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Comparação dos modelos de avaliação de empresas com base no fluxo de caixa descontado e no lucro residual: estudo de caso de uma empresa de energia elétrica

A comparative study of discounted cash flow and residual income models for business valuation: case study of a power energy company

Resumos

Na metodologia de avaliação de empresas destacam-se como clássicos os modelos baseados no fluxo de caixa descontado e no lucro residual. Cada modelo tem suas características e fornece uma informação diferenciada, mas teoricamente devem proporcionar resultados financeiros equivalentes, se for empregada à mesma base de dados. O objetivo deste estudo é verificar se, com a utilização da mesma base de dados, os modelos do fluxo de caixa, descontado e do lucro residual, proporcionam resultados equivalentes ou se existem conflitos metodológicos entre eles. Efetuou-se a análise de um caso real, de uma empresa de utilidade pública, empregando-se o modelo do fluxo de caixa descontado e do lucro residual comparando-se os resultados com o preço negociado, ajustado para representar 100% do capital próprio. Os resultados mostraram diferenças significativas entre os valores calculados e entre estes e o preço de venda da empresa em estudo.

Avaliação de empresas; Avaliação de investimento; Metodologia de avaliação de empresas; Lucro residual; Fluxo de caixa descontado


Among business valuation methodologies, the most widely used models are based on discounted cash flow and residual income methodologies. Each model has its own particular characteristics and supplies different information. But, theoretically, they should give equivalent financial results if the same data base is used. The objective of this study is to determine if there are methodological conflicts among the models when the same basic data is used or if the results are the same. A real case analysis of a public utility company was carried out, using the discounted cash flow and the residual income models, the results were compared to the negotiated price, which was adjusted to represent 100% of equity. The results show great differences among the values themselves and with the sales price of the company under study.

Business valuation; Investment valuation; Business valuation methodology; Residual income; Discounted cash flow


Comparação dos modelos de avaliação de empresas com base no fluxo de caixa descontado e no lucro residual: estudo de caso de uma empresa de energia elétrica

A comparative study of discounted cash flow and residual income models for business valuation: case study of a power energy company

Valter SaurinI; Ana Lúcia Miranda LopesII; Newton Carneiro Affonso da Costa JuniorIII

IDoutor em Administração pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Professor do Departamento de Ciências da Administração da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). UFSC/CSE/CAD, sala 221, caixa postal 476, Trindade - Florianópolis - SC - CEP 8409-970 E-mail: vasaurin@mbox1.ufsc.br

IIDoutora em Engenharia da Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul). Rua do Guapuruvu, 155, Lagoa da Conceição - Florianópolis - SC - CEP 88062-294 E-mail: ana.lucia@unisul.br

IIIDoutor em Administração pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Professor Associado do Centro Sócio-Econômico da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Santa Catarina - Campus Universitário Trindade - Florianópolis - SC - CEP 88040-900 E-mail: newton@cse.ufsc.br

RESUMO

Na metodologia de avaliação de empresas destacam-se como clássicos os modelos baseados no fluxo de caixa descontado e no lucro residual. Cada modelo tem suas características e fornece uma informação diferenciada, mas teoricamente devem proporcionar resultados financeiros equivalentes, se for empregada à mesma base de dados. O objetivo deste estudo é verificar se, com a utilização da mesma base de dados, os modelos do fluxo de caixa, descontado e do lucro residual, proporcionam resultados equivalentes ou se existem conflitos metodológicos entre eles. Efetuou-se a análise de um caso real, de uma empresa de utilidade pública, empregando-se o modelo do fluxo de caixa descontado e do lucro residual comparando-se os resultados com o preço negociado, ajustado para representar 100% do capital próprio. Os resultados mostraram diferenças significativas entre os valores calculados e entre estes e o preço de venda da empresa em estudo.

Palavras-chaves: Avaliação de empresas; Avaliação de investimento; Metodologia de avaliação de empresas; Lucro residual; Fluxo de caixa descontado.

