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Apontamentos Teóricos para Subsídio à Análise das Práticas de Controle Social no Âmbito dos Conselhos de Administração das Organizações Sociais* * Trabalho apresentado e debatido no XXXXII Encontro do Conselho Latino-Americano de Escolas de Administração (Cladea), no Grupo de Trabalho Gestão Pública e Governança, realizado na cidade de Porto Alegre, Brasil, nos dias 22 a 25 de outubro de 2002. A participação da pesquisadora no evento teve o apoio da Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos da Universidade de Brasília (Finatec).

THEORETICAL CONSIDERATIONS RELEVANT TO THE ANALYSIS OF THE PRACTICES OF SOCIAL CONTROL IN THE ADMINISTRATIVE COUNCILS OF SOCIAL ORGANIZATIONS IN BRAZIL

RESUMO

Os apontamentos teóricos elaborados neste artigo subsidiam uma pesquisa empírica baseada em estudo de caso, por meio do qual se pretende qualificar, demonstrar e analisar o desempenho dos conselhos de administração previstos na implementação da política pública explicitada pelo Projeto Organizações Sociais e o impacto de suas decisões na administração estratégica das organizações-objeto. A importância da pesquisa advém do fato de que até o presente não existem estudos empíricos sobre o tema. A perspectiva teórica que embasa a análise situa-se no campo dos pressupostos teóricos da Nova Administração Pública e das teorias sociais que discutem participação, em específico no que tange às questões afetas à participação nos processos decisórios e relacionadas à governança tanto no âmbito da ação do Estado como das organizações-objeto.

PALAVRAS-CHAVE
Organizações Sociais; Controle social; Participação

ABSTRACT

These theoretical considerations underpin a project of case study research which seeks to characterize, demonstrate and analyze both the performance of the administrative councils called for with the implementation of the Brazilian public policy known as the Social Organizations Project and the impact of the decisions of these councils on the strategic management of social organizations. The importance of the research project derives from the fact that, until the present moment, there have been no empirical studies carried out on this subject. The theoretical perspective which supports the analysis is that of the New Public Administration and of social theories which discuss participation, in particular those aspects which touch on questions dealing with participation in decision processes and related to governance in the sphere of action both of the State and of social organizations.

KEYWORDS
Social Organizations; Social control; Participation

1 INTRODUÇÃO

As reflexões aqui contidas subsidiam uma pesquisa1 1 A pesquisa em desenvolvimento denomina-se Análise das Experiências de Controle Social no Âmbito dos Conselhos de Administracão em Organizações Sociais. Trata-se de uma pesquisa empírica baseada em estudo de caso múltiplo e explanatório. que visa a identificar e qualificar as práticas de comportamento estratégico dos membros não-governamentais dos Conselhos de Administração das Organizações Sociais federais e se propõem iniciar um debate acerca do tema e não pretendem esgotar as possibilidades de aprofundamentos nem de novas interfaces teóricas.

Entende-se que a prática do controle social que se deseja fortalecer por meio dos Conselhos de Administração no âmbito do Projeto Organizações Sociais, ao vincular-se a um tipo de interação Estado–Sociedade inerente ao Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) e conseqüentemente às orientações teóricas que lhe deram forma, apresenta características que lhe são próprias em face das experiências recentes de interações sociais que vêm ocorrendo no âmbito do setor público não estatal.

2 O CONCEITO DE CONTROLE SOCIAL NO CONTEXTO DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS FEDERAIS

Destaca-se o documento oficial “A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle”. A razão da escolha desse documento decorre do fato de ele ter sido elaborado pelo principal ideólogo da reforma de Estado, o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, e por ser um documento de fundamentação prática e teórica da reforma do Estado. Acrescente-se ainda que expressa o que se entende e se pretende com o estabelecimento do controle social no âmbito dos Conselhos de Administração das Organizações Sociais.

O controle social aparece associado à governabilidade e como um dos componentes fundamentais da reforma do Estado. Os demais componentes são: a delimitação das funções do Estado por meio dos programas de privatização e de publicização; a redução do grau de interferência do Estado por meio do programa de desregulação; o aumento da governança e o aumento da governabilidade (BRESSER PEREIRA, 1997:18-19BRESSER PEREIRA, L C. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997.).

Segundo Bresser Pereira (1997:38)BRESSER PEREIRA, L C. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997., o controle social, no âmbito das instituições públicas não estatais, seria exercido de cima para baixo, por meio de Conselhos de Administração.

O entendimento do que vem a ser controle social no contexto do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) passa pelo entendimento de que os conceitos utilizados pela Nova Administração Pública, e que são amplamente reiterados pelo PDRAE, originam-se no mercado. Nesse sentido, o Projeto Organizações Sociais é um instrumento para a gestão privada da execução de uma política pública.

No âmbito do PDRAE o controle social dá-se de três formas distintas: pelo Contrato de Gestão, pela participação da sociedade no Conselho de Administração e pela avaliação de desempenho.

O Conselho de Administração previsto para as Organizações Sociais é pensado como locus de controle social para a execução de determinada política pública. É obrigatório e tem sua composição prevista na lei das Organizações Sociais e suas atribuições e renovação previstas na minuta de estatuto-padrão. Esses dois documentos são considerados norteadores do processo de implementação de Organizações Sociais.

