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Etnografia e grounded theory na pesquisa de marketing de relacionamento no mercado consumidor: uma proposta metodológica

Ethnography and grounded theory in relationship marketing research in the consumer market: a methodological proposal

Resumos

Estudos sobre a interação entre empresa e consumidor durante o processo de compra envolvem situações complexas que são difíceis de ser compreendidas por meio da pesquisa quantitativa. Em conseqüência, abordagens qualitativas têm ganhado espaço crescente nas recentes pesquisas em marketing. Um exemplo disso é a etnografia, que tem sido uma abordagem bastante utilizada nos estudos sobre comportamento do consumidor. Assim, o objetivo deste estudo é discutir a etnografia em conjunto com outra abordagem qualitativa, a grounded theory, como metodologias de pesquisa em marketing de relacionamento no mercado consumidor (MRC) capazes de captar a dinâmica interna desse fenômeno. Discute-se como a utilização dessas abordagens pode contribuir para o avanço científico da área de MRC. Conclui-se que sua aplicação em MRC é adequada, já que essas abordagens de pesquisas, por enfocarem aspectos subjetivos, têm o potencial de revelar por que consumidores e empresas se envolvem em relacionamentos de troca.

Etnografia; Grounded theory; Marketing de relacionamento; Consumidor; Metodologia de pesquisa


Studies on the interaction between company and consumer during the process of purchase involve complex situations that are too difficult to be understood by quantitative research. As a result, qualitative approach has gained a growing space in recent marketing research. A good example of it is ethnography, an approach that has been used in the studies about consumer behaviour. Hence, the objective of this study is to discuss ethnography along with another qualitative approach, grounded theory, as methodologies of research in relationship marketing in the consumer market (RMC) capable of grasping the internal dynamics of this phenomenon. The discussion is on how the use of these approaches can contribute for the scientific advancement of the RMC area and the conclusion is that its use is adequate as these research approaches, by focusing on subjective aspects, have the potential of revelling why consumers and companies involve themselves in exchange relationships.

Ethnography; Grounded theory; Marketing of relationship; Consumer; Methodology of research


Etnografia e grounded theory na pesquisa de marketing de relacionamento no mercado consumidor: uma proposta metodológica

Ethnography and grounded theory in relationship marketing research in the consumer market: a methodological proposal

Cléria Donizete da Silva LourençoI; Patrícia Aparecida FerreiraII; Alexandre Reis RosaIII

IDoutoranda em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Lavras (PPGA/Ufla). Professora do Centro Federal de Educação Tecnológica de Bambuí (Cefet-Bambuí). Rua Manoel Correia de Souza, 314, Centro - Nepomuceno - MG - CEP 37250-000. E-mail: clerialourenco@yahoo.com.br

IIDoutoranda em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Lavras (PPGA/Ufla). Rua Comandante Nélio, 50, Jardim Floresta - Lavras - MG - CEP 37200-000. E-mail: pattty82@yahoo.com.br

IIIDoutorando em Administração Pública e Governo pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (Eaesp-FGV). Professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP). Rua Maracá, 132, ap. 124, Vila Guarani - São Paulo - SP - CEP 04313-210. E-mail: areis@espm.br

RESUMO

Estudos sobre a interação entre empresa e consumidor durante o processo de compra envolvem situações complexas que são difíceis de ser compreendidas por meio da pesquisa quantitativa. Em conseqüência, abordagens qualitativas têm ganhado espaço crescente nas recentes pesquisas em marketing. Um exemplo disso é a etnografia, que tem sido uma abordagem bastante utilizada nos estudos sobre comportamento do consumidor. Assim, o objetivo deste estudo é discutir a etnografia em conjunto com outra abordagem qualitativa, a grounded theory, como metodologias de pesquisa em marketing de relacionamento no mercado consumidor (MRC) capazes de captar a dinâmica interna desse fenômeno. Discute-se como a utilização dessas abordagens pode contribuir para o avanço científico da área de MRC. Conclui-se que sua aplicação em MRC é adequada, já que essas abordagens de pesquisas, por enfocarem aspectos subjetivos, têm o potencial de revelar por que consumidores e empresas se envolvem em relacionamentos de troca.

Palavras-chave: Etnografia; Grounded theory; Marketing de relacionamento; Consumidor; Metodologia de pesquisa.

ABSTRACT

Studies on the interaction between company and consumer during the process of purchase involve complex situations that are too difficult to be understood by quantitative research. As a result, qualitative approach has gained a growing space in recent marketing research. A good example of it is ethnography, an approach that has been used in the studies about consumer behaviour. Hence, the objective of this study is to discuss ethnography along with another qualitative approach, grounded theory, as methodologies of research in relationship marketing in the consumer market (RMC) capable of grasping the internal dynamics of this phenomenon. The discussion is on how the use of these approaches can contribute for the scientific advancement of the RMC area and the conclusion is that its use is adequate as these research approaches, by focusing on subjective aspects, have the potential of revelling why consumers and companies involve themselves in exchange relationships.

Keywords: Ethnography; Grounded theory; Marketing of relationship; Consumer; Methodology of research.

1 INTRODUÇÃO

A crescente complexidade do ambiente mercadológico, em face das grandes transformações por que passam os mercados, provoca acentuadas mudanças na estrutura das empresas, no trabalho e, por conseguinte, nas relações comerciais. A principal delas talvez seja o distanciamento entre empresas e clientes. Um dos reflexos desse distanciamento é a tendência de impessoalização da relação cliente-fornecedor. Como estratégia para minimizar os efeitos dessa tendência, profissionais e acadêmicos têm defendido uma abordagem relacional nos processos de trocas comerciais.

Na medida em que o mercado vai se tornando mais competitivo, a tentativa de estabelecer trocas relacionais passa a ser encarada como uma alternativa capaz de promover maior pessoalidade nas relações com os clientes, assegurando maior proximidade nos relacionamentos comerciais. Sendo assim, a área de marketing estaria passando por uma mudança de paradigma: do transacional para o relacional. Contudo, uma mudança de paradigma exige dos pesquisadores uma nova postura no sentido de adoção de novas abordagens, métodos de pesquisas e observação de contextos específicos para realização de suas pesquisas. Sendo assim, caberia questionar se a área de marketing estaria realmente passando por uma mudança de paradigma.

Diversos levantamentos, que visam verificar a situação e orientação da pesquisa científica da área de marketing no Brasil, apontam para a hegemonia do paradigma positivista e da utilização de métodos quantitativos.

Nesse sentido, Vieira et al. (2002), ao analisarem os trabalhos na área de marketing publicados nos anais do Encontro da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração (EnAnpad), entre 1997 e 2001, evidenciaram que esses trabalhos estão fortemente orientados pelas ciências empírico-analíticas e que as pesquisas permanecem lealmente positivistas. Vieira et al. (2002, p. 2) evidenciaram também que "a produção nacional reproduz as oscilações e os modismos de inspiração quase que exclusivamente norte-americana". Faria (2004, p. 2) corrobora essa opinião quando afirma que "a produção acadêmica de marketing no Brasil ainda é majoritariamente subordinada ao que é produzido nos EUA". Em outro estudo do gênero, Kovacs et al. (2004, p. 13) verificaram que "a grande maioria dos trabalhos publicados na área de marketing do EnAnpad é de ordem quantitativa". Sampaio e Perin (2006) detectaram que, entre 1990 e 2005, dos 527 artigos apresentados nos EnAnpad e no Encontro de Marketing da Anpad (EMA), 407 adotaram uma abordagem positivista.