ABSTRACT

Among business valuation methodologies, the most widely used models are based on discounted cash flow and residual income methodologies. Each model has its own particular characteristics and supplies different information. But, theoretically, they should give equivalent financial results if the same data base is used. The objective of this study is to determine if there are methodological conflicts among the models when the same basic data is used or if the results are the same. A real case analysis of a public utility company was carried out, using the discounted cash flow and the residual income models, the results were compared to the negotiated price, which was adjusted to represent 100% of equity. The results show great differences among the values themselves and with the sales price of the company under study.

Keywords: Business valuation; Investment valuation; Business valuation methodology; Residual income; Discounted cash flow.

1 INTRODUÇÃO

Geralmente não existe uma resposta certa para o problema de avaliação de empresas. Avaliação é muito mais uma arte do que uma ciência. Os métodos clássicos de avaliação estão baseados no valor potencial ou dinâmico (valor da empresa em operação). A determinação do valor de uma empresa é uma tarefa complexa, exigindo coerência e rigor conceituais na formulação da sistemática de cálculo.

A idéia de buscar um valor justo para uma empresa cresceu particularmente após a grande queda da Bolsa de Valores de Nova York em 1929. Em 1934, Grahan e Dodd publicaram um livro clássico chamado Security Analysis. Nesse livro eles descreveram um dos postulados básicos da análise financeira tradicional, é que um investidor nunca deve pagar mais por um ativo do que o valor presente dos fluxos de caixa futuros desse investimento.

A escolha do melhor método de avaliação não garante o valor mais correto da empresa, pois a seleção rigorosa de premissas e a utilização de uma forma de projeção adequada são de fundamental importância.

O grande problema para a avaliação de empresas é que o valor resulta de fatores que estão no futuro. O que vai acontecer no futuro é inserido nos modelos de acordo com as premissas do analista. Como o futuro é incerto e imprevisível, e como as premissas são variáveis, não se pode nunca esperar que um método obtenha o real valor de uma empresa. Tudo que se consegue são estimativas razoáveis do valor justo de uma empresa.

A avaliação de uma empresa para a teoria de finanças baseia-se, essencialmente, no valor intrínseco, o qual é função dos benefícios econômicos esperados, do risco relacionado a esses resultados projetados e da taxa de retorno requerida pelos provedores de capital.

Na avaliação com base no modelo do fluxo de caixa descontado, têm-se os seguintes métodos: o Fluxo de Caixa Operacional Disponível (The Free Operating Cash Flow) ou Fluxo de Caixa para a Firma (FCFF - Free Cash Flow to the Firm), o Valor Presente Ajustado (APV - Adjusted Present Value), o Fluxo de Caixa do Capital Próprio (FCFE - Free Cash Flow to the Equity) e o Retorno de Fluxo de Caixa sobre o Investimento (CFROI - Cash Flow Return on Investment).

Na avaliação com base na criação de valor, tem-se o modelo do Lucro Residual (RI - Residual Income), o qual emprega o conceito de lucro econômico.

Cada modelo tem suas características e fornece uma informação diferenciada, mas teoricamente devem proporcionar resultados financeiros equivalentes com o uso da mesma base de dados.

O problema em foco neste estudo é verificar se com o emprego da mesma base de dados os modelos com base no fluxo de caixa e no fluxo de lucros produzem resultados equivalentes ou se existem conflitos metodológicos entre eles.

Bodie e Merton (2002) e Ross et al. (2002) apresentam exemplos didáticos com os mesmos resultados dos três primeiros métodos com base no fluxo de caixa descontado na avaliação de projetos de investimentos. Damodaran (1994) e Benninga e Sarig (1997) afirmam que teoricamente na avaliação de empresas os três métodos deveriam proporcionar resultados equivalentes.

Copeland et al. (2001), mediante um exemplo de uma firma hipotética, demonstram que o método do Fluxo de Caixa para a Firma e o modelo do Lucro Residual proporcionam os mesmos resultados, quando a base de dados é a mesma.

Já Luehrman (1997), utilizando os métodos APV e FCFF na determinação do valor de uma empresa real, não encontra o mesmo resultado. Afirma também que o método do APV identifica a origem das partes que formam o resultado, portanto fornece subsídios à tomada de decisão, e o FCFF, que usa o custo médio ponderado de capital (CMPC), fornece apenas um valor total da empresa.