Segundo a lei das Organizações Sociais, assim como o estatuto-padrão a ser implementado em todas as entidades qualificadas, o Conselho de Administração das Organizações Sociais é parte da política da reforma do Estado e apresenta as seguintes características consideradas prioritárias à luz dos objetivos desta reflexão:

  • a) é a instância máxima de deliberação e de definições estratégicas;

  • b) representa tanto o poder público como organizações da sociedade civil e atores individualizados;

  • c) exerce o controle sobre o conteúdo das políticas organizacionais;

  • d) delibera sobre qualquer questão de interesse da entidade; e,

  • e) fiscaliza a implementação das ações definidas pela política pública.

Verifica-se que o Conselho de Administração de uma Organização Social apresenta um perfil de órgão de direção estratégica ao qual cabem deliberações fundamentais para o exercício do controle social. Em outras palavras, é de sua competência a tomada de decisão estratégica, assim como o controle, em última instância, da gestão.

Em órgãos colegiados, como os Conselhos de Administração das Organizações Sociais, comumente denominados board na literatura organizacional norte-americana, a função de deliberação superior que lhes cabe só pode ser exercida quando o board estiver “de posse dos conhecimentos, conceitos, constructos, técnicas etc. necessários para estabelecer as estratégias” e grandes linhas de ação (BETHLEM, 1998BETHLEM, A. Estratégia empresarial: conceitos, processo e administração estratégicas. São Paulo: Atlas, 1998.). Nesse sentido, o board deve ser submetido a um processo de aprendizagem prévia para que possa exercer suas funções de fato e deve ser garantida a disponibilidade de informações para geração de conhecimento e tomada de decisão.

A perspectiva priorizada é a do poder em relação à informação para o conhecimento, dado ser essa relação fundamental para que o board exerça, de fato, seu papel. Acrescente-se ainda que se trata de um quesito-chave para o exercício do poder numa organização e, entende-se também, para o exercício do controle social.

Em decorrência dessas considerações, há que se avaliar se os Conselhos de Administração das Organizações Sociais, que, por definição do Projeto, são o locus do exercício do controle social, exercem, de fato, seu papel, e como ele é exercido e quais são seus desafios.

A essas perguntas de caráter geral, agregam-se outras, mais específicas, relacionadas à informação no processo de tomada de decisão: Como se dá a participação dos membros do Conselho no processo de tomada de decisão em questões eminentemente estratégicas e em que momento do processo as decisões são levadas ao Conselho? Como as agendas (pautas) de discussões são definidas? Ou ainda, a oferta de informações sobre os processos de gestão é disponibilizada? Qual é sua qualidade? Existe a prática de acompanhar a execução das decisões tomadas?

Esses questionamentos levam à apreensão do modo pelo qual os mecanismos de controle social são definidos e exercidos, possibilitando a visualização, na prática, do exercício de controle social por meio dos Conselhos de Administração das Organizações Sociais.

3 REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O CONTROLE SOCIAL NO ÂMBITO DOS CONSELHOS DE ADMINISTRAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS FEDERAIS

A revisão da literatura revelou a existência de alguns estudos teóricos e nenhum estudo empírico a respeito do exercício do controle social nas Organizações Sociais.

Dentre os temas dos estudos levantados destacam-se os que focalizam a análise do discurso (ALVES, 1999ALVES, M. A. As Organizações Sociais: garrafa velha com rótulo novo? In: XXIII ENANPAD, 1999, Foz do Iguaçu. Anais… Foz do Iguaçú: ANPAD, 1999. p. 70.; ANDREWS e KOUZMIN, 1998). Mesmo assim, o foco dos trabalhos não é o controle social, o tema insere-se no contexto mais amplo da crítica da ideologia. Alves (1999)ALVES, M. A. As Organizações Sociais: garrafa velha com rótulo novo? In: XXIII ENANPAD, 1999, Foz do Iguaçu. Anais… Foz do Iguaçú: ANPAD, 1999. p. 70. focaliza o Projeto Organizações Sociais; já Andrews e Kouzmin (1998), a reforma do Estado.

Outra forma de abordagem é a que discute o controle social, tal qual aparece no PDRAE, como manifestação de formalismo (VASCONCELOS, 2001VASCONCELOS, C. D. G. Controle social via conselhos de saúde: realidade ou formalismo? In: XXV ENAMPAD, 2001, Campinas. Resumos dos trabalhos. Campinas: ANPAD, 2001, p. 238.). A discussão inicial refere-se à questão segundo a qual a criação de mecanismos de controle social em lei não garante que ele será exercido.

A questão do formalismo leva a considerações acerca da fragilidade do controle social. Segundo Barreto (1999)BARRETO, M. I. As Organizações Sociais na reforma do Estado brasileiro. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Núria Cunill (Orgs.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: Ed.FGV, 1999. p. 107-150., dado que os Conselhos de Administração têm suas estruturas de representação definidas em lei, isso poderia, dependendo das representações, levar o governo a ser maioria nos Conselhos.

