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O TAYLORISMO SOB CONTROLE: O LUGAR DAS NOVAS E VELHAS TECNOLOGIAS NA ORDEM INDUSTRIAL

THE TAYLORISM UNDER CONTROL: THE PLACE OF THE NEW AND OLD TECHNOLOGIES IN THE INDUSTRIAL ORDER

RESUMO

Este artigo discute criticamente o possível esgotamento histórico do taylorismo. Pretende apontar que, passados praticamente 100 anos desde sua difusão inicial, as formas de controle propostas pela administração científica foram aprimoradas, modernizadas e transformadas a tal ponto que parecem superadas historicamente. No entanto, a rápida difusão de sistemas eletrônicos de segurança no mundo corporativo representa uma evidência concreta da perenidade das formas tayloristas de controle que, transmutadas, assumem novas características no atual paradigma tecno-produtivo.

PALAVRAS-CHAVE
Taylorismo; Administração; Controle; Treinamento; Organização

ABSTRACT

This paper critically debates the accepted historical exhaustion of the taylorism. The main purpose is to argue that, after more than a century from its introduction, the control methods of the scientific administration were improved, modernized and transformed in a way, that it seems historically abandoned. Contrarily, the rapid diffusion of electronic security systems in the corporative world represents a concrete evidence of the persistence of taylorist forms of control that, transmuted, assume a new shape on this new technical and productive paradigm.

KEYWORDS
Taylorism; Administration; Control; Training; Organization

1 INTRODUÇÃO1 1 Os autores agradecem aos pareceristas anônimos pelas observações sobre a versão anterior deste trabalho, que certamente contribuíram para o aprimoramento deste artigo.

As empresas que oferecem serviços especializados em monitoramento eletrônico de residências e organizações evoluíram muito nos últimos anos, tanto em volume de serviços prestados como na variedade e qualidade desses serviços.

O mercado de serviços de segurança representa uma atividade de grande importância econômica, e os valores envolvidos são crescentes. Dados do IBGE apontam que no ano de 2003 as empresas voltadas a essas atividades obtiveram uma receita operacional líquida de R$ 7,2 bilhões, que representa aproximadamente 2,2% do total de receita global obtida por todo setor de serviços no Brasil naquele ano (R$ 326,6 bilhões).

TABELA 1
INFORMAÇÕES RELATIVAS ÀS EMPRESAS VOLTADAS AOS SERVIÇOS DE INVESTIGAÇÃO, VIGILÂNCIA, SEGURANÇA E TRANSPORTE DE VALORES PRESTADOS PRINCIPALMENTE ÀS EMPRESAS (2000 - 2003)

As atividades envolvem um grande contingente de empresas, passando de 2.034 no ano de 2000 para 2.861 em 2003. Os números do IBGE indicam ainda que essas empresas mobilizam um expressivo número de pessoas ocupadas, totalizando 373 mil naquele ano. Os serviços oferecidos normalmente envolvem equipamento e sistemas eletrônicos, como circuitos fechados de televisão (CFTV) e memória de dados para melhorar a vigia e segurança de estabelecimentos diversos.

Os equipamentos constituem-se em: equipamentos para instalação de câmeras (sistemas de câmeras, caixas de proteção, scanners, panorâmicas e acessórios diversos para câmeras); equipamentos de comunicação e fontes de alimentação (sistemas de rede digital, fibras óticas, receivers, vídeos e afins); equipamentos para áreas de controle (monitores, controles, seletores, gravadores de vídeo, multi-plexadores, que comandam a divisão da tela em quadros; panoramizadores, que movimentam as câmeras 180 graus, dentre outros equipamentos de controles diversos).

Essas tecnologias têm como objetivo declarado aumentar a espia, portanto melhorar os níveis de segurança de ambientes públicos e privados, como ruas, praças, estações de metrô, supermercados etc.; bem como em ambientes de trabalho, como fábricas, escritórios, lojas, bancos, dentre outros e até em ambientes domésticos. Consistem em sistemas de vigia eletrônico, instalados para o acompanhamento das atividades cotidianas de transeuntes ou funcionários.

O faturamento do setor voltado especificamente aos serviços de segurança eletrônica, que compreendem a venda, a instalação, a manutenção e até mesmo a operação das máquinas e equipamentos eletrônicos em questão, apresentou o seguinte comportamento nos últimos anos:

TABELA 2
EVOLUÇÃO DO FATURAMENTO DO SETOR DE SEGURANÇA ELETRÔNICA NO BRASIL (EM MILHÕES US$)

O setor apresenta forte crescimento, duplicando o faturamento com a comercialização de produtos (importados e nacionais) e serviços associados no período 1998-2003. O aumento do interesse e da demanda por esse tipo de serviço explica-se, em parte, pela crescente insegurança pessoal e patrimonial por diversos fatores que não serão tratados aqui.

Este trabalho pretende apresentar argumentos que possam embasar a idéia de que o extraordinário desempenho desse setor deve-se, em grande medida, à adoção crescente dessas tecnologias também para outra finalidade. Além da clara utilização desses equipamentos para a proteção do patrimônio individual ou coletivo, esses sistemas também são freqüentemente utilizados para vigiar e controlar processos de trabalho, trânsito de operários e funcionários, tempo de execução de tarefas, comportamentos considerados inadequados (inclusive com respeito a utilização da internet), momentos de lazer e descontração, assiduidade e pontualidade, relacionamentos no trabalho, honestidade com o patrimônio da empresa, enfim, todos os movimentos que possam ser registrados e armazenados durante a permanência do trabalhador na empresa.