Benninga e Sarig (1997) recomendam o método sequencial para a avaliação de empresas, o qual consiste em calcular o valor total da empresa usando o APV e depois deduzir o exigível para obter o valor do capital próprio.

Inselbag e Kaufold (1997) analisaram dois métodos de fluxo de caixa descontado na avaliação de empresas, sob alternativas estratégicas de financiamento, com o objetivo de selecionar o melhor entre eles. Neste trabalho, os autores ilustraram a aplicação do método do Fluxo de Caixa para a Firma (FCFF) e do Valor Presente Ajustado (APV) a uma empresa hipotética. Na primeira opção de financiamento a empresa tem um cronograma predeterminado de empréstimo em valor absoluto. Na segunda, a empresa é financiada com uma proporção constante entre empréstimos e capital próprio. Os dois métodos proporcionaram resultados equivalentes, mas os autores não demonstraram a análise de nenhum caso real. O método do Fluxo de Caixa do Capital Próprio (FCFE) foi comentado, mas não exemplificado com os dados da firma hipotética.

Penman e Sougiannis (1998) contrastam os modelos de avaliação baseados nos dividendos descontados, no fluxo de caixa descontado e nos lucros pelo regime de competência quando aplicados a um horizonte finito de avaliação. Uma das conclusões do trabalho é a de que as abordagens baseadas nos dividendos, fluxo de caixa e lucros são equivalentes quando o período de tempo é infinito, mas são diferentes quando o período de tempo é finito, como dois e cinco anos.

O objetivo deste estudo é realizar uma análise comparativa entre os modelos de avaliação de empresas com base nos fluxos de caixa e lucro residual para verificar se os resultados são equivalentes quando aplicados sobre a mesma base de dados de empresa real. Os resultados são posteriormente comparados com o preço de venda ajustado para representar 100% do capital próprio.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Neste tópico apresenta-se o referencial teórico do modelo do fluxo de caixa descontado, destacando os seguintes métodos: o Fluxo de Caixa Operacional Disponível (The Free Operating Cash Flow) ou Fluxo de Caixa para a Firma (FCFF - Free Cash Flow to the Firm), o Valor Presente Ajustado (APV - Adjusted Present Value), o Fluxo de Caixa do Capital Próprio ( FCFE - Free Cash Flow to the Equity), e o modelo do Lucro Residual (RI - Residual Income).

2.1 MODELO DO FLUXO DE CAIXA DESCONTADO

Copeland, Keller e Murrin (1990, p. 116) definem o valor econômico da empresa com base na seguinte formulação:

Valor econômico = VP do fluxo de caixa durante o período explícito de projeção + VP do fluxo de caixa após o período explícito de projeção.

Considera-se como período explícito de projeção aquele em que a taxa de retorno é maior do que a taxa do custo de capital.

O resultado econômico da primeira parte é determinado, portanto, da seguinte forma:

Onde:

CF = fluxo de caixa operacional líquido.

K = taxa de custo de capital.

t = período de tempo.

n = último período de projeção explícita do CF.

O VP do fluxo de caixa após o período explícito de projeção ou valor residual é calculado da seguinte forma:

Onde CF

n

/K seria o valor residual ou perpetuidade no período "n".

2.1.1 Método do Fluxo de Caixa para a Firma - FCFF

No método do Fluxo de Caixa Operacional Disponível ou Fluxo de Caixa para a Firma (FCFF) estima-se o Valor Presente (VP) da empresa descontando-se o fluxo de caixa operacional disponível pela taxa de custo médio ponderado de capital (CMPC = Ka).

O fluxo de caixa operacional disponível ou fluxo de caixa para a firma considera a empresa financiada simultaneamente com capital de terceiros e capital próprio. Portanto, reflete o fluxo de caixa disponível a todos os provedores de recursos: próprios e de terceiros. A taxa de desconto é o custo médio ponderado de capital (CMPC = Ka) que pode ser obtida da seguinte forma:

Onde:

CMPC = Ka = taxa de custo médio ponderado de capital.

Kd = taxa de custo dos empréstimos ou capital de terceiros.

Tc = taxa de imposto corporativo.

