicos e militares. Os países do Sul Global, temendo o destino da Rússia, Irã, Venezuela e Cuba, caminham decididamente rumo à “desdolarização” (HUDSON, 2022aHUDSON, Michael. Sanções à Rússia, a brincadeira com fogo dos EUA. Outras Mídias, março, 2022a. Disponível em: < https://outraspalavras.net/outrasmidias/sancoes-a-russia-a-brincadeira-com-fogo-dos-eua/ >. Acesso em: 7 jul. 2023.
https://outraspalavras.net/outrasmidias/...
) de suas economias em busca de proteger a soberania e as reservas financeiras da ingerência do Ocidente. Esse conflito abre espaço para a emergência de outros modelos monetários. Alguns economistas apostam no retorno do Padrão Ouro, uma vez que o metal é considerado o único ativo sem risco de contraparte. Já entre os países BRICS circula a proposta de uma nova moeda de pagamento digital, lastreada em commodities e reservas monetárias dos países participantes (ESCOBAR, 2022ESCOBAR, Pepe. Say Hello to Russian Gold and Chinese Petroyuan. The Cradle, 15 mar. 2022. Disponível em:< https://new.thecradle.co/articles/say-hello-to-russian-gold-and-chinese-petroyuan.> Acesso em: 10 jul. 2023
https://new.thecradle.co/articles/say-he...
), que, em tese, seria imune à hiperflutuação do dólar. Em resumo, a Nova Ordem Econômica Internacional parece rumar para uma divisão ou “choque entre sistemas econômicos – industrialização socialista vs. capitalismo financeiro neoliberal” (HUDSON, 2022bHUDSON, Michael. The Dollar Devours the Euro. Counterpunch, abril, 2022b. Disponível em: <https://www.counterpunch.org/2022/04/08/the-dollar-devours-the-euro/> Acesso em: 7 jul. 2023.
https://www.counterpunch.org/2022/04/08/...
, tradução nossa),2 2 No original: “clash of economic systems – socialist industrialization vs. neoliberal finance capitalism”. em que um conceito radicalmente novo de dinheiro desempenhará papel determinante.

Nesse cenário de mutação do sistema financeiro, eu gostaria de revisitar as obras de Cildo Meireles que versam sobre o dinheiro, especialmente Zero Dólar (1978-1984), Zero Cruzeiro (1974) e Zero Real (2013), todas pertencentes ao projeto Inserções em circuitos antropológicos. O artista propõe uma reforma “do zero” da economia, em que são questionadas as relações entre moeda e matéria, entre confiança e reputação, entre criação e circulação de valor. Trata-se de uma utopia das trocas monetárias, irredutível à tirania financeira da especulação e do endividamento. Em que sentido?

1. Valor intrínseco zero

Nas cédulas de 0$,3 3 Doravante usaremos as siglas 0$ (Zero Dólar), 0Cr$ (Zero Cruzeiro) e 0R$ (Zero Real) para definir cada uma das obras de Cildo. à primeira vista semelhantes às de cinco dólares, Cildo, que as assina como “Secretário do Tesouro”, substituiu o tradicional retrato de Abraham Lincoln pelo do Tio Sam e, no verso, ao invés do Lincoln Memorial, ele inseriu o Fort Knox, onde está localizado, além de uma poderosa base militar, o US Bullion Depository, que guarda, entre relíquias da fundação da democracia norte-americana, cerca de 60% das reservas de ouro do país. Sob a imagem iluminada de Fort Knox, Cildo repetiu a inscrição da cédula americana “In God We Trust” [Em Deus acreditamos], mas em versões posteriores, a substituiu por “In Dog We Trust” [No cão acreditamos]. Entre uma frase e outra, escutamos o eco da palavra gold, ouro.

Quando Cildo criou sua primeira cédula “zero” em 1974, o mundo enfrentava o colapso o sistema Bretton Woods e do Padrão Dólar-Ouro (MARTINS, 2013MARTINS, Sérgio B. Ocasião. In FERNANDES, João (org.). Cildo Meireles. São Paulo: Cosac Naify, 2013, p.31-45). O presidente Richard Nixon havia decretado unilateralmente o fim da convertibilidade direta do dólar em ouro. Com isso, o valor nominal do papel-moeda deixou de ter lastro no valor substancial da moeda-mercadoria como ouro e prata; em outras palavras, o dólar passou a ter valor intrínseco zero: ele vale somente o que a nota diz valer, enquanto o papel, em si, não vale nada. O dinheiro tornou-se puramente fiduciário, autorreferencial.

É verdade que o processo de desmaterialização da moeda é milenar. As economias arcaicas operavam exclusivamente com moeda-mercadoria, feita de bronze, prata ou ouro. Mas transportá-las em grande volume era inconveniente e perigoso. Além de roubo, havia a possibilidade de derretimento do metal para produção de joias ou moedas de um país rival. O aumento ou escassez repentinos de moeda causam inflação. Como solução, os mercantes e governantes passaram a guardar suas reservas de moeda nas casas-fortes dos ourives, pagando-lhes uma taxa de segurança. Como garantia, estes lhes ofereciam papéis correspondentes ao montante de ouro depositado. Caso o ourives gozasse de boa reputação, o comerciante detentor da letra de câmbio não encontrava dificuldades para comprar utilizando esse papel, em lugar das moedas; o receptor sabia que poderia a qualquer momento sacar o ouro equivalente. E, como aquele, por razões de segurança, este também preferia operar com papéis, o que significava que na prática o ouro guardado quase nunca era sacado. Então, os ourives tiveram a brilhante ideia de emitir mais notas do que seu estoque real de ouro, e de emprestar esse dinheiro “fictício” a juros. Surgia assim a lex mercatoria e, com ela, os primeiros banqueiros; a moeda-símbolo fiduciária (em inglês, “Fiat Money”, assim como na expressão bíblica “Fiat Lux”) tornou-se padrão. Grosso modo, o dinheiro é “criado” da mesma maneira, via relações de crédito, nos dias atuais (SINGER, 1988SINGER, Paul. Aprender economia, São Paulo: Editora Brasiliense, 1988.).

Em outras palavras, logo se percebeu que a relação entre o valor nominal e o valor substancial era determinada sobretudo por relações de fidúcia, isto é, por um conceito de valor “que depende da confiança ou da reputação e não do seu valor material”.4 4 “Fiduciário”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/fiduci%C3%A1rio [consultado em 6 jul. 2023]. Mas essa descoberta acarretou novos problemas para a economia. Os bancos arcaicos quebravam frequentemente em face da mínima crise de confiança. Bastava que alguém fizesse circular o boato de que um ourives não possuía todo o ouro que dizia ter para que começasse uma corrida generalizada para resgate de moeda-mercadoria, e raramente os boatos faltavam com a verdade. As causas do “Choque Nixon” são similares. O presidente francês Charles De Gaulle vinha acusando os Estados Unidos de prática de “senhoriagem”, isto é, de se aproveitar do padrão Dólar-Ouro para financiar o padrão de vida norte-americano, afinal, como o economista americano Barry Eichengreen (2011, p. 3EICHENGREEN, Barry. Exorbitant Privilege: The Rise and Fall of the Dollar and the Future of the International monetary system. Londres: Oxford Press, 2011., tradução nossa) resumiu: “custa apenas alguns centavos para o Bureau of Engraving and Printing produzir uma nota de US$ 100, mas outros países precisam desembolsar US$ 100 em bens e serviços reais para obter uma”.5 5 No original: “It costs only a few cents for the Bureau of Engraving and Printing to produce a $100 dollar bill, but other countries have to pony up $100 of actual goods and services in order to obtain one”. Ele estava certo. Em 1971, 80% das reservas de ouro americanas estavam comprometidas com participações domésticas, e o restante não era suficiente para cobrir sequer uma fração das participações estrangeiras. Então, para proteger o dólar de uma crise mundial de confiança, que poderia esvaziar os cofres americanos da noite para o dia, Nixon decretou unilateralmente o fim da conversibilidade direta do dólar em ouro.

Com o fim do Padrão Ouro, o dinheiro se tornou autorreferencial, isto é, seu valor monetário passou a ser baseado na pura fidúcia, na crença no dinheiro. As cédulas de 0$ de Cildo chamam atenção para o sentido de fidúcia pressuposto pelo dólar. As metáforas escolhidas tratam tanto do aspecto hegemônico – o Tio Sam – quanto do aspecto de culto – “In God We Trust”, o resplendor de Fort Knox – da crença no dinheiro. Vale perguntar: qual o sentido da relação sugerida por 0$ entre dinheiro e fidúcia, ou melhor dizendo, entre Zero e Deus?