Pereira e Luce (2006, p. 9) destacam que três dos problemas enfrentados pela disciplina de marketing estão também presentes no marketing de relacionamento (MR): "o isolamento em relação a outras disciplinas, a hegemonia do positivismo estatístico e a aversão à pluralidade e à crítica". Uma evidência, nesse sentido, é encontrada no levantamento feito por Almeida, Lopes e Pereira (2006, p. 9): do total de 33 trabalhos sobre MR, publicados nos EnAnpad e na RAE, no período de 1990 a 2004, 23 utilizaram métodos quantitativo-descritivos.

Verifica-se, portanto, que tal posição ocupada pela academia brasileira de marketing retrata uma experiência de dependência que ignora subjetividades, inferiorizando as manifestações locais na geração de um conhecimento construído com base em suas próprias necessidades. Sendo assim, Mello (2006) questiona se o conhecimento de marketing, gerado nas pesquisas realizadas no Brasil, é adequado e/ou reflete a realidade brasileira.

Conforme observa Farias (2006), em relação aos métodos de pesquisas, essa realidade, ainda que lentamente, tende a mudar. Para esse autor, o número crescente de artigos com metodologias qualitativas nos EnAnpad e nos EMA demonstra que é saudável o uso de propostas flexíveis para a análise dos problemas de marketing.

Diante do exposto, este artigo instiga a reflexão de como as pesquisas da área de marketing de relacionamento no mercado consumidor (MRC), utilizando a combinação de métodos, pode ser relevante para um desenvolvimento teórico que seja construído com base nas especificidades brasileiras empresariais, sociais e culturais. Parte-se do pressuposto que o consumo e as trocas são fenômenos sociais e que exigem uma abordagem multidisciplinar para sua melhor compreensão.

Por isso, este artigo tem por objetivodiscutir a etnografia e a grounded theory como metodologias de pesquisa em MRC. Considerando esse objetivo, o procedimento metodológico refere-se à pesquisa teórica fundamentada em uma extensa revisão bibliográfica resultante de uma dissertação de mestrado que procurou realizar uma investigação sobre o MRC. Foram analisadas as publicações recentes, nacionais e internacionais, que se referem ao tema, sejam livros, periódicos, anais de congressos, relatórios de pesquisa e dissertações. Com base em tal investigação, foi elaborado o presente ensaio de caráter analítico e descritivo.

2 O ESTADO ATUAL DA PESQUISA SOBRE MRC

O tema marketing de relacionamento (MR) ou trocas relacionais tem sido, desde os anos 1980, foco de especial atenção, seja no âmbito acadêmico, seja nas práticas gerenciais. Entretanto, a perspectiva do MR se desenvolveu, inicialmente, nos contextos do mercado industrial (interorganizacional) e de serviços. Com relação ao mercado de consumo, muitos acadêmicos permaneceram céticos, afirmando que a tentativa de desenvolver relacionamentos nesse contexto era inapropriada em razão das especificidades deste, entre elas: o tamanho do mercado, a natureza da competição, a anonimalidade dos consumidores, as interações limitadas entre consumidores e organização, e as dificuldades associadas com o uso intrusivo da tecnologia. Assim, o marketing de relacionamento no mercado consumidor (MRC) não teve o mesmo destaque que o contexto interorganizacional (O'MALLEY; TYNAN, 2000).

De acordo com O'Malley e Tynan (2000), o ano de 1995 pode ser considerado o marco inicial para a aceitação do MRC. Sheth e Parvatiyar (1995b) justificaram o interesse acadêmico no MRC, argumentando que a mudança de paradigma das transações para os relacionamentos foi relacionada a um movimento para mais interações diretas no mercado interorganizacional ou no mercado consumidor. Sheth e Parvatiyar (1995a) propuseram que era possível aplicar o MR no mercado consumidor; que tanto consumidores como organizações necessitam de relacionamentos e que a participação dos consumidores nos programas de lealdade era uma evidência disso. Esses autores estabeleceram uma profícua relação entre a literatura existente sobre comportamento do consumidor, a emergente literatura de MR e a literatura operacional associada ao marketing direto e de banco de dados. Com isso, lançaram-se os fundamentos para o MRC.

A partir de 1995, houve uma explosão de trabalhos que tentavam identificar: 1. a motivação dos consumidores e das organizações para se engajarem em relacionamentos no mercado consumidor, 2. as situações nas quais o relacionamento construído era praticável, e 3. a natureza dos relacionamentos no mercado consumidor (COVIELLO; BRODIE; MUNRO, 1997; GRÖNROOS, 1996; GRUEN, 1995; PALMER, 1995). Porém, apesar de o MR já ter atraído a atenção de um número considerável de pesquisadores e praticantes de marketing em várias partes do mundo, seus fundamentos conceituais ainda não foram totalmente desenvolvidos, e diversos autores continuam cautelosos e têm questionado as bases conceituais e empíricas do MRC (BAGOZZI, 1995; BARNES, 1997, 2002; BEJOU, 1997; FOURNIER; DOBSCHA; MICK, 1998; GRUEN, 1995; O'MALLEY; PATTERSON, EVANS, 1997; O'MALLEY; TYNAN, 2000). Coletivamente, esses trabalhos refletem e discutem um número significativo de tensões que permanecem ao estenderem o MR para o mercado consumidor.

Apesar de o MR ser alvo de críticas, ele agora é considerado uma estratégia praticável, extensiva ao mercado de consumo de massa (GRÖNROOS, 1996; GUMMESSON, 2005; SHETH; PARVATIYAR, 1995a). Contudo, tal expansão não acontece sem controvérsias. Conforme destacam Slongo e Liberali (2004), a existência de relacionamentos legítimos com consumidores é um tema ainda polêmico em MR. No limite, autores como Hibbard e Iacobucci (1998) chegam a afirmar que o MRC não existe, pois não há nenhuma evidência empírica de tais relacionamentos.

Nesse sentido, uma das principais críticas dirigidas ao MRC está relacionada à carência de pesquisas nesse contexto. As pesquisas existentes sobre MR têm sua vertente voltada ao contexto relacional entre empresas e negligenciam os relacionamentos com consumidores (GRUEN, 1995; ROCHA; LUCE, 2006).

Na década de 1990, no contexto internacional, estudos sobre o MRC ainda eram poucos (BENDAPUDI; BERRY, 1997; GRUEN, 1995; SHETH; PARVATIYAR, 1995a). Alguns autores consideravam esse fenômeno completamente novo (SHETH; PARVATIYAR, 1995a), e outros afirmavam que a voz do consumidor estava ausente em muito do MR (BUTTLE, 1996). Mais de uma década depois, hoje esta tendência parece permanecer.

Embora a metáfora relacional domine o pensamento e a prática do marketing contemporâneo, pouco trabalho empírico tem sido conduzido sobre o fenômeno relacional no domínio de produtos de consumo (FOURNIER; DOBSCHA, MICK, 1998). Singh e Sirdesmukh (2000) também ressaltam que faltam trabalhos teóricos e que poucos pesquisadores têm usado a perspectiva do consumidor para examinar as trocas relacionais. Assim, faltam, tanto do ponto de vista teórico quanto empírico, trabalhos sobre MRC (PELS, 1999).