Wd = proporção do capital de terceiros.

Ks = taxa de custo do capital próprio com alavancagem.

Ws = proporção do capital próprio de uma empresa com alavancagem.

A taxa de custo dos empréstimos ou capital de terceiros Kd é determinada com base na taxa de juros média ponderada dos empréstimos a longo prazo. O emprego da taxa de juros nominal ou real precisa ser coerente com o fluxo de caixa e com a taxa de custo do capital próprio.

A taxa de custo do capital próprio com alavancagem Ks é determinada pelo uso do modelo de precificação de ativos financeiros (CAPM - Capital Asset Pricing Model), em razão da consistência desse.

O CMPC também pode ser calculado com base no CAPM, desde que seja empregado o coeficiente beta total da empresa. O beta da empresa βa é uma média ponderada do beta do capital próprio (βi) e do beta dos títulos representativos do capital de terceiros (βd).

2.1.2 Método do Valor Presente Ajustado - APV

Nesse método para calcular o valor de uma empresa com base no Valor Presente Ajustado (APV) soma-se o valor presente do fluxo de caixa operacional, descontado à taxa de custo de capital de uma empresa não alavancada, ao valor presente líquido dos benefícios fiscais do financiamento (VPLF). Para calcular-se o VPLF, considera-se o capital de terceiros como uma proporção fixa do valor presente da empresa.

Onde:

FCNA = Fluxo de caixa de uma empresa não alavancada, no período t à n, sendo n o último período de projeção explícita.

Ke = Taxa de custo do capital próprio de uma empresa sem alavancagem determinado com base no CAPM.

Efeitos do endividamento (VPLF) = valor presente dos benefícios fiscais da dívida, sendo representado por D.Tc, onde D é o valor da dívida e Tc é a alíquota do imposto de renda corporativo.

2.1.3 Método do Fluxo de Caixa do Capital Próprio - FCFE

Nesse método, conforme Ross et al. (2002), desconta-se o fluxo de caixa proporcionado aos acionistas da empresa com dívidas pelo custo do capital próprio. O ponto fundamental é a diferença entre o fluxo de caixa que os acionistas receberiam, numa empresa sem dívidas, e o fluxo de caixa numa empresa com dívidas é exatamente o pagamento de juros, determinado após o imposto de renda. Pode ser representado algebricamente do seguinte modo:

Onde:

FCNA = fluxo de caixa de uma empresa não alavancada.

FCA = fluxo de caixa de uma empresa alavancada.

Tc = alíquota do imposto corporativo.

Kd = taxa de custo do capital de terceiros.

D = valor da dívida ou montante dos empréstimos.

Para descontar o fluxo de caixa de uma empresa alavancada (FCA), usa-se a taxa de custo de capital próprio de uma empresa com dívidas (Ks), sendo Ke a taxa de custo de uma empresa sem dívidas.

Onde:

Ks = Taxa de custo do capital próprio com alavancagem.

Ke = Taxa de custo do capital próprio sem alavancagem.

D = valor da dívida ou montante dos empréstimos.

S = valor do capital próprio.

Tc = alíquota do imposto corporativo.

Kd = taxa de custo do capital de terceiros.

De acordo com o método do Fluxo de Caixa do Capital Próprio (FCFE), tem-se, portanto, o seguinte:

Onde:

FCAt = fluxo de caixa do capital de uma empresa alavancada, no período t à n, sendo n o último período de projeção explícita.

Ks = taxa de custo do capital próprio com alavancagem.

D = valor da dívida ou montante dos empréstimos.

Nesses métodos com base no modelo do fluxo de caixa descontado, a taxa de custo do capital próprio com alavancagem, Ks, é maior do que a taxa de custo do capital próprio sem alavancagem, Ke, a qual é maior do que a taxa do custo médio ponderado de capital, Ka.

2.2 MODELO DO LUCRO RESIDUAL - RI

De acordo com Copeland et al. (2001), no modelo do Lucro Residual (RI - Residual Income), o valor de uma empresa é igual ao valor do capital investido mais o valor presente do valor que será criado a cada período no futuro, pelo fluxo do lucro econômico. Os value drivers são a taxa de retorno sobre o capital investido e a taxa de crescimento.