Preocupações quanto às potencialidades da efetividade do controle social mais precisamente, como se dariam as representações de interesses e como evitar a monopolização por alguns segmentos mais articulados, tendo em vista a participação mais ampla, são consideradas por Neves (1995)NEVES, G. H. Reflexões sobre a proposta de reforma do Estado brasileiro. Brasília: MARE/ENAP, 1995. 28p. (Textos para Discussão n. 3). e Barreto (1999)BARRETO, M. I. As Organizações Sociais na reforma do Estado brasileiro. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Núria Cunill (Orgs.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: Ed.FGV, 1999. p. 107-150.. Segundo os autores, vislumbra-se que a participação só seria possível de forma institucionalizada, que seria limitada a interesses setoriais e que a composição dos Conselhos poderia resultar na prevalência da burocracia estatal.

O trabalho de Nassuno (1999)NASSUNO, M. O controle social nas Organizações Sociais. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Núria Cunill (Orgs.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: Ed.FGV, 1999. p. 337-361. examina o “mecanismo” de controle social nas Organizações Sociais como meio de viabilizar a implementação de políticas; mais especificamente, ele analisa os requisitos que podem contribuir para o aumento da eficiência e da qualidade da prestação de serviços. Esse trabalho situa-se na confluência entre a implementação da política e a construção de canais de comunicação entre o Estado e a sociedade (NASSUNO, 1999:336NASSUNO, M. O controle social nas Organizações Sociais. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Núria Cunill (Orgs.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: Ed.FGV, 1999. p. 337-361.), com base no conceitual teórico inerente ao Projeto Organizações Sociais. Não se trata de uma análise empírica e ocorreu no momento em que apenas duas Organizações Sociais existiam. Do trabalho da autora destaca-se que o controle social pode ser visto como “instrumento de gestão porque visa o controle dos burocratas pelos usuários da instituição” (NASSUNO, 1999:355NASSUNO, M. O controle social nas Organizações Sociais. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Núria Cunill (Orgs.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: Ed.FGV, 1999. p. 337-361.).

O conceito de “controle social” na política-objeto não está explicitado, mas permeia o texto A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle (BRESSER PEREIRA, 1997BRESSER PEREIRA, L C. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997.). O conceito aparece como mecanismo por meio do qual os cidadãos controlam a prestação dos serviços sociais pelas Organizações Sociais (BRESSER PEREIRA, 1997:28BRESSER PEREIRA, L C. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997.).

Em outro trabalho do autor (BRESSER PEREIRA, 1999___; GRAU, N.C. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal. In: ____. (Orgs.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: Ed.FGV, 1999. p. 107-150.), mais conceitual, o controle social está inserido no âmbito do público não estatal. Esse último é definido como espaço da democracia participativa:

“São organizações ou formas de controle públicas porque voltadas ao interesse geral […] e não-estatais porque não fazem parte do aparato do Estado” (BRESSER PEREIRA, 1999:16___; GRAU, N.C. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal. In: ____. (Orgs.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: Ed.FGV, 1999. p. 107-150.).

Situado num contexto mais amplo da reforma do Estado, o controle social é o meio pelo qual a participação cidadã deverá ser incorporada no sistema político (BRESSER PEREIRA, 1999:18___; GRAU, N.C. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal. In: ____. (Orgs.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: Ed.FGV, 1999. p. 107-150.).

Cabe considerar que Bresser Pereira (1997:37)BRESSER PEREIRA, L C. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997., e em trabalhos posteriores, faz referências ao controle social como mecanismo. Entende-se que esse não seja o termo mais apropriado, uma vez que se refere a um processo de funcionamento. Em nenhum momento está explicitado como o controle social poderia ser exercido no âmbito dos Conselhos de Administração.

4 CONSELHOS GESTORES E PARTICIPAÇÃO

O tema conselhos associa-se à participação social e ao campo de conhecimento das ciências sociais e das políticas públicas, em especial às políticas sociais. Seu surgimento insere-se no contexto da consolidação da participação social não limitada aos canais considerados tradicionais de representação social, sobretudo no período pós-redemocratização da sociedade brasileira. Genericamente os conselhos gestores representam uma forma colegiada de expressão da participação sociopolítica, ou seja, participação nas decisões do poder político por meio da institucionalização de arenas públicas de articulação entre atores sociais (GOHN, 2001GOHN, M. da G. Conselhos gestores e participação sociopolítica. São Paulo: Cortez, 2001. (Coleção Questões de Nossa Época, 84).; PATEMAN, 1992PATEMAN, C. Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.).

Os conselhos gestores ganham importância na ciência social a partir do início dos anos 90, no contexto das mudanças no caráter do associativismo e nas políticas públicas. Essas mudanças são decorrentes do amadurecimento da participação política no Brasil pós-ditadura (WANDERLEY, 1993WANDERLEY, M. B. Metamorfoses do desenvolvimento de comunidade. São Paulo: Cortez, 1993.; PATEMAN, 1992PATEMAN, C. Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.; GOHN, 1997___. Teoria dos movimentos sociais. São Paulo: Loyola, 1997.). A perspectiva é a da consolidação de novos paradigmas de gestão pública pautados na construção de novos espaços de participação. O espaço em questão é o público não estatal, para além da dicotomia público versus privado ou Estado versus Sociedade.