No contexto brasileiro, de acordo com Brei e Rossi (2005), D'Angelo, Schneider e Láran (2006), Machado et al. (2005), Rocha e Luce (2006) e Santos e Rossi (2002), o relacionamento entre empresas e o consumidor é também um tema ainda pouco explorado. Entretanto, Almeida, Lopes e Pereira (2006), ao realizarem um inventário da produção acadêmica brasileira sobre MR, identificaram uma supremacia1 1 Do total de 33 trabalhos sobre MR publicados no EnAnpad e na Revista de Administração de Empresas (RAE), no período de 1990 a 2004, 15 deles se referem a estudos de relacionamentos entre empresas e clientes finais (ALMEIDA; LOPES; PEREIRA, 2006, p. 8). de trabalhos focando o relacionamento com o consumidor final, o que, para as autoras, pode demonstrar uma linha de pesquisa no Brasil que difere dos estudos iniciais sobre o tema internacionalmente.

Embora o estudo das relações de troca entre empresas e consumidores finais no Brasil esteja despontando, a maior parte desses trabalhos, de acordo com Almeida, Lopes e Pereira (2006), utiliza métodos quantitativos, o que dificulta uma compreensão mais intensa da natureza dos vínculos existentes entre empresas e consumidores. Acredita-se, portanto, que muitas das dificuldades enfrentadas pelo MRC estão relacionadas ao tipo de métodos utilizados nas suas pesquisas, pois os tipos de métodos até agora utilizados nas pesquisas de MRC não permitem a investigação "por dentro" da realidade dos atores, ou seja, não permitem observar as pessoas durante o processo de troca; não permitem compreender por que as pessoas - empresas (funcionários), de um lado, e consumidores, de outro - se engajam em relações de troca.

2.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE METODOLOGIA DE PESQUISA NO MR

Sobre as opções metodológicas, Bejou (1997) destaca que muita ênfase tem sido dada ao uso de métodos quantitativos, positivismo lógico e empirismo nos estudos de marketing de relacionamento. Por isso, o autor sugere o uso de metodologias qualitativas na coleta de dados. Para Podestá e Addis (2003), há a necessidade de questionar os métodos que são utilizados nas pesquisas sobre MR. De acordo com os autores, os pesquisadores, para estudar um fenômeno tão complexo, resolvem a complexidade definindo um conjunto de variáveis e estudam as correlações e os impactos. A conseqüência disso é que a proximidade, a vibração e a riqueza da variação são todas degradadas, por padronizarem declarações e conclusões simplistas. Assim, o consumidor se torna uma média, um número, uma porcentagem e, às vezes, até alguns decimais: "o relacionamento pessoal se tornou um relacionamento estatístico" (GUMMESSON, 2005, p. 95).

Para diversos autores, o MR representa um novo paradigma (GRÖNROOS, 1996; GUMMESSON, 2005; SHETH; GARDNER; GARRET, 1988; SHETH; PARVATIYAR, 1995b). Nesse sentido, Gummesson (2005, p. 290) defende que "uma mudança de paradigma implica que uma ciência ou disciplina receba uma nova base, novas suposições ou novos métodos". Por isso, é fundamental que o pesquisador esteja ciente de que o mundo possui relações tão complexas que uma abordagem estritamente determinística pode ser inadequada (VIEIRA et al., 2002). Como pontuam Douglas e Isherwood (2004, p. 110), é preciso ver a "tapeçaria inteira como um todo, o retrato e o processo de tecelagem, antes de prestar atenção aos fios individuais".

Grönroos (1993) destaca que a abordagem relacional não proporciona aos usuários uma lista agrupada das variáveis de marketing fáceis de serem implementadas. Ao contrário, ela força as pessoas a pensar por si próprias e a analisar as situações de marketing. Nesse sentido, a pesquisa em MR, seguindo processos metodológicos rigorosos e pouco flexíveis, torna-se incapaz de analisar com propriedade toda a complexidade que permeia as interações sociais (VIEIRA et al., 2002).

Com efeito, acredita-se que a abordagem qualitativa possibilita uma compreensão mais aprofundada dos fenômenos sociais. Buscar o significado das ações humanas é algo fascinante e desafiador, e essa busca está intimamente relacionada a um esforço constante para interpretar a realidade humana e chegar mais perto dela. Assim sendo, procurar entender o homem, suas peculiaridades e individualidades de forma matemática e estatisticamente é quase que impossível (VIEIRA et al., 2002). Por isso, diversos autores (ALMEIDA; LOPES; PEREIRA, 2006; BEJOU, 1997; FOURNIER; DOBSCHA; MICK, 1998; PODESTÁ; ADDIS, 2003; ROCHA; LUCE, 2006) têm evidenciado a importância da utilização de métodos qualitativos nos estudos sobre MR. Não se trata de postular que os métodos qualitativos sejam a única alternativa para compreender os relacionamentos, mas de alertar, assim como faz Gummesson (2005, p. 221), que "os indicadores são aproveitáveis até um certo ponto, mas todos são adicionais a outros tipos de informação".

Para Rocha e Luce (2006), o uso de métodos qualitativos de pesquisa, como entrevistas etnográficas, discussões em grupo de foco e análise de incidentes críticos, entre outras metodologias qualitativas, pode auxiliar no entendimento nas relações de troca e dos vínculos entre empresas e consumidores.

Antes, porém, de discutir a contribuição que a metodologia qualitativa pode dar ao MRC, convém apresentar duas abordagens que são objetos de estudo neste trabalho: a etnografia e a grounded theory.

3 ETNOGRAFIA E GROUNDED THEORY

A leitura do trabalho de Farias (2006), que apresenta uma interessante discussão a respeito da pesquisa flexível (qualitativa) em marketing, instigou a reflexão e, posteriormente, a elaboração deste trabalho com o objetivo de discutir a etnografia e a grounded theory como metodologias de pesquisa em MRC. Sendo assim, surgiu o interesse em elaborar este trabalho que pretende contribuir com estudantes e pesquisadores, em especial da área de marketing, ao apresentar idéias, reflexões e entendimentos que podem servir tanto de contrapeso como de alternativas ao que é veiculado sobre a pesquisa científica em marketing no Brasil.

De acordo com Lowenberg (1993), a etnografia e a grounded theory caracterizam-se como tipos de pesquisa interpretativa variantes do interacionismo simbólico.

Com relação à pesquisa interpretativa, Cassiani, Caliri e Pelá (1996) destacam os estudos da linha qualitativa e as pesquisas indutivas. Além disso, referenciam que o termo "pesquisa interpretativa" deriva tanto do reconhecimento básico dos processos interpretativos como dos cognitivos inerentes à vida social. Nesse sentido, a perspectiva interacionista emerge da interpretação, da percepção ou do significado que determinada situação/contexto ou objeto tem para um ator social. A sociedade é vista como uma entidade composta de indivíduos e de grupos em interação (consigo mesmos e com os outros), que compartilham sentidos ou significados sob a forma de compreensão e expectativas comuns (HAGUETE, 1992).

Fundamentadas nesses princípios da pesquisa interpretativa e do interacionismo simbólico, observa-se que a grounded theory e a etnografia são abordagens coerentes para os estudos sobre o comportamento humano, uma vez que sintetizam a maneira como as pessoas definem os eventos ou a realidade e como agem em relação a suas crenças.

Em face de tais observações, verifica-se que a associação entre essas duas abordagens se justifica, visto que ambas possuem a mesma orientação ontológica, ou seja, a interpretação como base da realidade para os atores sociais.

3.1 ETNOGRAFIA

A etnografia é uma metodologia de pesquisa que foi desenvolvida no campo da antropologia, para gerar conhecimento em relação a grupos de pessoas, inicialmente com foco em grupos exóticos e primitivos. Com o passar do tempo, seu uso foi ampliado para outras disciplinas, mantendo-se a intenção de compreender o comportamento de grupo (GOULDING, 2002).

