Acessibilidade / Reportar erro

A cultura organizacional do restaurante Chalé da Praça XV em Porto Alegre: espaços e tempos sendo revelados

Organizational culture of the restaurant Chalé da Praça XV in Porto Alegre: space and time being revealed

Resumos

Este estudo busca desvendar aspectos da cultura organizacional de um restaurante, ponto turístico da cidade de Porto Alegre, compreendendo sua dimensão simbólica por meio das representações sociais que circulam em seu ambiente, notadamente no que tange às categorias espaço e tempo. Em virtude da complexidade do tema, foram utilizados conceitos e quadros de referência teóricos da antropologia e de outras ciências humanas. O Chalé da Praça XV é um patrimônio que se localiza no centro histórico da cidade, espaço antigo, valorizado no passado pela população e hoje considerado uma vítima da degradação urbana. O método etnográfico foi utilizado na identificação das representações que circulam nesse espaço. O trabalho de campo etnográfico foi conduzido no restaurante entre fevereiro e maio de 2008. Identificaram-se as representações de tempo e espaço elaboradas por clientes e funcionários do restaurante, e desvendaram-se as homogeneidades e as heterogeneidades de sua cultura organizacional. As categorias de análise estabelecidas evidenciam as heterogeneidades presentes em seu espaço como lugar antropológico. Por fim, apresentam-se algumas alternativas para que se pense a gestão do estabelecimento, considerando, entre outros aspectos, seu potencial turístico insuficientemente explorado.

Cultura organizacional; Representações sociais; Espaço; Tempo; Chalé da Praça XV


This study aims at bringing to light aspects of the organizational culture of a restaurant, touristic place in the city of Porto Alegre, understanding its simbolic dimension through the social representations that circulate in its environment, mainly with respect to the space and time categories. Because of the complexity of the subject, theoretical concepts and frameworks from Social Anthropology and other Human Sciences were used. The Chalé da Praça XV is a historical patrimony of the city; it is located in the historical centre of the city, place valued in the past by the population, but nowadays considered a victim of the urban degradation. The etnographic method was used to bring to light the representations that circulate in this space. The etnographic fieldwork was conducted in the restaurant, between February and May 2008. Representations of time and space produced by customers and employees of the organization were identifyed, putting under the spot similarities and heterogeneities of its organizational culture. The analysis categories established make clear the heterogeneity present in its space, as an anthropological place. At last, some alternatives were presented to support the reflection about to management of the restaurant, considering, among others aspects, its touristic potential insufficiently explored.

Organizational culture; Social representations; Space; Time; Chalé da Praça XV


GESTÃO HUMANA E SOCIAL

Letícia Dias FantinelI; Neusa Rolita CavedonII

IDoutoranda em Administração do Núcleo de Pós-Graduação em Administração da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Avenida Princesa Isabel, 113/302, Barra - Salvador - BA - Brasil - CEP 40130-030 E-mail: le_fantinel@hotmail.com

IIDoutora em Administração pela Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora do Programa de Pós-graduação em Administração da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Avenida Washington Luiz, 855, sala 431 - Porto Alegre - RS - Brasil - CEP 90010-460 E-mail: nrcavedon@ea.ufrgs.br

RESUMO

Este estudo busca desvendar aspectos da cultura organizacional de um restaurante, ponto turístico da cidade de Porto Alegre, compreendendo sua dimensão simbólica por meio das representações sociais que circulam em seu ambiente, notadamente no que tange às categorias espaço e tempo. Em virtude da complexidade do tema, foram utilizados conceitos e quadros de referência teóricos da antropologia e de outras ciências humanas. O Chalé da Praça XV é um patrimônio que se localiza no centro histórico da cidade, espaço antigo, valorizado no passado pela população e hoje considerado uma vítima da degradação urbana. O método etnográfico foi utilizado na identificação das representações que circulam nesse espaço. O trabalho de campo etnográfico foi conduzido no restaurante entre fevereiro e maio de 2008. Identificaram-se as representações de tempo e espaço elaboradas por clientes e funcionários do restaurante, e desvendaram-se as homogeneidades e as heterogeneidades de sua cultura organizacional. As categorias de análise estabelecidas evidenciam as heterogeneidades presentes em seu espaço como lugar antropológico. Por fim, apresentam-se algumas alternativas para que se pense a gestão do estabelecimento, considerando, entre outros aspectos, seu potencial turístico insuficientemente explorado.

Palavras-chave: Cultura organizacional; Representações sociais; Espaço; Tempo; Chalé da Praça XV.

ABSTRACT

This study aims at bringing to light aspects of the organizational culture of a restaurant, touristic place in the city of Porto Alegre, understanding its simbolic dimension through the social representations that circulate in its environment, mainly with respect to the space and time categories. Because of the complexity of the subject, theoretical concepts and frameworks from Social Anthropology and other Human Sciences were used. The Chalé da Praça XV is a historical patrimony of the city; it is located in the historical centre of the city, place valued in the past by the population, but nowadays considered a victim of the urban degradation. The etnographic method was used to bring to light the representations that circulate in this space. The etnographic fieldwork was conducted in the restaurant, between February and May 2008. Representations of time and space produced by customers and employees of the organization were identifyed, putting under the spot similarities and heterogeneities of its organizational culture. The analysis categories established make clear the heterogeneity present in its space, as an anthropological place. At last, some alternatives were presented to support the reflection about to management of the restaurant, considering, among others aspects, its touristic potential insufficiently explored.

Keywords: Organizational culture; Social representations; Space; Time; Chalé da Praça XV.

1 INTRODUÇÃO

O centro de Porto Alegre, palco da Praça XV, configura-se como um espaço de contradições: apesar de ser um lugar de memória e expressão urbana, concentração de um universo de significados identitários, também possui características de transitoriedade. De acordo com Borba (1993), uma leitura social da cidade, realizada nos dias atuais, pode revelar as categorias sociais consumidoras do centro. Na visão dessa autora, o centro pertence a setores da burguesia comercial e financeira, e, também, aos ditos "marginalizados". Para a população em geral, a visão predominante é a de que o centro é uma região marcada pela insegurança.

No coração do centro, está o Chalé da Praça XV; o espaço teve seu primeiro prédio instalado em 1880. De acordo com Fischer (2006), em 1911, o primeiro Chalé foi substituído por outro prédio - este tendo permanecido até a atualidade - mais sofisticado. O antigo chalé de madeira deu lugar ao prédio em estilo bávaro, com traços art nouveau, composto por estruturas desmontáveis. Seu projeto segue um esquema radiocêntrico, com piso de ladrilhos em motivos geométricos. O prédio tem dois pavimentos em planta octogonal, mais subsolo e mezanino. Em 1970, o Chalé passou por uma nova reforma, que restaurou as condições do prédio, e foi reinaugurado em 1973. Depois da reforma ocorrida em 1998, a construção passou a configurar como patrimônio histórico municipal da cidade (FISCHER, 2006).

A praça do Chalé era um dos pontos em torno dos quais girou, por muito tempo, a vida cotidiana dos porto-alegrenses. O local atravessou décadas como um dos pontos mais tradicionais do centro, no início frequentado pela alta sociedade, sendo aos poucos ocupado por boêmios e intelectuais. Atualmente, o velho centro não se encontra mais no foco dos acontecimentos sociais, e, embora o Chalé tenha sido tombado pelo Patrimônio Histórico Municipal, nem sempre o local se faz lembrar por sua importância histórica e caráter identitário com a cidade de Porto Alegre (FISCHER, 2006).

Quando se pensa em cidade pura e simplesmente, visualizam-se espaços com ruas, praças, casas; quando se fala na cidade em que se vive, pensa-se nas praças em que se passou a infância, ruas pelas quais se andou durante a vida. No primeiro exemplo, a cidade é uma realidade no espaço, mera sucessão de elementos que delineiam determinado traçado. No segundo, é um conjunto de elementos em torno dos quais se desenvolve uma identidade - uma realidade no tempo (MACEDO, 1993). Essas duas realidades, no entanto, não se opõem; ao contrário, elas se complementam. E é nesse entrecruzamento de espaço e tempo que se criam e circulam diferentes representações e símbolos. É esse processo de atribuição de sentidos e significados ao espaço e ao tempo que transforma o espaço da cidade em lugar. Assim, pensa-se uma cidade como metrópole, criam-se categorias de cidadão e excluído, distingue-se o velho do antigo, constrói-se a noção de patrimônio ou modernidade (PESAVENTO, 2007).

As modificações que ocorreram ao longo do tempo no centro de Porto Alegre geraram reações heterogêneas entre seus moradores e frequentadores, de forma que alguns as veem com implicações positivas, e outros, negativas. O sentimento de nostalgia com relação ao centro de outrora se encontra descrito em diversas obras literárias e presente no imaginário porto-alegrense. A sensação da perda de algo (e esse "algo" é comumente descrito por palavras de conceito difuso, como inocência, ingenuidade ou felicidade) é narrada por indivíduos que afirmam considerar lamentável o que denominam de degradação do centro em nome de um "progresso" que, em suas óticas, pode ser absolutamente questionável.

Em resposta ao que se denominou degradação do centro (grande parte da população vê o espaço como sujo e vinculado à frequência de tipos marginalizados, como prostitutas e mendigos), a prefeitura de Porto Alegre definiu a região como alvo de uma ampla campanha de revitalização. Em contiguidade a tais ações, a prefeitura, por meio do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico Cultural, conforme Lei Municipal n. 10.304/08, passou a tratar oficialmente o bairro pelo nome "centro histórico". A exemplo de diversas outras cidades brasileiras, a nomenclatura foi criada no intuito de promover a valorização do bairro e seu passado, recuperando áreas históricas e incrementando seu potencial turístico. A reforma do Chalé seria, portanto, a primeira etapa da revitalização do centro histórico, onde se localizam cerca de 80% dos prédios tombados do município (FERNANDES, 2008).

Neste artigo, em que nos propomos ao estudo de uma determinada cultura por meio de representações sociais, optamos por duas categorias básicas de análise: espaço e tempo. Nesse sentido, a questão que se coloca é: de que forma as representações das noções de espaço e tempo se expressam na cultura organizacional do Chalé da Praça XV? Para a consecução do objetivo que compõe essa questão, ele foi desdobrado por meio da identificação das representações de tempo e espaço elaboradas por clientes e funcionários do restaurante, desvendando homogeneidades e heterogeneidades de sua cultura organizacional.

Além desta introdução, este trabalho está estruturado da seguinte forma: primeiramente, apresenta-se o referencial teórico que serviu de base para a interpretação dos dados encontrados em campo. A seguir, será vislumbrado o método utilizado durante a pesquisa, juntamente com as técnicas para sua viabilização. Uma breve contextualização acerca do município de Porto Alegre precede os aspectos relativos aos dados de campo do restaurante. Ao fim, revelamos e interpretamos os dados coletados durante a pesquisa, cabendo, ao último item, a tessitura de algumas considerações.