A categoria de análise nos anos 90 passa a ser o cidadão e a diversidade de interesses e de inserções no aparelho estatal dela decorrentes. Tanto a sociedade civil como as políticas públicas definem e implementam canais de participação. Segundo Gohn (2001:57)GOHN, M. da G. Conselhos gestores e participação sociopolítica. São Paulo: Cortez, 2001. (Coleção Questões de Nossa Época, 84)., a participação passa a ser definida, nesse contexto, como institucionalizada, ou seja, incluída no “arcabouço jurídico institucional do Estado, a partir de estruturas de representações criadas, compostas por representantes eleitos diretamente pela sociedade de onde eles provêm”.

A literatura sobre o assunto, no que diz respeito aos conselhos inseridos nas políticas federais, ainda carece de estudos empíricos (SCHWARTZMAN, 1996SCHWARTZMAN, S. Desempenho e controle na reforma administrativa. Brasília: MARE/ENAP, 1996. (Texto para Discussão n. 8).; DRAIBE, 1998DRAIBE, S. M. A nova institucionalidade do sistema brasileiro de políticas sociais: os conselhos nacionais de políticas setoriais. Campinas: Unicamp/NEPP, 1998. (Caderno de Pesquisa, 35).). Schwartzman (1996:6)SCHWARTZMAN, S. Desempenho e controle na reforma administrativa. Brasília: MARE/ENAP, 1996. (Texto para Discussão n. 8)., ao discorrer sobre o desempenho e controle de instituições no âmbito da reforma do Estado, indica a falta de estudos empíricos sobre o desempenho dos conselhos e não se refere aos conselhos previstos no Projeto Organizações Sociais. Pouco depois, o estudo realizado por Draibe (1998)DRAIBE, S. M. A nova institucionalidade do sistema brasileiro de políticas sociais: os conselhos nacionais de políticas setoriais. Campinas: Unicamp/NEPP, 1998. (Caderno de Pesquisa, 35)., que também não se refere ao Projeto Organizações Sociais, por meio de uma investigação exploratória, procura traçar uma caracterização dos grandes conselhos federais, especificamente os vinculados às políticas sociais federais e afins.

Draibe (1998)DRAIBE, S. M. A nova institucionalidade do sistema brasileiro de políticas sociais: os conselhos nacionais de políticas setoriais. Campinas: Unicamp/NEPP, 1998. (Caderno de Pesquisa, 35). e Gohn (2001)GOHN, M. da G. Conselhos gestores e participação sociopolítica. São Paulo: Cortez, 2001. (Coleção Questões de Nossa Época, 84)., malgrado as dificuldades e os desafios político-institucionais e organizacionais, discutidos em ambos os trabalhos, concluem que as experiências estudadas inserem-se num amplo processo de ampliação dos canais de interação e negociação entre governo e sociedade civil.

A literatura e a discussão sobre participação, que nos anos 80 estiveram associadas ao tema participação popular e focavam sobretudo questões relacionadas às demandas e aos movimentos sociais, passaram, no final da década de 1980, a envolver o estabelecimento de canais organizados de articulação (DEMO, 1988DEMO, P. Participação é conquista. São Paulo: Cortez, 1988.).

Nos anos 90 a discussão sobre participação foi redirecionada para o fortalecimento da democracia, e as ações coletivas passaram a ser percebidas como categorias da cidadania e essa como portadora de uma pluralidade de interesses que se expressam entre o público e o estatal, originando o público não estatal.

Para as ciências sociais, a década de 1990 representou o surgimento de um novo paradigma de gestão dos bens públicos, pautado, segundo Gohn (2001: 57)GOHN, M. da G. Conselhos gestores e participação sociopolítica. São Paulo: Cortez, 2001. (Coleção Questões de Nossa Época, 84)., na participação como

“[…] intervenção social periódica e planejada, ao longo de todo o circuito de formulação e implementação de uma política pública. [...] não será apenas a sociedade civil a grande dinamizadora dos canais de participação, mas também as políticas públicas”.

Ainda segundo Gohn (2001:57)GOHN, M. da G. Conselhos gestores e participação sociopolítica. São Paulo: Cortez, 2001. (Coleção Questões de Nossa Época, 84)., essa forma de participação, que se expressa nos conselhos gestores, se caracteriza, sobretudo, pela tendência à institucionalização e é

“[…] entendida como inclusão no arcabouço jurídico institucional do Estado, a partir de estruturas de representação criadas, compostas por representantes eleitos diretamente pela sociedade de onde eles provêm”.

No âmbito desse processo, a democratização da sociedade passou a ser também exercida em diferentes formas de ação social, pelo associativismo, por exemplo, e não mais exclusivamente como atributo da política (AVRITZER, 1997AVRITZER, L. Um desenho institucional para um novo associativismo. Revista Lua Nova, São Paulo, n. 39, p. 149-174, 1997.). A superação de antigo padrão homogeneizador da ação coletiva, na América Latina, resultou numa pluralidade de novos movimentos, seja no que diz respeito às técnicas de atuação como também aos seus objetos.