Etno é um termo grego que significa povo. Os gregos o utilizavam para denominar outros povos que não eles mesmos, ou seja, os bárbaros. Grafia significa a descrição, que pode ser total ou parcial da religião, da cultura ou das relações sociais (GOULDING, 2002). Assim, a palavra etnografia significa a descrição sociocultural de um determinado grupo. Pettigrew (2000, p. 256) destaca que a etnografia tem interesse especial pela cultura. Na verdade, a palavra etnografia significa a "escrita da cultura". O principal objetivo dessa metodologia é ver o mundo através dos olhos dos membros da cultura que se está pesquisando, além de explicar as atividades em que estes se engajam por períodos de tempo significativos. Dessa forma, é o estudo de uma sociedade "por dentro" de seu universo de significações que dá sentido a todos os seus comportamentos. A sua principal característica é a busca dos "porquês" do grupo estudado, sendo, portanto, um método de pesquisa qualitativa.

Neste trabalho, não se discute o aspecto filosófico da pesquisa etnográfica, mas, sim, seu desenvolvimento e sua aplicação como método de pesquisa. Assim, em termos práticos, a etnografia refere-se à pesquisa social que possua características como: ênfase na exploração da natureza de um fenômeno social particular, entrevistas em profundidade, observação participante, análise de discursos dos informantes, investigação em detalhe, perspectiva microscópica e interpretação de significados e práticas sociais, que assumem a forma de descrições verbais (HAGUETE, 1992). Portanto, o olhar etnográfico não é somente uma técnica, mas também uma postura.

Uma postura que pressupõe uma concepção da realidade em que o real não se encontra predefinido impõe a idéia de que são os próprios atores que definem a situação na qual se encontram e, ao fazerem isso, constroem-na coletivamente. O trabalho de campo, dessa forma, obriga o pesquisador a aprender a cultura do grupo observado, privilegiando a investigação, a estada prolongada junto à população estudada, a impregnação dos costumes e das práticas dos grupos, debruçando-se então sobre o estranho e o seu significado.

Segundo Barbosa (2003, p. 100), do ponto de vista metodológico, a etnografia consiste "no processo de observar, participar e entrevistar o 'nativo' em suas condições reais de existência, tentando entender e mapear a completude de sua vida". A observação participante caracteriza a maior parte das pesquisas etnográficas, sendo considerada muito importante. Esse tipo de observação requer que o pesquisador permaneça em campo ao mesmo tempo que mantenha uma distância profissional do grupo pesquisado para que possa observar e registrar os dados adequadamente.

Quanto àcoleta de dados, a observação do contexto social estudado é fundamental dentro da pesquisa etnográfica, pois os informantes não têm necessariamente, em sua consciência, as razões culturais que explicam seus comportamentos. Por isso, é importante que o pesquisador passe um tempo prolongado no campo, participando de todos os eventos, dos mais comuns e cotidianos até os mais excepcionais e ritualizados - daí o nome de observação participante -, para ir aos poucos compreendendo o sentido da vida dos pesquisados e descobrindo os valores inconscientes e não revelados durante as entrevistas (ROCHA; BARDOS; PEREIRA, 2005). Outro ponto fundamental na coleta é que, independentemente da linha teórica do pesquisador, a observação participante implica um período de pelo menos um ano dedicado à permanência em campo (SANDAY, 1979). Contudo, Elliott e Jankel-Elliott (2003) discutem o conceito de commercial ethnography ou quase-ethnography que reduz o tempo de imersão em campo para viabilizar sua adaptação ao timing do mundo dos negócios.

Com o aumento da utilização da etnografia em outras áreas, houve uma adequação também com relação à quantidade de pesquisadores. Tradicionalmente, a etnografia consiste em um estudo realizado por um único pesquisador que desenvolve todo o processo. Entretanto, atualmente é freqüente a formação de um grupo de pesquisadores para realizar a coleta de dados (MARIAMPOLSKI, 2006).

Apesar de o método etnográfico ter sofrido adaptações ao ser utilizado em outras áreas fora da antropologia, Geertz (1989) alerta que, para poder entender o grupo que está sendo estudado, a etnografia utiliza diversos tipos de fontes de coleta de dados e diferentes tipos de métodos de análise e interpretação destes, mas o tipo de coleta de dados não deve ser entendido como sinônimo de etnografia. Para o autor, a etnografia não é apenas o estabelecimento de relações, seleção de informantes, transcrição de textos, levantamento de genealogias, mapeamento de campos e manutenção de um diário, mas, sim, um tipo de esforço intelectual, ou seja, uma descrição densa que se constitui em algo além de um relato detalhado de tudo que tiver sido observado, pois não basta apenas descrever minuciosamente, é preciso compreender o porquê dos comportamentos sociais.

No que se refere à análise e à interpretação dos dados, Goulding (2002) afirma que, independentemente do tipo de dados coletados, o pesquisador deve apresentá-los por meio da perspectiva do pesquisador (etic) e do nativo (emic)2 2 Os termos emic e etic em antropologia foram originalmente introduzidos pelo lingüista Kenneth Pike, em 1954. Eles se originaram dos sufixos dos termos phonemic e phonetic, que são categorias familiares na análise lingüística. Esses termos, grosso modo, distinguem a estrutura do som como analisado por um lingüista ( phonetic) ou do significado dos sons para o nativo ( phonemic). O termo emic, a partir daí, passou a denominar a orientação geral da pesquisa centrado no nativo, isto é, o "de dentro" ou a visão da realidade do informante. Assim, a abordagem emic enfatiza, em geral, categorias e significados dos respondentes ou nativos, e em particular regras e comportamentos do respondente. Etic designa a orientação do pesquisador de fora, que tem suas próprias categorias, na qual o mundo do indivíduo está organizado (MOREY; LUTHANS, 1984). , buscando identificar padrões e idéias que ajudem a explicar a existência dos comportamentos e das relações com uma visão mais holística.

Após a coleta de dados em campo, o pesquisador deve escolher qual a técnica de análise irá empregar. A principal técnica é a análise de conteúdo. A tarefa do pesquisador nessa fase é identificar categorias e instâncias nos dados por meio da desagregação do texto em fragmentos, para depois reagrupá-los por temas. Essa reorganização do conteúdo é a base para a interpretação dos fenômenos. Vale ressaltar que as análises resultantes da pesquisa etnográfica são subjetivas e parciais, e sua análise é válida para um grupo específico, levando a uma única interpretação do fenômeno estudado (PETTIGREW, 2000).

Embora venha se popularizando em marketing, a pesquisa etnográfica contemporânea está sendo utilizada sem as especificações metodológicas dos antropólogos. Isso não significa que apenas antropólogos possam fazer esse tipo de pesquisa, pois qualquer metodologia pode ser utilizada por qualquer pesquisador, desde que esteja ciente das implicações práticas e teóricas da utilização do método (BARBOSA, 2003).

Em marketing, a aplicação da etnografia visa superar limitações do estudo do comportamento do consumidor impostas por outras metodologias, que, diferentemente da etnografia, buscam explicar o comportamento do consumidor como racional, objetivo e independente do contexto sociocultural.

