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Introdução

Introdução

Esta edição temática reflete um empreendimento iniciado em 2005. Há quatro anos, o Núcleo de Liderança e Diversidade da Universidade Presbiteriana Mackenzie em parceria com a Universidade de Brasília trouxe este tema para discussão em um evento, com uma proposta singela, sem grandes pretensões acadêmicas. Apenas visava suscitar reflexão sobre o tema e salientar sua importância. Em 2007, organizamos um evento mais pretensioso, com o propósito de promover diálogos sobre diversidade e inclusão, com base em experiências acadêmicas e empresariais. Em 2009, realizamos o Fórum Internacional de Diversidade e Inclusão, com a proposta de avançar para uma discussão mais ampla sob a perspectiva tripartite: academia, empresas e governo. A edição temática da RAM se inspira na trajetória de gerar conhecimento sobre o tema e se agrega a ela.

Diversidade, como campo de estudo em administração, é relativamente recente e tem sua origem nos Estados Unidos. É fato que poucas tendências têm recebido tanta publicidade ou tamanha atenção no círculo gerencial estadunidense como o interesse na gestão da diversidade ou, simplesmente, diversidade da força de trabalho. O termo ganhou forte expressão a partir da publicação, em 1987, pelo Hudson Institute, do influente relatório Workforce 2000 and workers in the 21st century, de Johnston e Packer. O tema passou a ter notoriedade no domínio dos estudos organizacionais, e a literatura sobre diversidade no contexto organizacional cristalizou-se como um campo de estudo em administração nos Estados Unidos, no final da década de 1980.

A ênfase em oportunidade igual de trabalho e ação afirmativa, até então foco prioritário quando se pensava em grupos de identidades sub-representados, deslocou-se para multiculturalismo, gestão da diversidade cultural e treinamento em diversidade. O movimento da diversidade cultural vem em larga parte das previsões apontadas no Workforce 2000 que predizia uma mudança radical na composição da força de trabalho estadunidense, mostrando um crescimento demográfico superior de mulheres, hispânicos, asiáticos e outras "minorias", em relação ao maistream, grupo dominante constituído por homens típicos (casados, de meia-idade e heterossexuais). As organizações, implícita ou explicitamente, foram advertidas pelo resultado do relatório de que a postura de não abraçar a diversidade poderia comprometer sua viabilidade, lucratividade e competitividade. Muitas instituições responderam ao desafio desenvolvendo iniciativas de diversidade.

No tocante ao Brasil, dados censitários apontam mudanças na representação demográfica. O relatório Retrato das desigualdades de gênero e raça (2008, 3. ed.) mostra algumas mudanças sociais ocorridas nos últimos anos na sociedade brasileira: o envelhecimento da população; a proporção de negros aumentou de 45,1% para 49,8%, enquanto a de brancos, inversamente, passou de 54,2% para 49,4%; aumento do número de famílias monoparentais masculinas e femininas, com crescimento da primeira e decréscimo da segunda; o número de famílias formadas por casais com filhos chefiadas por mulheres cresceu 10 vezes entre 1993 e 2007.

As mudanças demográficas associadas às transformações das convenções sociais de gênero e dos papéis tradicionalmente esperados em relação às mulheres e aos homens em direção a uma maior simetria constituem-se em desafios à gestão tradicional, a qual se mostra cega ou aparentemente neutra a essas mudanças. Além disso, o aumento da população negra, aliado às dificuldades de acesso ao sistema de ensino e permanência nele, evidencia a necessidade de ações públicas no sentido de enfrentar essa realidade e que possam reduzir as desigualdades sociais.

O Brasil tem sido constantemente citado na literatura internacional como um dos principais e poucos exemplos de cultura nacional cuja configuração pode ser representada por um cadinho (da expressão em inglês melting pot), isto é, uma cultura em que diversas identidades grupais convivem juntas, com razoável harmonia, formando um só grupo cultural, mas sem que nenhuma perca sua identidade particular. Todavia, como gerir esses diferentes grupos na organização? Como se trabalhar com diversidade? Diversidade é o bastante ou devemos pensar em inclusão? É sob essas perspectivas e sobre esse assunto que trata a edição especial. Embora sendo referência mundial de um grupo cultural diverso, o campo de estudos em diversidade cultural no Brasil ainda é muito recente. As primeiras publicações científicas nacionais datam do início dos anos 1990, deixando clara a necessidade de estudos sobre a área que acompanhem a mudança da força de trabalho brasileira. A RAM 11.3 é uma tentativa de responder a essa demanda.

Esta edição reúne um conjunto de artigos que contemplam algumas das questões que requerem ações organizacionais mais inclusivas para lidar com a força de trabalho visivelmente diversa. A diversidade traz indubitavelmente maior complexidade na gestão das empresas, tanto para líderes quanto para liderados.