Esse processo de transformação também é observado nos novos estilos de militância. Segundo Gohn (1997)___. Teoria dos movimentos sociais. São Paulo: Loyola, 1997., as militâncias tornaram-se mais estratégicas em contraposição aos envolvimentos passionais e motivados por ideologias.

“Não se trata de uma disposição filantrópica ou humanista, nem exclusivamente ideológico-partidária, mas uma disposição meio que racionalista e utilitarista: os interesses do meu grupo, da minha empresa etc.” (GOHN, 1997:342___. Teoria dos movimentos sociais. São Paulo: Loyola, 1997.).

À definição das normas de funcionamento dos Conselhos de Administração em associação com o pressuposto de que uma Organização Social existe para executar uma política pública, deve-se acrescentar o fato de que o mecanismo de controle social em pauta realiza-se mediante a participação de entidades representativas da sociedade civil e com vistas ao aumento da eficiência na prestação de serviços.

Segundo Avritzer (1997)AVRITZER, L. Um desenho institucional para um novo associativismo. Revista Lua Nova, São Paulo, n. 39, p. 149-174, 1997., as novas formas de ocupação do espaço público apresentam grande potencial democratizador, contudo, algumas questões são consideradas estratégicas para sua efetivação, quais sejam: medidas que evitem particularismos e a adoção de regras em causa própria; o status público das associações; a contabilidade pública e a organização interna devem estar garantidas; e deve prevalecer o princípio da eqüidade, evitando-se novas formas de desigualdade. Segundo o autor, o desafio é a definição de um desenho institucional adequado.

Se a concepção do Projeto Organizações Sociais, em teoria, pretende aproximar-se dos anseios da sociedade, ao definir a necessidade dos Conselhos de Administração e de considerar a participação de uma perspectiva institucionalizada e vinculada às comunidades de interesses, por outro lado, essa concepção, quando se refere à questão da governança organizacional, apresenta grande potencial de distanciamento dos referidos anseios.

5 ESTRATÉGIA, PODER E GOVERNANÇA NAS ORGANIZAÇÕES

O tema que se impõe é o da ação estratégica. Na teoria das organizações, o tema estratégia surgiu com a teoria da contingência. O foco é “o modo como a estrutura organizacional é modulada de maneira a satisfazer as necessidades do ambiente e nas tarefas aí decorrentes” (DONALDSON, 1996 apud DONALDSON, 2001:110DONALDSON, L. Teoria da contingência estrutural. In: CLEGG, S. R. et al. Handbook de estudos organizacionais: reflexões e novas direções. São Paulo: Atlas, 2001. v. 2.).

Sua definição é complexa. O pano de fundo é o desempenho organizacional em face da adequação/inadequação entre contingência e estrutura que se dá por meio de escolhas estratégicas (DONALDSON, 2001:119DONALDSON, L. Teoria da contingência estrutural. In: CLEGG, S. R. et al. Handbook de estudos organizacionais: reflexões e novas direções. São Paulo: Atlas, 2001. v. 2.). Desde seu surgimento, foram formulados numerosos modelos para a tomada de decisão.

Mintzberg (2000)___; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safari de estratégia: um roteiro pela selva do planejamento estratégico. Porto Alegre: Bookman, 2000. conceitua estratégia numa perspectiva de processo no qual a realidade, entendida como estando em constante transformação, é percebida pelos atores em face das diretrizes e objetivos da organização e que, numa visão não imediatista, resulta em ações que proporcionam estabilidade à organização. Para o autor, estratégia refere-se à ação e ao exercício do poder tanto em nível micro como macro, sendo o primeiro relacionado aos processos de interação no ambiente interno da organização e o último às interações entre organizações. O desafio é analisá-la de uma perspectiva que a associe ao exercício do controle social, ou seja, superando as abordagens funcionalistas que dominam o tema.

Vasconcelos (2001)VASCONCELOS, C. D. G. Controle social via conselhos de saúde: realidade ou formalismo? In: XXV ENAMPAD, 2001, Campinas. Resumos dos trabalhos. Campinas: ANPAD, 2001, p. 238. destaca a economia e a sociologia como principais orientações que subsidiaram o desenvolvimento das duas principais abordagens sobre estratégia empresarial: a economia, com abordagens da escolha racional e pela prevalência da auto-regulação do mercado, e a sociologia, que privilegia a inserção social das organizações. A primeira corrente é representada pela obra de Porter e a segunda pela de Mintzberg.

Bignetti e Paiva (2001:2, 7)BIGNETTI, L. P.; PAIVA, E. L. Estudo das citações de autores de estratégia na produção acadêmica brasileira. In: XXV ENAMPAD, 2001, Campinas. Anais... Campinas: ANPAD, 2001, p. 156. incrementam essa definição ao considerarem que se trata de um processo assumido e caracterizado pelos atores situados no topo da organização e que está condicionado pela percepção que esses têm do ambiente. Desse modo, a estratégia é definida como determinado padrão de ação.

Uma abordagem do tema estratégia organizacional num contexto em que são analisadas experiências de controle social não deve estar apoiada em perspectivas teóricas que desconsiderem a ação estratégia num ambiente politizado como são os Conselhos de Administração das Organizações Sociais. Por essa razão, destacam-se as perspectivas quanto aos padrões de ações estratégicas consideradas indeterministas e que privilegiam as interações pelos tomadores de decisão, conforme a teoria das organizações.