2 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ESPAÇO E TEMPO

Com base em uma primeira conceituação de Durkheim, a quem se atribui a identificação das representações como produções mentais sociais, o psicólogo social Serge Moscovici (1997) propõe seu conceito atual. Moscovici (1997) concebe as representações não só como uma instância intermediária entre a percepção e o conceito sobre algo, mas também aplicável a um objeto não presente, como forma de dar-lhe sentido, simbolizá-lo.

Moscovici (1997) sustenta que representar algo seria mais que simplesmente duplicá-lo ou reproduzi-lo; ao representar-se, muda-se o texto, reconstitui-se, retoca-se o objeto. O autor defende o estudo das representações sociais com interesse por tudo aquilo que rege os pensamentos coletivos. Portanto, a pesquisa se volta para visões de mundo, senso comum, consensos, enfim, para sistemas de saberes práticos, em que a representação busca tornar familiar e classificar aquilo que lhe é estranho (MOSCOVICI, 1997).

Um dos postulados fundamentais defendidos por Jodelet (1997), discípula de Moscovici, dentro do estudo de representações, é a ideia de inter-relação entre as formas de organização e de comunicação social e modalidades de pensamento social. O estudo de suas categorias, operações e lógica permite a explicação dos fenômenos cognitivos, partindo-se dos processos de interação social (JODELET, 1997). Essa autora estabelece as representações como formas de saber prático que unem um sujeito a um objeto. Esse objeto pode ser uma pessoa, uma coisa, um fato material, psíquico ou social etc. Assim sendo, a representação mental, como a representação teatral, por exemplo, permite que se "veja" um objeto, mesmo que em sua ausência: ele se restitui simbolicamente (JODELET, 1997).

Além do papel e das condições de produção das representações, é oportuno ressaltar a importância de um outro aspecto: a circulação das representações. Para Berger e Luckmann (1998), o processo de socialização é responsável pela interiorização de representações previamente existentes. Os autores referem-se ao processo de socialização (primária e secundária) da criança, como um modo de adaptação à sociedade em que ela se encontra inserida; da mesma forma, contudo, podemos argumentar que o processo de socialização ocorre também com adultos, na inserção em novos grupos sociais (como uma organização, por exemplo), e renova-se ao longo do tempo, em um processo dinâmico de adaptação.

A escolha de duas categorias tão específicas para a análise das representações sociais (espaço e tempo) não se deu ao acaso. Primeiramente, partimos da premissa de que o desenvolvimento tecnológico possa ter mudado a percepção espacial e temporal. Isso resultou na alteração do nível das práticas sociais e das experiências individuais. Os conceitos por meio dos quais os indivíduos representam o espaço e o tempo sofreram modificações, e são experimentados de diferentes formas, conforme o grupo social. Nesse contexto, a realidade adquire um significado simbólico que pode configurar elementos fundamentais na compreensão das relações sociais.

Espaço e tempo são categorias essenciais em diversos campos do conhecimento. Mesmo nas ciências naturais, as ideias sobre a natureza do tempo (bem como do espaço) se modificaram com o passar dos anos. Nas ciências humanas, espaço e tempo não são elementos menos importantes: são consideradas verdadeiras categorias sociais, noções que se tornam pano de fundo das compreensões e interpretações do mundo em que vivemos. Enfim, toda atividade e experiência humanas são compostas por essas duas dimensões, o que não ocorre de forma diferente nas organizações (CHANLAT, 1994).

Augé (2004), em seu estudo voltado à descrição e compreensão do significado de lugares e não lugares, mostra a convergência dos etnólogos para uma antropologia do próximo, a antropologia da contemporaneidade, em que o estudo da chamada supermodernidade (caracterizada pelas figuras de excesso) é tema central. O autor detém-se sobremaneira à figura de excesso referente ao espaço, transformação, em sua opinião, própria do mundo contemporâneo. Essa superabundância espacial (decorrente, de forma paradoxal, do encolhimento do planeta, a partir do momento em que o mundo tem suas escalas alteradas e se abre a seus habitantes) é responsável pela multiplicação do que ele denomina "não lugares" - instalações necessárias à circulação acelerada de pessoas e bens, produtos da contemporaneidade, opondo-se à noção de lugar antropológico (AUGÉ, 2004).

Com relação ao conceito de lugar, Augé (2004) destaca três características: ele se pretende identitário, relacional e histórico. Primeiramente, identitário por ser o lugar constitutivo da identidade - o espaço representa para o indivíduo um conjunto de possibilidades, prescrições e proibições de conteúdo tanto espacial quanto social. Relacional por ser um espaço "existencial", de uma experiência de relação com o mundo, com as pessoas e com o próprio lugar. E, finalmente, histórico, na medida em que "o habitante do lugar antropológico não faz história, vive na história" (AUGÉ, 2004, p. 53). Ele possui uma estabilidade mínima em termos temporais, só se concretiza no e pelo tempo - espaço repertoriado, classificado e promovido a "lugar de memória", com forte carga simbólica.

No âmbito organizacional, Fischer (1994) estabelece que o espaço pode ser concebido como vetor das interações sociais, e seu estudo põe em evidência a importância da experiência social com os diferentes ambientes. Tal teorização mostra a natureza psicossocial do local de trabalho, em que o espaço informa sobre a maneira como o trabalhador lida com o seu trabalho - o próprio espaço pode ser uma linguagem da cultura organizacional (FISCHER, 1994).

Chanlat (1994) argumenta que a relevância da dimensão espacial no contexto das organizações reside no fato de que o espaço fixa de alguma forma a identidade social e pessoal, e é fonte de carga afetiva e social. Para o autor, o espaço configura-se como categoria social, campo que estrutura as interações dentro da organização. Destaca também ser possível caracterizar o tempo como um dos pilares fundamentais do quadro da ação humana.

Pode-se dizer que a noção de tempo é correlata à ideia de espaço, indissociável dela. Contrariamente ao que muitas vezes pode corresponder ao senso comum, a experiência do tempo não é uma duração contínua e objetiva que transcorre independentemente do indivíduo: por meio de uma noção que encara o tempo como uma concepção essencialmente afetiva, podemos dizer que ele é, sim, relativo à percepção de determinado sujeito (BACHELARD, 2007).

Elias (1998), por meio de uma retrospectiva sobre o desenvolvimento das maneiras de perceber o tempo - em consonância com as mudanças ocorridas durante o que ele chama processo civilizador -, afirma que o tempo se tornou uma representação simbólica de uma rede de relações que reúne sequências de caráter individual, social ou físico.

O tempo é um dos símbolos que o ser humano é capaz de aprender e, ao viver em sociedades complexas, obrigado a se familiarizar para conseguir orientar-se. O tempo é um instrumento de controle, de acordo com Elias (1998): a pressão do tempo se exerce de fora para dentro, sob a forma de relógios, calendários ou outros instrumentos, em uma coerção que se presta para suscitar o desenvolvimento de uma autodisciplina nos indivíduos. A regulação social do tempo, à qual é impossível fugir, ocorre desde muito cedo na vida de cada indivíduo, tão cedo que quase não há a percepção de que o tempo é apenas um símbolo social, criado e determinado pelo ser humano, sendo não "natural" e sim uma instituição social.

A atenção para o tempo quantitativo, a medição precisa do tempo, entre outras, são características que se colocaram como pano de fundo no desenvolvimento do processo de industrialização (GASPARINI, 1994). Desde então, diversas alterações ocorreram na forma de perceber o tempo nas organizações, a ponto de se caminhar para uma flexibilização do tempo de trabalho em algumas funções.

A tradição linear-quantitativa, que influencia grande parte das organizações atuais, concebe o tempo como um fenômeno homogêneo, objetivo, mensurável e divisível, isto é, quantitativo. Como um recurso escasso, o tempo passa a ser um bem limitado, o que faz realçar seu valor. Para Hassard (2001), essa imagem quantitativa e reificada do tempo emerge da ideia advinda do industrialismo: em tal tradição linear-quantitativa, os trabalhadores necessitaram sujeitar-se a programações rígidas e determinadas de tempo. Citando Mumford, o autor atribui ao relógio, e não à máquina a vapor, o principal motor da era industrial. Da mesma maneira, nas sociedades industriais, o relógio transformou-se no instrumento dominante da organização produtiva.

Muitos autores associam a ideia de tempo (e da percepção de sua passagem) à de memória. Consideramos importante referência Rocha e Eckert (2005), que aludem a um denominador comum que atravessa a reflexão dos diferentes autores que revisitam a noção de memória: o tom interpretativista. O fenômeno da memória, segundo as referidas autoras, é indissociável do contexto com base no qual é construído, e, por isso, cabe compreender sua assimilação ao arbítrio da cultura. Reconhecemos o caráter complexo do termo e concebemos a memória como "conhecimento de si e do mundo, por meio do trabalho de recordar narrativas pelos sujeitos" (ROCHA; ECKERT, 2005, p. 154). Destacamos, nessa dimensão - de construção social, de recordação de tempos passados -, inter-relações importantes entre memória e representações sociais, e o inevitável pano de fundo da cultura em seu âmbito.

3 O DESVENDAR DE SABORES EM DIFERENTES TEMPOS E ESPAÇOS

O método utilizado no decorrer da pesquisa foi o etnográfico, cabendo lembrar que, mais que um método, a etnografia pode ser considerada, sobretudo, uma postura (ROCHA; BARROS; PEREIRA, 2005).

Para Geertz (1989), tem-se o conceito de etnografia como descrição densa. Somente pela descrição extraordinariamente densa - nas palavras do próprio Geertz (1989) - dá-se o correto sentido da descrição etnográfica.

Cavedon (2003) expõe as dificuldades encontradas na interdisciplinaridade entre antropologia e administração em face das diferenças epistemológicas apresentadas pelas duas áreas do conhecimento, algo que tende a ficar exacerbado quando se busca estabelecer um diálogo. Essa autora afirma que, aos olhos do pragmatismo e utilitarismo que norteiam as ciências administrativas, o estudo etnográfico pode parecer um tanto ambíguo: o objetivo de interpretação - e não instrumentalização - da antropologia, por exemplo, pode gerar dificuldades na transposição de conhecimentos para a Administração (CAVEDON, 2003).

Para Jaime Júnior (2004), o principal ponto a ser considerado é que, sobre o pano de fundo da cultura, ocorrem as interpretações e significações das experiências no espaço organizacional. Portanto, o que essa abordagem preconiza, essencialmente, é que a cultura organizacional presta-se a diversas interpretações que podem ser diferentes de acordo com seus leitores, como funcionários, administradores, clientes etc. (JAIME JÚNIOR, 2005).

