Acessibilidade / Reportar erro

PROCESSOS DE CRIAÇÃO EM ARTE GENERATIVA COMO METODOLOGIA DE ATRAVESSAMENTO: PESQUISA COLABORATIVA TRANSDISCIPLINAR COM COMUNIDADES GUARANI E KAIOWÁ

GENERATIVE ART CREATION PROCESSES AS CROSSING METHODOLOGY: TRANSDISCIPLINARY COLLABORATIVE RESEARCH WITH GUARANI AND KAIOWÁ INDIGENOUS COMMUNITIES

PROCESOS DE CREACIÓN EN ARTE GENERATIVO COMO METODOLOGÍA DE ATRAVESAMIENTO: INVESTIGACIÓN COLABORATIVA TRANSDISCIPLINARIA CON COMUNIDADES GUARANÍ Y KAIOWÁ

RESUMO

Neste artigo, apresentamos a pesquisa artística, em particular os processos de criação em arte generativa, como forma viável de conduzir projetos interdisciplinares e colaborativos. No contexto do projeto Ecologias do Pensamento, parte do Museu Virtual Guarani e Kaiowá, argumentamos que, a partir da criação artística, é possível instaurar um espaço de atravessamento entre diferentes maneiras de pensar e produzir conhecimento, revendo questões ontológicas da tecnologia. Com base no conceito de cosmotécnica, e nas relações cosmológicas indígenas entre plantas e sons, discutiremos a produção de experimentos artísticos generativos em realidade virtual, destacando como a criação artística pode desenvolver um papel ativo de pesquisa, ultrapassando representações ou ilustrações de uma forma de conhecimento/existência em direção a outra.

PALAVRAS-CHAVE
Arte generativa; Guarani e kaiowá; Interdisciplinaridade; Pesquisa artística; Cosmotécnica

ABSTRACT

In this paper, we will present artistic research, in particular generative art, as a viable way of conducting interdisciplinary and collaborative projects. In the context of the Ecologies of Thought project, part of the Guarani and Kaiowá Virtual Museum, we will argue that, from artistic creation, it is possible to establish crossings between different ways of thinking and producing knowledge, which leads to the review of ontological aspects of technology. Based on the concept of cosmotechnics and on the indigenous cosmological relationships between plants and sounds, we will discuss the production of generative art experiments in virtual reality, highlighting how artistic creation can develop an active research role and go beyond representations of one form of knowledge/existence towards another.

KEYWORDS
Generative Art; Guarani and Kaiowá; Interdisciplinarity; Artistic Research; Cosmotechnics

RESUMEN

En este artículo, presentamos la investigación artística, en particular los procesos de creación en arte generativo, como una forma viable de llevar a cabo proyectos interdisciplinarios y colaborativos. En el contexto del proyecto Ecologías del Pensamiento, parte del Museo Virtual Guarani y Kaiowá, argumentamos que a través de la creación artística es posible establecer un espacio de atravesamiento entre diferentes formas de pensar y producir conocimiento, revisando cuestiones ontológicas de la tecnología. Basándonos en el concepto de cosmotécnica y en las relaciones cosmológicas indígenas entre plantas y sonidos, discutiremos la producción de experimentos artísticos generativos en realidad virtual, resaltando cómo la creación artística puede desempeñar un papel activo en la investigación, trascendiendo representaciones o ilustraciones de una forma de conocimiento/existencia hacia otra.

PALABRAS CLAVE
Arte generativo; Guarani y kaiowá; Interdisciplinariedad; Investigación artística; Cosmotécnica

Introdução

Durante o desenvolvimento do Museu Virtual Guarani e Kaiowá,1 1 https://www.uclmal.com/virtual-museum. Acesso em: 19 jan. 2023. realizado em colaboração com comunidades desta etnia no Mato Grosso do Sul, a ocorrência de um fato inesperado para os pesquisadores não indígenas fez emergir a necessidade de articular uma nova metodologia de investigação. Na apresentação do primeiro teste do museu com os óculos de realidade virtual para a comunidade, duas rezadoras experientes, ou Nhandesys, viram espíritos no ambiente digital (figura 1). Esse fato foi surpreendente, pois durante a apresentação das outras versões do museu, diretamente na tela e sem o uso dos óculos, isso não havia ocorrido. Além disso, não havia sido adicionado nenhum tipo de simulação ou elemento tridimensional para representar os espíritos no espaço virtual. Essa presença levantou diversas questões, tanto por parte dos pesquisadores e técnicos envolvidos quanto por parte da própria comunidade, pois percebeu-se que as affordances2 2 O termo “affordances” é aplicado no sentido dado por Tim Ingold (2018). Ingold parte do conceito desenvolvido por James Gibson, para quem a percepção não era resultado de uma mente aprisionada em um corpo, mas de um organismo completo, que não pode ser dividido em mente e corpo, que age de forma engajada com o seu ambiente. Trata-se de uma relação direta e não mediada com o mundo, que busca escapar do par representação versus interpretação, radicalmente contra a ideia de que tudo no mundo é mediado por signos, sendo os signos a única percepção possível do ambiente e suas relações. Assim, a percepção é entendida como direta, e a interpretação, a posteriori. Affordances são as formas como o mundo se torna presente, e não traços residuais de algo absente. Isso permite, por exemplo, o compartilhamento de uma mesma experiência para grupos de contextos muito destintos, sejam humanos ou mais-que-humanos, como, no caso, com as comunidades guarani e kaiowá, os espíritos, as plantas, sons e animais. Para tanto, não é necessário”entrar na mente” do outro para entender a sua interpretação de signo, apenas compartilhar experiências de forma atentiva, de forma a fazer emergir um mundo comum de affordances. do digital eram muito mais complexas do que antecipamos.

Sendo assim, criou-se um projeto paralelo dentro do museu, chamado Ecologias do Pensamento (EDP), composto por um grupo multidisciplinar que envolvia antropólogos, artistas, botânicos, rezadores guarani e kaiowá, aprendizes dos rezadores e produtores audiovisuais indígenas. O objetivo desse grupo era realizar uma pesquisa transdisciplinar e colaborativa que pudesse investigar as relações mais-que-humanas que estavam em jogo no museu virtual. Os vínculos entre o som e as plantas se mostraram como um campo fértil para essa pesquisa. Assim, começamos a aprender mais com os anciões e os aprendizes da comunidade que nos apresentaram a reza enquanto uma tecnologia de cultivo: um diálogo físico e espiritual entre a planta, seus espíritos e o rezador.

Para tanto, concluiu-se que uma pesquisa artística seria a melhor forma de atravessar os diferentes campos do saber presentes no projeto, já que ela apresenta a possibilidade de instaurar3 3 “Instaurar” é utilizado aqui seguindo o conceito desenvolvido por Étienne Souriau e depois desenvolvido por Deleuze, Latour, Stengers e outros. Trata-se de uma junção da fratura das questões de linguagem e existência que se ocupam do fazer fazer (faire faire), a construção da existência que oscila entre o artista enquanto criador e receptor do próprio trabalho a ser feito (l’oeuvre à faire) na criação de um ser com sua própria abertura de realidade. O conceito de instauração é essencial na obra de Souriau, pois permite trocas entre diferentes tipos de seres, diferentes modos de existência, sem se resumir a diferentes modos de dizer, ou representar, uma mesma coisa. Ou seja, a instauração opera, para cada modo de existência, a partir de suas condições próprias de existência, eficácia e verdade. (LATOUR, 2011LATOUR, Bruno. Reflections on Etienne Souriau’s Les Différents modes d’existence. In HARMAN, Graham; BRYANT, Levi; SRNICEK, Nick (org.). The Speculative Turn: Continental Materialism and Realism. Melbourne: Re.press Australi, 2011, p. 1- 43.; SOURIAU, 2021SOURIAU, Étienne. Diferentes modos de existência. São Paulo: n-1, 2021.) um espaço de investigação e de produção de conhecimento transdisciplinar, que borra as fronteiras disciplinares sem dissolver as qualidades do que se define como pesquisa, arte e ciência. Em sua instauração, a pesquisa artística permite a criação de relações entre agentes, produzindo conhecimentos socializados (pesquisa), que, em seguida, podem ser ordenados (ciência/arte) ou não (arte). Isso se mostra particularmente útil em contextos complexos como o desse projeto, que, além de transdisciplinar na sua proposta, conta com a presença do modo de existência dos guarani e kaiowá, cuja cosmologia não opera com as mesmas divisões entre natureza e cultura, conhecimento científico e tradicional que até recentemente pautavam, e em muitos casos ainda pautam, a produção científica como um todo.

Figura 1.
Nhandesy utilizando os óculos de realidade virtual; ao fundo, fotograma de experimento audiovisual do museu virtual.

Entre as estratégias aplicadas para tanto, desenvolvemos um experimento de criação artística colaborativa em que construímos um sistema próprio de arte generativa, desenvolvido com a linguagem de programação nodular TouchDesigner. O software realiza a análise de dados de imagens e áudios de entrada, produzindo uma experiência imersiva que cria diferentes mundos em realidade virtual. O conteúdo audiovisual, e os processos pelos quais esse conteúdo passa, são guiados pela comunidade com base na cosmologia guarani e kaiowá. Essa experiência permitiu traçar, em uma mesma rede, linhas4 4 Ingold (2022, p. 1, tradução nossa) nos propõe: “O que caminhar, tecer, observar, cantar, contar uma história, desenhar e escrever têm em comum? A resposta é que procedem ao longo de linhas de um tipo ou outro”. A partir da noção de linhas, ele trata condições de existências que não se encerram nelas mesmas, mas que se formam a partir da tessitura de linhas, caminhos e agentes. que atravessam os diferentes agentes que compunham o projeto, desde os membros da comunidade, os pesquisadores de diferentes áreas, as plantas, os sons e até os espíritos avistados no espaço virtual (INGOLD, 2022INGOLD, Tim. Linhas: uma breve história. São Paulo: Vozes, 2022.).

Começaremos este artigo apresentando brevemente o contexto das comunidades guarani e kaiowá no Mato Grosso do Sul. Em seguida, apresentaremos o projeto do Museu Virtual Guarani e Kaiowá para contextualizar o projeto maior em que o EDP se insere. Na sequência, comentaremos outras iniciativas digitais em curso que têm como foco o patrimônio cultural indígena, tanto no Brasil como no exterior. Faremos uma breve discussão sobre pesquisa artística, apontando suas particularidades e diferenças em relação à pesquisa científica e à produção artística, ressaltando seu potencial de atravessar diferentes formas de pensamento dentro do contexto de uma pesquisa transdisciplinar e colaborativa. Depois, definiremos arte generativa a partir de Galanter (2016GALANTER, Philip. Generative Art Theory. In PAUL, Christiane (org.). A Companion to Digital Art. Hoboken: John Wiley & Sons, 2016, p. 146-180.) e da teoria da complexidade efetiva, explicando porque esse tipo específico de produção artística foi selecionado para o projeto. Apresentaremos, também, a definição de cosmotécnica, proposta por Yuk Hui (2018HUI, Yuk. The Question Concerning Technology in China: An Essay in Cosmotechnics. Falmouth: Urbanomic, 2018.) e como ele nos tem guiado ao longo do projeto, permitindo que façamos uma investigação ontológica da tecnologia. Finalmente, apresentaremos os experimentos que realizamos, destacando seus contextos cosmológicos guarani e kaiowá e a sua conexão com os processos técnicos e poéticos realizados. Assim, concluímos com uma reflexão a respeito da criação artística como parte da pesquisa colaborativa transdisciplinar, ressaltando as possibilidades de desenvolvimento de uma investigação ontológica da tecnologia, ou melhor, da cosmotécnica, através da arte. Isso nos permite começar a esboçar a definição de uma nova cosmotécnica baseada no mba’ekuaa jopará, a tecnologia da contaminação, ou o saber-fazer misturado, que definimos a partir de uma poética do cuidado (MONTANARI; PRADO, 2022MONTANARI, Matheus da Rocha; PRADO, Gilbertto. From Vigilance to Vigil: An Introduction to an Alternative Paradigm for Technology, Art, and Life. Diffractions, [S. l.], vol. 1, n. 5, p. 71-98, 2022.).

Nesse sentido, entendemos que os processos de criação em arte generativa apresentados neste artigo constituem uma metodologia viável de pesquisa e de produção de conhecimento, com potencial político decolonial, que transita entre cosmologias, sem reduzir uma forma de existência a outra. Pontos essenciais para uma academia mais diversa, colaborativa e inclusiva.

Os Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul, Brasil

Localizado em uma zona de transição entre a Mata Atlântica, o Cerrado e o Pantanal, o Mato Grosso do Sul (MS) é o estado com a segunda maior população indígena do país, e a maior fora da Amazônia. Estima-se que a população Guarani Ñhandeva e Kaiowá da região em 2021 seja de 63,5 mil pessoas (SANTOS, AMADO; PASCA, 2021SANTOS, Anderson de Souza; AMADO, Luiz Henrique Eloy; PASCA, Dan. “É muita terra pra pouco índio”? Ou muita terra na mão de poucos? Conflitos fundiários no Mato Grosso do Sul. Instituto Socioambiental, São Paulo, 2021, p. 1-17. Disponível em: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/e-muita-terra-pra-pouco-indio-ou-muita-terra-na-mao-de-poucos-conflitos. Acesso em: 1 jun. 2023.
https://acervo.socioambiental.org/acervo...
). Ao mesmo tempo, o estado possui o segundo pior índice de distribuição de terras do país, em que grandes propriedades (>1.000 ha) ocupam 83% da área total. Sendo assim, a região tem sido cenário de graves conflitos entre latifundiários e indígenas, principalmente dos setores da pecuária, cana-de-açúcar, milho, soja e eucalipto (SANTOS, AMADO; PASCA, 2021SANTOS, Anderson de Souza; AMADO, Luiz Henrique Eloy; PASCA, Dan. “É muita terra pra pouco índio”? Ou muita terra na mão de poucos? Conflitos fundiários no Mato Grosso do Sul. Instituto Socioambiental, São Paulo, 2021, p. 1-17. Disponível em: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/e-muita-terra-pra-pouco-indio-ou-muita-terra-na-mao-de-poucos-conflitos. Acesso em: 1 jun. 2023.
https://acervo.socioambiental.org/acervo...
). Alguns pesquisadores afirmam que os guarani e kaiowá do MS sofrem uma das piores crises humanitárias do país, caracterizando a transversalidade das violências que sofrem como Kaiowcídio (IORIS, 2020IORIS, Antônio Augusto Rossotto. Kaiowcídio: Genocídio Guarani-Kaiowá. Cardiff University: Cardiff, 2020. E-book.). O etnocídio se conecta com a destruição ambiental causada pelo agronegócio na região, que possui apoio de organizações ruralistas paramilitarizadas, como milícias e seguranças privadas (BENITES, MONFORT; GISLOTI, 2021BENITES, Eliel; MONFORT, Gislaine; GISLOTI, Laura Jane. Territorialidades originárias e a cosmologia kaiowá e guarani: auto-organização contra o agronegócio, os crimes socioambientais e a pandemia. Espaço Ameríndio, [S. l.], vol. 15, n. 2, p. 38-59, 2021. DOI: 10.22456/1982-6524.114322.
https://doi.org/10.22456/1982-6524.11432...
). Os guarani e kaiowá são falantes do guarani, pertencente ao tronco linguístico Tupi-Guarani. Possuem um vínculo territorial forte, tanto físico quanto espiritual, que guia sua luta de forma especialmente organizada desde as grandes assembleias que começaram em 1979. Essas articulações ocorrem principalmente entre os líderes religiosos Nhanderus (masculino) e Nhandesys (feminino), já que a comunidade considera que a realização simultânea do ritual religioso, jeroky, “é fundamental para recuperar o diálogo com os seres invisíveis e os guardiões dos tekohas antigos”, ou seja, para a recuperação dos territórios históricos de seu povo e também para recuperar as relações extra-humanas desenvolvidas nos territórios, sejam elas animais, vegetais, e/ou espirituais (BENITES, 2012, p. 171BENITES, Tonico. Trajetória de luta árdua da articulação das lideranças Guarani e Kaiowá para recuperar os seus territórios tradicionais tekoha guasu. Revista de Antropologia da UFSCar, [S. l.], vol. 4, n. 2, p. 165-174, 2012.).