No contexto de uma abordagem não determinista, Bignetti e Paiva (2001)BIGNETTI, L. P.; PAIVA, E. L. Estudo das citações de autores de estratégia na produção acadêmica brasileira. In: XXV ENAMPAD, 2001, Campinas. Anais... Campinas: ANPAD, 2001, p. 156. identificam dois padrões predominantes: “influência/compromisso”, no âmbito do qual “existe a percepção de ser possível a modificação das regras e das relações, de modo a garantir a continuidade organizacional”, e “modificação/construção”, no âmbito do qual a organização altera seu ambiente e seu mercado.

Destaca-se o primeiro padrão de abordagem da ação estratégica. Nessa linha, sobressai a escola de poder, tal como surge no trabalho de Mintzberg (1990)MINTZBERG, H. Strategy formation: schools of thought. In: FREDERICKSON, J.W. (Ed.). Perspectives on strategic management. New York: Harper & Row, 1990. p. 105-235.. É num complexo processo de negociação, no qual está presente o conflito, que se expressam os interesses dos atores internos e externos à organização.

Diferentemente de uma abordagem positivista que prima pela questão do gerenciamento de conflitos e pelo uso de métodos considerados racionais, na qual a visão da negociação, em estudos organizacionais, está inserida, fez-se opção por abordar o tema da ação estratégica de uma perspectiva voltada para o poder, não enquanto tomada de determinada posição, mas como ele é usado para transformar atores sociais em personagens que articulam certo jogo de interesse (LUKES, 1974 apud HARDY, 2001HARDY, C.; CLEGG, S. R. Alguns ousam chamá-lo de poder. In: CLEGG, S. R. et al. Handbook de estudos organizacionais: reflexões e novas direções. São Paulo: Atlas, 2001. v2).

Essa opção decorre basicamente de duas questões (relacionadas) consideradas básicas: a) a organização é entendida como forma de ação coletiva e estreitamente vinculada ao poder, como o demonstram teóricos organizacionais neomarxistas como Clegg; b) a organização como locus da ação deve ser vista como lugar de decisão e de ação (HINDESS, 1987HINDESS, B. Rationality and the characterization of modern society. In: WHIMSTER, S. (Org.). Max Weber, racionality and modernity. London: Allenand Unwin, 1987. p. 137-153.).

Tem prevalecido na teoria das organizações uma visão de poder vinculada à autoridade, decorrente da estrutura hierárquica, baseada na tradição de Max Weber. O interesse pelo poder com base em uma estrutura de dominação é limitante em vista das possibilidades da abordagem por meio de mecanismos de dominação, estratégias de poder e meios de controle (CLEGG, 1996:50CLEGG, S. Poder, linguagem e ação nas organizações. In: CHANLAT, J. F. (Coord.). O indivíduo nas organizações: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1996.). Clegg, na mesma linha de Pagés (1993)PAGÉS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas, 1993., que vê a organização como espaço de mediação em que o poder é figura central, possui uma visão da organização associada ao poder e, em associação, a ação organizacional é o resultado de lutas entre atores.

“[…] organização como um local onde a negociação, a contestação e a luta entre as ações ao mesmo tempo divididas e ligadas organizacionalmente são onipresentes” (CLEGG, 1986:59).

Nesse sentido, para Clegg (1996:60)CLEGG, S. Poder, linguagem e ação nas organizações. In: CHANLAT, J. F. (Coord.). O indivíduo nas organizações: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1996.:

“[…] a articulação de interesses nas ações estratégicas constitui o meio e o resultado de um posicionamento entre outros posicionamentos possíveis no campo organizacional”.

A opção por uma abordagem da organização entendida como ação coletiva, tal como Clegg (1996)CLEGG, S. Poder, linguagem e ação nas organizações. In: CHANLAT, J. F. (Coord.). O indivíduo nas organizações: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1996. a coloca, é fundamental para o entendimento da organização como constructo social. Por outro lado, considerando-se que essa reflexão tem como foco as articulações teóricas inerentes ao exercício do controle social no âmbito do Conselho de Administração das Organizações Sociais, há que se destacar uma abordagem da organização como ação coletiva. Nesse sentido, tem-se, em princípio, a representação dos interesses sociais no âmbito das decisões estratégicas.

A teoria dos novos movimentos sociais e a da mobilização dos recursos no âmbito da ação coletiva são oportunas, já que, no que tange à participação social no âmbito dos Conselhos Diretores das Organizações Sociais, referem-se a duas formas específicas de participação denominadas corporativa e comunitária. Ambas expressam uma forma institucionalizada de participação (GOHN, 2001:16GOHN, M. da G. Conselhos gestores e participação sociopolítica. São Paulo: Cortez, 2001. (Coleção Questões de Nossa Época, 84).) e abrangem essas duas teorias sociais.