É difícil a documentação dessa intervenção, já que ela é parte “oculta” do processo, mas quando aparece apresenta-se da seguinte forma, como é o caso das dependências de órgãos do serviço público em Minas Gerais (SECRETARIA DE PLANEJAMENTO, 2006SECRETARIA DE PLANEJAMENTO. Minas Gerais. Disponível em: <www.planejamento.mg.gov.br>. Acesso em: 22 fev. 2006.
www.planejamento.mg.gov.br...
):

Art. 1.° - Fica criado, no âmbito dos órgãos da Administração Direta e nas Autarquias e Fundações vinculadas ao Poder Executivo do Estado, o crachá de identificação funcional e o registro eletrônico de ponto.

Art. 18 - O registro de ponto eletrônico para os ocupantes dos cargos de Chefe de Gabinete, Diretor, Assessor-Chefe e Chefe de Divisão terá controle diferenciado em conformidade com o que dispõe o § 2.º do art. 4.º do Decreto nº 38.140/96 sendo obrigatório o registro no relógio eletrônico das entradas e saídas diárias para efeitos estatísticos e gerenciais.

Art. 19.º- O acesso às dependências da Fundação é controlado e registrado pelo Sistema Eletrônico de roletas (catracas) que, acionado por cartão de identificação funcional (crachá), com código de barras no anverso, identifica o seu portador.

A divulgação e a propaganda utilizadas pelo setor referem-se diretamente às questões de segurança patrimonial, praticamente nunca se referindo ao aspecto de controle de pessoal. Esse controle seria quase um subproduto (ou um subserviço) dentro do leque de opções para utilização das tecnologias disponíveis. A utilização secundária desses equipamentos se constitui numa constante ameaça aos funcionários, pois o acompanhamento e o controle de sua vida cotidiana na empresa pode ser prejudicial ao ambiente organizacional quando percebida e questionada.

O que na prática acontece é que a despeito dos propagados avanços das ciências administrativas em direção a formas mais participativas de gestão da força de trabalho - em sintonia com a “escola das relações humanas” - a adoção crescente desses sistemas voltados à vigia dos trabalhadores (como catracas eletrônicas, cartões magnéticos de ponto, câmeras internas etc.) indicam a sobrevivência, ou mesmo a intensificação, de práticas coercitivas de controle, características do paradigma da “administração científica” taylorista, costumeiramente apontado como superado por alguns autores.

2 O OLHAR OCULTO E PANORÂMICO

Passadas já mais de duas décadas da data imaginada por George Orwell - como aquela em que veríamos a emergência do Grande Irmão (1984) - em uma sociedade caracterizada por um sistema superior e universal de vigilância, representando um modelo acabado de totalitarismo nas sociedades modernas, a estranheza e a preocupação criadas por essa obra literária pareceriam estar fora de moda.

Afinal, as empresas, ao utilizarem processos modernos de gerência em que a participação dos funcionários é requerida e desejada, não estariam demonstrando a ineficiência e a inutilidade desse tipo de controle? Aparentemente sim, se olharmos apenas a superfície do que vem ocorrendo nos processos produtivos atuais, sem realizarmos uma superação do lugar-comum da engenharia de produção e do discurso dos modelos de administração.

Neste artigo, discorda-se da concepção de que as inovações tecnológicas representam fenômenos exclusivamente técnicos.2 2 Marx já apontava na seçao IV d’O capital para a estreita relaçao entre a crescente “aplicaçao tecnológica da ciência” e a lógica da reprodução ampliada do capital. Parte-se da perspectiva de que as inovações tecno-produtivas não podem ser consideradas como fenômenos socialmente neutros, à medida que a implementação e a difusão das novas tecnologias freqüentemente apresentam dimensões sociais. O caráter naturalista -exemplificado com argumentos de que esse processo é irreversível, que “não há outra saída”, que os direitos antigos são anacrônicos, que as mudanças são uma questão de tempo - tem que ser rompido por meio da perspectiva que Santos (2003, p. ii)SANTOS, L. G. Politizar as novas tecnologias. São Paulo: Editora 34, 2003. chama de uma “politização das novas tecnologias”:

Vale dizer: da necessidade de se politizar completamente o debate sobre a tecnologia e suas relações com a ciência e com o capital, em vez de deixar que ela continue sendo tratada no âmbito das políticas tecnológicas dos Estados ou das estratégias das empresas transnacionais, como quer o establishment. As opções tecnológicas são sócio-técnicas, e devem ser encaradas pela sociedade como de interesse público.

Tentar assumir nosso interesse pelo espaço público significa ensaiar aqui uma análise da forma como algumas novas tecnologias de controle têm sido introduzidas no setor industrial. Mas, antes, explicitaremos nossa proposta conceitual sobre a idéia de controle.

3 ORIGEM DAS FORMAS DE CONTROLE

O desenvolvimento das sociedades modernas pode ser compreendido a partir de distintas abordagens, de um ponto de vista estritamente econômico e evolutivo, ou de um ponto de vista cultural, ou até mesmo de uma análise política fechada. Uma das abordagens mais interessantes e elucidativas foi a desenvolvida por Michel Foucault (1987)FOUCAULT, M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1987. 280 p., centrada nas formas de dominação e organização da sociedade.

Para Foucault, nas formas anteriores à nossa sociedade capitalista, feudais e pré-feudais, as grandes dificuldades residiam na gestão dos processos sociais em si mesmos - como produzir de maneira suficiente para alimentar a população, como suprir as necessidades básicas das pessoas, como tratar as doenças. Essas “sociedades de soberania” foram sucedidas pelas sociedades industriais da era moderna, em que os objetivos dos administradores e do nascente Estado estariam voltados ao gerenciamento racional da produção e do consumo, além da própria forma de as sociedades se organizarem.