O primeiro artigo, "Collective experience of inclusion, diversity, and performance in work groups", um ensaio teórico, adota a perspectiva conceitual que transcende a maioria dos estudos atuais de diversidade. Com base no conceito de inclusão no nível individual, que um dos autores vem desenvolvendo ao longo dos anos, o conceito de experiência coletiva de inclusão é elaborado. Há na literatura uma extensa discussão sobre a possibilidade de a diversidade efetivamente trazer resultados positivos para as organizações. O ensaio propõe uma construção teórica para responder como o senso coletivo de experiência de inclusão prediz o desempenho em grupos diversos e como identidades diversas e experiências divergentes no grupo afetam essa relação. Acreditamos que a leitura do artigo proporcionará novos insights sobre a limitação das políticas de diversidade e a necessidade de incorporar medidas voltadas ao desenvolvimento de uma cultura mais inclusiva.

No segundo artigo, "Preliminary studies on affirmative action in a Brazilian University", um estudo empírico, discute-se o mecanismo que talvez seja um dos mais controversos quando o tema é diversidade: os programas de ação afirmativa. O tema é problematizado tendo como contexto a criação de um programa de quotas em uma universidade brasileira, na qual se investigou a percepção de estudantes quanto às consequências da implementação do programa, assim como o aparecimento do racismo moderno. O artigo propõe ainda uma medida de racismo para a realidade brasileira.

O terceiro artigo, "A analítica queer e seu rompimento com a concepção binária de gênero", um ensaio teórico, apresenta caráter inovador ao discutir uma perspectiva crítica de análise ainda pouco explorada nos estudos organizacionais e particularmente em pesquisas voltadas ao estudo em diversidade. Evoca o histórico e a origem dos estudos de gênero, remetendo à reflexão sobre o significado hegemônico desse aspecto e à proposição do conceito de relações sociais de sexo.

Na dimensão gênero, o quarto artigo, de natureza teórico-empírica e qualitativa, intitulado "Mulheres policiais, relações de poder e de gênero na Polícia Militar de Minas Gerais", aborda questões essenciais recorrentes no mundo organizacional como a segregação de gênero, horizontal e vertical, e quanto as distinções de sexo encontram-se implícitas nas estruturas e nos processos organizacionais. Isso denota a transversalidade das relações de gênero e poder e quanto as organizações não são neutras em relação a esse aspecto.

Na dimensão deficiência, a mais estudada dentre os temas de diversidade no Brasil, o quinto artigo, teórico-empírico e quantitativo, "Formas de ver as pessoas com deficiência: um estudo empírico do construto de concepções de deficiência em situações de trabalho", difere dos estudos correntes ao defender que a forma como as pessoas enxergam a deficiência é um fator importante para compreender as próprias PcDs. O estudo é importante como uma estrutura básica de diagnóstico organizacional, a fim de apoiar o processo de inserção de PcDs nas organizações.

O sexto artigo, teórico-empírico e quantitativo, "Diversity and intragroup conflict at work: an empirical study in Portugal", contribui para a compreensão da diversidade no nível de grupo de trabalho, tema muito estudado nos Estados Unidos, porém de menor expressão em outros países. Pesquisas advogam resultados positivos da heterogeneidade em times de trabalho como inovação, desempenho, compartilhamento de informação, entre outros. Contudo, uma questão central se encontra na forma como times com integrantes de perfil diversificado são gerenciados, lembrando que a diversidade implica maior complexidade. Assim, o artigo, ao tratar a relação entre diversidade no nível dos grupos de trabalho e conflitos intragrupos, afetivos e relacionados à tarefa, aponta desafios teóricos e práticos no gerenciamento de times.

Esperamos que os textos que compõem esta edição sirvam de estímulo para a realização de mais pesquisas em diversidade e inclusão, a fim de gerar conhecimento autóctone na temática a ponto de podermos defender o que significa diversidade e gestão da diversidade no Brasil.

Darcy Mitiko Mori Hanashiro

Editora convidada

Doutora em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e

Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP).

Professora e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Administração

da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).

E-mail: darcy.hanashiro@mackenzie.br

Cláudio Vaz Torres

Editor convidado

Ph.D. em Psicologia Organizacional e Industrial pela

California School of Professional Psychology – San Diego, California (Estados Unidos).

Professor dos Programas de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações e Pós-Graduação em Administração

da Universidade de Brasília (UnB).

E-mail: claudio.v.torres@gmail.com

  • PINHEIRO, L. et al. Retrato das Desigualdades de gênero e raça Brasília: Ipea; SPM; UNIFEM, 3. ed., 2008. 36 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jul 2010
  • Data do Fascículo
    Jun 2010
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