Na cosmologia guarani e kaiowá, o território original era composto por uma grande mata, ka’aguy rusu, em que as populações viviam em seus “caminhos estreitos”, ou, tape’poi. A mata, além de sua flora e fauna, é composta por diferentes patamares espirituais que manejam o seu equilíbrio junto com as práticas e rezas tradicionais performadas pela comunidade. Essas relações de harmonia devem ser estabelecidas com os Jára, os espíritos donos e guardiões de lugares, plantas, e animais (BENITES, MONFORT; GISLOTI, 2021BENITES, Eliel; MONFORT, Gislaine; GISLOTI, Laura Jane. Territorialidades originárias e a cosmologia kaiowá e guarani: auto-organização contra o agronegócio, os crimes socioambientais e a pandemia. Espaço Ameríndio, [S. l.], vol. 15, n. 2, p. 38-59, 2021. DOI: 10.22456/1982-6524.114322.
https://doi.org/10.22456/1982-6524.11432...
; JOÃO, 2011JOÃO, Izaque. Jakaira Reko Nheypyrũ Marangatu Mborahéi: origem e fundamentos do canto ritual Jerosy puku entre os kaiowá de Panambi, Panambizinho e Sucuri’y, Mato Grosso Do Sul. Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, 2011.).

Essas relações estão diretamente conectadas ao canto e à reza. Esta, além de um diálogo, é parte da materialidade do mundo: “No entendimento dos líderes espirituais, as singularidades do mundo físico necessitam, inevitavelmente, de canto para continuar a sua existência para sempre, caso contrário, o mundo vai se acabando aos poucos.”(JOÃO, 2013, p. 1JOÃO, Izaque. Jerosy Puku. PISEGRAMA, [S. l.], vol. 6, p. 15-17, 2013.). O equilíbrio e a harmonia da Terra, segundo os Nhanderus e Nhandesys, dá-se através do porahéi, o canto-reza, caracterizado como uma metalinguagem de palavras antigas e originárias que se diferencia do guarani falado no dia a dia (BENITES, MONFORT; GISLOTI, 2021BENITES, Eliel; MONFORT, Gislaine; GISLOTI, Laura Jane. Territorialidades originárias e a cosmologia kaiowá e guarani: auto-organização contra o agronegócio, os crimes socioambientais e a pandemia. Espaço Ameríndio, [S. l.], vol. 15, n. 2, p. 38-59, 2021. DOI: 10.22456/1982-6524.114322.
https://doi.org/10.22456/1982-6524.11432...
). Esse é um dos motivos da nossa escolha do som, em especial a reza, como fonte de investigação para as relações ecológicas do pensamento guarani e kaiowá.

Nesse sentido, a cosmologia guarani e kaiowá entende seu território como um conjunto de relações e agentes, tais como os guardiões espirituais, a floresta, os rios, a casa de reza tradicional (oga pysy) e a roça (kokue) (BENITES, 2020BENITES, Eliel. Tekoha Ñeropu’ã: aldeia que se levanta. Revista NERA, [S. l.], vol. 23, n. 52, p. 19-38, 2020.). O mundo cosmológico se sustenta na raiz ancestral, chamada de Ypy:

(..)como relação que dá funcionalidade ao mundo e ao universo e a toda a riqueza e beleza dos mundos e do micro/macro universo. Esse movimento vem do Chiru Renda e resulta em toda a dinâmica do planeta, de toda formação do solo, dos rios, das relações ecológicas e estacionais (BENITES, MONFORT; GISLOTI, 2021, p. 48BENITES, Eliel; MONFORT, Gislaine; GISLOTI, Laura Jane. Territorialidades originárias e a cosmologia kaiowá e guarani: auto-organização contra o agronegócio, os crimes socioambientais e a pandemia. Espaço Ameríndio, [S. l.], vol. 15, n. 2, p. 38-59, 2021. DOI: 10.22456/1982-6524.114322.
https://doi.org/10.22456/1982-6524.11432...
).

Essa conexão entre o mundo físico e espiritual só pode ser percebida através da sensibilidade (BENITES, 2014BENITES, Eliel. Oguata Pyahu (Uma Nova Caminhada) no processo de desconstrução e construção da educação escolar indígena da aldeia Te’ýikue. Dissertação de Mestrado - Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande-MS, 2014.; BENITES, MONFORT; GISLOTI, 2021BENITES, Eliel; MONFORT, Gislaine; GISLOTI, Laura Jane. Territorialidades originárias e a cosmologia kaiowá e guarani: auto-organização contra o agronegócio, os crimes socioambientais e a pandemia. Espaço Ameríndio, [S. l.], vol. 15, n. 2, p. 38-59, 2021. DOI: 10.22456/1982-6524.114322.
https://doi.org/10.22456/1982-6524.11432...
) e, nesse sentido, acreditamos que a produção artística possui uma vantagem, já que pode oferecer caminhos para a investigação do sensível.

Museu virtual Guarani e Kaiowá

O Museu Virtual Guarani e Kaiowá é um projeto colaborativo em desenvolvimento desde abril de 2021 em parceria com Multimedia Anthropology Lab da University College London (MAL) e a Grande Assembleia de Mulheres Guarani e Kaiowá Kuñangue Aty Guasu (KAG). O MAL é um laboratório de pesquisa e criação que explora diferentes tecnologias e meios digitais para a prática antropológica e artística. Através de experimentações em som, vídeo, realidade virtual e instalações, desenvolve práticas colaborativas de pesquisa e divulgação entre disciplinas e públicos diversos.

O MAL propôs a criação do Museu Virtual Guarani e Kaiowá em resposta às preocupações da comunidade indígena em relação ao acesso a seu patrimônio cultural e sua manutenção. Através da criação de uma infraestrutura digital que permite curar, preservar e expor seu patrimônio cultural material e imaterial, o projeto visa amparar a comunidade na criação de um museu a partir da visão guarani e kaiowá. Isso inclui repensar as próprias definições de museu, os itens que devem ser incluídos e sua forma de exposição/interação. O foco do projeto está nas relações entre o conhecimento indígena, suas práticas e seu ambiente, reafirmando a voz da comunidade sobre o que, e de que maneira, deve ser preservado. Dessa forma, o museu é dirigido e curado pelos anciões das comunidades, com a colaboração dos membros não indígenas do grupo para a sua produção.

Em linha com discussões críticas contemporâneas sobre a relação entre povos indígenas, museus e acervos etnográficos (CHAGAS; GOUVEIA, 2014CHAGAS, Mario; GOUVEIA, Inês. Museologia social: reflexões e práticas (à guisa de apresentação). Cadernos do CEOM, [S. l.], n. 41, p. 9–22, 2014.; RUSSI; ABREU, 2019RUSSI, Adriana; ABREU, Regina. “Museologia colaborativa”: diferentes processos nas relações entre antropólogos, coleções etnográficas e povos indígenas. Horizontes Antropológicos, [S. l.], v. 25, n. 53, p. 17–46, 2019. DOI: 10.1590/s0104-71832019000100002.
https://doi.org/10.1590/s0104-7183201900...
; VELTHEM, KUKAWKA; JOANNY, 2017VELTHEM, Lucia Hussak Van; KUKAWKA, Katia; JOANNY, Lydie. Museus, coleções etnográficas e a busca do diálogo intercultural. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, [S. l.], v. 12, n. 3, p. 735–748, 2017. DOI: 10.1590/1981.81222017000300004.
https://doi.org/10.1590/1981.81222017000...
), bem como com os apontamentos da Nova Museologia (DUARTE, 2013DUARTE, Alice. Nova Museologia: os pontapés de saída de uma abordagem ainda inovadora. Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio, [S. l.], v. 6, n. 1, p. 99–117, 2013.) sobre a relação entre comunidades, direitos culturais e instituições patrimoniais, o Museu Virtual Guarani e Kaiowá intenta proporcionar sessões de trocas de conhecimento entre a comunidade e o MAL. Através de sessões presenciais e chamadas de vídeo, a comunidade apresenta alguns aspectos de sua cultura e tecnologia, como o cultivo de plantas medicinais, cantos rituais, e os grafismos.

Os participantes do laboratório ministram treinamentos em ferramentas digitais, audiovisuais e fotogrametria para membros da comunidade. Através dessas trocas de conhecimento, a comunidade protagoniza o registro e a construção do seu território digital a partir de suas próprias escolhas e prioridades. Ao mesmo tempo, essa apropriação local das tecnologias utilizadas tem possibilitado aos membros do MAL repensarem o status e as possibilidades desses aparatos quando confrontadas com o pensamento indígena.

Acervos etnológicos e experiências digitais

Nesse sentido, o Museu Virtual Guarani e Kaiowá se soma a outras iniciativas que buscam entender como construir um patrimônio digital indígena, investigando a agência que esses objetos digitais podem estabelecer dentro das comunidades. Muitas dessas propostas se baseiam na criação de ontologias específicas para os objetos digitais indígenas (SRINIVASAN; HUANG, 2005SRINIVASAN, Ramesh; HUANG, Jeffrey. Fluid Ontologies for Digital Museums. International Journal on Digital Libraries, [S. l.], vol. 5, n. 3, p. 193-204, 2005. DOI: 10.1007/s00799-004-0105-9.
https://doi.org/10.1007/s00799-004-0105-...
). “Ontologias”, nesse caso, refere-se às estruturas de dados e metadados que tornam um objeto digital reconhecível como tal, capaz de ser identificado enquanto objeto pelo meio digital e de interagir com ele e outros objetos (HUI, 2013HUI, Yuk. What Is a Digital Object? In Philosophical Engineering. Oxford, UK: John Wiley & Sons, Ltd, 2013, p. 52-67., 2016HUI, Yuk. On the Existence of Digital Objects. Minneapolis, London: University of Minnesota Press, 2016.). A proposta de ontologias fluidas para o “retorno do patrimônio digital às comunidades”, como proposto por Srinivasan e Huang (2005SRINIVASAN, Ramesh; HUANG, Jeffrey. Fluid Ontologies for Digital Museums. International Journal on Digital Libraries, [S. l.], vol. 5, n. 3, p. 193-204, 2005. DOI: 10.1007/s00799-004-0105-9.
https://doi.org/10.1007/s00799-004-0105-...
), objetiva tornar os dados e metadados, assim como as formas de classificação e utilização desses objetos digitais, úteis e compatíveis com os usos das comunidades.

No cenário brasileiro, destacamos o trabalho desenvolvido pelo grupo de pesquisa IMAGO, da Universidade Federal do Paraná, que investiga técnicas de digitalização para a criação de texturas de alta qualidade para objetos 3D, focando na preservação da arte indígena wauja e karaja (TRINCHÃO ANDRADE et al., 2012TRINCHÃO ANDRADE, Beatriz; BELLON, Olga Regina Pereira; SILVA, Luciano; VRUBEL, Alexandre. Digital Preservation of Brazilian Indigenous Artworks: Generating High Quality Textures for 3D Models. Journal of Cultural Heritage, [S. l.], vol. 13, n. 1, p. 28-39, 2012. DOI: 10.1016/j.culher.2011.05.002.
https://doi.org/10.1016/j.culher.2011.05...
). Também a utilização de realidade virtual imersiva em Dourados (MS) e São Gabriel da Cachoeira (AM) voltada para o ensino da astronomia na cultura indígena (AFONSO, SILVA; AFONSO, 2022AFONSO, Germano Bruno; SILVA, Paulo Souza da; AFONSO, Yuri Berrí. Astronomia na cultura indígena para a educação. INTERFACES DA EDUCAÇÃO, [S. l.], vol. 13, n. 37, p. 398-417, 2022. DOI: 10.26514/inter.v13i37.4937.
https://doi.org/10.26514/inter.v13i37.49...
). Outro exemplo, é o projeto Aldeia 360, que cria uma experiência imersiva em realidade virtual, apresentando a aldeia Mbya Guarani Tekoa Itakupe, em São Paulo. O projeto propôs visitas virtuais à aldeia, durante o período de distanciamento social causado pela pandemia de coronavírus (PROJETO..., Projeto viabiliza tour virtual por aldeia indígena na cidade de São Paulo, Revista Galileu, Cultura. [s.d.]. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Cultura/noticia/2021/04/projeto-viabiliza-tour-virtual-por-aldeia-indigena-na-cidade-de-sao-paulo.html. Acesso em: 30 mar. 2023.
https://revistagalileu.globo.com/Cultura...
).