Com efeito, segundo Giorgio Agamben (2013AGAMBEN, Giorgio. Benjamin e o capitalismo. Trad. Selvino Assmann. Revista Instituto Humanitas Unisinos-Online. 13 mai. 2013. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/noticias/520057-benjamin-e-o-capitalismo-artigo-de-giorgio-agamben> Acesso em: 6 jul. 2023.
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), o “Choque Nixon” pode ser compreendido como um ato radical de fé. Para o filósofo italiano, o capitalismo é uma forma de religião que se desenvolveu de modo parasitário a partir do cristianismo. Ele nota que, em latim, o vocábulo creditum vem de credere e que a palavra grega pistis, usada por Jesus e seus apóstolos para designar “fé”, pode ser traduzida como “crédito” nosso com Deus e de sua palavra conosco. Conforme Paulo, a “fé é substância de coisas esperadas”, “é um modo de já possuir aquilo que se espera”.6 6 Hebreus 11,1-2; 8-9. Logo, ter fé é dar “crédito e realidade àquilo que ainda não existe” (AGAMBEN, 2013AGAMBEN, Giorgio. Benjamin e o capitalismo. Trad. Selvino Assmann. Revista Instituto Humanitas Unisinos-Online. 13 mai. 2013. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/noticias/520057-benjamin-e-o-capitalismo-artigo-de-giorgio-agamben> Acesso em: 6 jul. 2023.
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).

Mas o capitalismo, alerta Agamben, leva ao extremo essa dinâmica. O Choque Nixon, ao romper as relações entre valor-nominal e valor-substancial, rompeu ainda as relações entre fé e substância; desde então, o capitalismo financeiro passou a prescindir de todo objeto em seu exercício de fé no dinheiro:

[o capitalismo] crê no puro fato de crer, no puro crédito (believes on the pure belief), ou seja, no dinheiro. O capitalismo é, pois, uma religião em que a fé – o crédito – ocupa o lugar de Deus; dito de outra maneira, pelo fato de o dinheiro ser a forma pura do crédito, é uma religião em que Deus é o dinheiro. (AGAMBEN, 2013AGAMBEN, Giorgio. Benjamin e o capitalismo. Trad. Selvino Assmann. Revista Instituto Humanitas Unisinos-Online. 13 mai. 2013. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/noticias/520057-benjamin-e-o-capitalismo-artigo-de-giorgio-agamben> Acesso em: 6 jul. 2023.
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)

A realidade “que ainda não existe” – a do crédito – passa a se impor absoluta sobre a realidade da vida social. Com o capitalismo neoliberal financeiro, a especulação e o endividamento passam a ter prevalência sobre o ato produtivo e a vida social. Mas, para que isso ocorra, é preciso que o culto ao dinheiro se dê de forma ininterrupta, o que faz do capitalismo, segundo Agamben, a forma mais extrema de religião, em que não se admite qualquer distinção entre culto e festa, entre trabalho e descanso, e em que se exclui toda forma de redenção ou de remissão de culpa. Em outras palavras, nada mais, senão a própria movimentação do dinheiro, fundamenta e fomenta o culto total ao dinheiro; o que compreendemos por economia, conclui Agamben, não passa de um conjunto de dispositivos excepcionais e securitários cuja finalidade é extirpar todo espaço para a incredulidade no crédito.

A inserção de cédulas zero no sistema monetário visa, justamente, a uma perturbação da credulidade corrente. Daí a importância da obra ser um “readymade às avessas” (WISNIK, 2013, p. 50WISNIK, Guilherme. Menos Valia como Lucro. In FERNANDES, João (org.). Cildo Meireles. São Paulo: Cosac Naify, 2013, p. 45-59.), isto é, mimetizar meticulosamente as cédulas oficiais. O objetivo é causar perplexidade imediata no receptor, experiência que pode deflagrar uma crise das relações fiduciárias correntes. Essa brevíssima experiência de ruptura – em que, por um instante ínfimo, conjecturamos a possibilidade de 0$ efetivamente pertencer à escala do dólar americano – constitui a prova de que outro sistema monetário é possível.

Mas, para compreender como essa abertura se dá, é preciso antes discutir como o Tio Sam nos obriga ao culto ao dinheiro. Seu principal instrumento é a dívida. Em lugar da expiação da culpa, o capitalismo financeiro trabalha para mergulhar sociedades inteiras num débito infinito, impagável. Desse modo, consegue impor um culto inescapável, uma culpa insuperável, tanto ao Estado quanto ao sujeito. Este é o “segredinho sujo do capitalismo” (FUNNEL, 2009, p. 9FUNNEL, Ben. Debt is Capitalism’s Dirty Little Secret. Financial Times. 1 jul 2009. < Disponível em: https://www.ft.com/content/e23c6d04-659d-11de-8e34-00144feabdc0 > Acesso em: 6 jul. 2023.
https://www.ft.com/content/e23c6d04-659d...
, tradução nossa),7 7 No original: “Debt is capitalism’s dirty little secret”. como diz um corretor de fundos de hedge: a dívida nada mais é do que um método de acumulação por espoliação que, segundo David Harvey (2005, p. 122HARVEY, David. O novo imperialismo. São Paulo: Edições Loyola, 2005.), se acelerou a partir de 1973 com “a forte onda de financialização (...) espetacular por seu estilo especulativo e predatório”.

A elite neoliberal financeira acumula poder e propriedade não mais através da apropriação da mais-valia da produção, mas do endividamento das sociedades. Ao contrário do empreendedor industrial, o investidor especulador pode apostar no fechamento das fábricas, em demissões em massa, morte de pessoas, propagação de doenças... A economia financeirizada atua cada vez mais como força contraproducente conforme “a acumulação de dinheiro vai se abstraindo completamente da criação do valor de uso em si mesma” (BERARDI, 2020, p. 88BERARDI, Franco. Asfixia – capitalismo financeiro e a insurreição da linguagem. São Paulo: Ubu Editora, 2020.).

Se, outrora, as políticas de bem-estar social visavam ao estímulo do mercado consumidor, podemos dizer que há atualmente políticas de mal-estar social exigidas pelo mercado financeiro. Naomi Klein (2007KLEIN, Naomi. A doutrina do choque. A ascensão do capitalismo do desastre. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.) as descreveu como doutrina do choque: a promoção sistemática de crises financeiras, sociais e ambientais em todo o globo, em busca de forçar nações e populações a aderirem ao programa neoliberal de austeridade fiscal e de privatização de serviços públicos, em troca do acesso às linhas de crédito monopolizadas pela elite financeira.

Este é o mundo da dívida: o capitalismo de desastre. Como vivemos nele? À medida que o capitalismo financeiro se expande, e a dívida remodela a escassez à sua própria imagem, o endividamento penetra mais fundo na vida social. Passa a assumir formas variadas, desde a fome, a dívida estudantil, os gastos com saúde e, ainda, a competição generalizada, a precarização do trabalho, a destruição dos laços de solidariedade etc. Assim, a dívida se torna mais do que uma mera lista de débitos que eventualmente adquirimos ao longo da vida. Ela passa a atuar a nível existencial e biopolítico, conforme

(…) projeta as reviravoltas da vida interior em escala global, como se o sistema econômico pudesse intermediar um compromisso entre a boa consciência e os instintos básicos. (...) o endividamento torna-se algo como uma “estrutura de sentimento” total, pela qual o ser humano se vê devendo sua existência (junto com a vida de outros seres) cada vez mais plenamente ao aparato econômico que pretende controlar a vida como tal. (DIENST, 2011, p. 29DIENST, Richard. The Bonds of Debt. Londres: Verso Books, 2011., tradução e grifo nossos)8 8 No original: “it projects the twists and turns of inner life on a global scale, as if the economic system could broker a compromise between good conscience and base instincts. By forging countless short circuits between the macro and the micro, indebtedness becomes something like a whole”structure of feeling,” hereby humans find themselves owing their existence (along with the lives of other beings) ever more fully to the economic apparatus that claims to control life as such”.

Em resumo, Marx havia intuído profundamente que “um sistema econômico de produção era também um sistema antropológico de produção” (DARDOT; LAVAL, 2017, p. 27DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2017.). Esse é o ponto de partida das Inserções em Circuitos Antropológicos, de Cildo Meireles, projeto ao qual pertencem as cédulas zero.

A seguir, apresento minha tese de que a reforma “do zero” da economia proposta por Cildo visa restaurar um espaço para a incredulidade no dinheiro, em que a dinâmica de soma-zero é substituída pela de zero-soma. A inserção do zero nas trocas comerciais visa estimular a incredulidade em dois níveis: 0$ intervém na reserva de imaginação do crédito, enquanto 0Cr$ e 0R$ se inserem na estrutura de sentimento da dívida.