De acordo com Barros (2004, p. 1), o campo da antropologia é bastante útil para os pesquisadores de marketing, pois sua abordagem "chama a atenção para a dimensão cultural e simbólica inscrita em qualquer relação humana". Dessa forma, a etnografia seria a metodologia antropológica adequada para determinar o que orienta a vida do grupo pesquisado em termos de relações de trocas comerciais, neste caso entendida como um fenômeno coletivo. Do ponto de vista antropológico, as trocas comerciais são analisadas também no nível da ação social e não apenas no nível individual (e econômico).

A principal vantagem da utilização da etnografia em marketing reside na possibilidade de que esse trabalho pode ser realizado em ambiente natural. Portanto, deve ser realizado onde ocorre o comportamento, e não em laboratórios, pois as pessoas estudadas ficam mais à vontade. Além disso, a etnografia dá ao pesquisador a possibilidade de observar comportamentos, e não apenas atitudes expressas. Outro ponto importante é que a etnografia possibilita observar pessoas se relacionando com outras de seu grupo de convívio, o que não ocorre em grupos de foco, por exemplo (ELLIOTT; JANKEL-ELLIOTT, 2003).

Segundo Mariampolski (2006), dentro do escopo de marketing, possíveis locais para a realização de estudos etnográficos são os próprios lares de consumidores, ambientes de varejo, empresas ou locais públicos, como aeroportos, hospitais e escolas.

Essa contribuição é necessária porque, conforme abordaram Ikeda, Pereira e Gil (2006), o uso da etnografia ainda é incipiente. Existe pouca bibliografia referente à sua aplicação em marketing. Dessa forma, não há uma discussão amadurecida de como a etnografia, desenvolvida na antropologia, pode ser aplicada aos problemas de marketing. Até mesmo a discussão sobre os métodos dentro da própria antropologia é controversa, passando por discussões filosóficas da pesquisa etnográfica que variam de acordo com a linha que cada antropólogo adota (IKEDA; PEREIRA; GIL, 2006).

A utilização da pesquisa etnográfica em marketing, como qualquer outro método de pesquisa, tem suas limitações. Trata-se de um tipo de pesquisa mais caro que os demais tipos, por sua necessidade de permanência em campo por um longo período de tempo. Outra limitação importante é em relação à neutralidade do pesquisador, uma vez que ele é um observador participante inserido no contexto da pesquisa. Assim, torna-se necessário que o pesquisador mantenha sua distância profissional e que seja fiel às perspectivas emic e etic.

Ao analisarem os principais estudos etnográficos estrangeiros em marketing, Ikeda, Pereira e Gil (2006) observaram que, dentre os quinze estudos internacionais consultados, doze não utilizaram a observação participante. Para as autoras, isso mostra que, apesar da recomendação em relação à utilização desse método de coleta de dados, alguns pesquisadores não o utilizam, o que pode significar que ainda há dificuldade em se realizar a etnografia conforme os parâmetros antropológicos. Além disso, apenas seis, dos quinze estudos internacionais que foram analisados utilizaram coleta de dados no campo com duração igual ou superior a um ano. Os estudos nacionais, por sua vez, apresentam as mesmas dificuldades. As principais alterações quanto à pesquisa etnográfica tradicional também se relacionaram ao período de tempo de coleta de dados em todos os estudos analisados e à não-utilização da observação participante em alguns estudos. As limitações encontradas nos estudos etnográficos analisados por Ikeda, Pereira e Gil (2006) corroboram as críticas de Elliott e Jankel-Elliott (2003) e Barbosa (2003), que afirmam que alguns pesquisadores negligenciam o rigor metodológico.

Alguns autores, como Mariampolski (2006), Barbosa (2003), Rocha, Barros e Pereira (2005), apresentam questões referentes ao uso da etnografia em marketing, entretanto não existe um consenso metodológico. Ademais, não existem muitos estudos que relatem etnografias realizadas em marketing, ou seja, que mostrem a aplicação da técnica neste campo. Dentre os estudos etnográficos existentes, também é possível observar que utilizam métodos bastante difusos, não havendo muitos padrões metodológicos. Contudo, vale ressaltar que a pesquisa etnográfica não deve ser empregada como um fim em si mesma, regida por "modismos" de pesquisa. Afinal, é uma pesquisa complexa, cara e demorada, que requer um alto comprometimento do pesquisador com o campo e com a pesquisa como um todo.

3.2 GROUNDED THEORY

O método grounded theory foi desenvolvido como uma resposta à falta de novas teorias geradas pela sociologia e tem sua ênfase no caráter socialmente construído da realidade, para produzir interpretações que possam explicar o fenômeno social e oferecer informações de valor para aqueles envolvidos no comportamento em estudo. Busca-se com esse procedimento a identificação de categorias conceituais derivadas de dados, por meio de métodos comparativos, pela verificação de incidentes encontrados nos dados e pelos conceitos teóricos emergentes.

Portanto, a grounded theory, como um conjunto de práticas de pesquisa, reflete algumas das pressuposições teóricas e metodológicas do interacionismo simbólico sobre a natureza do mundo social e a forma como ele pode ser estudado, ou seja, observando e entendendo o comportamento das pessoas sob o ponto de vista delas, aprendendo sobre o mundo dos pesquisados, sobre a interpretação que eles fazem de si no contexto de uma dada interação. Além disso, incorpora a noção de que todo processo de pesquisa deve estar sujeito e precisa ser validado pelo "teste do mundo empírico". Assim, questões apropriadas para estudo seriam aquelas relevantes e problemáticas em uma dada situação social "real". Os pesquisadores engajados no movimento interacionista simbólico têm também, em geral, a pretensão de interpretar as ações, de ir além de descrições densas para desenvolver uma teoria que incorpore conceitos de self, linguagem, contexto e objetos sociais (GOULDING, 1999).

Conhecida como abordagem e também como método, a grounded theory é um modo de construir indutivamente uma teoria assentada nos dados, por meio da análise qualitativa destes, e que, agregada ou relacionada a outras teorias, poderá acrescentar ou trazer novos conhecimentos à área do fenômeno (CASSIANI; CALIRI; PELÁ, 1996). Vale ressaltar que não há uma tradução convencional para o termo grounded theory. Na língua portuguesa, alguns autores usam a tradução "teoria fundamentada nos dados", visto que um estudo baseado na grounded theory busca gerar teoria relacionada a uma situação particular, incorporando, particularmente, as ações, as interações e os processos das pessoas envolvidas.

Essa metodologia de pesquisa qualitativa foi desenvolvida no final da década de 1960 por Barney Glaser e Anselm Strauss, que combinavam o interacionismo simbólico com os métodos estatísticos aplicados à pesquisa sociológica. A intenção desses autores era ocupar uma lacuna na produção metodológica entre a elaboração de grandes sistemas teóricos e a pesquisa empírica. Não se trata de verificar, por meio de testes empíricos, o valor de verdade de enunciados observacionais, mas de aplicar uma teoria que é gerada indutivamente com base nos dados empíricos. Procura-se, então, discriminar as condições e circunstâncias que circunscrevem o sucesso de sua aplicação, não importando a condição de verdade dos enunciados da teoria emergente.

Posteriormente, já sem a participação de Glaser, Strauss (1987) aprimora a grounded theory em uma obra que se tornou um clássico na metodologia qualitativa das ciências sociais: Qualitative analysis for social scientists. Em 1990, Strauss faz uma articulação com Juliet Corbin, originando uma nova obra com enfoque mais próximo da sociologia compreensiva (STRAUSS; CORBIN, 1990). Para eles, a grounded theory é um método de análise de dados, particularmente sensível a contextos, que permite a compreensão do sentido de determinadas situações. Dessa forma, a teoria é descoberta, desenvolvida e verificada por meio da coleta e análise de dados referentes ao fenômeno propriamente dito.