Essa transição de “sociedades de soberania” para “sociedades disciplinares” marca a transição das sociedades feudais pré-capitalistas para as sociedades industriais e capitalistas. Nesse período, assiste-se ao desenvolvimento de técnicas e tecnologias voltadas para o gerenciamento racional de grandes volumes de dados e para o controle dos indivíduos agrupados em coletivos. O controle de coletivos foi alvo de inúmeras tentativas empíricas e teóricas, cujos resultados hoje fazem parte do cotidiano, ainda que a presença de sistemas disciplinares esteja de alguma forma ocultada.

Essa história pôde ser traçada a partir do estudo de lugares de encarceramento ou de fechamento, como demonstrou exaustivamente Foucault. Partindo do estudo das prisões, dos hospitais, dos asilos, dos reformatórios, em suma, dos lugares fisicamente fechados e que propiciaram o desenvolvimento dos primeiros métodos de controle da sociedade capitalista, o autor descreve um dispositivo que se tornou universal e base dos sistemas disciplinares das indústrias modernas, o panóptico de Bentham.

A disposição espacial dos indivíduos em torno de um lugar central de controle, de onde se poderia avistar simultaneamente todas as células com facilidade, isolar as pessoas (detentos, doentes, prisioneiros etc.), permitiu o avanço de novas técnicas de disciplina que visavam, ao fim, tornar os corpos dóceis. Para Foucault (1987, p. 180)FOUCAULT, M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1987. 280 p., esse dispositivo espacial - o panóptico - “funciona como uma espécie de laboratório do poder”.

O princípio desse dispositivo foi e continua sendo largamente utilizado nas empresas modernas, como bancos, indústrias e empresas de toda sorte. Entendido como um “puro sistema arquitetural e óptico”, significa uma tecnologia de uso político que está muito além de sua utilização específica, embora possa ser aplicado de forma polivalente:

[...] serve para emendar os prisioneiros, mas também para cuidar dos doentes, instruir os escolares, guardar os loucos, fiscalizar os operários, fazer trabalhar os mendigos e ociosos. É um tipo de implantação dos corpos no espaço, de distribuição dos indivíduos em relação mútua, de organização hierárquica, de disposição dos centros e dos canais de poder, de definição de seus instrumentos e de modos de intervenção, que se podem utilizar nos hospitais, nas oficinas, nas escolas, nas prisões (FOUCAULT, 1987FOUCAULT, M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1987. 280 p., p. 181).

O aperfeiçoamento da arte de exercer o poder foi o “irmão esquecido” de todo o processo econômico de desenvolvimento industrial posterior à Revolução Inglesa, sendo, para muitos, a grande força que agiu na aceleração do processo de transição das sociedades feudais ao capitalismo. Isso tende a ser esquecido mediante a freqüente exaltação acrítica das grandes invenções, dos novos processos produtivos, das novas técnicas de organizar a produção.

Esse esquecimento apresenta-se como um esforço de apagamento dos rastros repressivos das instituições presentes nas sociedades modernas e que tiveram suas origens nos primórdios do capitalismo. Apagamento ativo da memória social é uma constante nas mais diversas formas de organização social, confirmando que, na história narrada pelos que triunfaram, não existe espaço para os que perderam ou sofreram as penas das mudanças.

Como mostraram Decca e Meneguello (1999)DECCA, E. ; MENEGUELLO, C. Fábricas e homens: a revolução industrial e o cotidiano dos trabalhadores. São Paulo: Atual, 1999. 80 p., acontecimentos sociais parecem e são mostrados de maneira diferente, de acordo com o ponto da história do qual falamos e de acordo com o grupo social que impõe sua versão dos acontecimentos.

Sugere-se nesse trabalho que o mesmo apagamento coletivo de memória ocorre com relação aos aspectos repressivos de um método taylorista, que fez fama e produziu uma série interminável de variações e novas aplicações. Apresenta-se a seguir uma breve síntese do significado do advento da administração científica taylorista.

4 O QUE REPRESENTOU O TAYLORISMO

A formação do modo de produção capitalista redimensionou o processo produtivo estabelecendo uma nova ordem: de um lado, o capital corporificado na fábrica, e de outro, o trabalho encarnado na figura do operário. Sob a égide do capital, transformaram-se as forças produtivas, criando-se novas formas de organização do processo produtivo, redefinindo a relação entre o capital e o trabalho. Essa relação é desde sempre conflitiva, uma vez que se dá entre dois pólos com objetivos contraditórios. De um lado, o capital busca a intensificação do trabalho para a maximização da produtividade e do lucro, e de outro, o trabalho buscando a elevação ou a manutenção dos salários, e recorrendo freqüentemente a práticas restritivas de trabalho (ou vadiagem, na terminologia taylorista).

Este desenvolvimento das forças produtivas pode ser compreendido como um processo por meio do qual o capital se apodera da produção de mercadorias, revolucionando as formas pretéritas de trabalho. Esse movimento é necessariamente precedido pela imposição da lógica da valorização do capital como motor das transformações, à medida que a relação social capitalista é inaugurada com a emergência do trabalho assalariado.

Assim, essa trajetória tem como ponto de partida lógico a própria constituição da relação social capitalista, sendo esse o marco inaugural da produção sob a égide do capital. A partir desse advento, a lógica da valorização deve reger todo o movimento de transformação, imprimindo seu caráter progressivo/progressista (como motor do avanço técnico). Em outras palavras, o capital busca reproduzir (tecnicamente) no processo de trabalho a relação social de subordinação imposta entre capital e trabalho com o advento do trabalho assalariado.

O grande feito do capital consiste em superar o caráter estritamente social da relação entre trabalho e capital, reproduzindo essa relação em termos técnicos com a subordinação do trabalho à figura personificada do capital no próprio processo material de produção: a máquina. Nesses termos, “o instrumento de trabalho deixa de ser uma expressão da atividade subjetiva do trabalhador para se transformar na expressão personificada do capital que utiliza o trabalhador como seu instrumento” (BELLUZZO, 1980BELLUZZO, L. G. M. Valor e capitalismo (um ensaio sobre a economia política). São Paulo: Brasiliense, 1980., p. 96).