2. Zero Dólar e a reserva de imaginação do dinheiro

Comecemos por 0$. A obra, como vimos, opera por metáforas simples, diretas. O Zero, o Tio Sam, o Fort Knox – que penetrou o imaginário popular após ser invadido pelo vilão de 007 contra Goldfinger (1964) – são metáforas compatíveis tanto com a arte numismática oficial quanto com a prática popular de imprimir cédulas falsas (para uso em parques de diversão ou comícios políticos, por exemplo) e de adicionar textos e desenhos satíricos às cédulas oficiais. Trata-se, na verdade, de uma estratégia do artista:

Tento sempre trabalhar com ideias as mais claras e reproduzíveis. Para mim, o trabalho ideal deve ter um grande coeficiente de informação nova dentro da forma mais redundante, isto é, mais coletivamente possuída. É o caso da nota de zero e das inserções. (MEIRELES, 2009, p. 76MEIRELES, Cildo, O Sermão da Montanha de Cildo Meireles. Entrevista a Elias Fajardo da Fonseca. In SCOVINO, Felipe (org.). Encontros: Cildo Meireles. Rio de Janeiro: Azougue, 2009, p.72-77)

Em todo o projeto Inserções, Cildo evita enunciados complexos que careçam de um enquadramento museológico para serem apreciados, porque aspira a uma efetividade artística que não dependa do reconhecimento do objeto enquanto obra de arte.

Esse é um dado importante para nós: significa que devemos preferencialmente procurar o sentido da obra na perspectiva utópica de uma apropriação coletiva, anônima. Há uma polissemia própria da obra, que varia de acordo com o contexto de sua aparição e/ou troca. O crítico Frederico Morais (2017, p. 175MORAIS, Frederico. A arte como trabalho sedutor de contrainformação industrial, cultural e ideológica. In WISNIK, Guilherme; MATOS, Diego (orgs.). Cildo: estudos, espaços, tempo. São Paulo: Editora Ubu, 2017, p. 168-175) sugeria que, em se tratando de uma arte de guerrilha, que é o caso das Inserções, “o artista, o público e o crítico mudam constantemente suas posições no acontecimento e o próprio artista pode ser vítima de uma emboscada tramada pelo espectador”. Cabe então imaginar essa emboscada, no caso de alguém – que não é o artista, nem o crítico, nem o espectador de arte – aparecer a certa hora, no canto de uma esquina de museu, de banco, de casa lotérica, do escambau, tentando fazer escambo, negociatas, com um maço ou quem sabe uma única cédula zero.

Como se trata aqui de um ensaio de crítica de arte, este alguém só pode ser o “leitor”, tal como o definira Barthes (1988, p. 70BARTHES, Roland. A morte do autor. In: O rumor da língua. São Paulo: Brasiliense, 1988.), um homem “sem história, sem biografia, sem psicologia”.9 9 Barthes continua: “ele é apenas esse alguém que mantém reunidos em um único campo todos os traços de que é constituído o escrito” (BARTHES, 1988, p. 70). Mas esse sujeito não é o abstrato juiz desinteressado de Kant. Pelo contrário, trata-se de um trocador, que embosca obra, artista e espectador porque tem desejo de usar a cédula zero.10 10 Em Barthes, o desejo frequentemente fundamenta a interpretação; é o desejo que determina, ainda, em detrimento da formação do corpus para a constituição de uma mathesis universalis, a escolha de alguns corpora para a elaboração de uma mathesis singularis, ou conhecimento particular e íntimo do universal pertinente ao objeto de estudo. Ver: BARTHES (1984). Ele quer vivamente escapar da ameaça do dólar, da dívida do real, rumo à alegria das trocas de zero-soma. O crítico de arte Ronaldo Brito (1981, p. 8BRITO, Ronaldo. Frequência imodulada. In Cildo Meireles. Rio de Janeiro: Funarte, 1981, p. 7-12.) sugeriu que, diante da obra de Cildo, devemos ouvir o “Murmúrio Anônimo contra a Voz do autor”. Encontramos esse murmúrio na experiência do trocador, que não se limita ao ponto de vista da história diacrônica das formas de arte, mas se orienta por um interesse sincrônico, ou melhor, nos convida ao espanto e curiosidade que nos toma de assalto ao entrar em contato pela primeira vez com uma cédula estrangeira, quando podemos nos deslumbrar com aquilo que para o usuário corrente está dado; a forma anônima da cédula tão dissimulada por seu valor de troca, e suas metáforas redundantes, clichês, cuja função é representar a máxima autoridade do valor fiduciário num país. Em outras palavras, imaginemos num primeiro momento que as cédulas zero não foram gravadas por um sedutor artista conceitual carioca, mas por um intangível Bureau of Money and Engraving.

Temos em mãos, pela primeira vez, esse estranho papel-moeda que, à primeira vista, parece pertencer à família do dólar. Um trocador quer negociá-la conosco. Não como objeto de arte ou curiosidade numismática, mas como moeda legítima. Ele acredita que, apesar do valor intrínseco, material e substancial zero, a cédula de 0$ possui valor, tanto quanto qualquer outro dólar. Examinemos então a nota em busca de solucionar o mistério desse valor. Tio Sam, Deus, o ouro de Fort Knox: qual a relação fiduciária sugerida com o zero?

Conjecturemos. Desde que Nixon suspendeu a conversibilidade automática entre dólar e ouro, a reserva de Fort Knox perdeu sua função corrente. Ainda continua como um dos lugares mais protegidos do globo, mas seu valor, hoje, é mais simbólico. Até porque seria preciso mais de 100 vezes o montante de ouro lá depositado para custear a astronômica dívida americana, que beira atualmente a casa dos 30 trilhões de dólares. Mas 0$ insiste nesse lastro do dinheiro com o ouro – como se apontasse para o resto, a sobra de uma relação fiduciária que não teria sido totalmente extirpada pelo Choque Nixon. Nesse viés, Fort Knox, tal como apresentado, resplandecente, no verso de 0$, mais se assemelha a um espaço de culto, ou melhor, é uma heterotopia de mercado.

Michel Foucault (2003FOUCAULT, Michel. Outros espaços. In Ditos e escritos. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 411-422), em sua teoria do espaço, chamou a atenção para a existência de lugares heterotópicos. Ao contrário da utopia, esses são espaços reais, mas capazes de estabelecer relações virtuais com o conjunto da sociedade. Os hospícios, cemitérios, motéis de beira de estrada são heterotopias. O espelho é a metáfora precisa dessa relação: os espaços heterotópicos espelham em seu interior todos os demais posicionamentos da cultura. No hospício encontra-se espelhada a normalidade, e o que acontece em seu interior é determinante para o cotidiano das sociedades. As heterotopias são, portanto, espaços sincrônicos, e sua função pode mudar de acordo com as transformações da sociedade. Além disso, são espaços fechados, cujo acesso é restrito e regulado por rituais. A função da heterotopia, descreve Foucault, é fornecer uma reserva inesgotável de imaginação, isto é, um espaço no qual a civilização possa exercitar a perpétua metamorfose dos posicionamentos reais de que é composta. Desse modo, a heterotopia estabelece, em relação ao real, uma heterocronia – uma ruptura com o tempo corrente, que constitui um tempo infinito (como em museus, bibliotecas) ou um tempo precário (festas, cidades de veraneio, por exemplo). E desempenha ainda, em relação à imaginação, uma função – que pode ser de ilusão (em que são denunciados como ilusórios todos os demais posicionamentos reais, por exemplo: o bordel em relação ao sexo conjugal), ou de compensação (espaço meticulosamente organizado na proporção inversa à desordem do espaço real, por exemplo, uma colônia de jesuítas).

O cofre de ouro de Fort Knox, uma vez desconectado do fluxo de câmbio mundial, tornou-se por excelência o espaço de heterotopia do dinheiro. Em seu interior, corre a heterocronia do tempo infinito do capital, da fé ilimitada no crédito. Em relação à imaginação capitalista, o Fort Knox exerce uma função compensatória. Lembremos que, nesse lugar hipermilitarizado, impenetrável senão pelo Estado (ou pela Disney e Hollywood), se esconde, ao lado de toneladas de ouro, outros tesouros da cultura norte-americana, como os originais da Declaração de Independência, da Constituição e da Declaração dos Direitos dos Cidadãos dos Estados Unidos. Assim sendo, a função desse quartel-banco-museu-templo é compensar a potência negativa, destrutiva, do dinheiro capitalista com a imagem sibilina do ouro e da lei intocados, intocáveis.

