Acessibilidade / Reportar erro

Introdução

Introdução

A partir da década de 1990, pesquisadores no campo de empreendedorismo têm se preocupado, em suas abordagens teóricas, em responder à seguinte questão: "Do que estamos falando quando falamos em empreendedorismo?” Esse debate tem sido sustentado por pesquisadores reconhecidos da área, tais como: William Gartner, Scott Shane, Sankaran Venkataraman, Saras Sarasvathy, Per Davidsson, Pierre André-Julien, dentre outros, e tem contribuído sobremaneira para a construção de bases epistemológicas em empreendedorismo.

Ainda que muitos aspectos da teoria não representem um consenso, é possível visualizar determinadas fronteiras que estabelecem o campo para estudos, tal como a busca de uma compreensão sobre o processo de criação e crescimento de negócios, abrangendo não apenas o surgimento, a identificação de oportunidades e o papel do empreendedor ou da empreendedora, mas também o ambiente e os agentes nele presentes.

Nesse sentido, o empreendedorismo representa a possibilidade de compreensão para além da abertura de um negócio, tanto antes como depois. Antes da abertura, porque não há como isolar ou dimensionar precisamente o momento exato em que ocorre a concepção de um novo negócio, mas sabe-se que a atividade empreendedora já se encontra em marcha. Depois, porque, mesmo após a abertura de um negócio, o processo de criação não se encerra de forma repentina.

Entretanto, limites dessa natureza não se restringem ao empreendedorismo, também dizem respeito às ciências sociais; afinal, trata-se de uma realidade dinâmica, socialmente construída. Nesse contexto, o empreendedorismo oferece uma possibilidade ampla para pesquisas e pesquisadores que buscam uma explicação do mundo dos negócios guiada não somente pela racionalidade econômica, mas pela compreensão da relação entre os atores e destes com o ambiente.

Ademais, a pesquisa em empreendedorismo se mostra importante na medida em que explica a dinâmica de pequenos negócios que influenciam social e economicamente diversos países, dentre os quais constam também os negócios familiares. Vale ainda ressaltar que, atualmente, os pequenos negócios possuem uma dimensão diferente da que tiveram durante muitos anos. Ou seja, hodiernamente, eles não atuam apenas no local, mas também já se internacionalizam, apresentando uma nova dinamicidade e uma nova configuração em termos de estruturas e recursos. Essas características passarão a determinar uma influência ainda maior no desenvolvimento local, principalmente se o crescimento for rápido e com recursos tecnológicos.

Retomando a perspectiva de construção social da realidade, observa-se que atores sociais com interesses e perfis diversos empreendem – homens, mulheres, jovens, casais, grupos, aposentados, dentre outros –, implicando diferentes trajetórias para pequenos negócios e requerendo também o emprego de teorias de outros campos para compreensão do fenômeno, como, por exemplo, a psicologia, a sociologia, a antropologia e a economia.

Esses aspectos contribuem para visualizar a ampla dimensão do campo para estudos, o que talvez justifique a dificuldade em responder à questão apresentada no início deste texto. Com isso, recrudescem, a cada dia, abordagens explicativas, descritivas e interpretativas, no que se refere ao processo empreendedor, ao comportamento empreendedor, ao perfil empreendedor ou a outros agentes, como o caso apresentado por Louis Jacques Filion sobre o papel dos facilitadores. Essa dinamicidade oferece muitas possibilidades de novos estudos e da conjugação da criatividade com a exigência de esforço contínuo no exercício da pesquisa, estimulando aqueles que escolheram ou que escolhem trilhar esse caminho.

No Brasil, no final da década de 1990 e sobretudo a partir do ano 2000 as publicações nesse tema se intensificaram, como resultado de pesquisas desenvolvidas em instituições de ensino superior e de programas de pós-graduação. Nota-se, nesses estudos, que há principalmente a influência de pesquisadores canadenses, norte-americanos e europeus. Mesmo assim, pesquisas sobre a re flexão baseada na realidade brasileira são crescentes, e uma das referências nesse campo são os trabalhos publicados nos encontros do EGEPE (Encontro de Estudos sobre Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas), que teve início no ano 2000, na Universidade Estadual de Maringá. Em seguida, outros encontros foram realizados em Londrina, Curitiba e Brasília.

Neste ano de 2008, foi realizada a quinta edição, conjuntamente entre a Universidade Presbiteriana Mackenzie e a Universidade Estadual de Maringá. Nos anais desse quinto evento foram publicados 178 artigos, sendo 88 na área de empreendedorismo e 90 na área de gestão de pequenas empresas.

Esta edição da RAM é um número especial, contendo os sete trabalhos do V EGEPE que tiveram a melhor avaliação, a partir de nova seleção entre os melhores. Com muita satisfação, tive a incumbência de fazer a apresentação deste número da revista. Porém, antes da apresentação dos textos que compõem esta publicação, é necessário que alguns agradecimentos sejam feitos. Primeiramente, ao editor da revista na época, professor dr. Moises Ari Zilber, pela anuência, confiança e todo apoio, como também ao novo editor, professor dr. Walter Bataglia, pela continuidade dos trâmites e suporte. Em seguida, aos avaliadores, pelo trabalho silencioso, invisível, mas decisivo e extremamente relevante. Extensivos também são os agradecimentos a toda a equipe de suporte da revista e especialmente à professora dra. Vânia Maria Jorge Nassif, pelo entusiasmo, determinação e participação conjunta em todas as ações e decisões.