Jaime Júnior e Serva (1994) sustentam que a utilização da postura antropológica em estudos organizacionais possui diversas vantagens. Em especial, destacam que, ao adotarmos métodos tradicionalmente utilizados na antropologia, estamos garantindo um caráter de complementaridade, mediante a busca do conhecimento sobre o homem no trabalho em suas diversas dimensões. Prosseguindo, os autores colocam essa abordagem, essencialmente antropológica, como um modo de superação da objetividade pura e simples, que pode até mesmo "cegar" o pesquisador (JAIME JÚNIOR; SERVA, 1994).

A permanência em campo deu-se durante o período compreendido entre fevereiro e maio de 2008. Não foram estabelecidos previamente horários ou dias específicos para a estada em campo, mas procuramos alternar esses períodos para que não se concentrassem sempre nas mesmas horas ou dias da semana. Foi obtida relativa liberdade de trânsito na organização: havia a possibilidade de circulação livre desde o momento de abertura para os funcionários (a partir das 8 horas) até o horário de fechamento (meia-noite).

Em relativamente pouco tempo, conseguimos inserção em campo. Os códigos de comunicação foram de nosso domínio. No entanto, apenas dominar a linguagem própria dos nativos não nos permite construir uma etnografia - a intersubjetividade precisa ser conquistada (ZALUAR, 2004). Acompanhar de perto as muitas funções dos sujeitos em questão facilitou o processo que permitiu compreender a percepção de seus pontos de vista, partilhar sua realidade, sua descrição de mundo e suas marcas simbólicas.

Em especial, no que tange aos gerentes de loja e aos funcionários, coube-nos o acompanhamento do cotidiano dos grupos, procurando seguir o fluxo de sua experiência social, observando o comportamento dos informantes nos diferentes contextos em que se processa sua vida social. As incursões em campo foram registradas em notas de campo, posteriormente descritas na forma de diários (42 no total).

A coleta de dados foi efetuada por meio da triangulação das seguintes técnicas: pesquisa documental, entrevistas e observação; esta última variou de sistemática a participante, dependendo da inserção em campo (GOODE; HATT, 1960).

As entrevistas foram realizadas com nove pessoas. O número foi estabelecido com base na capacidade de análise das pesquisadoras e de acordo com o tamanho do corpus a ser analisado (GASKELL, 2002). Foram entrevistados: um gerente, quatro funcionários de setores operacionais (copa, cozinha e atendimento) e quatro clientes, entre os frequentadores do local. Quando o entrevistado sentiu-se à vontade para tal, as entrevistas foram gravadas.

Para esta análise, fizemos uso da chamada análise de conteúdo, técnica utilizada com o objetivo de produzir inferências de um texto focal para seu contexto social de uma maneira objetivada (BAUER, 2002). O que é proposto, com essa concepção, é que sejam analisadas, além da fala em si, as condições de produção dessa fala, o que também permite a compreensão do não dito, dos elementos omitidos, das inexatidões das mensagens.

A seguir, pedimos aos leitores que acompanhem nossos passos e tempos no Chalé.

4 O CHALÉ

4.1 SUA CONSTITUIÇÃO COMO ESPAÇO DE MEMÓRIA

O Chalé, embora localizado na Praça XV, fica em uma região cercada. As grades são baixas: servem tão somente para delimitar física e simbolicamente o espaço, e evitar tráfego de pessoas por entre as mesas. Ao todo, compõem a organização 27 funcionários próprios, responsáveis inclusive por tarefas de segurança e limpeza. O restaurante possui capacidade para 450 lugares.

A construção é composta por quatro espaços delimitados entre si: o salão, a área externa, o solário e o terraço. Quem ultrapassa o portão (que normalmente conta com um funcionário para recepcionar clientes e entregar comandas), que demarca a fronteira entre o Chalé e a Praça, tem duas opções de caminhos a seguir: em frente, o Chalé propriamente dito, ou o salão principal; pela esquerda, a área externa.

O salão é onde ficam o caixa e a copa, com um balcão por onde passam todos os pratos, as bebidas, as louças sujas. Sobre o balcão, uma caixa de madeira com muitas divisões - o controle dos pedidos dos garçons - e as bandejas utilizadas pelos garçons. Do lado direito, duas máquinas de chope (ou chopeiras) dão o tom do bar. Atrás do balcão, dois espelhos fornecem certa amplitude ao local. Os espelhos são separados por um acesso, que leva à cozinha através de uma escada de madeira muito estreita. O chão do salão é quadriculado, preto e branco, e há dois tipos de mesas: algumas, retangulares, para quatro pessoas, de madeira; outras, redondas, para uma ou duas pessoas, de pedra.

Quem opta por ficar no ambiente externo tem uma visão diferente. Além das cercas de metal e das plantas que ornamentam a Praça, vê-se o exterior do Chalé - onde o músico se apresenta em determinados horários -, as demais mesas e cadeiras de plástico, mas, principalmente, vê de forma muito clara a rua: a movimentação do centro, o comércio, os camelôs. Vê o fervilhante ir e vir de pessoas, apressadas, pelas ruas da região central. Não há toldos ou proteções que separem a área externa do restante da praça. Ela é rua; há somente as cercas de metal que pouca resistência ofereceriam a alguém que desejasse pulá-las. Os sons não são diferentes para quem está de fora: o burburinho, o trânsito, os vendedores ambulantes.

Existe uma porta lateral de acesso entre a área externa e o salão. Passando por ela, veem-se o balcão de frente e também um pequeno corredor que dá acesso a dois outros ambientes do Chalé: o solário e o terraço.

O solário é um espaço diferenciado do restante do Chalé. Não guarda características de bar, tampouco remonta a tempos idos. É um espaço retangular, anexo à antiga estrutura do Chalé, mas separado dela. O solário tem "ares" de restaurante: nele, existem apenas mesas e cadeiras (não há balcão ou outro móvel em seu espaço) dispostas de maneira regular, uma ao lado da outra. Seria possível dizer que o solário assemelha-se a um outro estabelecimento, um outro restaurante, um outro espaço, mais homogeneizado, por causa de suas toalhas de mesa e cortinas brancas, paredes envidraçadas, ar-condicionado que mantém a temperatura constante. É o reduto por excelência de "engravatados", muitos deles funcionários públicos e bancários, trabalhadores de organizações do centro. Em horário de almoço, o Chalé é, essencialmente, um espaço de socialização entre colegas de trabalho. De qualquer forma, no Chalé, não deve ir almoçar quem tem muita pressa, habituado à correria de restaurantes fast food. Normalmente, o tempo de permanência médio dos clientes ultrapassa uma hora.

Já o terraço se configura como um dos ambientes que mais remetem ao passado de todo o Chalé. Vê-se, através dele, todo o centro, mas sua altura permite que se enxergue além das placas e letreiros comerciais: são vistas as fachadas das construções antigas, o Mercado Público, o cais do porto, o Lago Guaíba. Na maior parte do tempo, o terraço permanece fechado. É aberto ao público em horários de grande movimento. Isso não impede, no entanto, que algumas pessoas (turistas, em especial) solicitem conhecer o local, permanecendo cerca de dez ou quinze minutos fotografando, para, então, continuar conhecendo o restante do centro.

Do terraço, é possível ver a cozinha, também no segundo andar. A visão é restrita, mas conseguimos, através de uma janela, assistir à movimentação dos funcionários. O painel onde são afixados os papéis com pedidos de clientes é visível, e, de vez em quando, é possível ouvir a campainha dos pedidos, passados à cozinha através de um rudimentar sistema de barbantes e prendedores. Os pedidos prontos descem por um elevador.

O calor da cozinha pode ser sentido mesmo fora de seu ambiente, já nas proximidades. Um rádio, frequentemente ligado, encontra-se sintonizado em emissoras populares. A correria na cozinha é grande enquanto há muitos clientes. Além do gerente operacional, trabalham duas cozinheiras (uma na confecção de massas e outra que faz de tudo um pouco, especialmente na montagem de pratos durante a ausência do gerente operacional), uma auxiliar na preparação de saladas, um auxiliar nas fritadeiras e um chapista.

Como o terraço fica no mesmo nível da cozinha, ele possui uma pequena comunicação com ela para o fornecimento de pratos e petiscos. No entanto, no que diz respeito às bebidas, os garçons precisam descer para buscá-las - o que foi alvo de diversas reclamações entre garçons e clientes, já que não há refrigeradores ou chopeiras no segundo andar. Para os clientes, o grande problema era a demora no atendimento; para os garçons, era o esforço empenhado em subir e descer as escadas várias vezes, o que os deixava muito cansados ao final de um dia de trabalho.

Ao descer a tal escada ao lado do caixa, são vistos ambientes que causam uma sensação que beira a claustrofobia, pois possuem espaços que se entrecruzam, apertam, gerando outros espaços impossíveis de ser aproveitados para armazenamento de materiais e circulação de pessoas. Em quase todos os momentos, a velhice das instalações foi mencionada como dificuldade primordial. O fato de ser patrimônio histórico, segundo um dos gerentes, prejudicaria a realização de reformas e alterações. A dualidade ao perceber, em certas ocasiões, o patrimônio histórico como atrativo a turistas e moradores, sendo a referência ao passado um diferencial daquele espaço, e, em certas circunstâncias, essa historicidade ser considerada prejudicial às reformas e obras de melhoria visando à modernização fez-se constante durante a coleta de dados.

O atendimento é dividido entre os garçons por praças. Todos os dias, em cada turno (almoço e happy hour), são divididas as mesas de acordo com o número de garçons, por meio de um sorteio. Se o cliente desejar ser atendido por um garçom especificamente, deve sentar-se na área sob sua responsabilidade, que, dependendo da praça, compreende, aproximadamente, onze mesas. Não é permitido aos garçons que se sentem em horário de trabalho; por isso, é comum que eles permaneçam, em posição de vigilância, reunidos em frente à porta lateral do Chalé.