O Lucro econômico mede o valor criado por uma empresa em um único período, sendo definido da seguinte maneira:

Onde:

RCI = retorno sobre o capital investido.

CMPC = custo médio ponderado de capital.

Capital investido = representa o valor investido nas operações da empresa.

O lucro econômico pode ser considerado, portanto, igual ao spread entre o retorno sobre o capital investido e o custo de capital, multiplicado pelo montante de capital investido.

De acordo com o método do lucro econômico, o valor de uma empresa para mais de um período é igual ao valor do capital investido mais o valor presente do lucro econômico projetado. Dentro dessa lógica, se o retorno sobre o investimento de uma empresa fosse exatamente o seu CMPC a cada período, o valor descontado dos fluxos de caixa projetados deveria ser igual ao capital investido.

O capital investido representa o valor investido nas operações da empresa, do lado do ativo compreende o ativo circulante operacional, o passivo circulante não-oneroso, o ativo imobilizado líquido, outros ativos operacionais líquidos de outros passivos e ativos não-operacionais. O valor do disponível, incluindo caixa e bancos e aplicações financeiras, deve ser separado do ativo circulante para, posteriormente, ser acrescido ao valor da empresa. Portanto, o capital investido pode ser determinado pelo capital de giro líquido mais o ativo imobilizado líquido e outros ativos operacionais, líquido de outros passivos.

Para que os resultados do lucro econômico e do fluxo de caixa descontado sejam equivalentes recomenda-se utilizar o capital investido no início do período. O retorno sobre o capital investido (RCI) é definido da seguinte maneira:

3 ESTUDO DE CASO

O estudo de caso compreende a análise de uma empresa de utilidade pública, do setor de energia elétrica, que foi privatizada pelo governo federal em 1998. Essa empresa foi denominada Empresa Energética.

Para capturar os dados, são utilizados os bancos de dados do BNDES referentes ao Programa Nacional de Desestatização (PND), e a empresa não é identificada, porque a finalidade do trabalho não é confrontar os valores calculados com qualquer resultado da venda da empresa. Pretende-se demonstrar a aplicação dos métodos de avaliação de empresas com as limitações dos dados disponíveis na prática. Assim, a coleta de dados é documental.

Os métodos do Fluxo de Caixa Descontado (FCD) utilizados para a avaliação da empresa do estudo de caso são os seguintes: Fluxo de Caixa Operacional Disponível (The Free Operating Cash Flow) ou Fluxo de Caixa para a Firma (FCFF - Free Cash Flow to the Firm), Valor Presente Ajustado (APV - Adjusted Present Value) e Fluxo de Caixa do Capital Próprio (FCFE - Free Cash Flow to the Equity). Os resultados dos três métodos do modelo do Fluxo de Caixa Descontado (FCD) são comparados com aquele obtido através do modelo do Lucro Residual (Residual Income - RI) e, finalmente, comparados ao preço de venda ajustado para representar 100% do capital próprio.

3.1 ESTIMATIVA DA TAXA DE DESCONTO

Foram determinadas taxas de descontos, cada uma compatível com os tipos de fluxos de caixa e do lucro projetado, para determinar o valor presente operacional da empresa.

3.1.1 Custo do capital de terceiros

A situação de endividamento da Empresa Energética, de acordo com a alocação da dívida feita pelos auditores para a data de 30 de novembro de 1997, apresentava um custo da dívida que variava entre 6% e 26%, valores esses que não podiam ser utilizados para a determinação do custo do capital de terceiros em razão das dificuldades para estimar o custo médio do débito considerando as circunstâncias particulares sob as quais cada empréstimo foi tomado.

Os parâmetros do mercado utilizados no cálculo do custo da dívida da Empresa Energética foram, portanto, os seguintes:

Assim o valor estimado para o custo da dívida antes dos impostos era de 12,63%. Para a determinação do custo de capital de terceiros deve-se levar em consideração a incidência do imposto de renda e contribuição social, pois os encargos decorrentes de financiamentos são dedutíveis como despesas, para fins de tributação. Para tal, considerou-se uma taxa média de 32,90%, que contempla o imposto de renda mais a contribuição social, resultando assim em um custo líquido da dívida de 8,47%.