No entanto, quando se fala de uma teoria que emerge dos dados, parece natural perguntar sobre esse tipo de teoria (SANTOS; PINTO, 2007). Para Glaser e Strauss (1967), a grounded é uma teoria substantiva, que se distancia do sentido positivista de teoria (DEY, 1999), que simplifica e ordena a complexidade da vida social por meio de generalizações e grandes narrativas. As teorias substantivas procuram refletir a complexidade de uma realidade local com base nas experiências vividas por determinado grupo social. Além disso, são específicas, limitadas em seu escopo, ricas em detalhes e aplicáveis apenas dentro dos limites de um dado contexto social.

Como a preocupação fundamental da grounded theory está em tentar evitar que idéias preconcebidas assumam o controle do processo de construção de novas teorias, a pesquisa não deve iniciar pela definição de uma estrutura teórico-analítica, mas, sim, com um problema geral concebido apenas em termos de perspectivas disciplinares mais amplas (DEY, 1999). Nesse sentido, a teoria fundamentada nos dados caracteriza-se como um método sistemático de coleta, organização e análise de dados que são extraídos do mundo empírico.

O processo de grounded theory tem início com a identificação de uma área de interesse e com a coleta de dados. Freqüentemente, adota-se essa metodologia quando um tópico de interesse tem sido ignorado na literatura ou tem apenas atenção superficial, e a missão do pesquisador é construir sua própria teoria a partir da base. Farias (2006) destaca que a dificuldade em aplicar essa metodologia surge quando a área de interesse tem uma base consolidada e empírica na literatura. Mesmo assim, ainda pode ser utilizada, com cuidado para não influenciar com preconceitos a visão do pesquisador.

Com relação à coleta de dados, a grounded theory compartilha algumas similaridades com outros métodos de pesquisa qualitativa, sendo as entrevistas as mais utilizadas. De acordo com Cassiani, Caliri e Pelá (1996), as entrevistas seguem, em geral, um plano determinado de ação e são empregadas quando se deseja obter informações em profundidade, podendo ser estruturadas ou não estruturadas. A entrevista estruturada, também denominada estandardizada ou padronizada, tem a premissa de que todas as respostas devem ser comparáveis com o mesmo conjunto de perguntas, e as diferenças refletirão as diferenças entre os indivíduos. As questões devem ter o mesmo significado, podendo haver liberdade na escolha das palavras, na seqüência e no momento de fazê-las.

Já na entrevista não estruturada, não padronizada ou não estandardizada, o entrevistador nem sempre tenta obter o mesmo tipo de resposta usando o mesmo tipo de perguntas. Tem sido referida como entrevista em profundidade, intensiva ou então denominada entrevista qualitativa. O propósito é obter as informações com as próprias palavras dos respondentes, obter descrição das situações e elucidar detalhes. Outros métodos como observação (participativa ou não), grupos de foco, história de vida e análise de documentos podem ser utilizados na coleta de dados.

Vale ressaltar que, na coleta de dados, o pesquisador deve interagir e/ou encontrar com os pesquisados, quantas vezes forem necessárias ao longo de todo o processo de pesquisa, a fim de co-construir com eles os sentidos das suas "palavras" e dos seus comportamentos/ações observados, e com o propósito de revisitar os cenários nos quais eles agiram/interagiram (SANTOS; PINTO, 2007).

Segundo a orientação de Strauss e Corbin (1990), a análise de dados na grounded theory requer algumas etapas a serem seguidas, tais como: interação com os dados, codificação aberta, codificação axial, codificação seletiva e delimitação da teoria.

O primeiro momento do processo de análise consiste na interação com os dados, no qual o pesquisador deve realizar leituras minuciosas, que fornecerão as informações fundamentais que serão utilizadas no processo de codificação. Com relação à codificação, Yunes e Szymanski (2005) a destacam como um procedimento por meio do qual os dados são divididos, conceitualizados e inter-relacionados. Diante disso, a codificação, como processo analítico, tem por objetivos: construir a teoria, dar ao processo científico o rigor metodológico necessário e auxiliar o pesquisador a desenvolver o fundamento, a densidade, a sensibilidade e a integração necessária para gerar uma teoria.

Na codificação aberta, os dados transcritos devem ser examinados cuidadosamente, linha por linha, para que as propriedades e as dimensões possam ser extraídas e conceitualizadas em categorias. Vale ressaltar que, nesse processo, é comum o pesquisador deparar com questões imprevistas sobre as quais ele ainda não tinha "pensado" (SANTOS; PINTO, 2007). Diante disso, ele deve formular algumas questões para si mesmo, sobre o fenômeno que está sendo examinado, podendo também buscar respostas em outros momentos da entrevista, o que o auxiliará na identificação das dimensões e na descoberta das categorias. Portanto, sob essa perspectiva, a codificação torna-se um processo fundamentalmente criativo que inspira o pesquisador a examinar os aspectos "escondidos" dos fenômenos sob investigação.

Além disso, nessa etapa, todos os dados são passíveis de uma codificação, cujos códigos podem ser agrupados por suas similaridades ou diferenças conceituais e designados como categorias. Depois de as categorias serem delimitadas e as subcategorias emergirem, o pesquisador notará dois tipos: aquelas categorias que ele mesmo construiu e as que foram abstraídas da linguagem de pesquisa.

Yunes e Szymanski (2005) também acrescentam algumas dicas para proceder à codificação aberta: realizar questionamentos constantes sobre os dados, interromper sempre a codificação para anotar uma idéia que tenha emergido (memorandos) e não assumir a relevância analítica de qualquer variável até que ela apareça como relevante.

Segundo Strauss e Corbin (1990), o próximo passo da análise é denominado "codificação axial", a qual representa um conjunto de procedimentos em que os dados são agrupados de novas formas, por meio das conexões entre as categorias. Nesse estágio, um referencial conceitual tentativo é gerado usando os dados como referência. O pesquisador tenta descobrir o principal problema na cena social, do ponto de vista dos atores ou sujeitos participantes do estudo, e como eles lidam com o problema. Além disso, as categorias já formadas são analisadas comparativamente, com o intuito de tentar identificar as mais significativas. Portanto, esse processo reduz o número de categorias, visto que estas se tornam mais organizadas e integradas.

Para Cassiani, Caliri e Pelá (1996), os processos de codificação aberta e axial podem ser coexistentes, visto que, para integrarem e desenvolver as categorias, elas devem ser constantemente verificadas pelos dados que as compõem e que muitas vezes podem ser reorganizados. Portanto, trabalhar com a grounded theory exige do pesquisador uma grande flexibilidade de pensamento e uma disposição para o movimento de sair e voltar aos dados todo o tempo.

Já a codificação seletiva visa à emergência da variável central, que representa o pivô ou o principal tema ao redor do qual todas as categorias giram. Para Yunes e Szymanski (2005), as condições causais, o contexto, as condições intervenientes, as estratégias e conseqüências formam as relações teóricas pelas quais as categorias são relacionadas uma a outra e à categoria central. Esse procedimento força o pesquisador a desenvolver alguma estrutura teórica, que é denominada paradigma de análise. Nesse sentido, Cassiani, Caliri e Pelá (1996) propõem o uso de figuras ilustrativas do processo de codificação, para facilitar a visualização das conexões, bem como o entendimento do leitor, tornando, assim, a descrição do processo de codificação menos abstrata. Para Strauss e Corbin (1990), descobrir a categoria central, ao redor da qual todas as outras categorias se integram, significa sintetizar toda a história construída com base nos dados obtidos, explicando as diferenças e as semelhanças do fenômeno estudado.