A produção material das mercadorias passa a ser definida em novas bases na grande indústria. As possibilidades de aprimoramento das forças produtivas nesse processo ganham contornos ilimitados. Os determinantes da produção passam a depender do avanço técnico aplicado às máquinas. A aplicação tecnológica da ciência aparece como instrumento no sentido dos ganhos crescentes de produtividade das máquinas. A objetivação do processo de produção desloca, portanto, o trabalho vivo para uma posição de apêndice de um mecanismo automático regido pelas leis da ciência.

A grande indústria moderna impõe o ritmo acelerado de produção baseado no maquinismo. As fábricas se agigantam e lançam desafios maiores para a gestão do sistema fabril. As práticas gerenciais empregadas durante a romântica fase do capitalismo concorrencial já não mais são suficientes nessa nova configuração. Trabalhadores e patrões, até então acostumados com o gerenciamento de modestas oficinas artesanais, se vêem dentro de um novo conjunto de problemas: como organizar uma produção de volume muito maior e níveis produtivos até ali desconhecidos; e também o desafio da coordenação do trabalho simultâneo de enormes contingentes de operários.

O novo modo de produção baseia-se em volumes e escalas crescentes, desenvolvido por máquinas aceleradas e em grandes unidades produtivas, com muitos trabalhadores sob a coordenação de algumas poucas pessoas.

É impossível superestimar a importância do movimento da gerência científica no modelamento da empresa moderna e, de fato, de todas as instituições da sociedade capitalista que executam processos de trabalho. A noção popular de que o taylorismo foi “superado” por escolas posteriores de psicologia industrial ou “relações humanas”, que ele “fracassou” - por causa do amadorismo de Taylor e suas opiniões ingênuas sobre a motivação humana ou porque provocou uma tempestade de oposição ao trabalho ou devido a que Taylor e vários sucessores jogavam trabalhadores uns contra os outros e às vezes gerências também - ou que está “fora de moda”, porque certas categorias tayloristas, como chefia funcional ou seus esquemas de prêmio incentivo, foram descartadas por métodos mais requintados: tudo isso representa lamentável má interpretação da verdadeira dinâmica do desenvolvimento da gerência (BRAVERMAN, 1987BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. 379 p., p. 83).

Na grande indústria capitalista da segunda Revolução Industrial, o ritmo da produção passaria a ser ditado pelas características técnicas das máquinas. Quando a maquinaria avança, esta retira das mãos dos trabalhadores suas ferramentas de trabalho e as incorpora em um mecanismo automático, substituindo parte significativa do trabalho manual. Nas etapas produtivas ou setores em que o processo exige ainda significativa participação dos trabalhadores, estes passam a viver sob a pressão do ritmo imposto pelas máquinas. A necessidade de racionalização crescente dos tempos e movimentos dos trabalhadores exige um novo paradigma organizacional e gerencial.

Dentre as diversas inovações organizacionais voltadas ao atendimento dessas novas necessidades das firmas, uma alcançaria destaque particular: trata-se da contribuição de um operador de máquinas que iria sistematizar definitivamente uma nova forma de organização e gestão da força de trabalho, o taylorismo:

O taylorismo concebe-se, antes de mais nada, como um modo de organização racional do trabalho. Apogeu do cientificismo dos engenheiros, é uma ideologia de técnicos que intentam regular a produção e as relações sociais pela aplicação da ciência na vida das empresas, e que pretendem substituir a administração das coisas ao governo dos homens (Pimentel et. al., 1985PIMENTEL, D. et al. (Org.). Sociologia do trabalho: organização do trabalho industrial. Lisboa: A Regra do Jogo - Edições, 1985. 261 p., p. 37).

A racionalização taylorista surge então como um esforço no sentido de impor aos trabalhadores um ritmo de produção similar ao obtido na cadência frenética das máquinas automáticas. Trata-se de uma tentativa de “[...] aplicar a ciência não mais apenas na utilização das forças da natureza, mas no emprego da força humana de trabalho” (WEIL, 1996WEIL, S. A racionalização. In: BOSI, Ecléa (Org.). A condição operária e outros estudos sobre opressão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. 135 p., p. 135). Para garantir a manutenção desse ritmo ao longo do tempo, o sistema produtivo moderno implementou mecanismos de acompanhamento remoto às tarefas atribuídas ao trabalhador fabril. Neste texto, procuramos nos ater a esses mecanismos.

5 UM RESUMO DOS PRINCÍPIOS

Taylor inicia sua principal obra justificando suas razões, como que se quisesse anunciar os motivos pelos quais iria ditar um conjunto tão duro de regras para os trabalhadores. Essas regras seriam a cartilha seguida pelo capitalismo. Quaisquer empresários que buscassem o acúmulo de riqueza deveriam segui-las. A proposta taylorista é particularmente conveniente aos objetivos empresariais, uma vez que promete induzir os operários ao trabalho acelerado e disciplinado, tendo como resultado a superação da ineficiência e o aumento da produtividade.

A ciência e a engenharia em cada um dos períodos de desenvolvimento receberam devida importância e responderam sempre na mesma direção, ou seja, do ponto de vista técnico, os problemas foram resolvidos e superados demonstrando que ciência e tecnologia, no que tange à produção de mercadorias, não se constituiriam em entrave para o desenvolvimento das forças produtivas. Essa eficiência demandaria um operador do mesmo padrão e com o mesmo interesse: aumentar a produção por tempo. Ocorre que o trabalhador diante da carga dessa responsabilidade - dar conta do ritmo das máquinas automáticas - parece que não consegue uma perfeita adaptação sem a direta interferência externa.