3.1.2 Custo do capital próprio

O custo do capital próprio deve refletir o risco específico da atividade de geração elétrica. Para a estimativa desse foi utilizada a metodologia do CAPM (Capital Asset Pricing Model).

A versão básica do CAPM postula que o custo do capital próprio equivale ao retorno de um instrumento financeiro livre de risco, somado ao risco sistemático da Empresa (β - coeficiente beta) multiplicado pelo prêmio de mercado.

A determinação do custo do capital próprio da Empresa Energética é dificultada pelo fato de essa não ser empresa de capital aberto negociada em Bolsa de Valores. Suas ações começaram a ser negociadas em bolsa a partir de 1º de junho de 1998. Portanto, o coeficiente beta (β) foi estimado com base no risco sistemático médio obtido a partir de uma amostra de quatorze empresas representativas do setor elétrico sul-americano que têm como principal, obtendo-se uma média de 0,759 para o beta não alavancado.

Como o coeficiente beta foi obtido de uma amostra de empresas cuja alavancagem difere da alavancagem da Empresa Energética, esse beta foi alavancado. Van Horne (1992, p. 215) apresenta a fórmula a ser utilizada para alavancagem do beta:

Onde:

βj é o coeficiente beta alavancado.

βju é o coeficiente beta não alavancado.

D/S é a relação dívida/capital próprio em termos de valor de mercado.

Tc é a taxa do imposto corporativo.

Aplicando os valores resultantes para a Empresa Energética na fórmula indicada, encontra-se o coeficiente beta alavancado para a empresa, de acordo com o seguinte:

βj = 0,759 [(1 + (0,4 / 0,6) (1 - 0,3290)]

βj = 1,10

O prêmio de mercado (retorno médio do mercado menos a taxa de retorno sem risco) varia entre 5,5% e 6,8% (média geométrica), dependendo do tamanho da empresa. Portanto, foi utilizado um prêmio de mercado de 6,5%.

A taxa de retorno sem risco de 5,60% foi determinada a partir da taxa de juros livre de risco para o mercado Americano (Treasury Bond de trinta anos). A essa é acrescida uma taxa de 6,03% que reflete o risco Brasil (prêmio Global Bond de trinta anos).

Em razão de o fluxo de caixa ser projetado em termos reais, efetuou-se um ajuste de maneira a adequar a taxa de desconto para reais constantes. Esse ajuste é essencialmente a taxa de inflação norte-americana estimada em 2,5%, incorporado no rendimento do Título do Tesouro norte-americano. Levando-se todas as hipóteses em consideração, o custo de capital próprio foi estimado com e sem alavancagem, respectivamente.

No cálculo do custo de capital próprio de uma empresa não alavancada, empregou-se o coeficiente beta não alavancado, tendo-se o seguinte:

Onde:

Ke: = taxa de custo do capital próprio sem alavancagem.

RF = taxa de retorno sem risco = 11,63%.

βj = coeficiente beta não alavancado = 0,759.

RM = prêmio pelo risco de mercado = 6,5%.

O cálculo da taxa de custo do capital próprio de uma empresa alavancada, de acordo os dados, resultou no seguinte:

Ks = 0,1163 + (1,10 * 0,065) = 0,1878= 18,78% a.a.

Onde:

Ks = taxa de custo do capital próprio com alavancagem.

RF = taxa de retorno sem risco = 11,63%.

β = coeficiente beta não alavancado = 0,759.

βj = coeficiente beta alavancado = 1,10.

RM = prêmio pelo risco de mercado = 6,5%.

3.1.3 Custo médio ponderado de capital

Para o cálculo do custo médio ponderado de capital (CMPC), a fórmula utilizada foi a seguinte:

Onde:

CMPC = taxa de custo médio ponderado de capital.

Tc = taxa de imposto corporativo.

Kd = taxa de custo médio dos financiamentos.

Ks = taxa de custo do capital próprio com alavancagem.

D = dívida total da Empresa.

S = Capital Próprio = Patrimônio Líquido Contábil.