Alguns funcionários reconhecem que o fato de trabalhar em um espaço histórico é uma característica que diferencia a organização das demais. Todavia, certas vezes, em entrevistas informais, foi relatado o desconforto que isso pode causar, em virtude da necessidade de "atendimento" a pessoas que não desejam consumir dentro do restaurante, mas apenas entrar para conhecer e fotografar o local, além de pedir informações sobre a história do espaço. Isso pode evidenciar um baixo grau de identificação do funcionário com o local em que trabalha e sua relação com o passado da cidade. Muitos veem com resignação tal acontecimento. Argumentam que, antes de ser seu local de trabalho, o Chalé é um lugar histórico de Porto Alegre e que não há muito a ser feito. O vínculo com a história do Chalé parece não ter ocorrido com todos, até mesmo pelo pouco tempo de trabalho no estabelecimento - o funcionário que possui mais tempo de trabalho no Chalé está lá há seis anos. Muitos deles nem sequer haviam adentrado no prédio antes de sua contratação. Nesse sentido, podemos pensar que essa relação com o passado é feita, especialmente, por meio dos clientes, como nos atesta a fala de um garçom:

[...] essa identificação que eu tenho com o Chalé, [...] de ser um ponto histórico, de ver as pessoas virem aqui e dizerem: [...] "Ah, tu sabia que eu já namorei aqui?", "Sabia que eu e meu amigo vínhamos aqui há 40 anos?". Tem muita gente que diz isso. Então, isso traz uma noção que o lugar onde tu trabalha é um lugar especial. Além do jeito que as pessoas falam, elas falam com um carinho, [falam] tão bem, que esse carinho entrou pro Chalé.

Diferentemente de outros estabelecimentos do centro de Porto Alegre (como o próprio Mercado Público, também patrimônio histórico) e de diversos pontos históricos em outras localidades, o vínculo do Chalé com o passado é realizado e estabelecido por meio dos clientes. Na ótica das pesquisadoras, esses clientes que fazem a referida vinculação são chamados "clientes-narradores", justamente por serem eles os sujeitos que relatam aos profissionais que lá desempenham suas atividades o passado do estabelecimento, e não o contrário. Tal tópico será tratado mais adiante neste texto. A seguir, são explicitados alguns aspectos relacionados à revitalização do centro e à mais nova reforma do Chalé, processo que teve início em 2008.

4.2 A REVITALIZAÇÃO DO CENTRO E DO CHALÉ: ESPAÇO E ESPERANÇA RENOVADOS

Este trabalho se desenvolveu em um momento peculiar de Porto Alegre. Diversas reflexões acerca do patrimônio do município são realizadas na atualidade, inclusive, como relatado anteriormente, a alteração de algumas denominações de pontos importantes da cidade, como o centro histórico. Além disso, o processo de revitalização do centro passa por reformas que serão realizadas também no Chalé.

Tais eventos disseminaram entre os funcionários uma noção de importância sobre o espaço no qual trabalham, o que não havia anteriormente. A valorização do centro passa pela valorização do Chalé, e os funcionários percebem isso. No entanto, poucos clientes sabem das reformas que serão realizadas no espaço. Em entrevistas e conversas informais, percebemos que há consciência sobre o processo de reforma, simbolizado por sua obra mais visível, o Centro Popular de Compras (e a consequente retirada dos camelôs das ruas centrais da cidade), mas os clientes não sabem qual a abrangência dessa mudança em relação ao Chalé.

Em campo, nas entrevistas com funcionários e gerentes, foi mencionada uma reforma no estabelecimento que seria realizada ainda em 2008. O discurso sempre relacionava tal reforma com a melhoria do espaço, acarretando aumento das vendas. Segundo a gerência do estabelecimento, logo que se tornou permissionária do local, a empresa precisou "injetar dinheiro, sem retorno no curto prazo", durante seis anos. Sendo assim, há apenas cerca de dois anos o Chalé seria autossustentável, ou seja, manter-se-ia com certa lucratividade ou, pelo menos, não dependeria de investimentos externos da empresa.

A rede de restaurantes afirma ter assumido todos os custos referentes à obra, cabendo à prefeitura a responsabilidade pela retirada dos camelôs do centro, limpeza e ampliação da Praça XV e da área do Chalé. As plantas com propostas de alterações no local, no entanto, necessitaram de aprovação específica para que a obra pudesse ser realizada, processo que levou vários meses.

Foi possível perceber uma esperança de incremento nas vendas tão logo sejam concluídas as melhorias no centro da cidade. Há a percepção de que poderá ser feita a ampliação do ambiente e adequação do negócio, financeiramente falando: "Aí, sim, vai dar pra divulgar o Chalé". Nesse sentido, a questão da divulgação do restaurante também foi bastante citada em diversas entrevistas. Para alguns informantes, a baixa divulgação é considerada uma deficiência da empresa. Certos funcionários acreditam que "muita gente nem sabe que o Chalé está à disposição". Outros informantes dizem que a divulgação pode ser suficiente, no entanto o centro acabaria assustando as pessoas em face da falta de segurança:

Na verdade, eu não acho que não seja divulgado, porque mais que a gente divulga... Os nossos colegas aqui, a gente ganha por comissão. A gente tenta trazer mais cliente pra nós, entendeu? É bom porque nós trabalhamos com venda, ganhamos também por aquilo, entendeu? E então, acho que falta muito ainda [para o centro ser atrativo para as pessoas]. Quem sabe com essa modernização [...]. Na real, já melhorou, eu acho que já melhorou, em segurança, tudo. Mas eu acho que isso vai levar um tempo, pra pegar as pessoas. [...] O centro não traz as pessoas. [...] Por que, se [Porto Alegre] tem várias opções, tu vais querer vir no Chalé?

A questão da violência no centro de Porto Alegre também é abordada por Cavedon et al. (2004), ao estudarem a relação entre a violência urbana e a administração das lojas do Viaduto Otávio Rocha. Por meio das falas dos permissionários e da observação sistemática e participante das pesquisadoras, foi identificado o fator violência como algo presente no cotidiano do local, exemplificado por meio de suicídios, acidentes de trânsito, assaltos. As autoras concluem que os permissionários buscam em suas atitudes, em face da violência, um pai protetor, o Poder Público, o que também vem acontecendo, de certa forma, no Chalé, quando os discursos apontam para uma ineficiência da prefeitura na promoção da segurança.

Sobre a frequência de clientes no Chalé, um funcionário expõe a problemática do centro, definindo o entorno como não atrativo para clientes que não necessitam passar pela região:

Mas eu vou te dizer uma coisa: [...] quando a pessoa vem almoçar no Chalé, é porque ela tem um compromisso aqui pelo centro, e já vem almoçar aqui. Esse nosso centro tem que mudar muito. [...] Esse nosso cliente é o cliente que está à volta, aqui. E esse cliente que veio aqui meio-dia, esse cliente vai pra casa. O cliente do happy é o cliente que está saindo do trabalho no centro, é o happy hour do centro. O centro não pegou aquele cliente que diz "Vamos lá no centro fazer um happy hour". Ninguém vem pro centro pra fazer um happy hour.

A ideia da reforma, pelo que podemos observar, é que o Chalé possa dispor de melhores equipamentos e instalações. "Vai ficar tudo novinho", disse o funcionário, remetendo, mais uma vez, à antiguidade do estabelecimento, sem se dar conta de que o atrativo do Chalé seria, justamente, seu viés histórico, sua característica de patrimônio.

Cavedon (2004), ao estudar a cultura organizacional do Mercado Público de Porto Alegre (localizado no centro histórico, no entorno da Praça XV), constata diferentes tipos de percepção sobre a reforma de suas instalações: ora se apresentava como negativa, ora como positiva. A avaliação negativa da reforma foi evidenciada pela percepção de declínio no número de clientes, da diminuição do espaço físico das bancas e da mudança de localização de algumas bancas. Por sua vez, a percepção positiva foi relacionada à higiene, à organização, à imagem de shopping que o local recebeu a partir de então. O antes e o depois da reforma remeteram às noções de sujo e limpo, respectivamente. Tal ambiguidade não foi percebida no Chalé; poucos clientes sabem efetivamente da obra, mas os funcionários depositam na reforma grandes expectativas com relação ao aumento do fluxo de clientes.

Em suma, os aspectos destacados com relação à reforma que será realizada no Chalé foram: limpeza, retirada dos camelôs, maior segurança, instalação de um estacionamento, possibilidade de divulgação, atração de novos clientes.

Com relação à limpeza, não há referências ao espaço do Chalé em si, mas sim do entorno, da área pública que o circunda, sob a forma do que foi qualificado como "feio" na visão dos pesquisados. A questão segurança também foi levantada, diante da criminalidade e violência urbana existente, consubstanciada em eventos como assaltos a funcionários e clientes no espaço do centro. O afastamento do comércio informal do centro, relacionado estritamente à limpeza e à segurança, já que a existência de camelôs é percebida como algo que dá aspecto de sujeira e tira a beleza do centro, e a instalação de um estacionamento seriam as melhorias que mais fariam diferença no cotidiano do Chalé. Todos esses aspectos, que, de certa forma, também passam pelo aumento da área do Chalé (haverá um maior espaço sob responsabilidade da empresa, o que garantiria, em tese, a higienização do local) e pelo aumento do policiamento, levariam à possibilidade de divulgação do estabelecimento comercial, o que foi mencionado por entrevistados.

A seguir, apresentamos mais alguns aspectos referentes aos tempos do Chalé da Praça XV.

4.3 O TEMPO QUE MUDA O ESPAÇO

Uma das tradições ainda presentes no Chalé da Praça XV é o famoso sino, tocado todos os dias, pontualmente, às 19 h. Além de anunciar o final da promoção do chope (50% de desconto entre 18 h e 19 h), o som característico formaliza a separação entre os dois principais tempos do Chalé: o tempo do almoço e o tempo do happy hour.

Depois do sino das 19 h, especialmente durante a semana, o Chalé parece tomar outra forma: deixa de ser restaurante e transforma-se em bar; deixa de lado todas as formalidades e torna-se informal. De acordo com dados da empresa, o Chalé detém o happy hour mais atrativo de toda a rede de restaurantes. O orgulho do Chalé, por assim dizer, é seu happy.

Certamente, é à tardinha e à noite que o Chalé atinge lotação máxima. Em uma das idas a campo, nesse horário, praticamente não havia espaço para a permanência de uma das pesquisadoras; foi necessário que se acomodasse em uma cadeira na área externa, sem mesa, perto dos gradis de ferro. É comum, nesses dias, haver várias mesas emendadas, ocupadas por dez ou doze pessoas, remetendo à imagem de um grande refeitório escolar ou fabril (acrescentado de mais diversão, sem dúvida). Em dias como esses, são chamados funcionários de outros restaurantes da rede para que possam cobrir a necessidade de mão de obra extra.

Inclusive, sobre a informalidade, foi mencionado por um garçom que um dos gerentes já havia tentado implantar um tratamento mais formal aos seus clientes no horário da tarde e noite, contudo o funcionário também afirmou que tal ação não havia dado certo. No máximo, disse, poderiam sofisticar o atendimento durante o almoço - e somente nesse período do dia. Mas não era aquilo que os clientes habituais queriam do Chalé. Via de regra, durante o happy, o público é composto majoritariamente por grupos (são numerosas as mesas com mais de cinco integrantes) que conversam de forma animada. Não há predominância visível de um gênero sobre outro, e há tanto mesas mistas quanto só de homens ou só de mulheres.