Agamben (2013AGAMBEN, Giorgio. Benjamin e o capitalismo. Trad. Selvino Assmann. Revista Instituto Humanitas Unisinos-Online. 13 mai. 2013. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/noticias/520057-benjamin-e-o-capitalismo-artigo-de-giorgio-agamben> Acesso em: 6 jul. 2023.
https://www.ihu.unisinos.br/noticias/520...
) escreveu que, com o Choque Nixon, o capitalismo cancelou “o seu nexo idolátrico com o ouro e se afirma na sua absolutidade”. Zero Dólar sugere o contrário. O lastro não foi inteiramente rompido, há um resto. Em Fort Knox se encontra, agora, a reserva de imaginação do dólar. Nele resplandece o ouro sagrado para as trocas mundanas, hiperprotegido de todo contato externo, valor puro e invariável, sem contraparte, ao lado dos documentos da fundação americana, para que, em caso de total destruição do mundo, o império ianque possa ser refundado.11 11 Esse mito da refundação do império ianque após o apocalipse é recorrente na cultura americana. Constitui a origem, por exemplo, para construção do sistema descentralizado de comunicação ARPAnet, que mais tarde se transformaria na atual internet, cuja missão primordial era preservar a operatividade do sistema para o caso de um ataque nuclear russo às posições de tomada de decisão. Ver: HERMANN (2020). A heterotopia do cofre-forte compensa a entropia do sistema financeiro capitalista.

Cildo demonstrou o caráter entrópico do mercado financeiro em outra obra, Eppur si Muove (1991). O artista decidiu trocar sucessivamente 1.000 dólares canadenses por libras esterlinas e francos franceses; a cada troca, o montante restante era reconvertido no padrão monetário canadense; a operação implicava perdas implícitas, decorrentes das diferenças de cotação de compra e venda das moedas. Desse modo, a obra termina após cerca de 100 operações de câmbio, quando restou dos 1.000 iniciais somente um valor abaixo do mínimo exigido para câmbio. Ficou provado, desse modo, a tendência do “Fiat Money” ao zero, ao “virtual desaparecimento” (ANJOS, 2010, p. 69ANJOS, Moacir. Cildo Meireles: A indústria e a poesia. In: ANJOS, Moacir. Crítica, Moacir dos Anjos. Rio de Janeiro: Automatica, 2010, p. 63-75) do dinheiro em regime de câmbio. Mas vale indagar se o dólar americano, em virtude de sua hegemonia, não seria mais resistente a esse processo destrutivo.

A heterotopia de Fort Knox compensa, imaginariamente, a entropia do mercado financeiro. O valor da cédula de 0$ reside, então, nesse resto do ouro ainda presente no valor intrínseco zero da moeda nominal. Com efeito, em toda a obra de Cildo persistem enxertos invisíveis que transmutam a densidade da matéria, ou o valor de uma metáfora. Em todo caso, essa metáfora do zero pode ser traduzida em termos práticos. Os Estados Unidos, conforme nota David Harvey (2005, p. 122HARVEY, David. O novo imperialismo. São Paulo: Edições Loyola, 2005.), é o único país da Terra que pode endividar-se de modo virtualmente ilimitado sem ter de adotar os “remédios amargos” que o Fundo Monetário Internacional (FMI) impõe, religiosamente, ao resto do mundo. Essa capacidade de endividamento infinito – que paradoxalmente força o mundo a tornar-se não credor, mas devedor ilimitado do império americano – é amparada pela supremacia militar dos Estados Unidos, que possuem poder suficiente para destruir a Terra um sem-número de vezes. Compreende-se, desse modo, que a entropia do capitalismo financeiro neoliberal não se destina somente ao valor intrínseco zero, mas também à soma-zero: a dívida infinita do mundo, provocada pela expansão de crédito ilimitada do império norte-americano. Essa dinâmica corre o risco de desembocar na destruição total do mundo em que restará somente o brilho resplandecente, sibilino, do ouro intocado.

Sempre que entrava em conflito com o mundo, Tio Patinhas corria para sua Casa Cofre em busca de refúgio. A heterotopia de Fort Knox sugere que, para além do dinheiro, é a própria potência negativa do crédito capitalista que se tornou autorreferencial. O horizonte messiânico do capitalismo financeiro cada vez menos se assemelha à obra total de Fausto, o empreendedor detentor do pacto demoníaco – que Schumpeter, benevolamente, denominava “destruição criativa” –, para resumir-se à aposta final de um Dr. Strangelove sob ingerência de Wall Street.

3. Zero absoluto e zero relativo

Ao abordarem a teoria do sistema antropológico de produção de Marx, Gilles Deleuze e Félix Guattari (2010, p. 22DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 2010.) chamaram atenção para uma dimensão do capital que constitui uma “parada improdutiva inengendrada, um elemento de antiprodução (...) Marx diz: não é o produto do trabalho, mas aparece como seu pressuposto natural ou divino”. Para além da substância fluída e petrificada do dinheiro, o capital constitui uma superfície negativa que “vai dar à esterilidade do dinheiro a forma sob a qual este produz dinheiro” (DELEUZE; GUATTARI, 2010, p. 23DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 2010.). Ao longo dessa superfície se distribuem as forças e agentes de produção, que são “quase-causados” por essa potência negativa, haja visto que é atribuído ao capital o conjunto e as partes do processo de produção, e é a ele permitido que se aproprie de todo o sobreproduto gerado pela produção. O zero é o ponto-limite e fundamento ao mesmo tempo antiprodutivo e miraculoso do capital.

Mas até aqui viemos descrevendo 0$ a partir de sua ambiguidade com o dólar oficial, isto é, do ponto de vista da perplexidade do receptor no exato instante em que é emboscado pelo trocador. Esse espanto inicial é essencial para a emergência de uma experiência do trocador, como pude comprovar na prática sua potência nas diversas ocasiões em que experimentei com o papel-moeda, conforme descreverei mais adiante.

Para seguir com nossa reflexão sobre 0$, convém retomar o enquadramento artístico. Porque o zero, enquanto fundamento absoluto da hegemonia dólar, não deveria poder ser trocado, muito menos ser impresso: ele é o ponto-limite do sistema monetário, o elemento imanente que energiza a superfície do capital. Mas Cildo criou notas de 0$ e as colocou em circulação. Essa operação é decisiva. Aliás, esse é o gesto que diferencia as Inserções em circuitos antropológicos da versão Ideológicos, que se limita a usar como suporte objetos já existentes e de ampla circulação.

“Gosto de dinheiro na parede. Suponhamos que vá comprar um quadro de US$ 200 mil. Creio que deveria tomar esse dinheiro, amarrá-lo e pendurá-lo na parede”, escreveu Andy Warhol (2008, p. 154WARHOL, Andy. A filosofia de Andy Warhol: de A a B e de volta a A. Rio de Janeiro: Cobogó, 2008.). As cédulas zero são o oposto desse gesto. Embora derivem de outra obra, Árvore de dinheiro (1969), em que Cildo transformou em escultura um maço de 100 notas de um Cruzeiro, para em seguida vendê-lo por 2.000 cruzeiros no mercado de arte. Aqui, o valor de troca é usado para neutralizar tanto o valor de uso quanto o valor nominal da moeda. Ao mesmo tempo, a assinatura do artista equivale ao toque de Midas: enquanto o mercado de arte regular o comércio de readymades a partir do conceito de “objeto original”, a forma de Árvore de dinheiro possuirá um valor intrínseco – ainda que de “arte”, em lugar do ouro – que falta às cédulas correntes.

Inversamente, a ambição das cédulas zero não é constituir objeto de arte. Cildo não imprimiu uma única delas e mandou emoldurar. Estabeleceu como destino das cédulas não o museu, o mercado de arte, ou o cofre de relíquias de Fort Knox. E se destina parte da produção aos museus, é para conservar o conceito, o procedimento, a ideia, e não para sacralizar o objeto de arte. Cildo buscou inserir o zero nas trocas mundanas, com o objetivo de criar um fluxo monetário contracorrente. Surge então um novo meio de transação, em tese apto a escapar do ciclo espoliativo e destrutivo do fluxo de crédito-débito.

Mas a eficácia desse meio depende da colaboração do parceiro de troca. Este deve se recusar a especular sobre o valor da cédula enquanto artefato numismático ou objeto de arte. Deve evitar o toque de Midas do especulador, ou do colecionador, e buscar efetivamente realizar trocas de zero valor. Somente assim a soma-zero dará lugar à zero-soma, e a circulação de 0$ poderá desembocar em novas formas de negociação imunes ao nexo culpa-dívida, abrindo espaço efetivo para a incredulidade no crédito.