Por fim, a delimitação da teoria consiste no momento em que pesquisador pode descobrir uniformidades no grupo original de categorias e formular a teoria com um grupo pequeno de conceitos de alta abstração, demarcando a terminologia e o texto. Para Santos e Pinto (2007), uma importante consideração nesse estágio consiste na sensibilidade teórica do pesquisador quanto à identificação, construção e medição dos conceitos que compõem a teoria emergente. De acordo com esses autores, a sensibilidade teórica refere-se à habilidade de dar significado aos dados e advém do conhecimento científico acumulado pelo pesquisador, além de sua experiência profissional e pessoal.

É importante também ressaltar que uma teoria fundamentada não é sempre e necessariamente construída exclusivamente com base nos dados coletados. Caso haja referências teóricas existentes que pareçam ser adequadas para o fenômeno que está sob investigação, elas não só podem, como devem ser utilizadas, refinadas, modificadas e adaptadas por meio da justaposição (ou contraposição) das observações feitas em campo (STRAUSS; CORBIN, 1990).

Diante dessas colocações, Pettigrew (2000) destaca que o uso da grounded theory deve ir além da descrição. Portanto, todo o processo de pesquisa requer a construção de uma teoria partindo do nível concreto, descritivo dos dados até chegar a um nível mais abstrato, mais analítico/conceitual em que se estabelecem as categorias teóricas e as suas inter-relações.

3.3 PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES

Pettigrew (2000) aponta a compatibilidade da etnografia com a grounded theory e informa que ambas são derivadas da perspectiva do interacionismo simbólico e que se baseiam fortemente na observação participativa. A etnografia foca-se na relevância da cultura para um determinado comportamento ou saída, e a grounded não tem nenhuma pré-concepção. A autora conclui que a etnografia oferece uma compreensão profunda das formas como os consumidores compram e usam itens específicos, bem como dos insights do consumo em geral. A metodologia da grounded theory pode gerar teorias substanciais do comportamento, oferecendo um meio de ampliar ou validar teorias existentes do comportamento do consumidor. A grounded tem como princípio que o pesquisador deve "estar lá" no campo, o que a aproxima da etnografia. Se combinados, podem oferecer um nível de detalhe e interpretação não disponível em outras metodologias.

Tendo apresentado o atual estado da pesquisa de MRC e as duas metodologias de pesquisa selecionadas como objeto de estudo, busca-se, no item a seguir, articular etnografia e grounded theory como metodologias de pesquisa em MRC, destacando suas possibilidades para a pesquisa desse tema de estudo.

4 ETNOGRAFIA E GROUNDED THEORY: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA ESTUDOS EM MRC

O MR vem buscando, na última década, estabelecer uma base teórica consistente, objetivando a sua consolidação como disciplina. Entretanto, no que se refere ao MRC, ainda há muito a ser feito. Autores como Bejou (1997) e O'Malley e Tynan (2000) concluíram que, apesar de mais de dez anos de interesse de acadêmicos e profissionais pela área de MR, a compreensão da natureza dos relacionamentos entre empresas e consumidores tem avançado pouco. Por isso, é premente a necessidade de promover a evolução teórica do campo do MRC para que haja uma definição mais clara dos limites e do escopo dessa área. Como a realidade das interações é diferente em cada contexto - organizacional, de serviços e de consumo -, torna-se necessário um desenvolvimento teórico próprio para o contexto de consumo. É nesse sentido que as metodologias qualitativas podem prestar grandes contribuições.

Se o MR significa interação e não estímulo-resposta (como no marketing tradicional), a questão, agora, é descobrir quais são as razões pelas quais as empresas (funcionários), de um lado, e consumidores individuais, de outro, engajam-se em relacionamentos interativos. Assim, com o uso da etnografia, pode-se ampliar a compreensão do processo de interação.

Acredita-se que uma forma adequada para obter o entendimento profundo do desenvolvimento do relacionamento é observar as pessoas durante o processo de troca. Apenas fazer perguntas às pessoas não revela tudo sobre elas. Nessa concepção, a combinação da etnografia com a grounded theory pode ser extremamente relevante para as pesquisas sobre MRC, pelo fato de a etnografia permitir a compreensão mais profunda da natureza dos relacionamentos e a grounded theory possibilitar a construção teórica com base nessa compreensão.

Dois fatores sustentam a proposição da combinação desses dois desenhos de pesquisa no MRC.

O primeiro refere-se ao fato de o MRC ser um assunto que recebeu atenção apenas superficial por parte dos pesquisadores. Nesse sentido, são necessários mais trabalhos tanto teóricos quanto empíricos. Se o MR no contexto de consumo tem sido tratado apenas superficialmente, o grande desafio, para os pesquisadores, é construir uma teoria própria a partir da base, ou seja, a partir do contexto de consumo, uma vez que a maior parte da literatura da área é derivada dos contextos organizacional e de serviços. Por isso, a grounded theory é um desenho de pesquisa adequado, uma vez que se adota essa metodologia quando um tópico de interesse tem sido ignorado ou tem apenas atenção superficial.

Sabe-se que um dos problemas nessa metodologia, conforme alerta Farias (2006), é que todo pesquisador tem seu background, e, realisticamente, ninguém começa uma pesquisa do zero em termos de influência/base teórica. No entanto, na pesquisa em MRC, se o pesquisador for ao campo sem preconceitos do tipo "relacionamentos no contexto de consumo não são possíveis" ou "existem relacionamentos legítimos entre consumidores e empresas" já será um grande avanço para a pesquisa. Isso porque existem na literatura autores que evidenciam as dificuldades de estabelecer relacionamentos nesse contexto, em razão de uma série de especificidades, além daqueles que afirmam que relacionamentos nesse contexto nunca existiram. Ao mesmo tempo, encontram-se críticas ao MRC pelo fato de existirem poucas pesquisas realizadas nesse contexto específico. Portanto, a afirmação de que não há possibilidades de estabelecer relacionamentos no mercado consumidor é, no mínimo, precipitada. Afinal, se poucas pesquisas foram realizadas nesse contexto, não se podem tirar conclusões definitivas. Sendo assim, ir ao campo, sem preconceitos, possibilitará uma investigação de um tema ainda polêmico em MR: a existência de relacionamentos legítimos no mercado consumidor.

O segundo fator, como observam Rocha e Luce (2006), é o fato de as teorias de MR serem oriundas, fundamentalmente, dos Estados Unidos e de países do norte da Europa, onde predominam culturas fundadas em relações impessoais. Entretanto, como afirmam diversos autores, dentre os quais DaMata (1990) e Figueiredo (1995), o Brasil é uma sociedade dual, na qual vigoram tanto os códigos relacionais como os impessoais. Nesse sentido, o MR, no Brasil, pode ter um novo formato. DaMata (1990), em seus estudos sobre a sociedade brasileira, afirma que somos uma sociedade, acima de tudo, relacional. Sendo assim, nas sociedades em que predominam as relações pessoais, a natureza dos vínculos precisa ser estudada de forma distinta.