Uma expressão dita, certa vez, por um funcionário que trabalha no setor administrativo pode ilustrar um pouco o imaginário sobre o local: no happy hour, "o Chalé é a Padre Chagas do centro". A Padre Chagas, explica-se, é uma rua de Porto Alegre, localizada entre os bairros Moinhos de Vento e Auxiliadora, num dos locais mais nobres do município, em que a juventude costuma se reunir para dançar, beber e se divertir. É feita uma transposição imaginária de um espaço de lazer destinado às classes mais abastadas para um espaço de lazer em um bairro não tão privilegiado. A associação, certamente, não foi feita à toa: o Chalé ainda é um dos poucos espaços destinados à boemia no centro da cidade.

Mais uma vez, as representações guardam similaridades com as que circulam no Mercado Público de Porto Alegre, apreendidas por Cavedon (2004). As positividades relacionadas a esse espaço envolvem noções como higiene, organização e, principalmente, a imagem de shopping center. A autora traz falas de entrevistados que atribuem ao Mercado Público a qualificação de "shopping do povão", enfim, denotando novos "ares" àquele espaço, com a realização da reforma. Enfim, dizer que o Chalé é a "Padre Chagas do centro", da mesma forma que afirmar que o Mercado Público é o "shopping do pobre", envolve representações comumente atribuídas a outros espaços, repassadas e ressignificadas em um novo contexto, dentro do centro de Porto Alegre.

A fala de um funcionário explicita o imaginário sobre a predominância do público jovem no Chalé; na opinião do entrevistado, há uma contradição relacionada ao público que o frequenta, especialmente, no happy hour, já que o espaço é antigo. Para ele, essa contradição é visível na medida em que ocorre uma identificação muito maior do público jovem com o ambiente shopping center, e não com aquele patrimônio histórico, que deveria, em sua visão, atrair pessoas de mais idade. Contudo, ocorre o contrário, o que chama sua atenção:

É isso que me chama a atenção no Chalé. Isso é uma coisa que me chama atenção. [...] hoje em dia a juventude quer shopping, quer coisa moderna, e o que nós temos de moderno aqui? Nada. [...] E aqui, 70% de cliente é jovem.

De sisudo restaurante em um espaço histórico da cidade, o Chalé transforma-se em descontraído ponto de encontro ao som de música ao vivo. É o tempo mudando o espaço.

4.3.1 O happy hour e o consumo de chope: o tempo do prazer

Durante o happy, é mais frequente o consumo de bebidas alcoólicas, destacando-se, aqui, o chope, bebida fermentada fabricada à semelhança da cerveja, mas com características de maior leveza. É a bebida mais tradicional à venda no Chalé, e não por acaso: já o primeiro estabelecimento comercial na Praça XV estava a cargo de um alemão; desde então, diversos produtos oferecidos eram marcadamente germânicos. O próprio chope foi um dos produtos que permaneceram no cardápio do estabelecimento com o passar dos anos e que se incorporaram à tradição local (PESAVENTO, 2006).

É oportuno ressaltar que o consumo de chope no Chalé não cabe apenas aos jovens, como talvez se pudesse pensar, e é visto em diferentes mesas, independentemente do número de pessoas presentes. No entanto, esse consumo é um pouco mais frequente em mesas com um maior número de ocupantes. Nessas mesas, a realidade reveste-se de um tom informal, em que vozes e gargalhadas são ouvidas em face do seu alto volume, e manifestações gestuais nem um pouco amenas são o pano de fundo.

A associação feita entre álcool e alegria apareceu em diversas entrevistas realizadas com clientes. Não é muito comum que bebamos álcool no almoço, pois o momento exige seriedade, mas bebemos no happy, em que o tempo não mais é de trabalho, e sim de lazer, de diversão. A noção de bebida alcoólica relacionada às festas, por exemplo, não é algo novo, havendo inclusive festas, especificamente, destinadas ao seu consumo - no Brasil, temos, por exemplo, a Festa do Vinho, de Caxias do Sul, e a Oktoberfest, realizada em diversas cidades de colonização alemã (SOUZA, 2004). O próprio nome, happy hour, designa a felicidade das horas passadas no ambiente fora do trabalho. Sobre o tema, também Certeau, Giard e Mayol (2003) tecem considerações. Por certo, os autores referem-se ao vinho, na medida em que analisam uma realidade francesa. No contexto estudado, em uma realidade brasileira (e numa cidade em que a imigração germânica se fez presente), transpomos a análise para o chope:

[...] a tristeza de quem bebe água, portanto, por antífrase, a alegria dos que bebem vinho. [...] O vinho é a condição sine qua non de toda celebração [...] (CERTEAU; GIARD; MAYOL, 2003, p. 138).

Sob tal ponto de vista, o beber chope pode ser relacionado a algum tipo de compensação, pelo trabalho realizado, em um contexto de lazer e diversão. A percepção de que se trabalhou em demasia está muitas vezes presente no discurso que justifica o consumo do álcool. Frases como "A gente ganha pouco, mas se diverte" (e diverte-se naquele determinado momento, em que o consumo do chope é premente) ou "Hoje eu mereço um chope, porque trabalhei demais" estiveram presentes nas falas captadas durante a estada em campo. Em última análise, o álcool é percebido, nesse contexto, como mais que um mero prazer: é uma premiação que o sujeito faz a si mesmo.

Nessa perspectiva, DaMatta (1986) tece considerações acerca do imaginário brasileiro relacionado ao trabalho, palavra que deriva do termo latino tripaliare, que significa castigar com o tripaliu, instrumento que, na Roma antiga, era um objeto de tortura utilizado em escravos. Para o autor, no Brasil, diferentemente da concepção anglo-saxã que associa o trabalho ao agir e fazer, predomina a tradição católica romana, a qual considera o trabalho como castigo, uma ação destinada à salvação. O próprio termo "batente", tomado como sinônimo de trabalho, já é indicativo de um obstáculo o qual é necessário cruzar1 1 Nesse sentido, DaMatta (1986) atribui essa perspectiva ao sistema escravocrata brasileiro, o qual confundiu as relações entre patrão e empregado, em que não só um era explorador do trabalho do outro, mas também seu representante e dono perante a sociedade. As pessoas consideradas "decentes" não desenvolviam trabalhos manuais e/ou braçais, que ficariam a cargo dos escravos. A noção de inferioridade do trabalho manual é amplamente difundida até os dias atuais. .

Enfim, em um contexto no qual o trabalho é visto como castigo e sacrifício, podemos dizer que o imaginário popular muitas vezes relaciona o consumo de álcool a uma alternativa para a compensação do trabalhador. O happy hour se estabelece pela oposição ao trabalho. Tal imagem pode ser vista por meio da publicidade de algumas marcas de cerveja vendidas no Brasil; citam-se, como exemplos, propagandas veiculadas na televisão que tentam exaltar a figura do trabalhador, aquele que levanta cedo, "rala", "luta", "pega no batente"; ao final do dia, contudo, esse trabalhador reúne-se com seus amigos, no bar, para tomar cerveja, pois, afinal, "a vida não tem graça sem ter os amigos e o que celebrar"2 2 Essa frase é um excerto retirado de um jingle publicitário elaborado pela agência Africa para a marca de cerveja Brahma, em que o consumidor é mostrado como "um batalhador, um guerreiro que tem fé na vida e não desiste nunca". O comercial é composto por diversas cenas que mostram o dia a dia de diversos profissionais, desde o início até o final do dia, quando saem para tomar cerveja com os amigos. O tempo de lazer, de acordo com a peça publicitária, é desfrutado com os amigos, o que representa a quebra de rotina de trabalho da semana, no bar, bebendo cerveja. O jingle é de autoria de Nizan Guanaes, presidente da agência (cf. < http://www.portaldapropaganda.com>. Acesso em: 29 set. 2008). . Esse imaginário reforça o argumento de Certeau, Giard e Mayol (2003, p. 139): "[...] saber apreciar o vinho é alegrar-se; a gente só pode alegrar-se depois de ter dado duro no trabalho; portanto, só os trabalhadores sabem apreciar devidamente o vinho".

De qualquer forma, o consumo de chope é relacionado, como referido em entrevistas com clientes, ao ato de "relaxar", de estar com os amigos; enfim, ele remete à sociabilidade, daí seu consumo. Nesse sentido, por meio da alusão a um gesto simbólico - a retirada da gravata por parte de alguns clientes e por parte dos funcionários do Chalé -, pudemos apontar para alguns aspectos relacionados a esse "relaxamento", próprios do happy hour.

Nesse âmbito, o próprio Chalé acompanha a modificação de seu público. O cliente, que vai ao local, sério e circunspecto, trajando terno, gravata e crachá, em seu intervalo de trabalho, almoça em um Chalé restaurante, com características específicas que o denotam como tal (como o uniforme e comportamento dos garçons, o uso de guardanapos de tecido etc.). À tardinha, o cliente, dessa vez não em horário de intervalo, mas com sua jornada de trabalho já finalizada, encontra um ambiente que se traveste de bar e faz questão de demonstrar que é outro estabelecimento.

Até mesmo os uniformes dos garçons se alteram para o happy: durante o horário de almoço, vestem camisas brancas, aventais de corpo inteiro e gravata-borboleta. À tardinha, os próprios funcionários repetem o gesto simbólico que denota o tempo de lazer: tiram a gravata. Seu uniforme, neste horário, consiste em uma camiseta com gola polo cinza, com o logotipo da marca de cerveja que patrocina o restaurante, calça preta e avental de meio corpo.

Nas vestimentas dos clientes, isso também é perceptível: predominam as camisetas, os chinelos, os vestidinhos de verão, as camisas de clube de futebol. Não se veem mais pessoas com crachá à mostra (o que evidencia que não mais estão em horário de serviço), e os poucos que ainda utilizam gravata afrouxam visivelmente o nó. O clima de informalidade predomina, o que se torna perceptível por meio do comportamento das pessoas, de suas expectativas com relação ao local frequentado e, inclusive, por meio dos produtos consumidos. Esses produtos - os petiscos, ou "não comida", por meio de referências feitas pelos próprios funcionários - serão abordados no tópico a seguir.

