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O conceito de risco na visão baseada em recursos (RBV): uma análise exploratória

The concept of risk in resource-based view (RBV): an exploratory analysis

Resumos

A visão baseada em recursos (RBV) apresenta-se como uma teoria mais abrangente que a teoria neoclássica para explicar a criação de valor no sistema capitalista. A RBV enfatiza o papel de recursos estratégicos para a empresa. Um tema pouco abordado na RBV é o papel que o risco e a incerteza desempenham nessa teoria. A RBV destaca o papel dos recursos estratégicos para a empresa enfatizando a relevância deles para a determinação do nível de lucratividade da empresa. O objetivo deste trabalho é apresentar um conceito alternativo para risco com base no conceito de recurso. O trabalho está dividido em quatro seções: na primeira, apresentam-se duas metodologias para lidar com risco na RBV: o enfoque do fluxo de caixa descontado e o enfoque de opções reais. Na segunda, aborda-se um conceito alternativo de risco (incluindo a forma de mensurá-lo) que leva em consideração o nível (montante) de recursos essenciais para a empresa, como também a volatilidade desse nível (aplicaremos o conceito incluindo a mensuração do risco para um setor no qual a atividade inovativa é essencial). Na terceira, apresenta-se um modelo baseado em finanças comportamentais para o comportamento do gestor perante o risco. E, para terminar, a Conclusão, na quarta seção.

Visão baseada em recursos; Risco; Risco idiossincrático; Inovação; Capacidade para inovar


The resource-based view (RBV) presents itself as a more comprehensive theory than the neoclassical theory in order to explain value creation in the capitalist system. RBV emphasizes the role of strategic resources to the company. A theme hardly touched on by RBV is the role played by risk and uncertainly. The theory adopts the standpoint that the stock of strategic resources is important in the determination of the level of profitability of the company. The aim of this work is to present an alternative concept for risk based on the concept of resource. The work is divided into four sections: in the first we present two methodologies to deal with risk in RBV: the perspective of discounted cash flow and the perspective of real options. In the second we present an alternative risk concept (including the means of measuring it), which takes into account the level (sum) of resources essential to the company, as well as the volatility of this level (we will apply the concept including a measure of risk for a sector where the innovative activity is essential). In the third we present a model based on behavioral finance for the behavior of the manager toward risk. Finally, the Conclusion, in the fourth section.

Resource-based view; Risk; Idiosyncratic risk; Innovation; Ability to innovate


FINANÇAS ESTRATÉGICAS

O conceito de risco na visão baseada em recursos (RBV): uma análise exploratória

The concept of risk in resource-based view (RBV): an exploratory analysis

Leonardo Fernando Cruz BassoI; Herbert KimuraII

IPós-doutorado em Economia pelo Departamento de Economia da Universidade de Bielefeld (Alemanha). Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Rua da Consolação, 930, Consolação – São Paulo – SP – Brasil – CEP 01302-907 E-mail: leonardobasso@mackenzie.com.br

IIDoutor em Finanças pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Rua da Consolação, 930, Consolação – São Paulo – SP – Brasil – CEP 01302-907 E-mail: herbert.kimura@gmail.com

RESUMO

A visão baseada em recursos (RBV) apresenta-se como uma teoria mais abrangente que a teoria neoclássica para explicar a criação de valor no sistema capitalista. A RBV enfatiza o papel de recursos estratégicos para a empresa. Um tema pouco abordado na RBV é o papel que o risco e a incerteza desempenham nessa teoria. A RBV destaca o papel dos recursos estratégicos para a empresa enfatizando a relevância deles para a determinação do nível de lucratividade da empresa. O objetivo deste trabalho é apresentar um conceito alternativo para risco com base no conceito de recurso. O trabalho está dividido em quatro seções: na primeira, apresentam-se duas metodologias para lidar com risco na RBV: o enfoque do fluxo de caixa descontado e o enfoque de opções reais. Na segunda, aborda-se um conceito alternativo de risco (incluindo a forma de mensurá-lo) que leva em consideração o nível (montante) de recursos essenciais para a empresa, como também a volatilidade desse nível (aplicaremos o conceito incluindo a mensuração do risco para um setor no qual a atividade inovativa é essencial). Na terceira, apresenta-se um modelo baseado em finanças comportamentais para o comportamento do gestor perante o risco. E, para terminar, a Conclusão, na quarta seção.

Palavras-chave: Visão baseada em recursos; Risco; Risco idiossincrático; Inovação; Capacidade para inovar.

ABSTRACT

The resource-based view (RBV) presents itself as a more comprehensive theory than the neoclassical theory in order to explain value creation in the capitalist system. RBV emphasizes the role of strategic resources to the company. A theme hardly touched on by RBV is the role played by risk and uncertainly. The theory adopts the standpoint that the stock of strategic resources is important in the determination of the level of profitability of the company. The aim of this work is to present an alternative concept for risk based on the concept of resource. The work is divided into four sections: in the first we present two methodologies to deal with risk in RBV: the perspective of discounted cash flow and the perspective of real options. In the second we present an alternative risk concept (including the means of measuring it), which takes into account the level (sum) of resources essential to the company, as well as the volatility of this level (we will apply the concept including a measure of risk for a sector where the innovative activity is essential). In the third we present a model based on behavioral finance for the behavior of the manager toward risk. Finally, the Conclusion, in the fourth section.

Keywords: Resource-based view; Risk; Idiosyncratic risk; Innovation; Ability to innovate.

1 UTILIZAÇÃO DO CONCEITO DE RISCO NA RBV

1.1 VALOR PRESENTE LÍQUIDO, RISCO E INCERTEZA

Pela metodologia do fluxo de caixa, o valor de qualquer ativo (empresa) (NPVj) é uma decorrência dos fluxos de caixa líquidos (NCFj,t) gerados por esse ativo durante a vida produtiva dele.