Fazer circular o zero é relativizá-lo; o zero deixa de ser o fundamento absoluto do sistema financeiro (valor intrínseco zero; soma-zero) e passa a ter valor e função relativos a cada troca que se estabelece. Daí a importância da inserção do zero no sistema.

Em seu seminal ensaio intitulado “Frequência imodulada”, um dos mais abrangentes e filosóficos ensaios sobre Cildo, o crítico de arte Ronaldo Brito resumiu a estratégia das inserções:

O desejo é interferir no Sistema mediante uma esquisita manobra: aparecer como zero, ponto cego da hierarquia, imponderável dado que a máquina não registra e não calcula. A paradoxal fórmula da “inserção” seria: a possibilidade de emergência do impossível. A sua paradoxal “verdade” é a de que o impossível move e determina o possível. E este impossível não seria um a mais que tornaria sempre insuficiente o possível. Seria um a menos, o dejeto, a sobra, o resto, o que não merece ser computado, o que parece não admitir formalização. (BRITO, 1981, p. 8BRITO, Ronaldo. Frequência imodulada. In Cildo Meireles. Rio de Janeiro: Funarte, 1981, p. 7-12., grifos no original)

Cildo insere o zero no sistema para negar estruturalmente esse modo de ação repressor. Se seguimos a reflexão aberta por Brito, podemos concluir que a reforma do zero da economia visa transtornar o fluxo de soma-zero, instituindo em seu lugar as trocas de zero-soma. Surge, desse modo, uma outra possibilidade de emergência do impossível no seio da hegemonia do dólar. Pois, de um lado, temos o crédito ilimitado, o endividamento infinito, que pode resultar na destruição total do mundo; nesse caso, o impossível que move e determina o possível é a soma-zero anunciada pelo Tio Sam. Aqui, o zero tem valor absoluto para o sistema (e por isso, não pode ser impresso, trocado). Mas Cildo, ao reinserir o zero na mundanidade das trocas comerciais, confere “liquidez”12 12 Para Ronaldo Brito, toda obra de Cildo encena um conflito entre a Política dos Sólidos (da coisa, do conceito, do objeto de arte) e a Política dos Fluídos (a energia, o zero, a troca). Ver: BRITO (1981). ao zero, isto é, relativiza o valor do zero. Desse modo, as cédulas zero permitem suscitar um outro impossível – a posse de todas as coisas por todas as pessoas, a pura equivalência entre todas as formas de trabalho – que por sua vez determinaria outros possíveis – a emergência de novas relações de fidúcia que se baseiem numa noção de valor de troca zero, mais imune à espoliação e à desigualdade, em que o único dividendo das trocas de zero-soma seja o ganho de criatividade da coletividade. Em outras palavras, na passagem de soma-zero para a zero-soma, o resto de valor substancial inerente ao valor intrínseco zero do papel-moeda deixa de ser o ouro, para ser a criatividade.

4. Zero Real e a estrutura sentimental do débito

Agora, passemos às obras 0Cr$ e 0R$. Dissemos que, se 0$ enfoca a potência negativa do crédito, 0R$ se insere no circuito do débito, visando promover incredulidade na “estrutura de sentimento” do endividamento. Em que sentido?

Observemos as metáforas que substituem os clichês da cédula real brasileira. Em lugar da efígie da “jovem república”, encontramos a imagem de um índio Krahô – fotografado pelo pai do artista durante uma investigação sobre o massacre da tribo, ocorrido em 1940. No verso, onde normalmente é representada a fauna brasileira, há a misteriosa foto de um sujeito cabisbaixo, descalço, voltado para o canto de uma parede. Esse é o “louco”, fotografado pelo artista durante uma visita a um hospital psiquiátrico em Goiás. Conta-se que este sujeito permaneceu nesse canto por pelo menos 17 anos – comendo, dormindo, vivendo ali e, “de tanto esfregar a cabeça, ele cavou uma depressão no muro de alvenaria ao longo desses anos” (MEIRELES, 2013MEIRELES, Cildo. Revista Carbono entrevista CILDO MEIRELES. Entrevista a Marina Fraga e Pedro Urano. Revista Carbono. Rio de Janeiro, n. 4, primavera 2013. Disponível em: http://revistacarbono.com/artigos/04carbono-entrevista-cildo-meireles/ Acesso em: 6 jul. 2023.
http://revistacarbono.com/artigos/04carb...
). A cédula é assinada por Cildo, o “Ministro da Fazenda”. Por fim, no lugar de “Deus seja Louvado”, lê-se a inscrição “Deus é humor”.

A base do valor fiduciário da moeda brasileira não reside no ideal da democracia ou na natureza idílica, mas na exploração, genocídio e sofrimento psíquico. O valor é determinado por relações de débito, e não de crédito; por isso, ao contrário do dólar, a reserva imaginária da moeda brasileira está ligada à heterotopia do gueto-hospício, não à do cofre-forte. O limite de sua expansão não é a destruição total do mundo ou a redefinição de um destino manifesto, mas sim o homem que vive da natureza e o louco que rasga dinheiro. Assim, na equação de soma-zero da moeda real, o louco e o índio ocupam o denominador no lugar do Tio Sam e do ouro, mas em sentido inverso: constituem o ponto-limite do sistema financeiro, porém não serão os últimos, e sim os primeiros objetos a serem destruídos para o pagamento da dívida, em nome do surgimento da pura “realidade daquilo que ainda não existe”, o crédito.

Desde o fim do Padrão Ouro, o valor da moeda brasileira é diretamente determinado pela taxa de câmbio com o dólar. Em outras palavras, é a assombrosa dívida do Brasil com o sistema financeiro internacional que determina seu valor. Mas o fim do lastro da moeda em ouro permite ao Estado imprimir quanto dinheiro quiser. Por que então não imprimimos, de uma vez por todas, dinheiro suficiente para quitar nossa dívida com o império? Porque, em economias baseadas em moedas de valor intrínseco zero – especialmente as submetidas à ingerência de um poder financeiro hegemônico – a inflação substitui a escassez do ouro como limite da expansão da moeda.

Cildo criou o 0Cr$ em um contexto de hiperinflação da moeda brasileira, quando o poder de compra tendia a zero. Estávamos caminhando para uma catástrofe similar à do marco alemão após o término da Primeira Guerra Mundial. Para pagar a dívida de guerra e reconstruir a Alemanha, os governantes decidiram suspender o padrão ouro e imprimir tanto dinheiro quanto necessário. Isso levou a uma explosão na taxa de câmbio marco-dólar, resultando em uma desvalorização tão drástica da moeda que até notas de milhões de marcos, insuficientes até mesmo para o troco do pão, começaram a ser usadas por crianças para fazer pipas (VERSIGNASSI, 2019VERSIGNASSI, Alexandre. Crash: uma breve história da economia. São Paulo: Harper Collins, 2019.).

Este é o paradoxo da moeda de valor intrínseco zero: se, inicialmente, nada parece limitar sua impressão, na prática, quanto mais moeda é impressa, mais seu valor nominal tende a zero. Este processo de desvalorização é ilimitado, e o valor nominal pode eventualmente valer menos que o próprio papel no qual a moeda é impressa. Nesse sentido, o paradoxo do valor intrínseco zero – onde um potencial infinito tende, em seu limite, a zero – remete à teoria dos conjuntos de Georg Cantor. Essa teoria atrai Cildo particularmente porque ecoa o destino da obra de arte:

Sempre fui atraído pela matemática de Cantor. Entre dois números quaisquer existe uma infinidade de pontos intermediários que cruzam esse conjunto original. Isso implica um conceito de limite. Tendendo ao infinito, o que ocorre é que o conjunto de Cantor vai em direção à sua desaparição. E este é, talvez, o objetivo do objeto de arte, chegar ao fim dessa história. (MEIRELES, 2009, p. 114MEIRELES, Cildo, O Sermão da Montanha de Cildo Meireles. Entrevista a Elias Fajardo da Fonseca. In SCOVINO, Felipe (org.). Encontros: Cildo Meireles. Rio de Janeiro: Azougue, 2009, p.72-77)

Por séculos, a escassez do ouro agiu como um limitador para a impressão de moeda, ou seja, como um “remédio natural” contra o câncer da inflação. À parte do capitalismo financeiro, houve poucas civilizações que operaram com moedas de valor intrínseco zero, permitindo a impressão ilimitada de dinheiro. Uma delas foi o Império Romano. Ameaçado pela Segunda Guerra Púnica contra a poderosa Cartago, Roma decidiu criar uma moeda inteiramente nacional, o Denário – daí a origem da nossa palavra “dinheiro” –, para ampliar sua capacidade de financiamento da ação militar. Como todas as moedas da época, o denário era cunhado em bronze, prata e ouro, e seu valor nominal era derivado do valor intrínseco do material. Mas os governantes logo perceberam que era perfeitamente possível manipular o valor intrínseco sem prejudicar o valor fiduciário. Assim, começaram a cunhar moedas do mesmo formato e peso, mas que na realidade continham apenas 60% de prata; “era o Estado falsificando sua própria moeda” (SENA apud VERSIGNASSI, 2019VERSIGNASSI, Alexandre. Crash: uma breve história da economia. São Paulo: Harper Collins, 2019.), um processo que culminou na produção de moedas de bronze apenas revestidas com prata e ouro.