4.3.2 Comida e não comida: tempo da refeição e tempo dos petiscos

Um código que também aponta para as diferenças apresentadas em decorrência do horário é a utilização de guardanapos diversos. Durante o dia, quando há uma maior formalidade no atendimento, os guardanapos são de tecido, cuidadosamente colocados sobre as mesas. Durante o happy, são utilizados guardanapos de papel, em conjunto, sobre um suporte em metal, denunciando a informalidade que toma conta do estabelecimento. A fala de um garçom demonstra como a mudança é percebida pelos funcionários:

No almoço, tu tens que usar um pouco mais de etiqueta com o cliente, e à noite não, à noite é um pouco mais de correria, a gente atende o cliente como dá, né? Larga o cardápio, vai na outra mesa, traz petisco, busca chope, mas no almoço já é mais fino, né? Tem que usar um pouco mais de etiqueta. [...] no almoço, a gente dá um cuidado melhor pro cliente. Tu tá mexendo com comida, tá mexendo com etiqueta. De repente, o cliente traz um colega dele de fora, um outro que nunca teve aqui, ele vai esperar de nós um tratamento muito diferente da noite. Porque à noite é correria, tu sabe como é. Não tem como o cara chegar por um lado, tirar [o prato] pelo outro, não adianta. [...] à noite não, à noite ele já vem para escutar música, curtir (grifo nosso).

A opção por diferentes tipos de guardanapo representa muito mais do que a diferença de custos para o restaurante, que um leitor desavisado poderia imaginar. A questão da etiqueta, apontada pelo entrevistado, talvez apresente uma sutil noção da mensagem que se deseja passar por meio de determinado espaço, algumas vezes de forma inconsciente. Pode-se começar a compreender essa situação pela lente do pensamento de Lévi-Strauss (2006), que tece alguns comentários acerca dos costumes à mesa. O autor afirma que, a exemplo da etiqueta e dos bons modos à mesa, a utilização de talheres e utensílios de higiene (como guardanapos, por exemplo) desempenha uma dupla função. Tais utensílios cumpririam o papel de isolantes, de mediadores, moderando as trocas dos indivíduos com o mundo, mas serviriam, também, como padrões de medida - função positiva, em vez de negativa (LÉVI-STRAUSS, 2006). Padrões de medida para, por exemplo, nortear comportamentos.

A própria passagem na qual o garçom faz uma associação entre comida e etiqueta é crucial para o entendimento da questão. A diferenciação entre comida (refeição, almoço) e petisco (lanche, e, por exclusão, "não comida") é objeto de análise de diversos autores. Na visão de Câmara Cascudo (1957), é comum entre diversos povos ocidentais a representação da "comida substancial", aquela que passa pelo fogo e é servida com talheres, diferentemente da comida fria (ou da comida quente não servida com talheres, como a batata frita), do lanche, categoria na qual poderiam ser inseridos os petiscos.

No Chalé, o petisco mais vendido, que normalmente acompanha o tradicional chope, é a batata frita, servida em recipiente comunitário, representando o alimento compartilhado. Em tal recipiente, cada pessoa serve-se sem a intermediação de talheres - faz-se uso, no máximo, de um palito de madeira. Para Câmara Cascudo (1957, p. 28), a utilização dos talheres é a mediação do contato humano com o alimento: "O contato da mão estabelece uma continuidade simpática, uma intercomunicação valorizadora que o metal isolará, fazendo dispersar-se sabores imponderáveis e reais".

A intimidade que se compartilha, simbolizada pelo ato de alimentar-se no mesmo recipiente, não está presente no almoço, período em que a individualidade predomina. São pratos, talheres e copos diferenciados, e quase tudo é servido em porções individuais, à exceção de garrafas de vinho, por exemplo, e dos temperos, como sal, azeite e vinagre.

Para além de todos os aspectos simbólicos tratados até aqui, a partir do próximo tópico serão abordadas questões relacionadas aos próprios clientes do Chalé, suas memórias, representações e relações com o restaurante, seja como habitué ou turista.

4.4 OS CLIENTES DO CHALÉ

A questão da memória no Chalé guarda relações, sem dúvida, com aspectos ligados a espaço e tempo; no entanto, cabe, neste item, destacar algumas questões tangentes aos clientes do restaurante, que guardam a memória do espaço estudado.

Em verdade, é possível que percebamos certa sazonalidade quanto à frequência de clientes: em entrevistas, foi-nos relatado um maior movimento em dias de temperatura elevada e céu limpo, principalmente durante os meses de novembro a fevereiro. Em dias de chuva - ou promessa de chuva, de acordo com a meteorologia local -, poucas pessoas costumam comparecer ao local, em especial à tardinha. Os horários também apresentam variações quanto à frequência de clientes. O período em que há música ao vivo (os cantores contratados, munidos de violão, costumam interpretar sucessos da MPB) são momentos em que o fluxo de clientes é maior. O horário de trabalho dos músicos é, normalmente, das 18 h às 22 h, período entremeado por alguns intervalos de dez ou quinze minutos.

Uma constatação pode ser realizada quando observamos mais atentamente o Chalé: ninguém destoa daquele espaço. Ele se presta a acolher qualquer tipo de público: engravatados, uniformizados, despojados, idosos, jovens, gays, casais, grandes ou pequenos grupos. O ambiente não é homogeneizante, o público é heterogêneo. Por vezes, os clientes levam seu próprio lanche e o saboreiam ao som da música ao vivo, tomando um chope e conversando. É interessante salientar que nem sempre as pessoas que lá estão consomem algo, para desgosto dos garçons; é comum encontrar grupos em que apenas uma ou duas pessoas tomam chope, ou pessoas que se sentam nas cadeiras do Chalé para a leitura de um jornal ou algo do gênero.

Um garçom, em entrevista, expõe uma clara percepção do perfil dos frequentadores do Chalé em relação ao horário:

O cliente do Chalé, eu acho que dá pra resumir em três classes: A, B e C. O magnata, porque o prefeito vem aqui, o vereador que comanda a Assembleia, aqui já veio o governador, pessoas de nível, [...]; e tem aquelas pessoas que ganham bem, que trabalham na Assembleia, trabalham na prefeitura; normalmente, no meio-dia é esse [tipo de cliente], que eu acho que dá pra considerar classe B [...]; e tem aquele cliente humilde, igual a mim, assalariado [...]. Então, eu acho que nós temos essas três classes, principalmente no meio-dia. De noite, eu acho que é o B e o C. Mas no meio-dia, a gente trabalha pros três.

Não percebemos diferenças significativas quanto ao perfil dos clientes em relação ao horário, mas sim associamos uma adaptação do seu comportamento ao horário e ao espaço de consumo.

Um dos grandes divertimentos dos garçons, durante entrevistas e conversas, constituía-se da narração de histórias memoráveis sobre os diferentes "tipos" que frequentam o local. Há casos típicos, como o de uma senhora possuidora de um estranho hábito de tomar chope em xícaras; um senhor que costuma almoçar pontualmente às 13h40, todos os dias, independentemente de seu horário de chegada ao Chalé; uma senhora que, ao pedir "um copo d´água" ao garçom, dá o seu sinal para servirem-lhe uma tulipa de chope; um casal de clientes que leva sua cachorrinha para o restaurante, a qual dorme após degustar um pequeno medalhão de filé preparado especialmente para ela; uma moça que costuma pedir que seu prato seja dividido em duas porções - uma das porções é para sua "amiga", alguém que nunca chega. Enfim, o Chalé guarda várias histórias: "coisas do Chalé", como dizem seus funcionários, forma como quase sempre terminavam as narrações das peculiaridades daquele espaço.

O fato de os pesquisados se referirem às particularidades daquele espaço como próprias do Chalé (portanto, temos a definição de uma categoria nativa) leva à inferência de que aquele espaço tem algo de especial, único, com ocorrências que não se passam em outros espaços. Destaca-se, dessa forma, a percepção, por parte dos pesquisados, da singularidade do espaço no qual estão inseridos. Esse tipo de narração se constrói por meio das experiências dos funcionários, e é um importante meio de circulação das representações difundidas entre eles.

A seguir, outra questão importante que envolve os clientes e funcionários do Chalé: a presença de turistas.

4.4.1 Turismo e turistas no Chalé

Desde os primeiros dias de pesquisa, por meio de entrevistas e conversas com os pesquisados sobre o turismo na cidade e a importância do Chalé nesse contexto, percebemos que o assunto não parecia atrair muitas atenções por parte dos funcionários e gerentes. A divulgação do espaço para turistas nunca foi encarada como uma possibilidade real; sempre que a necessidade de clientes aparecia como premente, eram referenciados os clientes da própria cidade, e não visitantes de outros Estados brasileiros ou mesmo de outros países.

Da mesma forma, é perceptível, no discurso dos gestores e funcionários, a despreocupação com relação à frequência de turistas na cidade e, especialmente, no Chalé. As alusões aos turistas jamais ocorreram de forma espontânea nas falas dos pesquisados, e, sempre que indagados nesse sentido, faziam que o assunto não se desenvolvesse. As respostas eram recorrentes, e diziam que a frequência de turistas não era significativa, o que, de fato, não se comprovou na prática.

Essa despreocupação rendeu a uma das pesquisadoras maior inserção em campo, na medida em que foi possível auxiliar, algumas vezes, os pesquisados na comunicação com clientes. Não há funcionários ou gerentes que falem outro idioma. Ao serem indagados sobre a dificuldade de comunicação, argumentavam que ela ocorria por meio de gestos ou um cardápio redigido em inglês. Essa suposta facilidade na comunicação também não se concretizou. Muitos turistas tinham à mesa um acompanhante bilíngue; outros se faziam entender depois de muito tempo, por meio de gestos e constrangimentos. Contudo, houve os que não dispusessem desses recursos, o que motivou a atuação de uma das pesquisadoras em campo, traduzindo o diálogo, como na ocasião em que uma turista inglesa, já nervosa, desejava pegar um táxi e não era compreendida, gerando comoção entre os funcionários que tentavam, em vão, ajudar.

De acordo com a perspectiva de Siqueira e Siqueira (2008), o turista que se encontra em uma localidade instaura um espaço, lugar do significado. É um sujeito que experimenta subjetivamente ordens de linguagens distintas daquelas que experiencia em seu cotidiano de trabalho e moradia. Assim, turistas se encontram, fazem contatos, mas também podem disputar espaços. São contatos que, muitas vezes, possibilitam a efervescência social3 3 A antropologia demorou algum tempo até incorporar o turismo e seus atores sociais a seu campo de estudo (SIQUEIRA; SIQUEIRA, 2008). De acordo com esses autores, os turistas eram vistos pelos antropólogos mais como entraves aos seus trabalhos de campo, colaborando para a transformação acelerada de sociedades tradicionais, do que propriamente um objeto de pesquisa. A partir da segunda metade da década de 1960, contudo, iniciaram-se os primeiros estudos antropológicos por meio do turismo, dos turistas e de suas interações com a população local, considerando-os como campo legítimo de pesquisa. .