Para utilização do custo médio ponderado do capital, é necessário adotar uma estrutura de capital de longo prazo para a Empresa Energética, que condicionará a taxa final de desconto a ser utilizada. A recente incorporação da empresa e sua reestruturação resultaram em uma estrutura de capital que pode não refletir seu nível de longo prazo. Portanto, para estimar o nível de endividamento de longo prazo a ser utilizado no modelo, foi considerada a estrutura de capital de empresas similares geradoras de energia elétrica, as quais, normalmente, recorrem a endividamentos para seus investimentos, conforme o esquema que segue:

CMPC = (0,60 * 0,1878 )+ [(0,40 * 0,1263)*(1- 0,3290)] = 0,1465 = 14,66% a.a.

Onde:

Tc = 32,90%.

Kd = 12,63%.

Ks = 18,78%.

Capital de terceiros/Capital total = 40%.

Capital próprio/Capital total = 60%.

Para obter o valor da taxa de desconto real foi descontada a estimativa para a taxa de inflação norte-americana de longo prazo (2,5%) do valor obtido para o CMPC (14,66%) resultando na taxa de desconto de 11,86% ao ano.

CMPC (real) = (1,1466 / 1,025) - 1 = 0,1186 = 11,86% a.a.

3.2 DETERMINAÇÃO DO VALOR OPERACIONAL

O fluxo de caixa da empresa foi projetado para um período de quinze anos por se julgar que esse período corresponde a um ciclo econômico completo. Para o período que compreende os anos dezesseis a trinta, correspondente ao restante do período de concessão, considerou-se constante o fluxo de caixa do ano 2012 projetado antes de investimentos, deduzido de R$ 3,1 milhões/ano, montante de investimento considerado necessário para manutenção do nível de operação projetado. O período de concessão corresponde a trinta anos.

Para fins de comparação determinou-se o valor da empresa correspondente a cada método do modelo do fluxo de caixa descontado e do modelo do lucro residual, conforme constam nos anexos I anexos I , II , III , IV e V .

3.2.1 Método do Fluxo de Caixa para a Firma - FCFF

A planilha com a projeção e o cálculo do fluxo de caixa descontado consta no Anexo I anexos I . O fluxo de caixa foi descontado pela taxa do custo médio ponderado de capital (Ka = CMPC) no percentual real de 11,86% obtendo-se o seguinte resultado, para dezembro de 1997.

O valor da empresa, ou seja, o valor do capital próprio estimado, calculado pelo método do FCFF é, portanto, de R$ 1.796.502.

3.2.2 Método do Valor Presente Ajustado - APV

Para determinar o valor da empresa, foi necessário projetar os encargos da dívida e calcular o benefício fiscal descontado, conforme consta no Anexo II . A projeção e o cálculo do fluxo de caixa descontado constam no Anexo III .

Para calcular o benefício fiscal descontado utilizou-se a taxa de custo do capital de terceiros, tendo-se o percentual real de 8,47%.

No cálculo do fluxo de caixa descontado, utilizou-se a taxa de custo de capital próprio de uma empresa não alavancada, isto é, Ke = 16,56% a.a.

Com base no fluxo de caixa projetado, na taxa de custo do capital de terceiros e na taxa de custo do capital próprio, obtiveram-se os seguintes resultados:

O valor estimado da empresa, pelo método APV, é, portanto, de R$ 1.083.083.

3.2.3 Método do Fluxo de Caixa ao Capital Próprio - FCFE

A planilha com a projeção e o desconto do fluxo de caixa consta no Anexo IV . Para descontar o fluxo de caixa, utilizou-se a taxa de custo do capital próprio de uma empresa alavancada, isto é, Ks = 18,78%, obtendo-se o seguinte resultado:

Considerando-se que nos encargos da dívida deduzida do fluxo de caixa estimado estão incluídos os pagamentos de juros e do principal no prazo de trinta anos, e a pressuposição de que a empresa não terá novos empréstimos, o valor estimado da empresa é de R$ 1.431.370.

3.2.4 Modelo do Lucro Residual - RI

A planilha com a projeção e o cálculo do fluxo de lucro residual descontado consta no Anexo V . O fluxo de lucros foi descontado pela taxa do custo médio ponderado de capital (Ka = CMPC) no percentual real de 11,86% e obteve-se o seguinte resultado, para dezembro de 1997.