Taylor, representando o pensamento de toda a classe contratante de mão-de-obra, sinaliza que o principal obstáculo para um aumento progressivo e durável dos níveis de produtividade não diz respeito à tecnologia, mas sim ao modo como o trabalhador se comportava. A partir dessas colocações e baseando-se inteiramente nelas, Taylor propõe uma metodologia de ação, um conjunto de procedimentos que denominaria Administração Científica. Trata-se de uma série de métodos práticos que empiricamente coordenariam a maneira de um trabalhador proceder durante a execução de suas tarefas.

A idéia central de todo o método é que para uma perfeita execução de tarefas se fazem necessários a análise, a compreensão e o domínio de cada fase, além da perfeita adaptação do trabalhador ao conjunto desses movimentos. Taylor associa ao sucesso na execução da tarefa a seleção, o treinamento, o conhecimento minucioso do que se pretende fazer e a firme direção de pessoas inteligentes. Para ele, o sucesso na execução da tarefa seria percebido em um produto acabado dentro de condições padronizadas em um tempo mínimo de execução.

Outra característica importante do modelo é a proposta de normatização e padronização de tempos e movimentos. Essa padronização envolvia também máquinas e ferramentas, códigos e procedimentos, métodos e processos, de maneira que em toda sua extensão o trabalho seria observado, analisado, acompanhado, medido, percebido, conferido, verificado, enfim controlado de forma direta e pronunciada.

As idéias tayloristas colocaram o foco no trabalhador. Voltaram todas as suas atenções à parte variável do processo - já que as máquinas eram automáticas ou semi-automáticas com períodos programados de manutenção - que seria o trabalhador fabril assalariado. Com essas observações e propostas, os gestores puderam, aos poucos, normatizar, padronizar, organizar, disciplinar, rotinizar, cronometrar, enfim, acompanhar detalhadamente todas as fases de execução das atividades produtivas cotidianas controlando essa parte mais “volátil” da produção que se denomina operariado fabril.

6 ALGUMAS CRÍTICAS AO MODELO

A constituição da tríade operário/fábrica/cidade representa uma nova fase na história da humanidade, contrastando-se com a configuração anterior formada por trabalhador/artesanato/campesinato. Esta última é mais “estática” do ponto de vista técnico e foi mais duradoura, contrastando com o intenso dinamismo do atual paradigma produtivo. Praticamente toda a história da humanidade, até o que se conhece por capitalismo, foi baseada na participação de mandantes e mandatários vinculados à terra e vivendo dela ou em atividades mistas entre artesanato e campesinato em populações rurais.

O desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo resulta em importantes transformações de relações sociais de produção. Ele extrapola uma proposta fundamentada no incremento tecnológico e na produtividade baseada em máquinas e equipamentos cada vez mais desenvolvidos. O desenvolvimento do capitalismo, comandado pela lógica da valorização ampliada do capital, acaba por se constituir em algo mais profundo do que sua dimensão tecnológica visível, ele se constitui em uma proposta de reformulação cultural, social e ideológica.

Para que se pudesse consolidar o processo produtivo capitalista, foi preciso que o processo de trabalho assumisse uma nova conformação no processo de produção de mercadorias: o trabalhador teria que ser convertido em operário. Esta nova figura deve ser “montada” com novos pressupostos. O operário é um novo tipo de trabalhador. O modelo solicitava que toda uma classe social - a classe operária - fosse adaptada para contribuir com o desenvolvimento do novo processo.

No princípio isto não era compreendido, como o atesta o fato de que a guilda, as regras do aprendizado e os estatutos legais, comuns ao modo feudal e corporativo de produção, persistiram por algum tempo, e tiveram que ser gradualmente banidos à medida que o capitalista consolidava seus poderes na sociedade e destruía os aspectos jurídicos das formações sociais pré-capitalistas. Foi em parte por esta razão que as primeiras manufaturas tendiam a transferir-se para novas cidades que estavam isentas dos regulamentos das guildas e das tradições feudais. Com o tempo, porém, a lei e o costume foram remodelados para refletir o predomínio do contrato “livre” entre comprador e vendedor, com o qual o capitalista adquiria o poder virtualmente irrestrito de determinar os modos técnicos de trabalho (BRAVERMAN, 1987BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. 379 p., p. 62).

A classe operária deveria receber intervenção direta daqueles interessados no sucesso do modelo, ser preparada para participar passivamente do processo, ser adaptada para trabalhar em ambientes fechados e controlados, ser ajustada para viver em espaços urbanos, mas assumir uma nova constituição psíquica e social, de maneira a cumprir os objetivos do capital sem se dar conta deles.

Dessa forma o capitalismo, além de máquinas cada vez mais rápidas e eficientes, precisava de um tipo de ator social que conseguisse relacionar-se com essas máquinas nesses novos ambientes - as fábricas - com um nível de stress que não inviabilizasse o modelo.

O taylorismo expressa essa dimensão mais profunda de controle do humano que o capitalismo traz em seus princípios produtivos. O capital investe cada vez mais em aperfeiçoamento técnico, mas sempre apresentou dificuldades na conversão da mão-de-obra artesanal para mão-de-obra fabril. Taylor se apercebeu dessas dificuldades, deu nomes a elas, dissecou cada uma delas e elaborou planos de intervenção para resolver definitivamente parte do problema: a dificuldade de conformação definitiva de um ser humano em um operário fabril.

Como o capitalismo cria uma sociedade na qual ninguém por hipótese consulta qualquer coisa senão o interesse próprio, e como prevalece o contrato de trabalho entre as partes nada mais prevendo senão evitar que uns prevaleçam sobre os de outros, a gerência torna-se um instrumento mais perfeito e sutil. Tradição, sentimento e orgulho no trabalho desempenham papel cada vez menor e mais esporádico, e são considerados por ambas as partes como manifestações de uma natureza melhor que seria tolo favorecer (BRAVERMAN, 1987BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. 379 p., p. 68).