Portanto, Rocha e Luce (2006) alertam, com relação à área do MR, que há a necessidade de avanços teóricos e metodológicos no contexto nacional. Por isso, os pesquisadores não podem ignorar a falta de correspondência entre realidade e teoria (realidade local e teorias globais). Assim, estudar realidades específicas (como a diferença nas relações de troca comercial que ocorrem no interior e nas capitais e as diferenças entre as trocas nas pequenas e grandes empresas) pode trazer contribuições relevantes tanto para a academia quanto para os profissionais.

Uma consideração importante é feita por Mello (2006, p. 207) quando afirma que o "marketing mainstream é direcionado e atende basicamente aos interesses de grandes corporações", deixando uma lacuna no que se refere às pesquisas com pequenas empresas. Porém, esse porte de empresa corresponde a 99,2% de todas as empresas brasileiras formais no ano de 2002 (SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO..., 2005).

Estudos locais poderiam ser considerados irrelevantes. Entretanto, se for levado em conta o número de pequenas cidades que compõem a população brasileira, fica mais fácil entender por que é importante estudar as trocas comerciais nesse contexto específico. Só para ter uma idéia dessa dimensão, dos 5.564 municípios brasileiros, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2007), 75% possuem até 20.000 habitantes. Ou seja, com esse percentual, podemos dizer que o Brasil é um país com uma configuração urbana bastante fragmentada.

A exposição dessas características do contexto nacional (tipo de sociedade, população e porte das empresas) serve de base para a tentativa de discutir o quanto a combinação da etnografia com a grounded theory poderia ser relevante para os estudos sobre o MRC no contexto brasileiro.

O uso da etnografia no marketing tem sido orientado para as pesquisas sobre o comportamento do consumidor. Contudo, nessa perspectiva, estuda-se apenas um lado (consumidor) do processo de troca. Já a perspectiva do MR visa estudar os dois lados, ou seja, empresas (funcionários), de um lado, e consumidores, de outro.

Em suma, se no Brasil o MR pode ter um novo formato em razão dos valores culturais da sociedade; se a população residente nas pequenas cidades é relevante; se a economia do país é composta, na maior parte, por pequenas e médias empresas; então estudar os relacionamentos (i) entre pequenas empresas e seus consumidores, (ii) entre empresas localizadas no interior e seus consumidores, e (iii) a influência ou não dos valores culturais no estabelecimento de relacionamentos poderia mostrar a verdadeira "cara" do Brasil em termos de relações de troca comercial. É justamente por causa de tantos aspectos a serem investigados que se propõe a combinação da etnografia com a grounded theory para as pesquisas sobre as relações de troca no contexto de consumo.

O fato de a etnografia estudar a vida social e os seus significados e ter interesse especial na cultura justifica a sua utilização no estudo das relações de troca, uma vez que as trocas fazem parte da nossa vida social. A utilização da grounded, por sua vez, também se justifica por seu foco no contexto. Assim, trazer ao MRC a contribuição do olhar antropológico e sociológico poderia desvendar aspectos subjacentes e reveladores sobre as relações de troca, aspectos ainda não explorados na área.

O uso da etnografia possibilita o estudo da influência dos valores culturais no estabelecimento dos relacionamentos entre empresas e consumidores. Sua utilização permitiria a identificação da natureza dos relacionamentos, e simultaneamente, por meio da utilização da grounded theory, poder-se-ia construir uma teoria específica sobre MRC com base na realidade brasileira.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste estudo foi discutir a etnografia e a grounded theory como metodologias de pesquisa em MRC. Verificou-se que a etnografia tem sido bastante utilizada na área de marketing. Já a grounded theory tem sido desconsiderada como opção metodológica. Entretanto, conforme discutido neste trabalho, a combinação de uma estratégia qualitativa de coleta de dados (etnografia) e uma metodologia de análise (grounded theory) mostrou-se apropriada para o estudo de MRC, uma vez que ambas têm o potencial de revelar por que consumidores e empresas se envolvem em relacionamentos de troca. Elas possibilitam um entendimento mais profundo do universo de significados, sistemas de crenças, valores, atitudes, padrões de interação e processos. Além disso, a conjugação dos métodos é essencial para expandir a compreensão de qualquer construto científico, visto que nenhum método apresenta mais verdade do que outro, e todos eles carecem de complementação.

A etnografia busca não apenas a descrição dos comportamentos, mas o motivo ou os "porquês" relacionados. Esse tipo de informação é extremamente difícil de obter apenas com métodos de pesquisa tradicionais em marketing, como entrevistas, grupos de foco ou ainda levantamentos e outros métodos que empregam análise quantitativa. Isso tem incentivado também os pesquisadores da área de marketing a buscar soluções alternativas capazes de lançar mão de teorias-metodologias complementares que permitam lidar com as ambigüidades, a fluidez e as contradições da "vida real". Assim, acredita-se que a etnografia e grounded theory têm grande importância nesse sentido, por permitir maior aproximação da "realidade" dos sujeitos pesquisados. Elas se mostram bastante adequadas, uma vez que proporcionam explicações holísticas e aprofundadas do contexto em foco.

Nessa concepção, acredita-se na possibilidade de construir uma abordagem teórica que leve em conta as subjetividades e as manifestações locais na geração de um conhecimento construído com base nas nossas próprias necessidades. Assim, cabe aos pesquisadores brasileiros da área de marketing fazer um esforço no sentido de conjugar áreas de pesquisas (como sociologia e antropologia) para uma melhor compreensão dos fenômenos de consumo e troca. Dentro das universidades, uma alternativa interessante é a co-orientação por parte de pesquisadores de áreas diferentes para auxiliar os pesquisadores da área de marketing. Acredita-se que a multidisciplinaridade seja fundamental na evolução e na busca de soluções para as necessidades do marketing na atualidade.

Finalmente, não se pretendeu, neste trabalho, defender que apenas os métodos qualitativos são adequados à pesquisa de MRC. A natureza do objeto e a ancoragem do pesquisador determinarão a opção de análise e o desenho da pesquisa. Assim, há vezes em que a pesquisa qualitativa é adequada, e, em outras, a quantitativa é o caminho a ser seguido. Entretanto, há possibilidades de intercâmbios, confrontos e criação de uma identidade e de um espaço de convivência. Até porque a grounded theory e a etnografia, mesmo sendo desenhos qualitativos, não impedem o uso de dados quantitativos.

Recebido em 15/2/2008

Aprovado em 28/4/2008

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  • 1
    Do total de 33 trabalhos sobre MR publicados no EnAnpad e na
    Revista de Administração de Empresas (RAE), no período de 1990 a 2004, 15 deles se referem a estudos de relacionamentos entre empresas e clientes finais (ALMEIDA; LOPES; PEREIRA, 2006, p. 8).
  • 2
    Os termos
    emic e
    etic em antropologia foram originalmente introduzidos pelo lingüista Kenneth Pike, em 1954. Eles se originaram dos sufixos dos termos
    phonemic e
    phonetic, que são categorias familiares na análise lingüística. Esses termos,
    grosso modo, distinguem a estrutura do som como analisado por um lingüista (
    phonetic) ou do significado dos sons para o nativo (
    phonemic). O termo
    emic, a partir daí, passou a denominar a orientação geral da pesquisa centrado no nativo, isto é, o "de dentro" ou a visão da realidade do informante. Assim, a abordagem
    emic enfatiza, em geral, categorias e significados dos respondentes ou nativos, e em particular regras e comportamentos do respondente.
    Etic designa a orientação do pesquisador de fora, que tem suas próprias categorias, na qual o mundo do indivíduo está organizado (MOREY; LUTHANS, 1984).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Jun 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Aceito
      28 Abr 2008
    • Recebido
      15 Fev 2008
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