Os autores referenciados trazem à tona um exemplo que se passa na cidade do Rio de Janeiro, definindo a relação que os moradores mantêm com o Cristo Redentor (um dos principais pontos turísticos do Brasil) como de distanciamento. O Chalé da Praça XV também passa por uma situação semelhante: embora possua uma certa frequência de clientes locais, muitos habitantes de Porto Alegre jamais adentraram naquele espaço.

Em suma, em Porto Alegre, da mesma forma que no Rio de Janeiro, os nativos também não têm o costume de frequentar pontos que se configuram como um espaço eminentemente para turistas. Todavia, Porto Alegre, diferentemente do Rio de Janeiro, não possui difundida tradição turística, e o imaginário acerca da cidade corrobora esse aspecto. O fato de o turismo, muitas vezes, ser associado a belas praias serve como argumento para tal. Os gaúchos parecem ressentir-se de seu litoral, pobre em coqueiros, águas translúcidas e outros possíveis atrativos, desdenhando, muitas vezes, de seu potencial turístico. Isso pode ser captado na visão que os funcionários têm sobre a frequência de turistas no Chalé, algo que não corresponde à realidade. No entanto, é preciso termos em mente que o turismo não é apenas voltado a belezas naturais, mas também a questões históricas e culturais (como o Estado de Minas Gerais que atrai grande quantidade de turistas, sem, no entanto, ter saída para o mar). Nesse contexto, a rede de restaurantes parece ainda não ter se dado conta de que tem à sua disposição um patrimônio histórico, espaço com forte potencial turístico.

Sendo assim, no contexto específico do Chalé, é possível dizer que os frequentadores são, em sua maioria, habitantes da cidade. Muitos desses clientes possuem profunda relação com o restaurante e o centro de Porto Alegre, o que suscita memórias revigoradas por meio da narração de experiências passadas. Tal tema será tratado no tópico seguinte.

4.4.2 O lugar e as memórias

Diversos clientes do Chalé guardam identidade com o local, independentemente da empresa que o administra. Uma das pesquisadoras teve a oportunidade de conversar com pessoas que costumam frequentar o Chalé há décadas e que, ao relatarem o que mais gostavam, diziam que era o "espaço", o "lugar"; algumas vezes, houve menção ao "atendimento"; no entanto, muitos desses clientes, quando questionados sobre a empresa que era permissionária do local, não sabiam dizer seu nome.

Dessa maneira, o que tentamos ressaltar aqui é que o vínculo com o espaço e seu passado (história, identidade e memória) não é realizado e mantido pelos funcionários, mas sim pelos clientes. Ao contrário do que é visto em muitos pontos históricos de diversas cidades, em que um guia local é contratado para narrar aos clientes o passado daquele lugar, no Chalé o que acontece é a construção, narração e reprodução de uma memória coletiva feita por meio de seus clientes e frequentadores.

O conceito de memória coletiva, segundo Halbwachs (2006), perpassa a ideia de um processo social de reconstrução do passado vivido e experimentado por determinado grupo, comunidade ou sociedade. Da mesma maneira, existem múltiplas memórias coletivas - daí nossa opção por utilizar o termo "memórias", no plural -, o que não ocorre com a história, que é uma só. Enfim, apesar de a memória buscar dar conta das transformações da sociedade, ela assegura a permanência do tempo e a homogeneidade da vida, mostrando que o passado permanece, reforçando a identidade do grupo. Também não se pode confundir a noção de memória coletiva com a de memória individual. Cada memória individual, de acordo com Halbwachs (2006), é um ponto de vista da memória coletiva.

Halbwachs (2006) argumenta que a comunicação e o pensamento dos grupos estão estruturados de acordo com o que ele chama de marcos sociais da memória, que podem ser tanto temporais quanto espaciais. Os marcos sociais de natureza temporal são aqueles representados por datas e períodos socialmente significativos; já os marcos sociais de natureza espacial consistem em lugares, construções e objetos, onde são depositados a memória dos grupos, de modo que um determinado lugar ou objeto evoca recordações da vida social - e, da mesma forma, sua ausência, perda ou destruição impede a reconstrução da memória. A cada edifício que é derrubado, prossegue o autor, uma parte do pensamento coletivo se rompe.

O Chalé é um marco social de natureza espacial que permite a reconstrução da memória de um tempo vivido na cidade. Um dos garçons apreendeu a relação da memória individual e coletiva em seu ambiente de trabalho e expressa com muita propriedade tal percepção. Ele mesmo, apesar de desconhecer aspectos teóricos, utiliza a nomenclatura "espaço de memória" ao descrever o Chalé com base na observação de seus clientes:

[...] mas a pessoa vem porque é [cliente] antiga do Chalé, porque o Chalé tem alguma coisa dela, porque ela vai se lembrar de alguma coisa que ela fez no Chalé, com amigos ou com namorado, entendeu? Isso acontece muito é com as viúvas. Bah, o que eu já ouvi de papo de viúva, aqui... "Há dez anos, há vinte, trinta anos, eu vim com meu marido... E hoje eu vim relembrar, que hoje em dia ele está falecido...". [...] "Antigamente tinha um chafariz aqui", essas coisas que o pessoal gosta de contar [...] E aqui, como é antigo, é um espaço de memória.

Tal aspecto, relacionado a outros tantos observados em campo, é decisivo para que descrevamos o Chalé como um lugar antropológico. Estabelecido no centro histórico de Porto Alegre, repleto de referências às memórias da cidade, o Chalé faz parte da história do município (dimensão histórica do lugar). Da mesma maneira, como espaço de memória, guarda características ligadas às sociabilidades, à história e à identidade.

Em âmbito teórico, Augé (2004) afirma ser a identidade do lugar seu elemento fundador, que congrega e une em uma dimensão ao mesmo tempo espacial e social. Essa relação entre o identitário e social também se faz a partir de uma dimensão temporal - a relação com o histórico. Os lugares são vistos como pedaços de história (AUGÉ, 2004). Tal dimensão é claramente vislumbrada no âmbito do Chalé, reconhecido como um espaço representativo na história de Porto Alegre, o que é possível perceber no excerto a seguir:

O Chalé da Praça XV é uma das instituições de Porto Alegre. Para as gerações mais velhas, o Chalé era uma referência obrigatória no centro, local de encontros e endereço dos lazeres dos fins de tarde, muito antes que estes conquistassem o status internacional de happy hour (ZAVASCHI, 2002, p. 32).

Essa identidade explicita-se, como podemos ver, no excerto supracitado, por meio de uma dimensão simbólica, do significado daquele espaço para determinados grupos. Esse significado representa a dimensão relacional do espaço. A dimensão temporal, por sua vez, é claramente exposta por Augé (2004), em que o centro da cidade se coloca como espaço de história, obedecendo a uma temporalidade própria, diferentemente do restante da cidade.

À guisa de conclusão, o próximo item tece considerações acerca dos principais tópicos que nortearam a construção deste texto.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo mostra a importância das categorias tempo e espaço na análise organizacional, categorias relacionadas intimamente com a percepção, o comportamento e as representações presentes nas culturas organizacionais.

As categorias de análise evidenciaram as heterogeneidades presentes no espaço estudado. O Chalé, relacionado ao lugar antropológico, mostra-se repleto de sociabilidades, historicidades e identificações com o espaço. Esses aspectos evidenciam-se em uma temporalidade própria, estabelecendo relações diferenciadas dentro do lugar.

Nesse sentido, de acordo com Augé (2004), os lugares antropológicos desenvolvem um social orgânico. O lugar se completa pela fala, a troca alusiva de algumas senhas:

Por trás da ronda das horas e dos pontos fortes da paisagem, encontramos, na verdade, palavras e linguagens: palavras especializadas na liturgia, do "antigo ritual", em contraste com aquelas da oficina que "canta e tagarela": palavras também de todos os que, falando a mesma linguagem, reconhecem que elas pertencem ao mesmo mundo (AUGÉ, 2004, p. 73).

Essas palavras estão em todo momento presentes no repertório do Chalé (identificação, relacionamento, história). De certa maneira, o que ocorre no restaurante é, em parte, uma reprodução do que acontece no restante da cidade (não só em Porto Alegre, mas também nas cidades em que tradição e modernidade opõem-se). As falas aludem à desordem, insegurança e sujeira com relação às ruas, e, de acordo com esse pensamento, não cumprem mais seu papel. O Chalé revela a cidade ainda provinciana, em que todos se conhecem, conversam entre si, sem a obrigatoriedade do consumo; revela uma relação peculiar com o tempo, que se processa de maneira diversa da tradição meramente linear e quantitativa da contemporaneidade ocidental. Ele mostra a expressão da sociedade brasileira por meio do personalismo no atendimento e nas demais relações sociais que lá têm lugar. Sua riqueza ainda reside na particularidade, naquilo que os outros não conseguiram - e nem conseguirão - copiar. É a cidade que não quer abandonar sua essência, a cidade cujo centro ainda quer "centralizar" o imaginário popular, o centro dos encontros comerciais e de lazer, do encontro social de importância ritualística naquelas ruas. É o provincianismo que se opõe à cidade que, cada vez mais, quer mostrar-se moderna, estética e higiênica, em nome do "progresso" e "crescimento".

São, enfim, aspectos diversos que refletem diferentes visões sobre a mesma cidade, diferentes posturas dentro de um mesmo contexto maior. No entanto, cabe colocar que essa visão da cidade entre o moderno e o tradicional não deve acontecer de forma dicotômica. A ideia de cidade provinciana, que perdeu os referenciais de uma suposta perfeição, possui algo de "mito original", em que as comparações são mediadas por certo maniqueísmo reducionista que deve ser relativizado (MARONEZE, 2007). A cidade pensada como um local de ordem, que possuía um futuro promissor (e quando os problemas sociais ficavam restritos a determinadas áreas, não atingindo todos os grupos), em que os espaços de socialização eram lembrados sob o ponto de vista de uma estética centrada no público, não corresponde à realidade observada nos dias atuais.

Finalmente, indicam-se, aqui, alternativas para pensarmos a gestão do estabelecimento. É comum que estudos sobre cultura organizacional e representações sociais sejam questionados por sua contribuição à gestão das organizações. Nesse sentido, alguns pontos específicos podem ser lembrados no que tange à própria questão das diferentes temporalidades e espacialidades do restaurante. A contribuição deste trabalho, sendo assim, faz-se no concernente à compreensão e ao respeito dessas dimensões (tempo e espaço), e na aplicação do conhecimento dos aspectos envolvidos à gestão organizacional.