Em maior diálogo com a nossa pesquisa, temos o projeto DNA: Afetivo Kamê e Kanhru, desenvolvido por comunidades kaingáng do Rio Grande do Sul em parceria com um grupo da Universidade Federal de Santa Maria. Nesse projeto, o grupo também se interessa pela questão da tecnodiversidade (HUI, 2020HUI, Yuk. Tecnodiversidade. São Paulo: Ubu Editora, 2020.) e propõe ações em arte e tecnologia como forma de diálogo e de investigação crítica da produção tecnológica contemporânea homogeneizante, que ocorre, em sua maioria, no norte global, baseando-se em um discurso de neutralidade, desconsiderando os aspectos locais de onde é aplicada (MONTANARI; PRADO, 2022MONTANARI, Matheus da Rocha; PRADO, Gilbertto. From Vigilance to Vigil: An Introduction to an Alternative Paradigm for Technology, Art, and Life. Diffractions, [S. l.], vol. 1, n. 5, p. 71-98, 2022.). O projeto se desenvolve principalmente nas escolas kaingáng e propõe ações de captura e edição audiovisual e desenho digital. Além disso, desenvolveu um jogo, “Kame Kanhru”, baseado na mitologia das metades exogâmicas Kaingang (cf. VEIGA, 2020VEIGA, Juracilda. Cosmologia e práticas rituais Kaingang. Tese de doutorado - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2020.). Através da narrativa e das dinâmicas do jogo, são apresentadas técnicas tradicionais como a pesca do jundiá e a coleta de erva-moura. As relações entre humanos e não humanos também são exploradas através da cosmologia kaingang; vemos, por exemplo, que os avatares do jogo kanhru possuem roupas com motivos de macacos, e os avatares kamê possuem roupas com motivos de lagarto. Além disso, os personagens humanos são acompanhados pelos espíritos animais de companhia, os jãgrês (MALLMANN, MACHADO OLIVEIRA; SIRAI SALES, 2021MALLMANN, Kalinka; MACHADO OLIVEIRA, Andreia; SIRAI SALES, Joceli. Arte e tecnodiversidade na ativação da cultura indígena kaingáng. Cuadernos de Música, Artes Visuales y Artes Escénicas, [S. l.], vol. 16, n. 2, p. 174-195, 2021. DOI: 10.11144/javeriana.mavae16-2.atac.
https://doi.org/10.11144/javeriana.mavae...
).

Outro destaque nacional é o jogo Huni Kuin,5 5 Site do projeto: http://www.gamehunikuin.com.br/. Acesso em: 31 mar. 2023. autodenominação do povo kaxinawá. O jogo também retrata vários aspectos da cultura indígena como cantos, mitos, grafismos e rituais. Seu enredo está focado nas relações entre humanos e não humanos, destacando como essas relações são fundadoras da pessoa Huni Kuin (verdadeiros humanos).

No âmbito internacional, são várias as iniciativas enquadradas no chamado “patrimônio digital” que propõem o desenvolvimento de museus, acervos e experiências digitais indígenas e colaborativas (COOK; HILL, 2019COOK, Katherine; HILL, Genevieve. Digital Heritage as Collaborative Process. Studies in Digital Heritage, [S. l.], vol. 3, n. 1, p. 83-99, 2019. DOI: 10.14434/sdh.v3i1.25297.
https://doi.org/10.14434/sdh.v3i1.25297...
). Na Austrália, existem projetos para recriar sistemas de arquivo e informação com as comunidades indígenas, como no caso do Murkutu Hubs e Spokes Model (THORPE et al., 2021THORPE, Kirsten; CHRISTEN, Kimberly; BOOKER, Lauren; GALASSI, Monica. Designing Archival Information Systems Through Partnerships with Indigenous Communities. Australasian Journal of Information Systems, [S. l.], vol. 25, p. 1-22, 2021. DOI: 10.3127/ajis.v25i0.2917.
https://doi.org/10.3127/ajis.v25i0.2917...
), e iniciativas de mapeamento digital e realidade aumentada envolvendo lugares sagrados dos povos aborígenes pelo Karrabing Film Collective (POVINELLI, 2023POVINELLI, Elizabeth. Geontologias: um requiém para o liberalismo tardio. São Paulo: Ubu, 2023.).

Entre os Maori da Nova Zelândia, o projeto Te Ataakura realiza iniciativas para a preservação de taonga, objetos tradicionalmente valorados, em formato digitais. Durante o desenvolvimento da pesquisa, a comunidade ressaltou que, mesmo que qualquer objeto tenha o potencial de ser um taonga, nem todos os objetos são; trata-se de uma rede afetos e trocas importantes que devem ser levadas em consideração. Entretanto, a virtualidade do objeto não parece influenciar na sua definição, já que, segundo os autores, os objetos digitais foram aceitos pela comunidade como taonga (NGATA, NGATA-GIBSON e SALMOND, 2012NGATA, Wayne; NGATA-GIBSON, Hera; SALMOND, Amiria. Te Ataakura: Digital taonga and cultural innovation. Journal of Material Culture, [S. l.], vol. 17, n. 3, p. 229-244, 2012. DOI: 10.1177/1359183512453807.
https://doi.org/10.1177/1359183512453807...
). Na Tailândia, pesquisadores desenvolveram uma experiência em realidade virtual com o objetivo de aproximar a população mais jovem, que em geral migrou para grandes cidades e não tem mais contato com sua cultura ancestral Atayal. O espaço virtual, desenvolvido através de imagens em 360º, procura gerar uma aproximação com os ambientes tradicionais físicos que estão mais afastados (CHOU; WANG, 2019CHOU, Tzu-Heng; WANG, Sendo. Visualization of Virtual Indigenous Tribes Using Immersive Virtual Reality Technology. THE 40TH ASIAN CONFERENCE ON REMOTE SENSING (ACRS 2019) 2019, Daejeon, Korea. Anais [...]. Daejeon, Korea, p. 1–10, 2019.).

As produções em realidade virtual por criadores indígenas, chamadas de “quarta realidade virtual”6 6 A quarta realidade virtual (indígena) é conceitualizada pelo autor (WALLIS e ROSS, 2021) a partir da noção de quarto cinema (BARCLAY, 2003). O quarto cinema é visto como uma fase de reapropriação da linguagem cinematográfica pelos diretores e produtores indígenas que estaria antecedida pela primeira fase, o cinema de Hollywood, a segunda fase, o cinema europeu, a terceira fase, o cinema político de terceiro mundo. , ainda são poucas (WALLIS; ROSS, 2021WALLIS, Keziah; ROSS, Miriam. Fourth VR: Indigenous Virtual Reality Practice. Convergence: The International Journal of Research into New Media Technologies, [S. l.], vol. 27, n. 2, p. 313-329, 2021. DOI: 10.1177/1354856520943083.
https://doi.org/10.1177/1354856520943083...
). Mas, entre os pioneiros não só da realidade virtual indígena como também das experiências artísticas em realidade virtual como um todo, está o trabalho Inherent Rights, Vision Rights (1991-1993), criado pelo artista Lawrence Paul Yuxweluptun, do povo Salish, que vive na costa oeste entre o Canadá e os Estados Unidos da América. A obra explora uma casa tradicional virtual, onde ocorrem encontros simulados com espíritos, de forma a proporcionar ao usuário uma experiência de transe (2BEARS, 20102BEARS, Jackson. A Conversation with Spirits Inside the Simulation of a Coast Salish Longhouse. Ctheory, [S. l.], n. p., 2010.; YUXWELUPTUN, 1996YUXWELUPTUN, Lawrence Paul. Inherent Rights, Vision Rights. In MOSER, Mary Anne; MACLEOD, Douglas (org.). Immersed in Technology. Cambridge: The MIT Press, 1996, p. 315-318. DOI: 10.7551/mitpress/3678.003.0025.
https://doi.org/10.7551/mitpress/3678.00...
):

In it, the longhouse is a given space in time which I use to show a religious concept, to physically bring people into contact with a native worshiping aspect of life, praying Indians.… What it is like being in a possessed state, feeling rhythmic sounds in a longhouse, feeling sounds go through oneself, feeling a spirit inside you. (YUXWELUPTUN, 1996, p. 316YUXWELUPTUN, Lawrence Paul. Inherent Rights, Vision Rights. In MOSER, Mary Anne; MACLEOD, Douglas (org.). Immersed in Technology. Cambridge: The MIT Press, 1996, p. 315-318. DOI: 10.7551/mitpress/3678.003.0025.
https://doi.org/10.7551/mitpress/3678.00...
)

O trabalho de Yuxweluptun se destaca, ao nosso ver, ao executar uma investigação ontológica das possibilidades da realidade virtual para o contexto indígena. Assim, apesar de criar simulações de interação com os espíritos, a experiência estética, de sons e imagens que ele desenvolve, desloca o sentido habitual dos usos de realidade virtual, buscando uma experiência poética e espiritual. Nesse caso, não se trata de um acervo digital a ser preservado, mas da exploração criativa das possibilidades que essa tecnologia oferece para o contexto indígena.

Objetos digitais e agência

Assim, entendemos que a experiência proposta pelo EDP se aproxima da investigação de Yuxweluptun, já que, além de procurar registrar e desenvolver modelos tridimensionais (3D) dos artefatos tradicionais, busca desenvolver formas de ativação do acervo multimídia que gerem zonas de contato e experiências de atravessamento poético para a criação de novos objetos, frutos dessa interação. O projeto EDP propõe uma investigação em que a prática artística não é somente uma forma de divulgação científica, ou uma ferramenta para a produção de conhecimento antropológico, mas zona de imbricação de conhecimentos, o que permite enquadrar a produção artística dentro do contexto da pesquisa artística, ressaltando suas interfaces transdisciplinares com outros campos do saber. Nesse sentido, nosso objetivo não é apenas investigar a cultura indígena para apresentá-la a um público não indígena, mas proporcionar colaborações que redefinam o próprio entendimento de tecnologia levando em consideração a arte e o pensamento indígena como pontos de partida (MONTANARI; PRADO, 2022MONTANARI, Matheus da Rocha; PRADO, Gilbertto. From Vigilance to Vigil: An Introduction to an Alternative Paradigm for Technology, Art, and Life. Diffractions, [S. l.], vol. 1, n. 5, p. 71-98, 2022.).

Nosso entendimento de objeto digital parte de Yuk Hui (2016HUI, Yuk. On the Existence of Digital Objects. Minneapolis, London: University of Minnesota Press, 2016.), que o classifica como uma nova concretização do objeto técnico, a partir de Simondon e Heidegger. Os objetos digitais são definidos a partir da relação entre ontologias e Ontologia, ou seja, entre estruturas técnicas de dados e metadados, criadas pelos cientistas da computação, que dão ao objeto digital a sua consistência enquanto tal, e Ontologia, enquanto definição de objeto filosófico, portador de uma existência ontológica própria7 7 Essa diferenciação evoca a distinção ôntico/ontológico no pensamento de Heidegger. (HUI, 2016HUI, Yuk. On the Existence of Digital Objects. Minneapolis, London: University of Minnesota Press, 2016.). A principal característica dos objetos digitais é a sua capacidade relacional, tanto com o seu meio associado (SIMONDON, 2020SIMONDON, Gilbert. A individuação à luz das noções de forma e de informação. São Paulo: Editora 34, 2020.), quanto com outros objetos. Nesse sentindo, e levando em consideração a produção artística que apresentamos neste artigo, podemos relacionar a noção de objeto digital com a discussão sobre a agência e autonomia ontológica dos objetos de arte, tópico já bastante desenvolvido nas relações entre arte e antropologia (COUPAYE, 2017COUPAYE, Ludovic. The problem of agency in art. In CLARK, Alison; THOMAS, Nicholas (org.). Style and Meaning: Essays on the Anthropology of Art. Leiden: Sidestone Press, 2017, p. 243-302.; FORGE, 1965FORGE, J. A. W. Art and Environment in the Sepik. Proceedings of the Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, [S. l.], n. 1965, p. 23, 1965. DOI: 10.2307/3031753.
https://doi.org/10.2307/3031753...
; GELL, 2018GELL, Alfred. Arte e agência. São Paulo: Ubu, 2018.)

Pesquisa artística, produção artística e pesquisa científica

A arte e a ciência, por sua vez, são modos distintos de existência que possuem diferentes condições de veracidade, ou seja, diferentes regimes de verdade (TORO-PÉREZ, 2009TORO-PÉREZ, Germán. On the Difference between Artistic Research and Artistic Practice. In CADUFF, Corina; SIEGENTHALER, Fiona; WÄLCHLI, Tan (org.). Art and Artistic Research. Zürich: Scheidegger & Spiess, 2009, p. 30-39.). Enquanto a ciência busca uma ordenação e singularidade, a arte busca multiplicidade. As duas, entretanto, também possuem aproximações, “a dialética entre sensível e inteligível que detona a criação.” (TAVARES, 2016, p. 71TAVARES, Monica. Inter-relações entre arte, pesquisa e ciência. In PRADO, Gilbertto; TAVARES, Monica; ARANTES, Priscila (org.). Diálogos transdisciplinares: arte e pesquisa. São Paulo: ECA USP, 2016, p. 66-89.) . Ou seja, os processos criativos de elaboração de hipóteses e conexões não são destintos, mas seus encaminhamentos e resultados, sim:

Logo, enquanto na ciência se caminha na tentativa de demonstração, na arte, o que subjaz são as vias de apresentação. Assim, ao passo que os fatos artísticos são processados levando em conta o livre arbítrio de quem cria, levando o artista a mudar de caminho de forma imprevisível, ora mudando de método, ora incorporando ou combinando vários, provocando uma instabilidade de fronteiras metodológicas, no caso do cientista, este se compromete com a possibilidade de comprovação, de veracidade e de legado do conhecimento sobre seu produto (TAVARES, 2016, p. 73TAVARES, Monica. Inter-relações entre arte, pesquisa e ciência. In PRADO, Gilbertto; TAVARES, Monica; ARANTES, Priscila (org.). Diálogos transdisciplinares: arte e pesquisa. São Paulo: ECA USP, 2016, p. 66-89.).

Nesse sentido, podemos dizer que são diferentes formas de pensar. Segundo Deleuze e Guattari, existem, pelo menos, três modos de pensamento: o científico, o artístico e o filosófico. Pensar é operar o caos e dar-lhe consistência através de algum tipo de operação entre o virtual e o atual: a filosofia opera por conceitos, a arte, por sensações, e a ciência, por funções. Assim, a esta última opera em um tempo determinado, ordenando o caos e procurando compreendê-lo. Ela opera sobre o atual, o estado das coisas, e busca isolar variáveis e extrair funções delas. A filosofia faz o caminho contrário, ela opera sobre o estado das coisas, mas com o objetivo de chegar ao virtual. Ela se ocupa do acontecimento, da parte do virtual que não se atualiza. Já a arte opera entre essas duas linhas, ela vai ao encontro do virtual, tentando tornar sensível uma parte do acontecimento que não se atualiza. Ela cria estados de coisas, mas não ordena o caos, ela traz o caos para as coisas, exprimindo o virtual (DELEUZE; GUATTARI, 2010DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? São Paulo: Editora 34, 2010.).