Entre os artigos que compõem a revista, o primeiro deles consiste em uma abordagem sobre a gestão de competências em pequenas empresas inseridas em um arranjo produtivo local de bonés na cidade de Apucarana, no Estado do Paraná. Esse retrata dificuldades da pequena empresa na compreensão da gestão por competências, mesmo que inseridas em um ambiente de arranjo produtivo. Conforme Cassandre, Endrici e Vercesi, há um grande espaço para pesquisas em pequenas empresas inseridas em arranjos produtivos locais.

No segundo artigo, Borges, Filion e Simard apresentam uma análise comparativa do processo de criação de 89 empresas por jovens empreendedores (18 a 34 anos) e 99 empresas por pessoas com mais de 35 anos. Os resultados mostram que os jovens criam empresas com menor capital, demoram mais para registrá-las, para realizar a primeira venda e para atingir o ponto de equilíbrio do negócio. Sendo assim, os autores salientam a importância dos mentores para jovens empreendedores, dentre outras recomendações. Trata-se de uma contribuição importante, na medida em que, no Brasil, há um grande número de jovens empreendedores ou potenciais empreendedores.

Outra temática de estudos no empreendedorismo é constituída pelas empresas familiares. O terceiro artigo, de Gomes, Santana e Araújo, abrange um estudo realizado no sul do Estado de Minas Gerais, descrevendo um caso de uma empresa de confecção, com o intuito de entender o controle e a vigilância em pequenas empresas familiares. É interessante também porque representa uma vertente pouco explorada em empresas familiares.

Sobre a gestão de pequenas empresas, o quarto artigo, de Machado Neto e Almeida, é uma contribuição a respeito da internacionalização da indústria calçadista em Franca, no Estado de São Paulo. O objetivo do estudo é investigar as formas de inserção no mercado externo das indústrias de calçados daquela localidade. Ao todo, 146 empresas participam do estudo, que constata uma estratégia gradual de inserção no mercado internacional, sendo que a maioria das em presas encontra-se em estágio inicial. A principal barreira é a falta de canais próprios de comercialização no exterior. Esses resultados mostram o estágio de internacionalização de um produto industrializado, temática importante na pau ta de exportações brasileiras.

Inspirados no filme Beleza Americana, Paiva Júnior, Almeida e Guerra, autores do quinto artigo, trazem à tona uma reflexão inovadora sobre o empreendedor humanizado. Utilizando-se de uma perspectiva crítica para análise do referido filme, identificam três tipos de empreendedores: o atomístico de sucesso, o atomístico marginal e o humanizado. Construindo suas forças a partir de suas fragilidades, o empreendedor humanizado conquista independência e realização em bases diferentes daquelas convencionalmente valorizadas na literatura.

Ainda refletindo sobre o empreendedor, Zen e Fracasso, no sexto artigo, procuram responder quem é o empreendedor. Tomando por referências três revoluções tecnológicas, analisam modificações no conceito de empreender resultantes da revolução industrial, do fordismo e da tecnologia da informação. Ao final, concluem que o termo é multifacetado e mostram como foi influenciado pelas revoluções tecnológicas. Desse modo, apontam um aspecto significativo: o impacto do ambiente e das mudanças que nele ocorrem sobre a configuração do empreendedor.

Finalmente, no último artigo outra contribuição relevante: uma análise sobre tendências empreendedoras e gênero, a partir de uma pesquisa com alunos do curso de Administração. Por meio de um estudo exploratório com alunos da rede pública e privada de ensino superior, Peñaloza, Diógenes e Sousa buscam conhecer objetivos profissionais dos jovens, identificando possíveis variações de gênero. De acordo com os resultados, a intenção de abrir o próprio negócio é praticamente duas vezes maior nos homens do que nas mulheres. No entanto, no caso dos meninos a escolha está associada ao modelo empreendedor do pai. Essa constatação é interessante e pode resultar em outras implicações futuras, como maior abertura de empresas por jovens do sexo masculino, sendo que as mulheres tenderiam a abrir suas empresas somente depois de terem alguma experiência profissional.

Ao final desta apresentação, é possível que você, leitor ou leitora, perceba, ao menos em parte, do que estamos falando quando tratamos de empreendedorismo no Brasil. Para isso, os estudos que compõem esta edição apontam uma rica diversidade de temas e de realidades em regiões distintas do país, além da utilização de diversos procedimentos metodológicos, representando relevantes contribuições científicas para a área.

Acima de tudo, este mosaico de artigos apresentados nesta revista também contribui para a constatação de quão vasto é o campo de estudos em empreendedorismo e como há necessidade de ampliar o número de pesquisadores na área. Sendo assim, espera-se que estes artigos sirvam como fonte de consulta para pesquisas, para discussões em salas de aulas e para orientação a gestores de pequenos negócios, para aqueles que desejam abrir um pequeno negócio ou para consultores e órgãos de fomento.

Compartilhar e refletir é um convite a todos!

Hilka Vier Machado

Professora Associada do Departamento de Administração

da Universidade Estadual de Maringá (UEM)

Presidente da Comissão Organizadora do V EGEPE

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Nov 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2008
Editora Mackenzie; Universidade Presbiteriana Mackenzie Rua da Consolação, 896, Edifício Rev. Modesto Carvalhosa, Térreo - Coordenação da RAM, Consolação - São Paulo - SP - Brasil - cep 01302-907 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.adm@mackenzie.br