Nesse sentido, ao jogar luzes sobre aspectos relacionados à temporalidade e espacialidade de uma organização, fazendo que ambas transpareçam por meio de representações sociais, o presente artigo busca trazer um novo olhar às abordagens tradicionais de estudos sobre cultura organizacional, essencialmente voltadas a elementos intraorganizacionais. O pensamento administrativo, nesse campo do conhecimento, pode ser reorientado por meio da consideração de elementos de contexto, como a dimensão histórica do espaço organizacional. A argumentação defendida neste estudo, de acordo com a qual são utilizadas perspectivas não usuais de análise, permite que estudos organizacionais considerem novas fontes, novos problemas e novas abordagens, concebendo que novas questões desloquem o foco de análise, em um olhar diferenciado sobre o fenômeno cultura organizacional.

Cabe refletir sobre o Chalé; ações relacionadas ao turismo, à valorização daquele espaço como patrimônio histórico, que hoje não são realizadas - como proporcionar a funcionários e gerentes cursos de idiomas, além da preparação para que recebam turistas - precisam ser pensadas. Entender a dimensão histórica do Chalé, administrativamente, corresponde à compreensão do simbólico, mas também a pensar esse lugar como ponto turístico da cidade. A própria rede de restaurantes possui um dos estabelecimentos localizado em um hotel de Porto Alegre; seria interessante, dessa forma, que a empresa disponibilizasse um micro-ônibus, por exemplo, para o transporte dos turistas lá hospedados até o Chalé, para que estes pudessem conhecer uma parte da história da cidade, bem como saborear uma refeição. Outra sugestão seria a venda de lembranças e miniaturas do Chalé e de outros patrimônios e prédios históricos no próprio local, para que turistas brasileiros e estrangeiros possam levar para casa uma recordação. Ressaltamos que a revitalização do centro, por si só, planejada pela prefeitura não será suficiente para a atração de clientes, tal como sugerem as falas capturadas durante a pesquisa. Para que um lugar permaneça como central, ele deve ser capaz de renovar-se e se adaptar aos novos tempos, levando em consideração questões econômicas e aspectos relacionados à memória urbana. A deterioração é resultado de relações sociais que não podem ser modificadas apenas com intervenções físicas no espaço (BORBA, 1993).

Enfim, coube aqui evidenciar as dimensões particulares da organização, suas homogeneidades e heterogeneidades relacionadas a espaço e tempo, que devem ser levadas em conta na gestão, o que, atualmente, ocorre de maneira muito tímida.

Submissão: 19 jun. 2009.

Aceitação: 17 out. 2009.

Sistema de avaliação: às cegas tripla.

  • AUGÉ, M. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. 4. ed. Campinas: Papirus, 2004.
  • BACHELARD, G. A intuição do instante Campinas: Verus, 2007.
  • BAUER, M. Análise de conteúdo clássica. In: BAUER, M.; GASKELL, G. (Ed.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002.
  • BERGER, P.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. 15. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.
  • BORBA, S. V. Transformações recentes na área central de Porto Alegre: apontamentos para uma discussão. In: PANIZZI, W.; ROVATTI, J. (Org.). Estudos urbanos: Porto Alegre e seu planejamento. Porto Alegre: EDUFRGS, 1993.
  • CÂMARA CASCUDO, L. da. História da Alimentação no Brasil São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957.
  • CAVEDON, N. R. Antropologia para administradores Porto Alegre: UFRGS, 2003.
  • ______. "Pode chegar freguês": a cultura organizacional do Mercado Público de Porto Alegre. Revista O&S, Salvador, v. 11, n. 29, p. 173-189, jan./abr. 2004.
  • CAVEDON, N. R. et al. A violência urbana e a administração das lojas do Viaduto Otávio Rocha em Porto Alegre. Economia e Gestão, Belo Horizonte, v. 4, n. 8, p. 49-78, dez. 2004.
  • CERTEAU, M. de; GIARD, L.; MAYOL, P. A invenção do cotidiano: 2. morar, cozinhar. Petrópolis: Vozes, 2003.
  • CHANLAT, J.-F. O ser humano, um ser espaço-temporal. In: ______. (Coord.). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1994. v. 3.
  • DAMATTA, R. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986.
  • DURKHEIM, É.; MAUSS, M. Algumas formas primitivas de classificação: contribuições para o estudo das representações coletivas. In: MAUSS, M. Ensaios de sociologia São Paulo: Perspectiva, 1981.
  • ELIAS, N. Sobre o tempo Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
  • FERNANDES, C. Centro histórico quer resgatar o passado. Correio do Povo, Porto Alegre, p. 16, 31 ago. 2008.
  • FISCHER, G.-N. Espaço, identidade e organização. In: CHANLAT, J.-F. (Coord.). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1994. v. 2.
  • FISCHER, L. A. O Chalé e a Praça XV na cultura de Porto Alegre... In: SCHMITT, R. (Org.). Chalé e a Praça XV: histórias de Porto Alegre. Porto Alegre: Telos, 2006.
  • GASKELL, G. Entrevistas individuais e grupais. In: BAUER, M.; GASKELL, G. (Ed.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002.
  • GASPARINI, G. Tempo e trabalho no ocidente. In: CHANLAT, J.-F. (Coord.). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1994. v. 3.
  • GEERTZ, C. A interpretação das culturas Rio de Janeiro: LTC, 1989.
  • GOODE, W.; HATT, P. Métodos em pesquisa social São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1960.
  • HALBWACHS, M. A memória coletiva São Paulo: Centauro, 2006.
  • HASSARD, J. Imagens do tempo no trabalho e na organização. In: CLEGG, S.; HARDY, C.; NORD, W. Handbook de estudos organizacionais São Paulo: Atlas, 2001. v. 2.
  • JAIME JÚNIOR, P. Um texto, múltiplas interpretações: antropologia hermenêutica e cultura organizacional. In: LENGLER, J. F.; CAVEDON, N. R. (Org.). Pós-modernidade e etnografia nas organizações Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2005.
  • JAIME JÚNIOR, P.; SERVA, M. Observação participante e pesquisa em administração: uma postura antropológica. In: ENCONTRO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 18., 1994, Curitiba. Anais.. [S. l.: s. n.], 1994. v. 6. p. 153-170.
  • JODELET, D. Représentations sociales: un domaine en expansion. In: ______. (Dir.). Les représentations sociales 5. ed. Paris: PUF, 1997.
  • LÉVI-STRAUSS, C. A origem dos modos à mesa São Paulo: Cosac & Naify, 2006. (Mitológicas, v. 3).
  • MACEDO, F. R. História de Porto Alegre Porto Alegre: EDUFRGS, 1993.
  • MARONEZE, L. G. Porto Alegre em dois cenários: a nostalgia da modernidade no olhar dos cronistas. 2007. 259 f. Tese (Doutorado em História)-Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.
  • MOSCOVICI, S. Des représentations collectives aux représentations sociales: élements pour une histoire. In: JODELET, D. (Dir.). Les représentations sociales 5. ed. Paris: PUF, 1997.
  • PESAVENTO, S. J. Um espaço no tempo: era uma vez um chalet, em Porto Alegre... In: SCHMITT, R. (Org.). Chalé e a Praça XV: histórias de Porto Alegre. Porto Alegre: Telos, 2006.
  • ______. Cidades visíveis, cidades sensíveis, cidades imaginárias. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 27, n. 53, jun. 2007.
  • RICOEUR, P. La lectura del tiempo pasado: memoria y olvido. Madrid: Arrecife, 1999.
  • ROCHA, E.; BARROS, C.; PEREIRA, C. Fronteiras e limites: espaços contemporâneos da pesquisa etnográfica. In: LENGLER, J. F. B.; CAVEDON, N. R. (Org.). Pós-modernidade e etnografia nas organizações Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005.
  • SIQUEIRA, E.; SIQUEIRA, D. Lágrimas e risos no Corcovado: notas para uma antropologia do turismo. In: ENCONTRO DA ANPOCS, 32., 2008, Caxambu. Anais.. Caxambu, 2008.
  • SOUZA, R. L. de. Cachaça, vinho, cerveja: da colônia ao século XX. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, FGV/CPDOC, n. 33, p. 1-22, 2004.
  • ZALUAR, A. Teoria e prática do trabalho de campo: alguns problemas. In: CARDOSO, R. (Org.). A aventura antropológica: teoria e pesquisa. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.
  • ZAVASCHI, O. O chalé e o chafariz. Zero Hora, Porto Alegre, 30 dez. 2002. Túnel do tempo, p. 32.
  • A cultura organizacional do restaurante Chalé da Praça XV em Porto Alegre: espaços e tempos sendo revelados

    Organizational culture of the restaurant Chalé da Praça XV in Porto Alegre: space and time being revealed
  • 1
    Nesse sentido, DaMatta (1986) atribui essa perspectiva ao sistema escravocrata brasileiro, o qual confundiu as relações entre patrão e empregado, em que não só um era explorador do trabalho do outro, mas também seu representante e dono perante a sociedade. As pessoas consideradas "decentes" não desenvolviam trabalhos manuais e/ou braçais, que ficariam a cargo dos escravos. A noção de inferioridade do trabalho manual é amplamente difundida até os dias atuais.
  • 2
    Essa frase é um excerto retirado de um
    jingle publicitário elaborado pela agência Africa para a marca de cerveja Brahma, em que o consumidor é mostrado como "um batalhador, um guerreiro que tem fé na vida e não desiste nunca". O comercial é composto por diversas cenas que mostram o dia a dia de diversos profissionais, desde o início até o final do dia, quando saem para tomar cerveja com os amigos. O tempo de lazer, de acordo com a peça publicitária, é desfrutado com os amigos, o que representa a quebra de rotina de trabalho da semana, no bar, bebendo cerveja. O
    jingle é de autoria de Nizan Guanaes, presidente da agência (cf. <
    http://www.portaldapropaganda.com>. Acesso em: 29 set. 2008).
  • 3
    A antropologia demorou algum tempo até incorporar o turismo e seus atores sociais a seu campo de estudo (SIQUEIRA; SIQUEIRA, 2008). De acordo com esses autores, os turistas eram vistos pelos antropólogos mais como entraves aos seus trabalhos de campo, colaborando para a transformação acelerada de sociedades tradicionais, do que propriamente um objeto de pesquisa. A partir da segunda metade da década de 1960, contudo, iniciaram-se os primeiros estudos antropológicos por meio do turismo, dos turistas e de suas interações com a população local, considerando-os como campo legítimo de pesquisa.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Fev 2010

    Histórico

    • Aceito
      17 Out 2009
    • Recebido
      19 Jun 2009
    Editora Mackenzie; Universidade Presbiteriana Mackenzie Rua da Consolação, 896, Edifício Rev. Modesto Carvalhosa, Térreo - Coordenação da RAM, Consolação - São Paulo - SP - Brasil - cep 01302-907 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista.adm@mackenzie.br