Se se levar em conta a participação social de uma perspectiva “corporativacomunitária” — no contexto de uma abordagem que articule as duas principais correntes teóricas concernentes aos movimentos sociais —, bem como as novas características dos referidos movimentos destacadas por Gohn (1997)___. Teoria dos movimentos sociais. São Paulo: Loyola, 1997. e a associação do poder à concepção da ação estratégia da perspectiva de Clegg (1996)CLEGG, S. Poder, linguagem e ação nas organizações. In: CHANLAT, J. F. (Coord.). O indivíduo nas organizações: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1996., será preciso analisar também a concepção de Habermas a respeito da ação estratégica, definida no contexto da ação social.

Habermas (1987:122-123)HABERMAS, J. Teoria de la acción comunicativa. Madrid: Taurus, 1987. v. 1 e 2. define, no âmbito da ação social, uma tipologia constituída por cinco características (que interagem entre si) que definem o fim ao qual a ação se propõe. Mais precisamente ele define: a ação teleológica; a ação estratégica; a ação normativa; a ação dramatúrgica; e a ação comunicativa. As duas primeiras, a teleológica e a estratégica, se complementam e são assim definidas:

[Ação teleológica:] “o ator realiza um objetivo ou faz com que se produza uma situação desejada, elegendo e aplicando os meios mais racionais. O conceito central é o de uma decisão entre alternativas de ação, dirigida a um propósito e apoiada numa interpretação da situação [...]”

[Ação estratégica:] “a ação teleológica se converte em ação estratégica quando o cálculo que o agente faz de seu êxito intervém na expectativa de decisão em face de outro ator que também atua com vistas à realização de seus propósitos. Este modelo de ação é interpretado em termos utilitaristas. Supõe-se que o ator eleja e calcule meios e fins da perspectiva da maximização da utilidade ou de expectativas de utilidades”.

Segundo Habermas, a interação como resultado da ação estratégica depende do outro, que tende a se comportar cooperativamente apenas se vislumbrar na cooperação a possibilidade de atingir seus objetivos. Atuar estrategicamente significa, além de colocar-se perante o mundo material, estar informado para se posicionar nos processos de tomada de decisão (HABERMAS, 1987:126-127HABERMAS, J. Teoria de la acción comunicativa. Madrid: Taurus, 1987. v. 1 e 2.). A tomada de decisão é o resultado de um jogo de poder em que a ideologia, a autoridade e a exclusão estão presentes. Acrescentem-se, ainda, as pretensões de neutralidade.

Ao mesmo tempo em que identifica o que vem a ser um comportamento estratégico, Habermas situa sua definição no âmbito da teoria da decisão. Ele cita como inspiração Herbert Simon. O enfoque da organização que aborda a questão da tomada da decisão teve início nas décadas de 1940 e 1950 com Herbert Simon e James March e foi aprofundado por Thompson e Galbraith nos anos 60 e 70 e pelo próprio March. Seus pressupostos são de que a organização são sistemas de processamento de informações e de tomada de decisão e que as formas organizacionais dependem deles para ter sucesso no relacionamento com o ambiente.

Para Habermas (1987:124)HABERMAS, J. Teoria de la acción comunicativa. Madrid: Taurus, 1987. v. 1 e 2., a interação gerada pela ação comunicativa

“[…] resulta do estabelecimento de uma relação interpessoal, na qual os atores buscam o entendimento sobre uma dada situação para poder coordenar de comum acordo seus planos de ação e com ele suas ações. O conceito central é o de interpretação e se refere à negociação de definições da situação sujeita ao consenso”.

Nesse sentido, um entendimento depende de comunicação não distorcida, de discussão, argumentação e diálogo. Nesse tipo de ação, segundo Habermas (1987)HABERMAS, J. Teoria de la acción comunicativa. Madrid: Taurus, 1987. v. 1 e 2., a tomada de decisão baseia-se no argumento apresentado num locus de discussão desprovido de constrangimentos.

De acordo com Alvesson e Deetz (1999)ALVESSON, M.; DEETZ, S. Teoria crítica e abordagens pós-modernas para estudos organizacionais. In: CLEGG, S.; HARDY, C.; NORD, W. R. Handbook de estudos organizacionais: modelos de análise e novas questões em estudos organizacionais. São Paulo: Atlas, 1999., a contribuição de Habermas propicia um referencial valioso para a teoria das organizações no que tange às discussões sobre tomada de decisão, podendo ser utilizada de modo mais aplicado e empírico. Os autores destacam o trabalho de Forester. Para Forester as organizações podem ser avaliadas segundo sua proximidade com o dogma, vistas como comunicações distorcidas não acidentais, ou com o diálogo, vistas como sociais/comunicativas, mediando relações estruturais e ações sociais (Alvesson e Deetz, 1999:246-247ALVESSON, M.; DEETZ, S. Teoria crítica e abordagens pós-modernas para estudos organizacionais. In: CLEGG, S.; HARDY, C.; NORD, W. R. Handbook de estudos organizacionais: modelos de análise e novas questões em estudos organizacionais. São Paulo: Atlas, 1999.). Os autores destacam uma pesquisa desenvolvida por Forester (Forester, 1993 apud Alvesson e Deetz, 1999:248ALVESSON, M.; DEETZ, S. Teoria crítica e abordagens pós-modernas para estudos organizacionais. In: CLEGG, S.; HARDY, C.; NORD, W. R. Handbook de estudos organizacionais: modelos de análise e novas questões em estudos organizacionais. São Paulo: Atlas, 1999.), na qual ele analisa uma reunião de uma equipe de planejamento:

“[…] ele explora seus dados — doze linhas de transcrição da reunião — e mostra como as pretensões de validade pragmáticas de Habermas são produzidas para explorar como as relações sociais e políticas são estabelecidas, reordenadas e reproduzidas, à medida que o pessoal da equipe fala e escuta” (Alvesson e Deetz, 1999:248ALVESSON, M.; DEETZ, S. Teoria crítica e abordagens pós-modernas para estudos organizacionais. In: CLEGG, S.; HARDY, C.; NORD, W. R. Handbook de estudos organizacionais: modelos de análise e novas questões em estudos organizacionais. São Paulo: Atlas, 1999.).