Portanto, quando dizemos que o projeto EDP desenvolve uma pesquisa transdisciplinar (LATTUCA, [s.d.]LATTUCA, Lisa R. Creating Interdisciplinarity: Grounded Definitions from College and University Faculty. [s.l: s.n.]. Disponível em: http://www.ucalgary.ca/hic/. Acesso em: 1 jun. 2023.
http://www.ucalgary.ca/hic/...
), referimo-nos ao fato de que, para além da presença de pesquisadores de diferentes áreas, a saber, antropólogos, botânicos e artistas, de lideranças políticas e espirituais guarani e kaiowá e de produtores audiovisuais indígenas, o projeto opera através de diferentes formas de pensamento, utilizando a criação artística, em particular a arte generativa, como forma de atravessamento para a produção de conhecimento através da pesquisa colaborativa.

Arte generativa

A arte generativa pode ser definida a partir da teoria da complexidade efetiva de sistemas, como faz Philip Galanter (2016GALANTER, Philip. Generative Art Theory. In PAUL, Christiane (org.). A Companion to Digital Art. Hoboken: John Wiley & Sons, 2016, p. 146-180.). Para o autor, a arte generativa computacional é um subdomínio da arte generativa, que precede qualquer tipo de tecnologia digital, e é definida a partir da utilização, pelo artista, de um sistema com algum grau de autonomia. O sistema, por sua vez, pode ser um computador, a utilização de um conjunto de regras de linguagem, reações químicas, ou a inserção de organismos vivos no trabalho, por exemplo (GALANTER, 2016GALANTER, Philip. Generative Art Theory. In PAUL, Christiane (org.). A Companion to Digital Art. Hoboken: John Wiley & Sons, 2016, p. 146-180.).

É importante destacar que a arte generativa não está necessariamente ligada a um sistema computacional, e que também não pode ser reduzida a um simples sistema de regras. Afinal, uma obra artística que siga uma série de regras de produção, mas em que o artista não ceda controle para alguma funcionalidade autônoma do sistema, não é considerada um trabalho generativo. Galanter exemplifica esse caso com as regras de limitação de cores utilizadas por Manzoni em sua série Achrome, em que todas as pinturas são obrigatoriamente brancas, com diferentes texturas. Para o autor, esse trabalho não poderia ser classificado como generativo, já que as regras estabelecidas não exercem um conjunto autônomo de operações sobre a obra. Por outro lado, regras de combinação, que interferem diretamente no trabalho final, como o caso dos Incomplete Open Cubes (1974), de Sol LeWitt, por exemplo, são consideradas generativas, já que a própria seriação das regras de combinação define a forma do trabalho (GALANTER, 2016GALANTER, Philip. Generative Art Theory. In PAUL, Christiane (org.). A Companion to Digital Art. Hoboken: John Wiley & Sons, 2016, p. 146-180.).

Assim, Galanter (2016GALANTER, Philip. Generative Art Theory. In PAUL, Christiane (org.). A Companion to Digital Art. Hoboken: John Wiley & Sons, 2016, p. 146-180.) utiliza a teoria da eficiência da complexidade para criar diferentes classificações de sistemas utilizados na arte generativa. Trata-se do estabelecimento de um eixo horizontal em que os polos são a ordem e compreensibilidade de um lado e a desordem e incompreensibilidade de outro. O eixo vertical determina o nível de complexidade, quanto mais distante do eixo horizontal, mais complexo. O ponto mais alto de complexidade, para o autor, encontra-se justamente na metade do eixo horizontal. Os polos de ordem total, e desordem total, são entendidos como de baixa complexidade efetiva. Os parâmetros para a disposição dos sistemas entre os eixos, entretanto, não são claramente discriminados (figura 2).

Portanto, sistemas com simetria e composição geométrica, por exemplo, são considerados por Galanter como trabalhos de arte generativos, ainda que de baixa complexidade e alto ordenamento. Esse é o caso, por exemplo, dos grafismos guarani e kaiowá, que foram digitalizados e inseridos em algumas partes do museu. O kurunduá (SALDANHA, 2016SALDANHA, Gilcacia Gündel. Grafismo na Comunidade Kaiowá de Itay Ka’aguyrusu. XIII ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA 2016, Coxim-MS. Anais [...]. Coxim-MS p. 1-16, 2016.), em específico, que está associado ao transporte para outras dimensões e ao poder de visão de espíritos, foi adicionado em determinado momento do museu virtual como uma textura que cobria todo o interior da casa de reza, como uma transição de um plano ao outro na experiência de realidade virtual (figura 3). Inclusive, durante as reuniões, levantou-se a hipótese de que o uso desse grafismo específico no museu possa ter auxiliado as Nhandesys a verem os espíritos com os óculos de realidade virtual.

Sendo assim, e levando em consideração a complexidade, a não linearidade e os elementos repetitivos que se transformam ao longo do tempo e em cada repetição, característicos, como veremos, não só da cosmologia guarani e kaiowá como também dos sistemas de arte generativa, pareceu-nos que a utilização de suas metodologias de criação poderia ser uma alternativa para incorporar, como parte da investigação, a complexidade e certa incompreensibilidade de alguns elementos com os quais estávamos lindando.

Figura 2.
Gráfico de complexidade de sistemas e de sistemas utilizados comumente em trabalhos de arte generativa computacional. Fonte: Adaptado e traduzido de Generative Art Theory, Philip Galanter, (2016GALANTER, Philip. Generative Art Theory. In PAUL, Christiane (org.). A Companion to Digital Art. Hoboken: John Wiley & Sons, 2016, p. 146-180.)
Figura 3.
Grafismo Kurunduá

Cosmotécnica

Para entender a proposta do projeto, primeiro precisamos definir um dos seus conceitos centrais, a cosmotécnica. Yuk Hui (2018HUI, Yuk. The Question Concerning Technology in China: An Essay in Cosmotechnics. Falmouth: Urbanomic, 2018.) propõe e desenvolve uma filosofia tecnodiversa da tecnologia. Através de um olhar crítico para a história da filosofia, sua obra nos coloca um problema: até hoje, praticamente toda a filosofia da tecnologia se desenvolve com base na noção grega de techne. Entretanto, apesar da universalidade da atividade técnica enquanto prática, o pensamento técnico, por sua vez, não se constituiu de forma universal e homogênea. Ou seja, diferentes povos possuíam diferentes pensamentos técnicos, logo, a noção grega não esgota toda a complexidade do pensamento técnico em suas diferentes expressões, nem é suficiente para explicá-la.

Nesse sentido, o autor desenvolve uma pesquisa sobre o pensamento técnico na China, mostrando como a própria definição de tecnologia na história do pensamento chinês se diferencia da tecnologia europeia. Enquanto a tecnologia europeia ocidental está baseada em uma filosofia da natureza como um domínio ontologicamente autônomo e axiologicamente neutro, que se desenvolve, mais tarde, nas bases do pensamento científico moderno, Hui explica que o pensamento chinês sobre a tecnologia jamais separou-se de uma filosofia moral. Sendo assim, ele propõe que existe uma diferença ontológica entre elas, que se expressa em configurações tecnológicas distintas (HUI, 2018HUI, Yuk. The Question Concerning Technology in China: An Essay in Cosmotechnics. Falmouth: Urbanomic, 2018., 2020HUI, Yuk. Tecnodiversidade. São Paulo: Ubu Editora, 2020.).

Portanto, Hui passa a chamar de cosmotécnica essa junção do pensamento técnico e cosmológico, que se insere em uma perspectiva da chamada “virada ontológica” nas humanidades recentes, comprometida em levar a sério a pluralidade de modos de existência. A cosmotécnica contribui para a reaproximação de fraturas históricas do pensamento ocidental moderno, como a divisão entre natureza e cultura. Ela desconstrói uma noção de neutralidade da tecnologia, recolocando-a em seu contexto de existência, e levando em consideração suas características locais (HUI, 2018HUI, Yuk. The Question Concerning Technology in China: An Essay in Cosmotechnics. Falmouth: Urbanomic, 2018., 2020HUI, Yuk. Tecnodiversidade. São Paulo: Ubu Editora, 2020.).

O trabalho de Hui nos convida a pensar outras cosmotécnicas. Durante o projeto do Museu Virtual, fomos constantemente confrontados com diferentes definições de tecnologia pelos membros das comunidades guarani e kaiowá. É relevante notar que, para introduzir aos membros não indígenas do projeto conceitos guarani e kaiowá, os xamãs, confrontados com os objetos digitais desenvolvidos pelo Museu e os aparatos técnicos utilizados no seu desenvolvimento, valeram-se constantemente de metáforas entre os entes e processos de sua cosmologia, de um lado, e os objetos e processos das tecnologias digitais, de outro. Mais que um simples procedimento semântico de tradução cultural, entendemos que o acionamento da metáfora nessa interação revela um processo propriamente criativo, inventivo, no sentido de Wagner (2010WAGNER, Roy. A invenção da cultura. São Paulo: Cosac Naify, 2010.), pelo qual affordances comuns – e no mais das vezes ignoradas – entre objetos e processos de cosmotécnicas distintas são reconhecidas e acionadas.

Eles nos explicaram, por exemplo, que a Oga Pysy (casa de reza) funciona como “um roteador de wifi” para a comunicação com os deuses, por ser capaz de captar e redistribuir o sinal de comunicação entre o mundo visível e invisível. Da mesma forma, apresentaram certos grafismos como meios de transporte, dizendo que o kuruduá (figura 3) funcionava como um disco voador, capaz de transportar as pessoas para outros mundos. E a reza, como já bem documentado, constitui uma tecnologia poderosa de comunicação e agência: entre outras coisas, parte essencial do cultivo de plantas tradicionais, capaz de gerar uma comunicação com espíritos, animais e plantas (JOÃO, 2011JOÃO, Izaque. Jakaira Reko Nheypyrũ Marangatu Mborahéi: origem e fundamentos do canto ritual Jerosy puku entre os kaiowá de Panambi, Panambizinho e Sucuri’y, Mato Grosso Do Sul. Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, 2011.; KAIOWÁ, 2020KAIOWÁ, Izaque João. As Plantas ouvem a nossa voz: cantos e cuidados rituais kaiowá. In CABRAL DE OLIVEIRA, Joana; AMOROSO, Marta; MORIM DE LIMA, Ana Gabriela; SHIRATORI, Karen; MARRAS, Stelio; EMPERAIRE, Laure (org.). Vozes vegetais: diversidade, resistências e histórias da floresta. São Paulo: UBU, IRD, 2020, p. 301-311.; SALDANHA, 2016SALDANHA, Gilcacia Gündel. Grafismo na Comunidade Kaiowá de Itay Ka’aguyrusu. XIII ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA 2016, Coxim-MS. Anais [...]. Coxim-MS p. 1-16, 2016.).

Produção dos experimentos em realidade virtual

Entre março e junho de 2022, os participantes do projeto se reuniram quinzenalmente de forma remota, por chamada de vídeo. Esse método de encontro já estava em curso desde o início do projeto do Museu Virtual, em maio de 2021. Durante as primeiras reuniões, discutimos a presença dos espíritos no museu e outros elementos cosmológicos, como sons e cheiros que os não indígenas, ou até mesmo os membros da comunidade sem o treinamento adequado, não percebiam. Nesses encontros, conversamos sobre a importância desses elementos e como uma representação ilustrativa desses aspectos não faria jus ao desenvolvimento do projeto, já que, para alguns membros da comunidade, o que estávamos criando não era apenas um museu, mas uma Oga Pysy digital, com propriedades cosmológicas próprias.

Com essas discussões, decidimos que as relações entre plantas e o som, enquanto manifestações inteligíveis para todos os participantes, seriam bons elementos para iniciar a investigações daqueles outros, como os espíritos, que nem todos enxergavam. Nas reuniões seguintes, apresentamos a pesquisa artística como forma de investigação, trazendo exemplos de trabalhos de arte computacional (VENTURELLI, 2017VENTURELLI, Suzete. Arte Computacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2017.) que utilizavam, de alguma maneira, plantas e/ou sons, destacando como, através desses elementos, era possível tratar questões sociais, culturais, políticas e materiais mais complexas.

Os trabalhos apresentados foram Amoreiras (2010-2022) e Caixas de Choque 1,2, 3 (2016, 2017, 2018), de Gilbertto Prado e do grupo Poéticas Digitais (ARANTES e PRADO, 2019ARANTES, Priscila; PRADO, Gilbertto. Expanded Circuits and Poetic re-writings: Circuito Alameda. PARK; Juyong; NAM, Juhan; PARK; Jin Wan (org.). 25TH INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON ELECTRONIC ART 2019, Gwangju. Anais [...]. Gwangju p. 679-682, 2019.; PRADO, 2010PRADO, Gilbertto. Grupo Poéticas Digitais: projetos desluz e amoreiras. ARS (São Paulo), vol. 8, n. 16, p. 111-124, 2010. DOI: 10.1590/S1678-53202010000200008.
https://doi.org/10.1590/S1678-5320201000...
). Amoreiras é uma instalação em que mudas de amoreiras são plantadas em vasos na Avenida Paulista, em São Paulo, e através de microfones captam a poluição sonora do seu entorno. Em resposta a esses dados sonoros, utiliza-se um algoritmo de inteligência artificial e próteses nas árvores para que as amoreiras respondem aos níveis de poluição sacudindo seus galhos. Já as Caixas de Choque utilizam a energia gerada a partir de pimentas, laranjas e milhos para provocar pequenas descargas elétricas nos visitantes. O trabalho faz uma investigação profunda da circulação e do impacto dessas plantas no período colonial, jogando com a noção de “choque cultural” (PRADO, 2018PRADO, Gilbertto. Circuito Alameda. In Circuito Alameda. Cidade do México: Instituto Nacional de Bellas Artes, Laboratorio Arte Alameda, 2018, p. 28-37.).