Na prática, o Estado Romano passou a ter um poder ilimitado de geração de moeda. Este aumento na oferta, a princípio, foi positivo, não apenas para a campanha militar: com mais dinheiro circulando, havia mais oportunidades para o empreendimento. No entanto, a partir de certo ponto, quando o mercado já não conseguia mais atender à demanda, houve um aumento vertiginoso dos preços, superando em muito o aumento de renda, o que afetou principalmente os mais pobres, que dependiam de salários que não aumentavam na mesma velocidade dos preços. Era a inflação mostrando, pela primeira vez, seu poder de criar desigualdade.

A artimanha romana lembra o gesto de Eureka/Blindhotland (1970-5), em que Cildo, visando trapacear o espaço euclidiano, distribuiu no espaço esferas semelhantes, embora de pesos diferentes, devido a um chumbo invisível que foi enxertado aleatoriamente em algumas delas. No centro da obra, foram colocadas duas barras e uma barra e meia de madeira sobre uma balança, dispostas como os sinais matemáticos de “igualdade” e “multiplicação”; o mesmo expediente de enxerto tornou equivalente o peso dos objetos sobre a balança. Mas aqui, outra vez, ressalta-se a diferença entre soma-zero e zero-soma. A trapaça romana demonstrou, no final, ser uma força negativa contra o potencial criativo, enquanto Cildo agiu em favor do potencial multiplicador e equalizador da criatividade contra o poder determinante dos cálculos.

Daí a importância das notas de 0Cr$ serem numeradas por zero (posteriormente, Cildo numeraria as cédulas de 0R$). Este é um dos mecanismos anti-inflacionários desse sistema de trocas de zero-soma (apesar de, como veremos, ele sofrer com outro tipo de pressão inflacionária). Esse mecanismo contribui, ainda, para se contornar o problema da quantidade. No caso da proposta de Inserções: projeto cédula, na qual Cildo insere mensagens subversivas nas cédulas oficiais, havia o problema da desproporção entre a escala da ação individual e o volume de papel-moeda disponível. Embora o gesto contivesse a faísca para a ignição coletiva de uma inundação do sistema monetário com mensagens anti-imperialistas, na prática, o artista só conseguia ocupar uma fração mínima que mal superava o número diário de cédulas recolhidas para reposição. As cédulas zero, por outro lado, poderiam, em teoria, escapar ao problema da desproporção de quantidade.

Em última instância, dependendo do critério de valorização das trocas, seria possível operar uma economia em larga escala com uma única cédula zero; ao mesmo tempo, há liberdade para que cada um imprima sua própria cédula zero, de tal forma que a quantidade de 0R$ disponível no mercado seria sempre intangível, incalculável e, portanto, difícil de ser capturada pelo regime inflacionário.

Nesse ponto, aliás, Cildo foi vítima de uma interessante emboscada: cédulas zero “falsificadas” começaram a aparecer no mercado de arte e o artista, enxergando nessa situação uma possibilidade de emboscar o colecionador de arte, decidiu assinar alguma delas, conferindo assim (i)legitimidade a esse “readymade às avessas”.

Essa emboscada é exemplo da natureza bem-humorada das trocas de zero-soma. Com efeito, em lugar de “Deus seja Louvado”, Cildo inscreveu “Deus é humor” em suas cédulas. Qual o sentido dessa frase? À primeira vista, ela apenas explicita o procedimento irônico do artista, que ressalta a importância de se encarar com incredulidade o dinheiro.

Pude verificar isso na prática. A fim de compreender melhor a natureza das trocas monetárias proposta por Cildo, decidi produzir diversos carimbos de minha lavra, um hábito que cultivo há uma década.13 13 Ver: HERMANN (2014). Além de mensagens de cunho político, decidi inserir outras que pusessem em dúvida o valor fiduciário da nota, mais alinhadas ao projeto Zero Real. São experimentações simples, tais como “dinheiro a preço de banana”, “essa moeda é real?”, “barras de ouro valem mais que dinheiro”, “esse papel vale nada”, “vale como dólar”, entre muitas outras. No verso, reproduzo as instruções de Inserções: projeto cédula. Ao receber minhas notas carimbadas, o trocador geralmente reage primeiro com espanto e descrença, e até verificar a autenticidade da nota – muitas vezes usando dispositivos antifalsificação – ele não reflete sobre a frase. Após restaurada a confiança, contudo, frequentemente observo o trocador aberto a uma reflexão bem-humorada sobre a natureza do dinheiro. “Esse povo é doido”; “dinheiro tá valendo nada mesmo”; “ô se fosse barras de ouro”; “banana tá mais caro que dinheiro”, e assim vai. A natureza das trocas é bem-humorada, simples. Ainda assim, o mero fato de que a postulação de uma dúvida em relação ao valor fiduciário do dinheiro possa levar não ao desespero ou à destruição, mas à criação de um vínculo bem-humorado entre os trocadores, me parece repleto de um potencial criativo e subversivo. Isso me faz lembrar as palavras de Sartre, que, em resposta aos críticos que apontavam a suposta derrota das propostas de Maio de 1968, disse:

Mas o importante não é lançar uma reforma, mas uma experiência de ruptura completa com esta sociedade; uma experiência que não dure, mas que deixe entrever uma possibilidade: percebe-se algo, fugidiamente, que depois se extingue. Mas basta para provar que esse algo pode existir. (SARTRE, 2018, p. 23SARTRE, Jean-Paul. A expansão do campo do possível. Entrevista a Daniel Cohn-Bendit. In COHN, Sérgio (org.) Encontros: Maio de 68, Rio de Janeiro: Azougue, 2018, p. 21-23)

Em todo caso, há um outro aspecto do humor que devemos levar em consideração. Partindo do pressuposto de que Deus é dinheiro, podemos também interpretar que Cildo se refere ao humor de mercado.

A economia é uma neurose do dinheiro, um sintoma inventado para manter a fera sob controle (...). Desse modo, a economia partilha da linguagem da psicopatologia – inflação, depressão, leis e altas, crises e picos, investimentos e perdas – e continua presa a manipulações em que se mostra ou estimulada ou deprimida, chama atenção para si, demonstra um egoísmo incapaz de notar sua própria alma. Economistas, operadores da bolsa, financistas, todos eles auxiliados por advogados, recitam suas orações para que o poder do dinheiro seja independente da imaginação. [SARDELLO; SEVERSON apud BERARDI (2020BERARDI, Franco. Asfixia – capitalismo financeiro e a insurreição da linguagem. São Paulo: Ubu Editora, 2020.), p. 106]

Daí a importância de se considerar o duplo-sentido da frase. Se a consideramos do ponto de vista do zero absoluto, “Deus é humor” significa o poder irascível do Deus-Mercado; mas, se a consideramos de um ponto de vista irônico, extrínseco às relações de endividamento, a frase torna-se um convite à reativação da imaginação face ao poder do dinheiro.