O processo de formação da classe trabalhadora, se entendido na sua maior extensão, como a subordinação definitiva dos trabalhadores ao processo capitalista de produção, é uma tarefa histórica que vem se desenrolando por séculos. Trata-se de um processo que se iniciou antes do capitalismo industrial. É o esforço de subjugação mercantil das forças produtivas tradicionais.

O mecanismo completo de transformação da classe trabalhadora em classe operária é amplo e profundo e depende de modificações do padrão de relacionamento entre o cidadão e seu meio. Esse processo não depende unicamente do desvincular do trabalho dos meios de produção, mas complementarmente depende do abandono dos trabalhadores de seus ideais de liberdade. Constitui-se, na realidade, em um fenômeno ontológico, exigindo, dessa forma, que as modificações de comportamento sejam progressivas, duráveis e deformadoras.

A ideologia da transformação suporta a diversidade das resistências e aos poucos vai delineando um novo padrão mental que tem por objetivo neutralizar divergências sem ser claramente identificado. Estamos passando, sobretudo a partir do final do século XX, por uma nova etapa desse processo de transformação capitalista iniciado com a primeira Revolução Industrial Inglesa: para muitos vivemos um processo de globalização, mundialização, a terceira onda ou até mesmo o fim da história.

7 A MODERNIZAÇÃO DOS CONTROLES E SEUS RESULTADOS

Conforme entrevista com Sr. Fernando Guerra - gerente de vendas da Crockett International, representante da Pelco na América Latina, uma das maiores produtoras de equipamentos eletrônicos para esse setor:

A Pelco é hoje a maior fabricante mundial de equipamentos para CFTV - Circuito Fechado de Televisão. Possuindo mais de 2.000 funcionários e mais de 5.000 itens em sua linha de produção, a empresa está presente nos cinco continentes. No Brasil, a empresa possui pelo menos 40% do mercado de CFTV. Este mercado pode ser dividido em três segmentos: industrial/profissional: voltado para grandes projetos como Infraero, Petrobras, indústrias como CSN CVRD, Aço Minas, grandes shopping centers, governo etc. Neste segmento a Pelco possui prelo menos 70% do mercado de CFTV. Médio: grandes comércios, supermercados, shopping centers, edíficios comerciais etc. Possuímos cerca de 30 a 40% deste segmento do mercado. Pequeno: residências, pequenos comércios etc. Praticamente não temos penetração neste segmento do mercado que é somente ocupado por microcâmeras e sistemas "descartáveis”. Posso informar que dobramos nosso faturamento nos últimos quatro anos, temos projeção de crescimento maior nos próximos quatro.

Parafraseando Deleuze, estamos transitando de sociedades disciplinares para sociedades de controle, em que os velhos sistemas fechados e de lugares fechados, como escolas, hospitais, indústrias, cedem lugar para formas de controle mais brandas e sutis, baseadas nas tecnologias de informação.

Não há necessidade de ficção científica para conceber um mecanismo de controle que forneça a cada instante a posição de um elemento em meio aberto, animal numa reserva, homem numa empresa (coleira eletrônica). Félix Guattari imaginava uma cidade onde cada um pudesse deixar seu apartamento, sua rua, seu bairro, graças ao seu cartão eletrônico, que removeria qualquer barreira; mas, do mesmo modo, o cartão poderia ser rejeitado tal dia, ou entre tais horas; o que conta não é a barreira, mas o computador que localiza a posição de cada um, lícita ou ilícita, e opera uma modulação universal (DELEUZE, 1990DELEUZE, G. Pourparlers. Paris: Les Éditions de Minuit, 1990., p. 23).

Nessa nova forma capitalista, não haveria lugar para velhas tecnologias de disciplina como o taylorismo? Ele teria desaparecido do mundo da indústria?

O que se propõe com este texto é a apresentação de argumentos que apontam para o aprofundamento dos métodos de controle da força de trabalho. A tecnologia de segurança de patrimônio foi desenvolvida e aprimorada recentemente para dar conta de objetivos mais ambiciosos do que colaborar com os cuidados com a segurança de bens e pessoas. A segurança patrimonial está lastreada em conjuntos tecnológicos de captação e gravação de imagens.

A questão também apresenta seu âmbito jurídico, exigindo legislação própria para o controle tecnológico de pessoal.

O empregador poderá exercer o controle tecnológico sobre seus trabalhadores, desde que conte com indícios suficientes de que esteja havendo desvio na utilização dos meios de produção e atendendo a estritos critérios de idoneidade, necessidade e proporcionalidade, a utilização de medidas de vigilância e controle que sirvam aos fins a que se pretendam causando o menor impacto possível sobre a intimidade e a dignidade do trabalhador mas não vetando esse controle em todos os casos (PAIVA, 2002, p. 5).

Funcionários das empresas encarregadas da segurança dos ambientes de trabalho monitoram continuamente as imagens e o material gravado em ambientes internos e dos proximamente externos. Em princípio as imagens seriam usadas para detectar ou prevenir ameaças ao estoque, equipamentos, instalações etc., e por fim até mesmo aos funcionários e principalmente aos proprietários das empresas contratantes.

Na prática, este tipo de equipamentos, que grava e armazena imagens internas das empresas, passa a ser utilizado como “inspeção” do trabalho executado. Câmeras de vídeo, monitores, equipamentos de gravação de imagens com capacidade para acumular muitas horas de gravação, são instalados nos diversos departamentos da empresa e podem gravar imagens que poderão ser acompanhadas no mesmo instante ou mais tarde por: fiscais, gerentes, proprietários etc., enfim quaisquer mandantes interessados no acompanhamento e avaliação do trabalho individual ou de equipes.