Também apresentamos os trabalhos Terrafonías (2021), do coletivo Electrobiota, e OMPHALOS (2021), de Oliverio Duhalde. Em Terrafonías, as artistas criam uma máquina mecânico-digital-sonora que explora de forma especulativa o cuidado com os solos através de um estudo do ciclo atmosférico do dióxido de carbono.8 8 Documentação disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ISXYyUg8tHc&ab_channel=ColectivoElectrobiota. Acesso em: 19 jan. 2023. OMPHALOS, por sua vez, é descrito como um altar à vida; a instalação é acompanhada por um livestream e pela análise de dados o crescimento de uma samambaia. Essas informações são convertidas em sons e luzes que alteram a instalação.9 9 Documentação disponível em: https://www.oliverioduhalde.com/omphalos. Acesso em: 19 jan. 2023.

Os trabalhos escolhidos privilegiaram um recorte latino-americano. Escolhemos projetos que também questionassem a divisão entre natureza e cultura e que, de alguma forma, trabalhassem as relações ecológicas entre diferentes agentes. Nesses casos, a tecnologia não é apenas uma instrumentalização científica da natureza, entendida como neutra, mas agente poética das relações. Apresentado os exemplos, o grupo começou a levantar possibilidades de elementos que, dentro do nosso recorte, pudessem ser a base para a criação de nosso próprio trabalho artístico.

Jakairá, o milho e as abelhas

Segundo o mito kaiowá, a divindade Jakairá é responsável pela criação da primeira roça. Através de sua sabedoria, Jakairá criou o milho branco, que está no topo da hierarquia alimentar, e, a partir dele, todos os outros produtos agrícolas. Portanto, Jakairá e o milho são responsáveis pela criação e manutenção de quase todo os alimentos da Terra. Seu cultivo segue uma série de regras, desde restrições alimentares dos cultivadores, passando pelo uso da reza para alegrar o milho, até o seu batismo (JOÃO, 2013JOÃO, Izaque. Jerosy Puku. PISEGRAMA, [S. l.], vol. 6, p. 15-17, 2013.). O ritual de batismo do milho, chamado Jerosy Puku, é um dos rituais kaiowás mais importantes. Através dele, o milho torna-se apto para o consumo da comunidade de forma saudável, já que além de um alimento físico, também é considerado um alimento espiritual. O batismo também é um momento de reafirmação do modo de ser kaiowá, fortalecendo as relações humanas e extra-humanas (espíritos, plantas, animais) da comunidade (JOÃO, 2011JOÃO, Izaque. Jakaira Reko Nheypyrũ Marangatu Mborahéi: origem e fundamentos do canto ritual Jerosy puku entre os kaiowá de Panambi, Panambizinho e Sucuri’y, Mato Grosso Do Sul. Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, 2011.). Como nos explicam os kaiowá, esse tipo específico de milho está atualmente em perigo de extinção devido às ameaças ambientais que sofre: o uso pesado de agrotóxicos nas plantações de milho transgênico que cercam as comunidades e as consequências da mudança climática na região (BENITES, MONFORT; GISLOTI, 2021BENITES, Eliel; MONFORT, Gislaine; GISLOTI, Laura Jane. Territorialidades originárias e a cosmologia kaiowá e guarani: auto-organização contra o agronegócio, os crimes socioambientais e a pandemia. Espaço Ameríndio, [S. l.], vol. 15, n. 2, p. 38-59, 2021. DOI: 10.22456/1982-6524.114322.
https://doi.org/10.22456/1982-6524.11432...
).

O nosso primeiro experimento surge, justamente, dessa ecologia extra-humana. Em uma de nossas sessões etnográficas remotas sobre a importância do milho e a sua relação com o som, aprendemos que, na cosmologia guarani e kaiowá, o milho possui um som próprio que não é audível a todas as pessoas. Entretanto, existe um momento específico em que o som do milho pode ser escutado por todos. Os membros da comunidade nos disseram que, quando o milho, ainda verde (avati kyry), começa a ficar pronto para a colheita, ele produz um cheiro que atrai abelhas para que “elas façam o som do milho”, avisando que já está quase na hora da colheita. Como, na cosmologia guarani e kaiowá, falar do milho branco também é falar do princípio da vida e do alimento que a sustenta, esse momento pré-colheita, em que a abelha é atraída pelo milho para que faça o seu som, nos pareceu emblemático para investigar um instante da criação do mundo (JOÃO, 2011JOÃO, Izaque. Jakaira Reko Nheypyrũ Marangatu Mborahéi: origem e fundamentos do canto ritual Jerosy puku entre os kaiowá de Panambi, Panambizinho e Sucuri’y, Mato Grosso Do Sul. Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, 2011.). Esse momento que parece tratar, à primeira vista, de uma relação multiespecífica entre a planta e abelha, quando investigado mais a fundo, revela, também, tratar de uma relação entre o espírito dono do milho e seu cultivador, já que, como documentando, a reza é uma forma de comunicação entre esses diferentes agentes (JOÃO, 2011JOÃO, Izaque. Jakaira Reko Nheypyrũ Marangatu Mborahéi: origem e fundamentos do canto ritual Jerosy puku entre os kaiowá de Panambi, Panambizinho e Sucuri’y, Mato Grosso Do Sul. Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, 2011., 2013JOÃO, Izaque. Jerosy Puku. PISEGRAMA, [S. l.], vol. 6, p. 15-17, 2013.).

Para aprofundar essa investigação, desenvolvemos uma série de experimentos de arte generativa utilizando a linguagem de programação TouchDesigner. Trata-se de uma linguagem de programação visual em nódulos para a criação de conteúdo multimídia interativo em tempo real. Partimos da imagem de uma roça de milho branco antes da colheita e fizemos uma análise da incidência de luz nas suas diferentes áreas (figura 4). Isso porque uma das Nhandesys nos informou que a primeira tecnológica (mba’ekuaa), do ponto de vista guarani e kaiowá, era a luz, tanto a do sol quanto a da lua, ligada à construção do mundo e dos seres pela grande mãe (BENITES, 2022BENITES, Antonio Carlos. Mba´e Kuaa Vusu/Nhane Ramõi Jusu Papa ha Nhande Ru Vusu Rembiapo: A topologia do cosmo kaiowá e da construção de donos e guardiões dos conhecimentos. Dissertação de Mestrado - Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, 2022.).

A partir dessa análise de dados, criamos um mapa de relevo que foi aplicado em uma elipse para a construção de um terreno tridimensional. As áreas mais escuras da imagem criaram depressões, e as áreas mais claras, elevações. Por fim, adicionamos duas camadas de ruído, uma algorítmica e outra oriunda da análise de frequência sonora dos sons produzidos pelas abelhas. A análise da frequência sonora controla o ruído algorítmico que, por sua vez, gera movimento no terreno. Dessa forma, desenvolvemos uma experiência em realidade virtual em que a relação ecológica entre o milho e a abelha instaura um mundo generativo baseado na análise de dados de imagem e som do roçado, guiados pela cosmologia guarani e kaiowá (figura 5).

Mesmo que sem uma produção naturalista da imagem, e talvez justamente por essa característica, a comunidade aprovou o experimento. Apresentado o passo a passo da construção do programa generativo, houve consenso de que a produção possuía características verdadeiramente guarani e kaiowá, misturadas com uma tecnologia não indígena, de modo que entendemos a agência das imagens produzidas em ressonância com a cosmologia guarani e kaiowá, mesmo que em um suporte não tradicional.

A partir desse experimento, a comunidade começou a dirigir os seguintes mais diretamente, escolhendo imagens e elementos específicos que deveriam ser utilizados para a continuação do projeto. Na segunda fase, os experimentos foram realizados de forma presencial, em território, durante um período de dez dias nas aldeias de Panambizinho, Nhaderu Marangatu e Ita’y.

Figura 4.
Roça de milho guarani e kaiowá. Imagem utilizada para a análise de incidência luminosa.
Figura 5.
Fotograma da experiência em realidade virtual produzida a partir da análise da imagem do roçado de milho e da gravação dos barulhos produzidos pelas abelhas.

Chirus e o som do trovão

Um dos artefatos mais importantes na cosmologia guarani e kaiowá é o Chiru, uma espécie de cruz ou bastão de madeira que está relacionada com a criação e a sustentação do mundo. Entre suas funcionalidades, o Chiru permite uma comunicação direta com a dimensão espiritual e a cura de qualquer doença. Esses artefatos, na verdade, são vistos como pessoas, que possuem desejos, agência própria e que precisam estar em constante diálogo com os seus guardiões através das rezas. Existem diferentes tipos de Chirus e conforme as características de seus materiais de origem, da sua forma e de seu modo de fazer, podem ter diferentes funções, ou personalidades, exigindo, por exemplo, rezas mais longas, ou sendo considerados mais brabos (MURA, 2010MURA, Fabio. A trajetória dos Chiru na construção da tradição de conhecimento Kaiowá. MANA: Estudos de Antropologia Social, [S. l.], vol. 16, n. 1, p. 123-150, 2010.).

Assim como o milho branco, o Chiru se encontra em perigo de extinção. A comunidade sofre ataques constantes de fazendeiros e de pastores neopentecostais, seja por disputas fundiárias ou por crimes de intolerância religiosa. Nesses casos, os guardiões dos Chirus, Nhanderus e Nhandesys, são acusados de bruxaria e têm suas casas de rezas incendiadas (CIMI, 2019CIMI. Incêndio destrói casa de reza Guarani Kaiowá na reserva de Dourados. Conselho Indigenista Missionário, [S. l.], n.p., 2019. Disponível em: https://cimi.org.br/2019/07/incendio-destroi-casa-de-reza-guarani-kaiowa-na-reserva-de-dourados/. Acesso em: 18 jan. 2023.
https://cimi.org.br/2019/07/incendio-des...
; CSPV, 2019CSPV. MS: Incêndio criminoso destrói casa de reza indígena. A nova Democracia, [S. l.], n. p., 2019. Disponível em: https://anovademocracia.com.br/noticias/11426-ms-incendio-criminoso-destroi-casa-de-reza-indigena. Acesso em: 18 jan. 2023.
https://anovademocracia.com.br/noticias/...
; O GLOBO, 2021O GLOBO. Casas de reza indígenas são incendiadas em cenas de intolerância religiosa e disputa de terra. Folha de Pernambuco, Recife, 2021. Disponível em: https://www.folhape.com.br/noticias/casas-de-reza-indigenas-sao-incendiadas-em-cenas-de-intolerancia/206547/. Acesso em: 18 jan. 2023.
https://www.folhape.com.br/noticias/casa...
, 2022O GLOBO. Povo guarani kaiowá denuncia na ONU incêndios de casas de reza indígenas. Revista Cenarium, [S. l.], n. p., 2022. Disponível em: https://revistacenarium.com.br/povo-guarani-kaiowa-denuncia-na-onu-incendios-de-casas-de-reza-indigenas/. Acesso em: 18 jan. 2023.
https://revistacenarium.com.br/povo-guar...
; PAES, 2020PAES, Caio de Freitas. “Janeiro sangrento” para os Kaiowá do Mato Grosso do Sul tem incêndio em casa de reza, ataques e corte em cestas básicas. Mongabay, [S. l.], 2020. Disponível em: https://brasil.mongabay.com/2020/02/janeiro-sangrento-para-os-kaiowa-do-mato-grosso-do-sul-tem-incendio-em-casa-de-reza-ataques-e-corte-em-cestas-basicas/. Acesso em: 18 jan. 2023.
https://brasil.mongabay.com/2020/02/jane...
; RIBEIRO, 2021RIBEIRO, Rafael. Incêndio destrói casa de reza de aldeia guarani-kaiowá em MS. Folha de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/10/incendio-destroi-casa-de-reza-de-aldeia-guarani-kaiowa-em-ms-veja-video.shtml. Acesso em: 18 jan. 2023.
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/...
; TORRES, 2019TORRES, Thaila. Fogo levou memória e “xiru” de 500 anos, que abençoava casa de reza. Campo Grande News, Campo Grande, 2019. Disponível em: https://www.campograndenews.com.br/lado-b/comportamento-23-08-2011-08/fogo-levou-memoria-e-xiru-de-500-anos-que-abencoava-casa-de-reza. Acesso em: 18 jan. 2023.
https://www.campograndenews.com.br/lado-...
). Além de uma enorme violência, esses incêndios representam um grande perigo, já que, para os guarani e kaiowá, quando o Chiru não é bem cuidado, ele pode causar desequilíbrios e doenças na comunidade e, de forma mais extensa, para os seus vizinhos. Essa relação de cuidado exemplifica bem a ética, a política e a poética do cuidado guarani e kaiowá, em que toda criação deve ser zelada para que tenha um bom efeito nas suas relações, caso contrário pode acarretar fragilizações e doenças.

As rezas e os cantos compõem parte da materialidade do Chiru, que além de sustentar a Terra, mantém o equilíbrio dos fenômenos. Segundo a mitologia guarani e kaiowá, o universo surge como um disco sustentado pelo Chiru, e é criado a partir de sua substância (JOÃO, 2013JOÃO, Izaque. Jerosy Puku. PISEGRAMA, [S. l.], vol. 6, p. 15-17, 2013.; MURA, 2010MURA, Fabio. A trajetória dos Chiru na construção da tradição de conhecimento Kaiowá. MANA: Estudos de Antropologia Social, [S. l.], vol. 16, n. 1, p. 123-150, 2010.). O som atribuído a ele é o som do trovão, cujo espírito-dono está intimamente ligado à construção do mundo:

O xiru ryapuguasu (dono do trovão) é aliado inseparável do nhanderu guasu, que deu àquele a responsabilidade de criar a superfície da terra, modelando-a com os elementos que compõe sua geografia, como mato, montanha e água. Esses elementos do espaço terrestre são interpretados pelos Kaiowá como pertencentes aos deuses, que possuem linguagens próprias e específicas de acordo com sua função no equilíbrio do espaço físico. (JOÃO, 2013, p. 1JOÃO, Izaque. Jerosy Puku. PISEGRAMA, [S. l.], vol. 6, p. 15-17, 2013.)

Sendo assim, nossos experimentos seguiram investigando o Chiru enquanto elemento fundador e sustentador do mundo. Mais uma vez, as características generativas de alteração constante da forma pela análise de dados das imagens e do som criaram uma forte conexão com a visão cosmológica guarani e kaiowá, já que o cosmo é percebido como dinâmico, em constante mutação pelas relações políticas entre os seres e agentes que o povoam: “os resultados dessas relações produzem mudanças constantes no cosmo, com transformações na aparência, dimensões e esfera que o compõem” (MURA, 2010, p. 132MURA, Fabio. A trajetória dos Chiru na construção da tradição de conhecimento Kaiowá. MANA: Estudos de Antropologia Social, [S. l.], vol. 16, n. 1, p. 123-150, 2010.).