Compreende-se assim, por outras vias, a potência desse humor que resiste ao espanto inicial do abalo do valor fiduciário, como testemunhei ocorrer inúmeras vezes enquanto trocava minhas notas carimbadas. Se as trocas de soma-zero buscam tornar o poder do dinheiro independente da imaginação, as trocas de zero-soma visam justamente a restauração de um vínculo criativo; o cultivo desse hábito um tanto irracional e preguiçoso, para retomarmos a visão preconceituosa que se projeta sobre as figuras de 0R$, mas que Duchamp afirmava ser a única força capaz de contrapor-se à estrutura de sentimento da dívida:

Hoje, a integração da arte na sociedade força o artista a se submeter às suas demandas. Em 1913, o zero – o nível econômico no qual um artista poderia subsistir – era tão baixo que a vida boêmia era possível. Você não precisava pensar toda semana em ter que pagar seu aluguel ou qualquer coisa. Você não pagava seu aluguel. Agora, o zero é muito alto. Você não pode mais se dar ao luxo de ser um jovem que não faz nada. Quem não trabalha? Você não pode viver sem trabalhar, o que é uma coisa terrível. Eu me lembro de um livro chamado O Direito de ser Preguiçoso: esse direito não existe agora. Você tem que trabalhar para justificar sua respiração. (DUCHAMP, 1963, p. 113DUCHAMP, Marcel. What Happened to Art? An interview with Marcel Duchamp on present consequences of New York’s 1913 Armory Show. Entrevista conceida a William Seitz. Vogue Magazine, vol 141, 15 fev. 1963, p.110-131. Disponível em: <https://www.duchamparchives.org/pma/archive/component/MDP_B019_F006_001/> Acesso em 10 jul. 2023.
https://www.duchamparchives.org/pma/arch...
)

Maurizio Lazzarato, importante crítico do neoliberalismo, escreve que a postura preguiçosa de Duchamp se contrapõe ao destino do artista contemporâneo na atualidade, o de tornar-se exemplo ideal da conversão do ego criativo em capital humano, em personal branding licenciável e especulável. Cildo parece compartilhar com Duchamp desse mesmo “princípio ético-político que vai além do trabalho, que nos liberta do círculo encantado da produção, produtividade e dos produtores” (LAZZARATO, 2014, p. 6LAZZARATO, Maurizio. Marcel Duchamp and the Refusal of Work. Los Angeles: Semiotext(e), 2014.). A inserção das cédulas de zero real no âmbito das transações monetárias, em vez do circuito de obras de arte, desmantela temporariamente o processo especulativo em torno da produção artística enquanto dimensão produtiva do capital humano. Enquanto as cédulas zero puderem circular sem serem apreendidas por um curador, um colecionador, um crítico de arte – isto é, enquanto puderem circular fora da especulação sobre o valor da arte – elas contribuirão socialmente para deflacionar o valor do zero, aproximando-o mais uma vez do nível econômico em que um artista pode subsistir. No entanto, para que as notas de zero real possam circular efetivamente e constituir uma economia própria, será necessário escapar criativamente à lógica do endividamento, que nos enlouquece e nos confina a um canto do mercado de trocas. Além disso, será necessário abraçar a ociosidade, ou melhor, a rejeição do trabalho moderno, e certamente temos algo a aprender com os índios Krahô nesse sentido.

Duchamp imagina um mundo livre do trabalho:

Deus sabe que há comida suficiente para todos na terra, sem ter que trabalhar por isso (...) E não me pergunte quem vai fazer o pão ou qualquer coisa, porque há vitalidade suficiente no homem em geral que ele não pode permanecer preguiçoso. Haveria muito poucos preguiçosos na minha casa, porque eles não aguentariam ficar preguiçosos por muito tempo. Em tal sociedade, a troca não existiria, e as grandes pessoas seriam os coletores de lixo. Seria a forma de atividade mais alta e nobre. (...) Receio que seja um pouco como o comunismo, mas não é. Eu sou demasiado e seriamente de um país capitalista. (DUCHAMP apud LAZZARATO, 2014, p. 11LAZZARATO, Maurizio. Marcel Duchamp and the Refusal of Work. Los Angeles: Semiotext(e), 2014.)

Talvez encontremos em Zero Real a moeda ideal para esse sistema de pura atividade em que as trocas se ausentaram. Valendo menos que o próprio papel-moeda, as cédulas de 0R$ seriam o lixo mais precioso produzido por essa sociedade que confia na vitalidade e na criatividade, ao invés do trabalho e da competição, para prover a própria subsistência. Nesse sentido, 0R$ contém o potencial de constituir-se como moeda social.

Atualmente, moedas sociais proliferam por todo o Brasil, sendo adotadas por comunidades marginalizadas do sistema financeiro como uma alternativa para combater a inflação, a fuga de capitais, além de promover o aumento do poder aquisitivo e acesso ao crédito. Existe mais de uma centena de moedas como essas além do Real, criadas em favelas, quilombos, aldeias indígenas, assentamentos, áreas rurais e vilas de pescadores – em geral, locais onde o Estado e o sistema bancário estão ausentes. Estima-se que, somente entre 2015 e 2018, as transações comerciais com essas moedas somaram mais de 42 milhões de reais (MELO, 2020MELO, Liana. Muito além do Real. Projeto Colabora. Publicado em 7 out. 2021. Disponível em: < https://projetocolabora.com.br/inclusao-social/muito-alem-do-real/ > Acesso em: 7 jul. 2023.
https://projetocolabora.com.br/inclusao-...
).

David Harvey (1985HARVEY, David. The Urbanization of Capital. Oxford: Johns Hopkins University, 1985.) mostra que o processo de globalização do sistema financeiro não se deu sem a produção correlata de desigualdade social, a partir do estabelecimento de fronteiras de exclusão econômica. Conforme Paul Singer (2009SINGER, Paul. Finanças solidárias e moeda social. In FELTRIM, Luiz; VENTURA, Elvira; DODL, Alessandra. Perspectivas para a inclusão financeira no Brasil. Brasília: Banco Central do Brasil, 2009, p. 69-78.) salienta, as moedas sociais surgem como uma alternativa, buscando estimular fluxos econômicos internos que suplementam e até mesmo contrariam a lógica estabelecida globalmente e controlada pelo Estado, que frequentemente ignora as necessidades e perspectivas dos marginalizados. As moedas sociais fazem parte de um conjunto de estratégias da economia solidária, que também inclui a criação de Bancos Comunitários de Desenvolvimento (BCDs), Fundos Rotativos, cooperativas de crédito, clubes de troca, sistemas de microfinanças, entre outros (SINGER, 2009SINGER, Paul. Finanças solidárias e moeda social. In FELTRIM, Luiz; VENTURA, Elvira; DODL, Alessandra. Perspectivas para a inclusão financeira no Brasil. Brasília: Banco Central do Brasil, 2009, p. 69-78.). Em geral, as moedas sociais são lastreadas na moeda corrente, mas há casos em que se baseiam em atividades coletivas, como é o caso da moeda Ideais, implementada pelo projeto social Pet Mania em Campo Grande/MS, onde a moeda vale metade do preço de revenda do quilo de garrafas Pet (OLIVEIRA et al., 2018OLIVEIRA, Eziel Gualberto de; et al. Moedas sociais e suas contribuições em comunidades economicamente precarizadas: um estudo exploratório da experiência do Projeto Pet Mania em Campo Grande - MS. Desenvolvimento em Questão, [S. l.], v. 16, n. 43, p. 453-486, 2018. Disponível em: https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/desenvolvimentoemquestao/article/view/6147. Acesso em: 7 jul. 2023.
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).

Além de incentivar o emprego e o empreendedorismo e facilitar o acesso ao crédito e serviços financeiros, as moedas sociais instigam a reimaginação e ressocialização do dinheiro. A dimensão fiduciária perde sua autorreferencialidade; a fé no poder coletivo de transformação torna-se essencial para preservar o valor monetário da cédula. Enquanto o dinheiro capitalista requer uma crença irrestrita na “realidade do que ainda não existe”, as moedas sociais dependem da comprovação de transformações reais e da crença em futuros avanços. Essa relação é ainda mais forte nos casos em que a moeda social é lastreada numa atividade coletiva, ao invés da moeda corrente. À medida que “a emissão da moeda é diretamente associada à ativação de capacidades produtivas endógenas e criação de riqueza local por meio da mobilização de atividade de coleta seletiva de resíduos no bairro” (OLIVEIRA et al., 2018, p. 479OLIVEIRA, Eziel Gualberto de; et al. Moedas sociais e suas contribuições em comunidades economicamente precarizadas: um estudo exploratório da experiência do Projeto Pet Mania em Campo Grande - MS. Desenvolvimento em Questão, [S. l.], v. 16, n. 43, p. 453-486, 2018. Disponível em: https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/desenvolvimentoemquestao/article/view/6147. Acesso em: 7 jul. 2023.
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), o valor fiduciário da moeda passa a se medir pela percepção do engajamento coletivo na transformação da qualidade de vida das famílias locais.

As moedas sociais instauram um processo de guetização da economia. O conceito de gueto é crucial para o artista Cildo Meireles, que destaca a situação topológica peculiar do gueto: está incluído na malha urbana, mas ao mesmo tempo, excluído da dinâmica social da cidade. Para poderem criar estratégias eficazes de combate à violência e à exclusão, os moradores do gueto precisam dar conta de duas realidades paralelas, com lógicas distintas, a interna e a externa. A sociólogica Elsa Dorlin (2020, p. 292DORLIN, Elsa. Autodefesa – uma filosofia da violência, São Paulo: Ubu Editora, 2020.) esclarece a experiência esquizofrênica imposta pela situação de exclusão através do conceito de dirty care, ou cuidado de si negativo. Constantemente preocupado em antecipar uma possível violência contra si, o marginalizado sente necessidade de compreender o que se passa em sua cabeça e na de seu algoz, em busca de avaliar o que pode servir para “negar, minimizar, desativar, suportar, diminuir ou evitar a violência; para abrigar-se dela, proteger-se, defender-se” (DORLIN, 2020, p. 293DORLIN, Elsa. Autodefesa – uma filosofia da violência, São Paulo: Ubu Editora, 2020.). Esse fluxo de informações, todavia, possui um potencial subversivo; aquilo que em primeira instância serve para negar a si mesmo pode, em um dado momento, servir para negar a própria lógica do sistema.