Forester demonstra que, mesmo tratando-se de uma ação estratégica, segundo a definição que a teoria das organizações dá ao conceito de estratégia, é possível haver ação comunicativa, no sentido habermasiano do termo.

6 GOVERNANÇA CORPORATIVA

Outro desafio para uma reflexão acerca das atribuições estratégicas do Conselho de Administração das Organizações Sociais é resultante de seu próprio status na organização. Uma das principais características de uma Organização Social é que o controle é exercido pelo Conselho de Administração e a gestão, pela Direção e Gerência de Administração. É preciso identificar os elos entre o Conselho e a gestão que demonstrem a efetividade das deliberações estratégicas.

Segundo a teoria organizacional e também a economia, esse é o campo de estudos da governança corporativa. A governança corporativa refere-se à análise de mecanismos institucionais que objetivam o controle de organizações, sobretudo em ambientes onde o controle aparece isolado da gestão. A prática da governança corporativa expressa-se, entre outros, por meio dos modelos de gestão adotados.

A importância de trabalhar com o conceito é demonstrada por Ferlie (1999:193)FERLIE, E. et al. A Nova Administração Pública em ação. Brasília: UnB/ENAP, 1999. ao constatar que um dos mais importantes atos no processo de reforma administrativa do setor público inglês, no contexto da Nova Administração Pública, foi “a transferência do modelo de conselho do setor privado para a alta direção estratégica” das organizações estudadas. Segundo Fontes Filho (2000:3)FONTES FILHO, J. R. O sistema de previdência privada no país e o impacto das práticas de governança corporativa no papel dos fundos de pensão. In: XXIV ENANPAD, 2000, Florianópolis. Anais... Foz do Iguaçú: ANPAD, 2000, p. 229., na mesma linha de Ferlie (1999)FERLIE, E. et al. A Nova Administração Pública em ação. Brasília: UnB/ENAP, 1999., malgrado o termo seja oriundo da economia, sua compreensão

“[…] deve transcender ao universo das empresas de mercado, podendo vir a ser utilizado de forma mais ampla para designar os diversos arranjos necessários à gestão de uma organização, seja ela pública, privada, ou comunitária, com ou sem finalidade lucrativa”.

A especificidade das Organizações Sociais faz com que a relação entre o Conselho e o corpo executivo possa ser vista como uma parceria em prol dos objetivos aos quais se propõe a organização, incluam-se aqui seus executivos, a política a ser executada e as representações da sociedade. Acrescente-se ainda que o Conselho é parte dela e que seus membros, como representantes de suas comunidades de origens, têm interesses nos destinos da organização.

A abordagem do movimento social por participação, que vê nas transformações do Estado uma resposta a suas demandas formuladas desde o período de redemocratização, vincula-se a um conceito de governança qualitativamente distinto do que norteia o PDRAE e conseqüentemente o Projeto Organizações Sociais. Não se trata apenas de divergências conceituais, toda a política pauta-se por uma concepção de governança vinculada ao estabelecimento de condições financeiras e administrativas para transformar em realidade as decisões (BRESSER PEREIRA, 1997:40BRESSER PEREIRA, L C. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997.), e será alcançada com a reforma do Estado em questão.

Por outro lado, concepções de governança como a de Diniz (1996)DINIZ, E. Em busca de um novo paradigma: a reforma do Estado no Brasil dos anos 90. São Paulo em Perspectiva, cidade, v. 10, n. 4, p. xx-xx, out./dez. 1996. referemse à capacidade de ação estatal no processo de implementação de políticas e a um conjunto de mecanismos e procedimentos que abarcam a participação social e as formas de relacionamento entre Estado e Sociedade de forma ampla.

  • *
    Trabalho apresentado e debatido no XXXXII Encontro do Conselho Latino-Americano de Escolas de Administração (Cladea), no Grupo de Trabalho Gestão Pública e Governança, realizado na cidade de Porto Alegre, Brasil, nos dias 22 a 25 de outubro de 2002. A participação da pesquisadora no evento teve o apoio da Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos da Universidade de Brasília (Finatec).
  • 1
    A pesquisa em desenvolvimento denomina-se Análise das Experiências de Controle Social no Âmbito dos Conselhos de Administracão em Organizações Sociais. Trata-se de uma pesquisa empírica baseada em estudo de caso múltiplo e explanatório.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2003

Histórico

  • Recebido
    16 Dez 2002
  • Aceito
    26 Maio 2003
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