Seguimos, portanto, a mesma metodologia dos experimentos feitos com o milho branco, mas, dessa vez, criamos sete experimentos diferentes, já que os Chirus apresentam uma grande diversidade de origens, funções, aparências e agências. Começamos realizando a análise de diferentes imagens do Chiru: do seu uso em rituais, da sua madeira, dos modelos tridimensionais que criamos para o Museu Virtual e de alguns vídeos. Para o áudio, realizamos sete composições experimentais em que todos os sons são criados a partir de uma gravação do som do trovão em território (figura 6 a 8).10 10 Documentação em vídeo disponível em https://www.matheusmontanari.com/ecologiesofthought. Acesso em: 20 jan. 2023.

Novamente, criaram-se experiências em realidade virtual em que o “mundo”, ou a realidade audiovisual daquele contexto, forma-se em tempo real com processos generativos criados a partir da análise de dados. A combinação da materialidade das imagens analisadas, em pixel, com a materialidade do som, em frequências, cria uma relação a partir de um processo algorítmico, guiado pela da ideia de substância do Chiru. É uma nova criação de universo, uma que não representa ou reproduz o mito guarani e kaiowá, mas que, em suas operações, tanto técnicas quanto poéticas, cria linhas com o pensamento indígena, compondo uma ecologia de pensamentos e fazeres. Propomos, assim, uma sensibilidade estética específica, que alia a noção de agência do trabalho de arte voltada para uma poética do cuidado (MONTANARI; PRADO, 2022MONTANARI, Matheus da Rocha; PRADO, Gilbertto. From Vigilance to Vigil: An Introduction to an Alternative Paradigm for Technology, Art, and Life. Diffractions, [S. l.], vol. 1, n. 5, p. 71-98, 2022.).

As experiências em realidade virtual revelaram ter propriedades cosmológicas próprias quando todos os quatro Nhanderus e Nhandesys que participaram do projeto relataram ver diferentes elementos espirituais e físicos com a utilização dos óculos de realidade virtual, elementos que os demais participantes não enxergavam. Eles relataram ver instrumentos como o mbaraka (chocalho), taquapú (bambu) e mimby (apito), além de diferentes plantas, como a mandioca, o milho e a bananeira. Todos elementos que não estavam presentes enquanto representações de imagem ou modelos tridimensionais. As Nhandesys Ivone e Neusa, de Panambizinho, explicaram a experiência como uma espécie de mba’ekuaa dos járas, ou seja, uma tecnologia/saber dos espíritos guardiões. Podemos interpretar essa fala como o entendimento da experiência estética de imersão audiovisual enquanto uma forma de “tornar relações visíveis” a partir da agência na arte (COUPAYE, 2017COUPAYE, Ludovic. The problem of agency in art. In CLARK, Alison; THOMAS, Nicholas (org.). Style and Meaning: Essays on the Anthropology of Art. Leiden: Sidestone Press, 2017, p. 243-302.), ou, mais especificamente tornar relações sensíveis, já que se trata de experiências audiovisuais.

Sendo assim, podemos entender, em certo aspecto, a definição do mba’ekuaa (em tradução aproximativa, tecnologia, saber-fazer) como a capacidade de estabelecer relações entre diferentes agentes. É possível enquadrar a agência dos Járas, enquanto espíritos donos e guardiões, a partir de dois polos: o polo do cuidar e o do ter cuidado. A relação entre cuidar e ter cuidado já foi documentada em diferentes etnografias de outros povos, principalmente na sua relação com plantas e cultivo (KELLY, 2022KELLY, José Antonio. Acción e influencia en las Tierras bajas Sudamericanas. Buenos Aires: Palabra reversa, 2022.; SHIRATORI, 2019SHIRATORI, Karen. O olhar envenenado: a perspectiva das plantas e o xamanismo vegetal Jamamadi (Purus, AM). Mana: Estudos de Antropologia Social, [S. l.], vol. 25, n. 1, p. 159-188, 2019. DOI: 10.1590/1678-49442019v25n1p159.
https://doi.org/10.1590/1678-49442019v25...
). As ações e relações estabelecidas com e a partir dos Járas normalmente envolvem uma reza que determina uma medida de cuidado com o espírito, que precisa ser tratado com respeito e atenção, e, como vimos, seguem uma série de regras, como, por exemplo, o caso do milho e Jakairá, que impõe restrições alimentícias e de comportamento para o seu cultivador (JOÃO, 2011JOÃO, Izaque. Jakaira Reko Nheypyrũ Marangatu Mborahéi: origem e fundamentos do canto ritual Jerosy puku entre os kaiowá de Panambi, Panambizinho e Sucuri’y, Mato Grosso Do Sul. Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, 2011., 2013JOÃO, Izaque. Jerosy Puku. PISEGRAMA, [S. l.], vol. 6, p. 15-17, 2013.).

Por outro lado, o papel do Jára é ser um espírito-guardião, encarregado de ajudar a manter o equilíbrio de uma ecologia mais-que-humana da grande floresta guarani e kaiowá, ou seja, ele é o cuidador e, mais do que isso, o cultivador dessa harmonia. Do mesmo modo, as rezas, enquanto mba’ekuaa, são saberes de relação e conexão, diálogos que também tornam sensíveis as agências relacionais em jogo entre planta, humano e espírito. Assim, ao levar em consideração essa poética do cuidado guarani e kaiowá, que torna sensível as relações em jogo entre a tensão do cuidar e do ter cuidado, podemos pensar o mba’ekuaa dos Járas como indício de uma cosmotécnica própria, que incorpora as relações ontológicas dos objetos digitais.

Para explorar de forma mais aprofundada a capacidade de agência dos experimentos, foi desenvolvido um último experimento, em que os anciões gravaram uma reza para acalmar a terra depois de um incêndio. Esse som foi utilizado no mesmo sistema que os experimentos anteriores e pareado com imagens da retomada de guapoy mirim,11 11 Notícia disponível em: https://revistaforum.com.br/brasil/2022/6/24/indigenas-so-atacados-por-pms-fazendeiros-apos-retomarem-terras-119240.html. Acesso em: 7 abr. 2023. que havia sido atacada e incendiada durante o desenvolvimento do projeto. Entendeu-se que a combinação dessas imagens com o som da reza, dentro do experimento generativo, poderia resultar em um tipo de agência, mesmo que à distância, que auxiliaria na apaziguação e no esfriamento do território que estava em chamas (figura 9). Isso permitiu que os anciões atuassem de outra forma no território, já que, naquele momento, não podiam se deslocar até o local. Ao mesmo tempo, foi considerada uma forma importante de discussão política sobre as violências sofridas no território, utilizando a criação artística e um tipo específico de sensibilidade para tratar do assunto com públicos diversos.

Mais uma vez, podemos entender essa forma de operação, tanto poética e política quanto espiritual, como a consolidação da poética do cuidado. A resposta para a violência, no polo de ter cuidado, é propor uma agência que estabeleça uma ação para balancear a desarmonia causada no território. A reza para acalmar a terra após o incêndio é uma forma de preparar o terreno para reestabelecer as relações mais-que-humanas que foram rompidas pelo ataque. Nesse sentindo, a agência causada pelo experimento ganha outro nível de granularidade, porque, além de tornar relações sensíveis e, portanto, perceptíveis, é capaz de criar novas relações, ou seja, agir no que chamamos de poética.

Os experimentos foram apresentados em diversas oportunidades nas comunidades participantes do projeto, aproximando diferentes gerações e iniciando discussões sobre os aspectos cosmotécnicos da produção. Esse é um tema de bastante importância para a comunidade, que teme a perda de interesse dos membros mais jovens pelo modo tradicional de ser guarani e kaiowá. Assim como outras iniciativas já mencionadas (AFONSO, SILVA; AFONSO, 2022AFONSO, Germano Bruno; SILVA, Paulo Souza da; AFONSO, Yuri Berrí. Astronomia na cultura indígena para a educação. INTERFACES DA EDUCAÇÃO, [S. l.], vol. 13, n. 37, p. 398-417, 2022. DOI: 10.26514/inter.v13i37.4937.
https://doi.org/10.26514/inter.v13i37.49...
; MALLMANN, MACHADO OLIVEIRA; SIRAI SALES, 2021MALLMANN, Kalinka; MACHADO OLIVEIRA, Andreia; SIRAI SALES, Joceli. Arte e tecnodiversidade na ativação da cultura indígena kaingáng. Cuadernos de Música, Artes Visuales y Artes Escénicas, [S. l.], vol. 16, n. 2, p. 174-195, 2021. DOI: 10.11144/javeriana.mavae16-2.atac.
https://doi.org/10.11144/javeriana.mavae...
; MENESES, 2017MENESES, Guilherme Pinho. Saberes em jogo: a criação do videogame Huni Kuin: Yube Baitana. GIS - Gesto, Imagem e Som - Revista de Antropologia, [S. l.], vol. 2, n. 1, 2017. DOI: 10.11606/issn.2525-3123.gis.2017.129176.
https://doi.org/10.11606/issn.2525-3123....
), um dos objetivos do projeto é reaproximar a geração mais jovem da comunidade do modo tradicional. E mais do que isso, explorar como as tecnologias contemporâneas podem ser apropriadas para o desenvolvimento de um futuro tecnológico que conte com a participação das comunidades, não somente na produção de conteúdo, mas na proposição de novas concepções sobre a tecnologia digital.

Entendemos que, dada as suas características de produção artística, o projeto pode permear diferentes contextos, possibilitando a sua divulgação em ambientes além do acadêmico.12 12 O projeto também foi apresentado para o público geral no Museu da Imagem e do Som de Campo Grande, o que incluiu a presença de escolas da cidade, onde a comunidade não indígena pode ter contato com as experiências em realidade virtual, junto com as falas e rezas dos participantes do projeto, em especial dos Nhanderus e Nhandesys, parte da exposição “Mba’ekuaa: o saber-fazer guarani e kaiowá” (2022). Ademais, as imagens criadas foram utilizadas pelo primeiro grupo de Rap indígena do brasil, os Brô Mc’s, na sua apresentação no festival Rock in Rio de 2022, na cidade do Rio de Janeiro. O projeto foi apresentado em seminário na University College London, em Londres, com a presença dos pesquisadores e dos membros da comunidade. Além disso, o trabalho foi aceito para o 28º International Symposium on Electronic Arts, em Paris (ISEA 2023), em que os pareceristas destacaram a importância do projeto não só para a diversidade do evento, mas para o campo da produção de arte eletrônica, ressaltando as contribuições do pensamento indígena para os âmbitos internacionais da arte e da tecnologia Sendo assim, o projeto atinge seus objetivos colaborativos quando envolve o engajamento das comunidades de origem, mas, também, quando possibilita, como explicaram os Nhanderus e Nhandesys, utilizar a tecnologia não indígena para compreender a tecnologia indígena, e vice-versa.

Uma das conselheiras do projeto relatou em uma de nossas reuniões que a tecnologia é muito poderosa: “se você souber usar, ela pode te ajudar, senão, pode te condenar”. Portanto, é essencial destacar que não se trata de apresentar a cosmologia guarani e kaiowá para um público não indígena como uma forma de exotismo estetizado pela arte. Trata-se, isso sim, de construir uma forma em que a comunidade possa se aproximar e se apropriar de diferentes tecnologias digitais disponíveis, revendo seus usos e affordances para seus próprios contextos e objetivos, tais como o contato e a comunicação com seres mais-que-humanos, atualizações mitológicas e educação intergeracional.

Além disso, dado o cenário grave de violência física e cultural que as comunidades sofrem no Mato Grosso do Sul, a divulgação e a valorização do seu patrimônio cultural externamente, de forma acessível para não indígenas, representa uma iniciativa que procura desenvolver novas maneiras de salvaguardar o patrimônio cultural da comunidade. Busca-se um tipo de preservação que leve em consideração e empodere as comunidades de origem, mantendo seus conhecimentos e objetos em território, ao invés de retirá-los e guardá-los em acervos inacessíveis, enquanto sua população e seu modo de ser são extintos. Assim, o projeto busca expandir as agências da comunidade e seu alcance, contribuindo para a inserção da cosmologia e do pensamento indígena no cenário de produção de arte e tecnologia contemporânea em diferentes espaços culturais e acadêmicos.

Figura 6.
Fotogramas da experiência em realidade virtual gerada a partir de imagens do Chiru.
Figura 7.
Fotogramas da experiência em realidade virtual gerada a partir de imagens do Chiru.
Figura 8.
Fotogramas da experiência em realidade virtual gerada a partir de imagens do Chiru.
Figura 9.
Fotograma do experimento com imagens do território em chamas e reza para acalmar a terra. Estudo da agência combinada da reza e da imagem sobre a qual deve atuar.

Considerações finais

O projeto Ecologias do Pensamento objetiva revisar e reconceitualizar as relações entre conhecimentos ecológicos e técnicos, buscando um entendimento epistemológico que trabalhe além das divisões natureza versus cultura. Para além de uma proposta conceitual e teórica, que se baseou na noção tecnodiversa de cosmotécnica (HUI, 2018HUI, Yuk. The Question Concerning Technology in China: An Essay in Cosmotechnics. Falmouth: Urbanomic, 2018., 2020HUI, Yuk. Tecnodiversidade. São Paulo: Ubu Editora, 2020.), o projeto desenvolveu metodologias práticas e experimentais em colaboração com as comunidades guarani e kaiowá para aprofundar essa investigação. Para tanto, utilizamos processos de criação de arte generativa através da análise de dados de imagem e som e programação audiovisual em tempo real. Propomos uma estrutura tecnológica que possibilitou o diálogo direto com as tecnologias e materialidades da cosmologia guarani e kaiowá: as rezas e os instrumentos que permitem o cultivo e uma forma de comunicação entre mundos mais-que-humanos. Tanto a cosmologia guarani e kaiowá quanto os processos de arte generativo desenvolvidos, propõem a emergência e a transformação recursiva a partir de uma rede de agências interconectadas que modelam uma forma que, por sua vez, reflete a matéria geradora, interagindo com ela.