Esse procedimento nada mais é do que a implementação midiatizada do dispositivo panóptico discutido por Foucault a partir dos anos 1960 e que acompanha a virada do século. O mesmo instrumento passa a ganhar força com a junção de métodos de gerenciamento do poder sobre os indivíduos cujo exemplo é o da arquitetura panóptica com tecnologias digitais de tratamento e análise de dados, como os apresentados aqui.

Os métodos de controle de pessoal recebem desta maneira um importante aliado, a tecnologia digital de imagens, viabilizando-se tecnicamente a implementação de sistemas de controle dos tempos e movimentos que aperfeiçoam as idéias originais de Taylor, deslocando todo o aparato repressivo do ambiente de trabalho para uma dimensão aparentemente tecnológica e socialmente neutra.

O funcionário pode ser chamado até a sala de observação (que pode coincidir com a sala da chefia ou do proprietário) onde é inquirido sobre seus métodos de trabalho, e dependendo do andamento da conversa, o superior hierárquico pode recuperar imagens gravadas anteriormente, apresentá-las ao operário e determinar novos métodos de procedimento para sanar possíveis desvios dentro das expectativas de produtividade para aquele tipo de serviço.3 3 Em uma das empresas observadas em pesquisa de campo pelos autores (uma tecelagem), o funcionário foi chamado e, durante a recuperação das imagens, solicitou-se a ele a redução do tempo de dobra de tecidos acabados mediante constatação de morosidade no procedimento de serviços cotidianos, observados e gravados diretamente pelo proprietário da empresa.

Assim, diante do exposto até aqui e comparando com as orientações básicas dos princípios de Taylor, o que se percebe é o aprofundamento dos métodos de controle do trabalho por intermédio do uso intenso da tecnologia.

Nesste novo ambiente, marcado pela onipresença das tecnologias de informação, o trabalhador continua sendo objeto de rígido controle, mesmo nos setores mais modernos da “nova economia da informação”, como o do trabalho em call centers, conforme apontam Vilela e Assunção (2004, p. 1072)VILELA, L. V. O.; ASSUNÇÃO, A. A. Os mecanismos de controle da atividade no setor de teleatendimento e as queixas de cansaço e esgotamento dos trabalhadores. Rio de Janeiro: Cadernos de Saúde Pública, v. 20, n. 4, p. 1069-1078, jul.-ago. 2004.:

Os tempos são rigidamente controlados, adotando-se o próprio aparato técnico como meio para obter os valores necessários ao controle dos critérios estabelecidos. Os dados armazenados pelo sistema abastecem as fichas de controle e, além desse mecanismo de avaliação baseado na performance obtida em tempo real, o monitor do terminal de vídeo exibe sinais luminosos anunciando que o tempo está se esgotando. O indicador em formato de uma barra retangular de 3X1 cm, cujo comprimento aumenta com o passar do tempo, além de mudar de cor: azul (menos de 20 segundos), amarelo (de 20 a 25 segundos) e vermelho (acima de 25 segundos).

Os cartões magnéticos também podem auxiliar nesse controle, pois, registrando entradas e saídas - externas ou controlando movimentação interna -colaboram no acompanhamento de cada “passo” do funcionário durante o expediente de trabalho, ou até fora dele se necessário.

Os bloqueadores de entrada e saída, sob forma de catracas eletrônicas, também cumprem, juntamente aos cartões eletrônicos, função de monitorar, acom-panhar e até cronometrar os deslocamentos de pessoal em uma empresa. Podem até mesmo constituir-se em ferramentas para se observar, medir ou detectar problemas fora do âmbito operacional, como, por exemplo, a maior permanência de funcionários em ambientes reservados (por exemplo, os banheiros coletivos), ou até mesmo a incidência de casos de permanência indevida de pessoal fora do campo operacional.

Todos os mecanismos eletrônicos, inicialmente desenvolvidos com outras finalidades, vão sendo adaptados para aumentar o controle sobre o trabalho, quase sempre baseando em princípios de “vadiagem no trabalho”, verdadeiros ou não, mas por via das dúvidas a aparelhagem tem sido colocada à disposição dos controlers nas mais variadas atividades e funções.

8 CONCLUSÕES

Percebe-se que apesar do enorme esforço das empresas em renomear seus sistemas de dominação, disfarçados sob a tutela de “maior participação do operário”, ou senão por “trabalhador do conhecimento”, os velhos mecanismos de controle só fazem ser aprimorados continuamente, mas conforme a Portaria MTE nº 556, de 16.4.2003 (DOU 22.4.2003), no seu artigo 1º:

faculta-se a adoção de sistema eletrônico para o controle da jornada de trabalho do pessoal pertencente à categoria “C”, a que se refere o art. 239 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho [...] o sistema eletrônico deve permitir o registro de todos os eventos referentes à jornada do empregado.

Os modernos métodos de gerenciamento procuram convencer o trabalhador de que sua “colaboração” é que faz “a diferença”, que por meio de sua “participação”, de suas “sugestões críticas” as empresas passarão a funcionar melhor. A doutrina moderna de condução de pessoal determina que o funcionário deve ser ouvido. Até mesmo para descobrir o que e como ele pensa para melhor “acompanhá-lo” em sua “evolução” pela empresa. Na esfera da dominação coletiva é amplamente divulgado que o funcionário deve estabelecer seu “foco no cliente”. Para tanto o sistema deve ser pautado na “soberania do consumidor”. O funcionário é aquele que vai ajudar o conjunto a alcançar as metas desejadas. Ele deve participar ao máximo para colaborar integralmente em um projeto que visa atender as necessidades do cliente em sua plena realização.