O valor da empresa estimado pelo modelo do Lucro Residual é, portanto, de R$ 1.216.369.

3.3 ANÁLISE DOS RESULTADOS

A Empresa Energética foi leiloada em 1998 vendendo em primeiro lugar 42,1% das ações ordinárias por US$ 800,4 milhões. Posteriormente, no mesmo ano, foram vendidas as sobras de 7,8% por US$ 79,1 milhões, e em 1999 foi vendido 0,1% por oferta aos empregados por US$ 0,7 milhão, correspondendo à venda total de 50,0% do capital próprio por US$ 880,2 milhões (PND, 1999), conforme consta na Tabela 3.

Com a finalidade de comparação com os valores calculados determinou-se o valor equivalente a 100% do capital próprio estimado em R$ 2.082,2 milhões, de acordo com o seguinte cálculo: V = 1041,1/0,5 = R$ 2.082,2.

Os resultados encontrados pelos métodos FCFF, APV e FCFE e pelo modelo RI, assim como o valor ajustado a 100% do capital próprio, estão mostrados na Tabela 2 e na Figura 1.


4 CONCLUSÕES

Com base nos resultados de cada método do modelo do Fluxo de Caixa Descontado e do modelo do Lucro Residual, o valor do capital próprio da empresa em estudo apresentou diferenças significativas, e o enfoque que mais se aproximou do preço de venda foi o valor calculado com base no método do Fluxo de Caixa para a Firma (FCFF).

A teoria de que os modelos devem proporcionar os mesmos resultados quando empregada a mesma base de dados está coerente porque, em caso contrário, existirá ganho em usar um determinado modelo na avaliação da empresa, mas na prática seria necessário fazer diversos ajustamentos que necessitam de dados não constantes nos demonstrativos contábeis publicados.

No caso de privatizações julga-se que por motivo de consistência é importante que seja empregado mais de um modelo de avaliação, e que os dados utilizados sejam explicitados, a fim de que possa ser feita uma análise objetiva dos resultados, até mesmo por motivo de transparência pública.

As diferenças de resultados, no caso analisado, podem ser causadas por falta de equivalência nas taxas de desconto e na estimativa dos fluxos de caixas. Essas dificuldades não são metodológicas, mas em razão da inconsistência e insuficiência nas informações disponíveis. Os analistas externos normalmente trabalham com esses tipos de estimativas, que podem provocar erros de avaliação, com prejuízos tanto para a empresa como para os possíveis investidores externos.

Seria interessante que as empresas colocassem à disposição dos investidores e analistas de mercado dados e informações provenientes da contabilidade gerencial, e que as demonstrações com finalidades exclusivamente fiscais fossem mínimas, uma vez que a fiscalização tributária dispõe de outros meios de controle. Portanto, as informações deviam visar o mercado e não o fisco.

Diante dessas limitações, a finalidade deste estudo foi comparar o valor da empresa com base nos modelos do fluxo de caixa descontado e do lucro residual com o preço negociado ajustado a 100% do capital próprio. Foram utilizados os dados e informações disponíveis, o que permite a replicação do mesmo por qualquer outro interessado.

Finalmente, enfatiza-se que este trabalho tratou de apenas um caso real. Para verificar a equivalência, ou não, dos modelos utilizados para a avaliação de empresas brasileiras, o próximo passo seria tomar uma grande amostra de empresas e comparar a capacidade de cada modelo na explicação, por exemplo, do preço das ações das respectivas empresas negociadas em bolsa. Esse método foi adotado por Penman e Sougiannis (1998) no mercado norte-americano para verificar a validade das metodologias de avaliação em termos estatísticos.

Submissão: 18 nov. 2007.

Aceitação: 21 set. 2008.

Sistema de avaliação: às cegas dupla (double blind review).

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE. Walter Bataglia (Ed.), p. 89-113.

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anexos I

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anexos I

  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Fev 2009

    Histórico

    • Aceito
      21 Set 2008
    • Recebido
      18 Nov 2007
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