Sendo assim, o projeto foi capaz de aproximar processos poéticos e técnicos para propor uma mistura de saberes, que, para além de uma explicação ou representação de um saber em outro, desenvolve uma experiência própria. Isso nos permite escapar de uma representação naturalista e idealizada da cultura indígena, que não consegue entender o pensamento local e suas tecnologias como formas válidas de construir uma cosmotécnica viável para nosso tempo. De forma mais ampla, esse projeto procura combater a noção de preservação romântica e colonial que não concebe a presença indígena também enquanto presença digital, que atua nos seus processos desde a sua concepção. Isso quer dizer, para além de uma representação ilustrativa do que se acredita ser o patrimônio cultural material e imaterial da comunidade, construir, de forma colaborativa, um território indígena-digital, um tekoha guarani e kaiowá digital onde seja estabelecida uma nova ontologia tecnológica em que a própria concepção de tecnologia contemporânea seja afetada pela cosmotécnica indígena. Isso ocorre quando propomos, diferentemente de outras iniciativas, ultrapassar a narrativa ilustrativa como metodologia de trabalho. Mais do que recontar ou criar cópias digitais dos objetos físicos, o projeto EDP desenvolve novos objetos e experiências digitais, resultados concretos da metodologia colaborativa e transdisciplinar, que, como já apresentado, é identificado pelos anciões participantes do projeto como possuidora de uma mistura de características cosmológicas guarani e kaiowá e características karaí (não indígenas), o mba’ekuaa jopará, saber-fazer misturado, ou uma tecnologia da contaminação. Entendemos que, para tanto, ainda existe um longo percurso, e pretendemos desenvolver em trabalhos seguintes essas questões, mas ressaltamos que a criação artística, enquanto metodologia de investigação colaborativa, mostra-se uma forma de pesquisa viável

Nos processos que descrevemos durante o artigo, identificamos: (a) produção artística, a partir dos processos poéticos desenvolvidos e nos resultados apresentados, (b) pesquisa artística, a partir da produção e socialização de conhecimento, cuja escrita e publicação deste artigo fazem parte, e (c) pesquisa científica, desenvolvida em colaboração com os pesquisadores de ciência social e biológica que podem ordenar e descrever o conhecimento desenvolvido a partir dos experimentos poéticos, de forma a acordar com as exigências e institucionalizações de cada campo.

Entendemos que a vantagem desse modelo transdisciplinar e colaborativo reside na sua capacidade de aproveitar as forças e características de cada modo de pensar e operar. Ademais, a pesquisa artística se caracteriza por poder abarcar, borrar e misturar esses diferentes modelos, sem impedir que, em um segundo momento, eles sejam reestruturados. Essa reestrutura, entretanto, carrega os traços da mistura e contaminações de áreas. Além disso, permite que as formas de socialização da pesquisa, isso é, as conexões realizadas para a produção de conhecimento, ultrapassem nichos acadêmicos específicos, podendo circular em diferentes áreas, em contextos de exposições artísticas e nas comunidades indígenas onde foram produzidas. Assim sendo, vemos potencialidades para investigações futuras a respeito do encontro e da mistura de cosmotécnicas apresentadas neste artigo.

Em conclusão, a pesquisa nos revelou os potenciais que a metodologia colaborativa utilizada possui de ultrapassar investigações simbólicas para rever questões ontológicas da tecnologia/cosmotécnica. A colaboração, a transdisciplinaridade e a investigação de processos criativos, ao invés da proposição de representações, permite-nos chegar a questionamentos relacionados ao nível da existência para que, na era antropocênica da ausência de futuros, possamos compor uma cosmotécnica para uma realidade (virtual e atual) viável, que leve em consideração as relações ecológicas mais-que-humanas.

SOBRE OS AUTORES

Matheus da Rocha Montanari desenvolve trabalhos na interseção entre arte, ciência e filosofia, investigando formas de repensar a tecnologia a partir da arte. Está interessado em diversidades cosmotécnicas e em combinar pensamento ecológico decolonial com o fazer técnico. Formou-se em tecnologias digitais em 2018 na Universidade de Caxias do Sul. Entre 2016 e 2017, realizou um período de estudos na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, em Portugal. Em 2020, concluiu o mestrado em artes visuais pela Universidade de São Paulo, instituição na qual atualmente desenvolve sua pesquisa de doutorado, com período sanduíche na Universitat Politècnica de València, Espanha. É membro do grupo Poéticas Digitais e do Laboratório de Antropologia Multimídia da Universidade de Londres (UCL).

Caetano Sordi é Professor Adjunto do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atuou como Técnico no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Superintendência do Rio Grande do Sul, entre 2019 e 2022. Foi professor da Área do Conhecimento de Humanidades da Universidade de Caxias do Sul (UCS) entre 2016 e 2019. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Mestre e Doutor em Antropologia Social pela UFRGS, com período de estágio sanduíche na University of Aberdeen, Escócia, Reino Unido. Pesquisador da Rede Covid-19 Humanidades/MCTI entre 2020 e 2021. Tem experiência nos seguintes temas: Relações Humano-Animais; Sociedade e Ambiente; Antropologia da Alimentação; Antropologia da Técnica; Saúde e Biossegurança; Patrimônio Cultural.