Cildo propõe pensar a situação topológica do gueto a partir da metáfora do buraco negro. A quantidade e velocidade de informações circulando no gueto seriam necessariamente superiores às do entorno, pois a cidade ignora o que ocorre dentro do gueto e o que se passa na mente dos excluídos. Essa grande massa de informações, uma vez confinada no espaço do gueto, varia apenas em densidade, nunca em volume. A densidade, conforme vimos, é um elemento transformador para Cildo. Do mesmo modo, ele sugere que a concentração de informação, impulsionada pela exclusão, pode acumular tanta energia que se torna um buraco negro, isto é, um antimatéria ou anti-informação em operação no seio da topologia da cidade. Assim, o gueto subverte a heterotopia de exclusão e torna-se um buraco negro capaz de absorver a matéria circundante, fazendo com que o resto da cidade exclua a si mesma do tecido urbano.

Um exemplo disso é a situação vivida pelos nova-iorquinos no início da década 1970, período em que o artista residiu naquela cidade. Não só em função do aumento da violência urbana, mas também em decorrência do trauma do motim do Harlem de 1964 – um exemplo claro, a meu ver, da explosão de um buraco negro –, a classe média de Nova York se viu forçada a passar por um processo de “superfortificação”. Cildo comenta que mesmo as portas de apartamentos mais modestos possuíam cinco ou seis fechaduras, indicando claramente que a situação de exclusão e confinamento havia temporariamente se invertido em relação aos guetos, que gozavam de maior liberdade de circulação naquele período.

Para concluir este artigo, eu gostaria de sugerir que a economia de zero-soma deve funcionar de acordo com a lógica do buraco negro. Zero Real pode ser o elemento que intensifica a circulação de informações numa economia solidária, aumentando sua densidade até atingir o ponto de subversão do sistema econômico capitalista. Em que sentido?

As moedas sociais atuais ainda mantêm uma noção de valor de troca, o que as torna vulneráveis às pressões macroeconômicas do real e do dólar. Apesar de não apresentarem a “assinatura dos presidentes do Ministério da Fazenda e do Banco Central (BC) – micro chancelas que conferem à cédula oficial do país o seu valor legal” (MELO, 2021MELO, Liana. Muito além do Real. Projeto Colabora. Publicado em 7 out. 2021. Disponível em: < https://projetocolabora.com.br/inclusao-social/muito-alem-do-real/ > Acesso em: 7 jul. 2023.
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), o Estado brasileiro exige que os bancos comunitários tenham lastro em moeda oficial. Dessa maneira, entre o real e a moeda social, reproduz-se a relação de dominação existente entre o dólar e o real, e todas as precificações acabam submetidas às mesmas variações da inflação em escala nacional.

Contudo, mesmo as moedas sociais lastreadas em uma atividade produtiva não estão imunes à pressão da economia externa. Frequentemente, o turismo e o colecionismo fazem com que o valor nominal da moeda social seja superado pelo valor de troca no mercado numismático, inflacionando os valores para muito além da economia oficial e provocando crises recorrentes de escassez.

Sozinhas, as cédulas de Zero Real não podem escapar da pressão do mercado financeiro, numismático e de arte. A fragilidade do objeto, todavia, não deve nos eximir da tarefa de explorar socialmente suas potencialidades. Por isso, destaca-se a importância do princípio ético-político do trocador, que deve evitar especulações sobre o valor numismático e artístico das cédulas zero, favorecendo as trocas de soma-zero. Como agente econômico, ele deve se manter firme na ideia de que a cédula zero vale menos que o papel-moeda, ou seja, que todo zero real é lixo – embora seja o lixo mais precioso de uma sociedade que prescinde de trocas.

Walter Benjamin (1991, p. 78BENJAMIN, Walter, Obras escolhidas III. Charles Baudelaire. Um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1991.) celebrou, na contramão da acumulação capitalista, a figura do trapeiro, aquele que se furta às trocas econômicas para se dedicar ao recolhimento do que “a cidade grande jogou fora, tudo o que ela perdeu, tudo o que desprezou, tudo o que destruiu”. Em uma sociedade livre de trocas, o despojo substitui o consumo; nessa sociedade, o trapeiro assumiria uma função similar à de um presidente de banco central – ainda que tal cargo jamais possa existir numa economia de zero-soma. Sua função será recolher o lixo de tudo que foi alegremente despojado após uma experiência livre e criativa de produção, apenas para que esse lixo possa ser reencontrado pela própria comunidade como o bem mais preciso de sua atividade vital.

Dessa forma, caberia ao nosso trapeiro-trocador criar meios para garantir que as cédulas de zero real jamais tenham valor maior do que o de lixo, puro lixo. Ao alcançar esse estágio, a economia de soma-zero poderá finalmente se comportar como um buraco negro dentro do sistema financeiro capitalista, capaz de absorver a fé no crédito e a culpa do débito, fazendo emergir uma nova relação fiduciária, uma operação baseada no zero irredutível, cujo valor é lastreado na vida, e não na posse, ligado não ao trabalho, mas à criatividade enquanto atividade coletiva. Uma reforma da economia do zero permitiria configurar uma nova realidade baseada no despojo de coisas inesperadas.

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  • 1
    WARHOL (2008, p. 149WARHOL, Andy. A filosofia de Andy Warhol: de A a B e de volta a A. Rio de Janeiro: Cobogó, 2008.).
  • 2
    No original: “clash of economic systems – socialist industrialization vs. neoliberal finance capitalism”.
  • 3
    Doravante usaremos as siglas 0$ (Zero Dólar), 0Cr$ (Zero Cruzeiro) e 0R$ (Zero Real) para definir cada uma das obras de Cildo.
  • 4
    Fiduciário”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/fiduci%C3%A1rio [consultado em 6 jul. 2023].
  • 5
    No original: “It costs only a few cents for the Bureau of Engraving and Printing to produce a $100 dollar bill, but other countries have to pony up $100 of actual goods and services in order to obtain one”.
  • 6
    Hebreus 11,1-2; 8-9.
  • 7
    No original: “Debt is capitalism’s dirty little secret”.
  • 8
    No original: “it projects the twists and turns of inner life on a global scale, as if the economic system could broker a compromise between good conscience and base instincts. By forging countless short circuits between the macro and the micro, indebtedness becomes something like a whole”structure of feeling,” hereby humans find themselves owing their existence (along with the lives of other beings) ever more fully to the economic apparatus that claims to control life as such”.
  • 9
    Barthes continua: “ele é apenas esse alguém que mantém reunidos em um único campo todos os traços de que é constituído o escrito” (BARTHES, 1988, p. 70BARTHES, Roland. A morte do autor. In: O rumor da língua. São Paulo: Brasiliense, 1988.).
  • 10
    Em Barthes, o desejo frequentemente fundamenta a interpretação; é o desejo que determina, ainda, em detrimento da formação do corpus para a constituição de uma mathesis universalis, a escolha de alguns corpora para a elaboração de uma mathesis singularis, ou conhecimento particular e íntimo do universal pertinente ao objeto de estudo. Ver: BARTHES (1984BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.).
  • 11
    Esse mito da refundação do império ianque após o apocalipse é recorrente na cultura americana. Constitui a origem, por exemplo, para construção do sistema descentralizado de comunicação ARPAnet, que mais tarde se transformaria na atual internet, cuja missão primordial era preservar a operatividade do sistema para o caso de um ataque nuclear russo às posições de tomada de decisão. Ver: HERMANN (2020HERMANN, Victor. Zona Cinza: como perceber a catástrofe? Tese (Doutorado em Programa de Pós-Gradução em Letras: Estudos Literários) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2020.).
  • 12
    Para Ronaldo Brito, toda obra de Cildo encena um conflito entre a Política dos Sólidos (da coisa, do conceito, do objeto de arte) e a Política dos Fluídos (a energia, o zero, a troca). Ver: BRITO (1981BRITO, Ronaldo. Frequência imodulada. In Cildo Meireles. Rio de Janeiro: Funarte, 1981, p. 7-12.).
  • 13
    Ver: HERMANN (2014HERMANN, Victor. Livro do observador: armações sobre a superfície do sol. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2022
  • Aceito
    29 Jun 2023
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