Quer pelo exercício laborativo manual, quer pelo imaterial ambos, entretanto, controlados pelo sistema de metabolismo social do capital, o estranhamento (Enfremdung) do trabalho encontra em sua essência, preservado. Ainda que fenomenicamente minimizada pela redução da separação entre a elaboração e a execução pela redução dos níveis hierárquicos no interior das empresas. Subjetividade que emerge na fábrica ou nas esferas produtivas contemporâneas é expressão de uma existência inautêntica e estranhada. Contando com maior “participação” nos projetos que nascem das discussões dos círculos de controle de qualidade, com maior “envolvimento” dos trabalhadores, a subjetividade que então se manifesta encontra-se estranhada em relação ao que se produz e para quem se produz. Os benefícios aparentemente obtidos pelos trabalhadores no processo de trabalho são largamente compensados pelo capital, uma vez que a necessidade de pensar, agir e propor dos trabalhadores deve levar sempre em conta prioritariamente os objetivos intrínsecos da empresa que aparecem muitas vezes mascarados pela necessidade de atender aos desejos do mercado consumidor. Mas sendo o consumo parte estruturante do sistema produtivo do capital, é evidente que defender o consumidor e sua satisfação é condição necessária para preservar a própria empresa. Mais complexificada, a aparência de maior liberdade no espaço produtivo tem como contrapartida o fato de que as personificações do trabalho devem se converter ainda mais em personificações do capital. Se assim não o fizerem, se não demonstrarem suas “aptidões” (“vontade”, “disposição” e “desejo”), trabalhadores serão substituídos por outros que demonstrem “perfil” e “atributos” para aceitar esses “novos desafios” (ANTUNES, 2002ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2002., p. 130).

As empresas por sua vez procuram recrutar pessoas “críticas”. O que ocorre na realidade é que se busca um funcionário “tecnicamente crítico”. Ele deve ser crítico naquilo que está voltado para a produção, com elementos que objetivamente possam melhorar o sistema produtivo, deve ser crítico no que diz respeito ao estritamente operacional, pois, caso ele demonstre algum outro nível de questionamento, seguramente será alertado de que estaria fora do “foco”, que é o cliente.

Para manter o “foco” o sistema precisa de auxílio, pois os ambientes de trabalho oferecem oportunidades de dispersão. Uma das maneiras de manter o funcionário dentro dos limites recomendados é controlando seu cotidiano no espaço de trabalho. Sob a escusa da proteção pessoal e patrimonial são instalados equipamentos de “espionagem” em salas, salões, escritórios, corredores, elevadores etc.

Baseando-se no estigma de insegurança pessoal e patrimonial, as empresas aos poucos vão controlando todos os movimentos de seus funcionários, demonstrando que o modelo taylorista de controle da “vadiagem” pode ser melhorado, redimensionado e aprofundado a um nível surpreendente. O controle das massas de trabalhadores fica regido pela sua dimensão virtual por meio da ideologia da mídia com todos os seus desdobramentos.

A parte efetivamente operacional e tangível desse controle sempre foi exercida pela “chefia”. A figura repressiva do chefe vai ficando envelhecida, o mundo moderno ocupa todos os sentidos do chefe, os mecanismos de exploração muitas vezes se vêem exauridos em um modelo produtivo lixiviante e neurótico. Outros mecanismos precisam ser aprimorados para que se possa acompanhar o ritmo frenético da produção.

A introdução de novas tecnologias não elimina o uso da técnica taylorista e, mesmo o apagamento da memória da classe operária sobre o método que a subjuga, não esconde o fato de que o método de controle social da mão-de-obra introduzido por Taylor continua sólido e se mantém nas entranhas da criatura capitalista.

Defendemos aqui a tese de que o uso disseminado de novas tecnologias informacionais não invalida a perenidade do dispositivo taylorista, base sobre a qual se constrói todo esse arsenal político-tecnológico. Enfim, nessa transição de uma sociedade disciplinar para uma sociedade de controle, o papel do dispositivo de Taylor continua vivo e crescente, talvez mais fortalecido do que nunca.

  • 1
    Os autores agradecem aos pareceristas anônimos pelas observações sobre a versão anterior deste trabalho, que certamente contribuíram para o aprimoramento deste artigo.
  • 2
    Marx já apontava na seçao IV d’O capital para a estreita relaçao entre a crescente “aplicaçao tecnológica da ciência” e a lógica da reprodução ampliada do capital.
  • 3
    Em uma das empresas observadas em pesquisa de campo pelos autores (uma tecelagem), o funcionário foi chamado e, durante a recuperação das imagens, solicitou-se a ele a redução do tempo de dobra de tecidos acabados mediante constatação de morosidade no procedimento de serviços cotidianos, observados e gravados diretamente pelo proprietário da empresa.

REFERÊNCIAS

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    » www.abese.org.br
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  • SANTOS, L. G. Politizar as novas tecnologias São Paulo: Editora 34, 2003.
  • SECRETARIA DE PLANEJAMENTO. Minas Gerais. Disponível em: <www.planejamento.mg.gov.br>. Acesso em: 22 fev. 2006.
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  • TAYLOR, F. W. Princípios de administração científica São Paulo: Atlas, 1995. 109 p.
  • VILELA, L. V. O.; ASSUNÇÃO, A. A. Os mecanismos de controle da atividade no setor de teleatendimento e as queixas de cansaço e esgotamento dos trabalhadores Rio de Janeiro: Cadernos de Saúde Pública, v. 20, n. 4, p. 1069-1078, jul.-ago. 2004.
  • WEIL, S. A racionalização. In: BOSI, Ecléa (Org.). A condição operária e outros estudos sobre opressão Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. 135 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2006

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2004
  • Aceito
    04 Maio 2006
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