Referências

  • 2BEARS, Jackson. A Conversation with Spirits Inside the Simulation of a Coast Salish Longhouse. Ctheory, [S. l.], n. p., 2010.
  • AFONSO, Germano Bruno; SILVA, Paulo Souza da; AFONSO, Yuri Berrí. Astronomia na cultura indígena para a educação. INTERFACES DA EDUCAÇÃO, [S. l.], vol. 13, n. 37, p. 398-417, 2022. DOI: 10.26514/inter.v13i37.4937.
    » https://doi.org/10.26514/inter.v13i37.4937
  • ARANTES, Priscila; PRADO, Gilbertto. Expanded Circuits and Poetic re-writings: Circuito Alameda. PARK; Juyong; NAM, Juhan; PARK; Jin Wan (org.). 25TH INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON ELECTRONIC ART 2019, Gwangju. Anais [...]. Gwangju p. 679-682, 2019.
  • BARCLAY, Barry. Celebrating Fourth Cinema. Illusions Magazine, Wellington, NZ, p. 1–11, 2003.
  • BENITES, Antonio Carlos. Mba´e Kuaa Vusu/Nhane Ramõi Jusu Papa ha Nhande Ru Vusu Rembiapo: A topologia do cosmo kaiowá e da construção de donos e guardiões dos conhecimentos. Dissertação de Mestrado - Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, 2022.
  • BENITES, Eliel. Oguata Pyahu (Uma Nova Caminhada) no processo de desconstrução e construção da educação escolar indígena da aldeia Te’ýikue. Dissertação de Mestrado - Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande-MS, 2014.
  • BENITES, Eliel. Tekoha Ñeropu’ã: aldeia que se levanta. Revista NERA, [S. l.], vol. 23, n. 52, p. 19-38, 2020.
  • BENITES, Eliel; MONFORT, Gislaine; GISLOTI, Laura Jane. Territorialidades originárias e a cosmologia kaiowá e guarani: auto-organização contra o agronegócio, os crimes socioambientais e a pandemia. Espaço Ameríndio, [S. l.], vol. 15, n. 2, p. 38-59, 2021. DOI: 10.22456/1982-6524.114322.
    » https://doi.org/10.22456/1982-6524.114322
  • BENITES, Tonico. Trajetória de luta árdua da articulação das lideranças Guarani e Kaiowá para recuperar os seus territórios tradicionais tekoha guasu. Revista de Antropologia da UFSCar, [S. l.], vol. 4, n. 2, p. 165-174, 2012.
  • CHAGAS, Mario; GOUVEIA, Inês. Museologia social: reflexões e práticas (à guisa de apresentação). Cadernos do CEOM, [S. l.], n. 41, p. 9–22, 2014.
  • CHOU, Tzu-Heng; WANG, Sendo. Visualization of Virtual Indigenous Tribes Using Immersive Virtual Reality Technology. THE 40TH ASIAN CONFERENCE ON REMOTE SENSING (ACRS 2019) 2019, Daejeon, Korea. Anais [...]. Daejeon, Korea, p. 1–10, 2019.
  • CIMI. Incêndio destrói casa de reza Guarani Kaiowá na reserva de Dourados. Conselho Indigenista Missionário, [S. l.], n.p., 2019. Disponível em: https://cimi.org.br/2019/07/incendio-destroi-casa-de-reza-guarani-kaiowa-na-reserva-de-dourados/ Acesso em: 18 jan. 2023.
    » https://cimi.org.br/2019/07/incendio-destroi-casa-de-reza-guarani-kaiowa-na-reserva-de-dourados/
  • COOK, Katherine; HILL, Genevieve. Digital Heritage as Collaborative Process. Studies in Digital Heritage, [S. l.], vol. 3, n. 1, p. 83-99, 2019. DOI: 10.14434/sdh.v3i1.25297.
    » https://doi.org/10.14434/sdh.v3i1.25297
  • COUPAYE, Ludovic. The problem of agency in art. In CLARK, Alison; THOMAS, Nicholas (org.). Style and Meaning: Essays on the Anthropology of Art. Leiden: Sidestone Press, 2017, p. 243-302.
  • CSPV. MS: Incêndio criminoso destrói casa de reza indígena. A nova Democracia, [S. l.], n. p., 2019. Disponível em: https://anovademocracia.com.br/noticias/11426-ms-incendio-criminoso-destroi-casa-de-reza-indigena Acesso em: 18 jan. 2023.
    » https://anovademocracia.com.br/noticias/11426-ms-incendio-criminoso-destroi-casa-de-reza-indigena
  • DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? São Paulo: Editora 34, 2010.
  • DUARTE, Alice. Nova Museologia: os pontapés de saída de uma abordagem ainda inovadora. Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio, [S. l.], v. 6, n. 1, p. 99–117, 2013.
  • FORGE, J. A. W. Art and Environment in the Sepik. Proceedings of the Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, [S. l.], n. 1965, p. 23, 1965. DOI: 10.2307/3031753.
    » https://doi.org/10.2307/3031753
  • GALANTER, Philip. Generative Art Theory. In PAUL, Christiane (org.). A Companion to Digital Art. Hoboken: John Wiley & Sons, 2016, p. 146-180.
  • GELL, Alfred. Arte e agência. São Paulo: Ubu, 2018.
  • HUI, Yuk. What Is a Digital Object? In Philosophical Engineering. Oxford, UK: John Wiley & Sons, Ltd, 2013, p. 52-67.
  • HUI, Yuk. On the Existence of Digital Objects. Minneapolis, London: University of Minnesota Press, 2016.
  • HUI, Yuk. The Question Concerning Technology in China: An Essay in Cosmotechnics. Falmouth: Urbanomic, 2018.
  • HUI, Yuk. Tecnodiversidade. São Paulo: Ubu Editora, 2020.
  • INGOLD, Tim. Back to the Future with the Theory of Affordances. HAU: Journal of Ethnographic Theory, [S. l.], vol. 8, n. 1-2, p. 39-44, 2018. DOI: 10.1086/698358.
    » https://doi.org/10.1086/698358
  • INGOLD, Tim. Linhas: uma breve história. São Paulo: Vozes, 2022.
  • IORIS, Antônio Augusto Rossotto. Kaiowcídio: Genocídio Guarani-Kaiowá. Cardiff University: Cardiff, 2020. E-book.
  • JOÃO, Izaque. Jakaira Reko Nheypyrũ Marangatu Mborahéi: origem e fundamentos do canto ritual Jerosy puku entre os kaiowá de Panambi, Panambizinho e Sucuri’y, Mato Grosso Do Sul. Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, 2011.
  • JOÃO, Izaque. Jerosy Puku. PISEGRAMA, [S. l.], vol. 6, p. 15-17, 2013.
  • KAIOWÁ, Izaque João. As Plantas ouvem a nossa voz: cantos e cuidados rituais kaiowá. In CABRAL DE OLIVEIRA, Joana; AMOROSO, Marta; MORIM DE LIMA, Ana Gabriela; SHIRATORI, Karen; MARRAS, Stelio; EMPERAIRE, Laure (org.). Vozes vegetais: diversidade, resistências e histórias da floresta. São Paulo: UBU, IRD, 2020, p. 301-311.
  • KELLY, José Antonio. Acción e influencia en las Tierras bajas Sudamericanas. Buenos Aires: Palabra reversa, 2022.
  • LATOUR, Bruno. Reflections on Etienne Souriau’s Les Différents modes d’existence. In HARMAN, Graham; BRYANT, Levi; SRNICEK, Nick (org.). The Speculative Turn: Continental Materialism and Realism. Melbourne: Re.press Australi, 2011, p. 1- 43.
  • LATTUCA, Lisa R. Creating Interdisciplinarity: Grounded Definitions from College and University Faculty. [s.l: s.n.]. Disponível em: http://www.ucalgary.ca/hic/ Acesso em: 1 jun. 2023.
    » http://www.ucalgary.ca/hic/
  • MALLMANN, Kalinka; MACHADO OLIVEIRA, Andreia; SIRAI SALES, Joceli. Arte e tecnodiversidade na ativação da cultura indígena kaingáng. Cuadernos de Música, Artes Visuales y Artes Escénicas, [S. l.], vol. 16, n. 2, p. 174-195, 2021. DOI: 10.11144/javeriana.mavae16-2.atac.
    » https://doi.org/10.11144/javeriana.mavae16-2.atac
  • MENESES, Guilherme Pinho. Saberes em jogo: a criação do videogame Huni Kuin: Yube Baitana. GIS - Gesto, Imagem e Som - Revista de Antropologia, [S. l.], vol. 2, n. 1, 2017. DOI: 10.11606/issn.2525-3123.gis.2017.129176.
    » https://doi.org/10.11606/issn.2525-3123.gis.2017.129176
  • MONTANARI, Matheus da Rocha; PRADO, Gilbertto. From Vigilance to Vigil: An Introduction to an Alternative Paradigm for Technology, Art, and Life. Diffractions, [S. l.], vol. 1, n. 5, p. 71-98, 2022.
  • MURA, Fabio. A trajetória dos Chiru na construção da tradição de conhecimento Kaiowá. MANA: Estudos de Antropologia Social, [S. l.], vol. 16, n. 1, p. 123-150, 2010.
  • NGATA, Wayne; NGATA-GIBSON, Hera; SALMOND, Amiria. Te Ataakura: Digital taonga and cultural innovation. Journal of Material Culture, [S. l.], vol. 17, n. 3, p. 229-244, 2012. DOI: 10.1177/1359183512453807.
    » https://doi.org/10.1177/1359183512453807
  • O GLOBO. Casas de reza indígenas são incendiadas em cenas de intolerância religiosa e disputa de terra. Folha de Pernambuco, Recife, 2021. Disponível em: https://www.folhape.com.br/noticias/casas-de-reza-indigenas-sao-incendiadas-em-cenas-de-intolerancia/206547/ Acesso em: 18 jan. 2023.
    » https://www.folhape.com.br/noticias/casas-de-reza-indigenas-sao-incendiadas-em-cenas-de-intolerancia/206547/
  • O GLOBO. Povo guarani kaiowá denuncia na ONU incêndios de casas de reza indígenas. Revista Cenarium, [S. l.], n. p., 2022. Disponível em: https://revistacenarium.com.br/povo-guarani-kaiowa-denuncia-na-onu-incendios-de-casas-de-reza-indigenas/ Acesso em: 18 jan. 2023.
    » https://revistacenarium.com.br/povo-guarani-kaiowa-denuncia-na-onu-incendios-de-casas-de-reza-indigenas/
  • PAES, Caio de Freitas. “Janeiro sangrento” para os Kaiowá do Mato Grosso do Sul tem incêndio em casa de reza, ataques e corte em cestas básicas. Mongabay, [S. l.], 2020. Disponível em: https://brasil.mongabay.com/2020/02/janeiro-sangrento-para-os-kaiowa-do-mato-grosso-do-sul-tem-incendio-em-casa-de-reza-ataques-e-corte-em-cestas-basicas/ Acesso em: 18 jan. 2023.
    » https://brasil.mongabay.com/2020/02/janeiro-sangrento-para-os-kaiowa-do-mato-grosso-do-sul-tem-incendio-em-casa-de-reza-ataques-e-corte-em-cestas-basicas/
  • PLAZA, Julio. Arte/ciência: uma consciência. ARS (São Paulo), vol. 1, n. 1, p. 37-47, 2003. DOI: 10.1590/S1678-53202003000100004.
    » https://doi.org/10.1590/S1678-53202003000100004
  • POVINELLI, Elizabeth. Geontologias: um requiém para o liberalismo tardio. São Paulo: Ubu, 2023.
  • PRADO, Gilbertto. Grupo Poéticas Digitais: projetos desluz e amoreiras. ARS (São Paulo), vol. 8, n. 16, p. 111-124, 2010. DOI: 10.1590/S1678-53202010000200008.
    » https://doi.org/10.1590/S1678-53202010000200008
  • PRADO, Gilbertto. Circuito Alameda. In Circuito Alameda. Cidade do México: Instituto Nacional de Bellas Artes, Laboratorio Arte Alameda, 2018, p. 28-37.
  • Projeto viabiliza tour virtual por aldeia indígena na cidade de São Paulo, Revista Galileu, Cultura. [s.d.]. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Cultura/noticia/2021/04/projeto-viabiliza-tour-virtual-por-aldeia-indigena-na-cidade-de-sao-paulo.html Acesso em: 30 mar. 2023.
    » https://revistagalileu.globo.com/Cultura/noticia/2021/04/projeto-viabiliza-tour-virtual-por-aldeia-indigena-na-cidade-de-sao-paulo.html
  • RIBEIRO, Rafael. Incêndio destrói casa de reza de aldeia guarani-kaiowá em MS. Folha de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/10/incendio-destroi-casa-de-reza-de-aldeia-guarani-kaiowa-em-ms-veja-video.shtml Acesso em: 18 jan. 2023.
    » https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/10/incendio-destroi-casa-de-reza-de-aldeia-guarani-kaiowa-em-ms-veja-video.shtml
  • RUSSI, Adriana; ABREU, Regina. “Museologia colaborativa”: diferentes processos nas relações entre antropólogos, coleções etnográficas e povos indígenas. Horizontes Antropológicos, [S. l.], v. 25, n. 53, p. 17–46, 2019. DOI: 10.1590/s0104-71832019000100002.
    » https://doi.org/10.1590/s0104-71832019000100002
  • SALDANHA, Gilcacia Gündel. Grafismo na Comunidade Kaiowá de Itay Ka’aguyrusu. XIII ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA 2016, Coxim-MS. Anais [...]. Coxim-MS p. 1-16, 2016.
  • SANTOS, Anderson de Souza; AMADO, Luiz Henrique Eloy; PASCA, Dan. “É muita terra pra pouco índio”? Ou muita terra na mão de poucos? Conflitos fundiários no Mato Grosso do Sul. Instituto Socioambiental, São Paulo, 2021, p. 1-17. Disponível em: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/e-muita-terra-pra-pouco-indio-ou-muita-terra-na-mao-de-poucos-conflitos Acesso em: 1 jun. 2023.
    » https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/e-muita-terra-pra-pouco-indio-ou-muita-terra-na-mao-de-poucos-conflitos
  • SHIRATORI, Karen. O olhar envenenado: a perspectiva das plantas e o xamanismo vegetal Jamamadi (Purus, AM). Mana: Estudos de Antropologia Social, [S. l.], vol. 25, n. 1, p. 159-188, 2019. DOI: 10.1590/1678-49442019v25n1p159.
    » https://doi.org/10.1590/1678-49442019v25n1p159
  • SIMONDON, Gilbert. A individuação à luz das noções de forma e de informação. São Paulo: Editora 34, 2020.
  • SOURIAU, Étienne. Diferentes modos de existência. São Paulo: n-1, 2021.
  • SRINIVASAN, Ramesh; HUANG, Jeffrey. Fluid Ontologies for Digital Museums. International Journal on Digital Libraries, [S. l.], vol. 5, n. 3, p. 193-204, 2005. DOI: 10.1007/s00799-004-0105-9.
    » https://doi.org/10.1007/s00799-004-0105-9
  • TAVARES, Monica. Inter-relações entre arte, pesquisa e ciência. In PRADO, Gilbertto; TAVARES, Monica; ARANTES, Priscila (org.). Diálogos transdisciplinares: arte e pesquisa. São Paulo: ECA USP, 2016, p. 66-89.
  • THORPE, Kirsten; CHRISTEN, Kimberly; BOOKER, Lauren; GALASSI, Monica. Designing Archival Information Systems Through Partnerships with Indigenous Communities. Australasian Journal of Information Systems, [S. l.], vol. 25, p. 1-22, 2021. DOI: 10.3127/ajis.v25i0.2917.
    » https://doi.org/10.3127/ajis.v25i0.2917
  • TORO-PÉREZ, Germán. On the Difference between Artistic Research and Artistic Practice. In CADUFF, Corina; SIEGENTHALER, Fiona; WÄLCHLI, Tan (org.). Art and Artistic Research. Zürich: Scheidegger & Spiess, 2009, p. 30-39.
  • TORRES, Thaila. Fogo levou memória e “xiru” de 500 anos, que abençoava casa de reza. Campo Grande News, Campo Grande, 2019. Disponível em: https://www.campograndenews.com.br/lado-b/comportamento-23-08-2011-08/fogo-levou-memoria-e-xiru-de-500-anos-que-abencoava-casa-de-reza Acesso em: 18 jan. 2023.
    » https://www.campograndenews.com.br/lado-b/comportamento-23-08-2011-08/fogo-levou-memoria-e-xiru-de-500-anos-que-abencoava-casa-de-reza
  • TRINCHÃO ANDRADE, Beatriz; BELLON, Olga Regina Pereira; SILVA, Luciano; VRUBEL, Alexandre. Digital Preservation of Brazilian Indigenous Artworks: Generating High Quality Textures for 3D Models. Journal of Cultural Heritage, [S. l.], vol. 13, n. 1, p. 28-39, 2012. DOI: 10.1016/j.culher.2011.05.002.
    » https://doi.org/10.1016/j.culher.2011.05.002
  • VEIGA, Juracilda. Cosmologia e práticas rituais Kaingang. Tese de doutorado - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2020.
  • VENTURELLI, Suzete. Arte Computacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2017.
  • VELTHEM, Lucia Hussak Van; KUKAWKA, Katia; JOANNY, Lydie. Museus, coleções etnográficas e a busca do diálogo intercultural. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, [S. l.], v. 12, n. 3, p. 735–748, 2017. DOI: 10.1590/1981.81222017000300004.
    » https://doi.org/10.1590/1981.81222017000300004
  • WAGNER, Roy. A invenção da cultura. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
  • WALLIS, Keziah; ROSS, Miriam. Fourth VR: Indigenous Virtual Reality Practice. Convergence: The International Journal of Research into New Media Technologies, [S. l.], vol. 27, n. 2, p. 313-329, 2021. DOI: 10.1177/1354856520943083.
    » https://doi.org/10.1177/1354856520943083
  • YUXWELUPTUN, Lawrence Paul. Inherent Rights, Vision Rights. In MOSER, Mary Anne; MACLEOD, Douglas (org.). Immersed in Technology. Cambridge: The MIT Press, 1996, p. 315-318. DOI: 10.7551/mitpress/3678.003.0025.
    » https://doi.org/10.7551/mitpress/3678.003.0025
  • ***
    O projeto Ecologies of Thought (Ecologias do Pensamento) foi financiado pelo fundo Global Engagement da University College London, Reino Unido.
  • 1
    https://www.uclmal.com/virtual-museum. Acesso em: 19 jan. 2023.
  • 2
    O termo “affordances” é aplicado no sentido dado por Tim Ingold (2018INGOLD, Tim. Back to the Future with the Theory of Affordances. HAU: Journal of Ethnographic Theory, [S. l.], vol. 8, n. 1-2, p. 39-44, 2018. DOI: 10.1086/698358.
    https://doi.org/10.1086/698358...
    ). Ingold parte do conceito desenvolvido por James Gibson, para quem a percepção não era resultado de uma mente aprisionada em um corpo, mas de um organismo completo, que não pode ser dividido em mente e corpo, que age de forma engajada com o seu ambiente. Trata-se de uma relação direta e não mediada com o mundo, que busca escapar do par representação versus interpretação, radicalmente contra a ideia de que tudo no mundo é mediado por signos, sendo os signos a única percepção possível do ambiente e suas relações. Assim, a percepção é entendida como direta, e a interpretação, a posteriori. Affordances são as formas como o mundo se torna presente, e não traços residuais de algo absente. Isso permite, por exemplo, o compartilhamento de uma mesma experiência para grupos de contextos muito destintos, sejam humanos ou mais-que-humanos, como, no caso, com as comunidades guarani e kaiowá, os espíritos, as plantas, sons e animais. Para tanto, não é necessário”entrar na mente” do outro para entender a sua interpretação de signo, apenas compartilhar experiências de forma atentiva, de forma a fazer emergir um mundo comum de affordances.
  • 3
    “Instaurar” é utilizado aqui seguindo o conceito desenvolvido por Étienne Souriau e depois desenvolvido por Deleuze, Latour, Stengers e outros. Trata-se de uma junção da fratura das questões de linguagem e existência que se ocupam do fazer fazer (faire faire), a construção da existência que oscila entre o artista enquanto criador e receptor do próprio trabalho a ser feito (l’oeuvre à faire) na criação de um ser com sua própria abertura de realidade. O conceito de instauração é essencial na obra de Souriau, pois permite trocas entre diferentes tipos de seres, diferentes modos de existência, sem se resumir a diferentes modos de dizer, ou representar, uma mesma coisa. Ou seja, a instauração opera, para cada modo de existência, a partir de suas condições próprias de existência, eficácia e verdade.
  • 4
    Ingold (2022, p. 1INGOLD, Tim. Linhas: uma breve história. São Paulo: Vozes, 2022., tradução nossa) nos propõe: “O que caminhar, tecer, observar, cantar, contar uma história, desenhar e escrever têm em comum? A resposta é que procedem ao longo de linhas de um tipo ou outro”. A partir da noção de linhas, ele trata condições de existências que não se encerram nelas mesmas, mas que se formam a partir da tessitura de linhas, caminhos e agentes.
  • 5
    Site do projeto: http://www.gamehunikuin.com.br/. Acesso em: 31 mar. 2023.
  • 6
    A quarta realidade virtual (indígena) é conceitualizada pelo autor (WALLIS e ROSS, 2021WALLIS, Keziah; ROSS, Miriam. Fourth VR: Indigenous Virtual Reality Practice. Convergence: The International Journal of Research into New Media Technologies, [S. l.], vol. 27, n. 2, p. 313-329, 2021. DOI: 10.1177/1354856520943083.
    https://doi.org/10.1177/1354856520943083...
    ) a partir da noção de quarto cinema (BARCLAY, 2003BARCLAY, Barry. Celebrating Fourth Cinema. Illusions Magazine, Wellington, NZ, p. 1–11, 2003.). O quarto cinema é visto como uma fase de reapropriação da linguagem cinematográfica pelos diretores e produtores indígenas que estaria antecedida pela primeira fase, o cinema de Hollywood, a segunda fase, o cinema europeu, a terceira fase, o cinema político de terceiro mundo.
  • 7
    Essa diferenciação evoca a distinção ôntico/ontológico no pensamento de Heidegger.
  • 8
    Documentação disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ISXYyUg8tHc&ab_channel=ColectivoElectrobiota. Acesso em: 19 jan. 2023.
  • 9
    Documentação disponível em: https://www.oliverioduhalde.com/omphalos. Acesso em: 19 jan. 2023.
  • 10
    Documentação em vídeo disponível em https://www.matheusmontanari.com/ecologiesofthought. Acesso em: 20 jan. 2023.
  • 11
  • 12
    O projeto também foi apresentado para o público geral no Museu da Imagem e do Som de Campo Grande, o que incluiu a presença de escolas da cidade, onde a comunidade não indígena pode ter contato com as experiências em realidade virtual, junto com as falas e rezas dos participantes do projeto, em especial dos Nhanderus e Nhandesys, parte da exposição “Mba’ekuaa: o saber-fazer guarani e kaiowá” (2022BENITES, Antonio Carlos. Mba´e Kuaa Vusu/Nhane Ramõi Jusu Papa ha Nhande Ru Vusu Rembiapo: A topologia do cosmo kaiowá e da construção de donos e guardiões dos conhecimentos. Dissertação de Mestrado - Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, 2022.). Ademais, as imagens criadas foram utilizadas pelo primeiro grupo de Rap indígena do brasil, os Brô Mc’s, na sua apresentação no festival Rock in Rio de 2022, na cidade do Rio de Janeiro. O projeto foi apresentado em seminário na University College London, em Londres, com a presença dos pesquisadores e dos membros da comunidade. Além disso, o trabalho foi aceito para o 28º International Symposium on Electronic Arts, em Paris (ISEA 2023), em que os pareceristas destacaram a importância do projeto não só para a diversidade do evento, mas para o campo da produção de arte eletrônica, ressaltando as contribuições do pensamento indígena para os âmbitos internacionais da arte e da tecnologia

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    21 Jan 2023
  • Aceito
    01 Jun 2023
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Depto. De Artes Plásticas / ARS, Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, 05508-900 - São Paulo - SP, Tel. (11) 3091-4430 / Fax. (11) 3091-4323 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ars@usp.br