A utilização da fórmula do valor presente líquido deixa claro que devemos optar por uma taxa de desconto (k) para determinar o valor de uma empresa. Qual é a taxa de desconto apropriada? Os financistas argumentam que, na ausência de incerteza ou risco para gerar os fluxos de dinheiro, a taxa de desconto apropriada é o custo de oportunidade do capital livre de risco. Essa taxa é associada com a taxa dos títulos governamentais.

Para o caso de a empresa continuar a implementar estratégias que já apresentam sucesso por um período razoável de tempo, os níveis de risco e incerteza são conhecidos (BARNEY, 2007). Se os mercados forem eficientes, o custo de uma empresa de capital aberto refletirá informação disponível publicamente a respeito da incerteza e do risco associados aos fluxos monetários que as estratégias da empresa têm gerado. Nesse enfoque, a taxa de desconto apropriada para ser utilizada na equação é o custo de oportunidade do capital da empresa, ou seja, o custo do capital que uma empresa adquire para implementar suas estratégias correntes. Mas qual é a taxa de desconto apropriada quando uma empresa está implementando estratégias novas e inovadoras? Barney (2007) argumenta que existem incertezas significativas e riscos associados com os fluxos monetários que podem ser gerados por essas estratégias novas e inovadoras. Assim, a taxa livre de risco é inapropriada. Mais importante ainda, como o mercado de capitais não possui toda a informação de que precisa para estimar a incerteza e risco associados com os fluxos monetários que essas estratégias novas e inovadoras geram, o custo de oportunidade da empresa também não é a taxa de desconto apropriada. A solução tradicional para esse problema (BARNEY, 2007) foi designar uma taxa de desconto aos fluxos monetários que podem ser gerados implementando estratégias novas e inovadoras, taxa esta baseada em uma classe de risco (risk class) dessas estratégias. Assim, para todas as estratégias que são percebidas como muito incertas e arriscadas, atribui-se uma taxa de desconto alta, ao passo que, para estratégias que são percebidas como não arriscadas, atribui-se uma mesma baixa taxa de desconto. Se duas estratégias geram os mesmos fluxos monetários, o mais arriscado dos dois receberá a taxa de desconto mais alta, e o menos arriscado gerará um valor presente líquido mais alto (BARNEY, 2007).

1.2 LIMITAÇÕES DE USAR A METODOLOGIA DO VALOR PRESENTE EM SITUAÇÕES INCERTAS

A metodologia do fluxo de caixa para determinar a taxa de desconto de estratégias novas, incertas e arriscadas tem três limitações importantes (BARNEY, 2007).

Primeiro, o enfoque requer informações sobre os fluxos monetários que uma estratégia pode gerar, e isso frequentemente não é conhecido. Para designar uma estratégia para uma classe de risco, temos que saber quão incertos e arriscados são os fluxos monetários associados com aquela estratégia. Caracterizar o nível de incerteza e risco associado com a implementação de uma estratégia nova e inovadora é em si mesmo um empreendimento incerto e arriscado. Classificar incorretamente uma classe de risco de uma estratégia pode conduzir à escolha de uma taxa de desconto inapropriada, que pode ou levar uma empresa a escolher e implementar uma estratégia que ela não deveria ter escolhido, ou impedir a empresa de escolher e implementar uma estratégia que ela deveria ter escolhido.

Segundo, esse enfoque para incluir incerteza e risco nas tomadas de decisões estratégicas implicitamente assume que a incerteza e o risco associados com a implementação da estratégia nova permanecem constantes durante a vida daquela estratégia. Frequentemente isso não acontece. Estratégias podem ser muito arriscadas durante alguns períodos (por exemplo, no princípio, quando elas estão sendo introduzidas) e muito menos arriscadas durante outros períodos (por exemplo, após um longo período depois que a estratégia foi implementada). Além disso, decisões tomadas quando as estratégias estão sendo implementadas podem diminuir ou aumentar o risco de uma estratégia. De acordo com Barney (2007), mudanças no nível de incerteza e risco associados com a implementação de uma estratégia nova não aumentam ou diminuem sempre de modo previsível com o passar do tempo. Uma empresa pode comprometer-se com um curso particular de ação (com um nível associado de incerteza e risco), revisar sua estratégia e adotar um curso diferente de ação (com níveis diferentes de incerteza e risco em relação ao anterior). O enfoque do fluxo de caixa também não incorpora informações sobre um amplo espectro de oportunidades estratégicas que uma estratégia nova e inovadora pode criar para uma empresa no futuro (BARNEY, 2007). Uma estratégia nova e inovadora pode não ter consequências diretas positivas para uma empresa, mas pode criar oportunidades estratégicas para ela no futuro. Essas oportunidades estratégicas futuras podem ser muito valiosas. A escolha de uma taxa de desconto baseada na classe de risco de uma estratégia focaliza os efeitos diretos daquela estratégia e não incorpora informações sobre o valor que uma estratégia pode gerar criando oportunidades estratégicas para uma empresa no futuro. Segundo Barney (2007), é possível solucionar os dois primeiros problemas ajustando o nível de incerteza e risco associado com a implementação de uma estratégia nova para cada período, durante o qual uma estratégia está sendo implementada. Porém, esse autor se mostra incrédulo com essa solução, pois, na prática, isso equivale a demandas irrealistas nas habilidades de gerentes para antecipar fluxos monetários, para antecipar o nível de incerteza e risco associado com esses fluxos monetários, para antecipar mudanças na estratégia e para antecipar mudanças no nível de incerteza e risco associados com a implementação da estratégia nova com o passar do tempo. Essas deficiências permitiram que alternativas fossem procuradas para o método do fluxo de caixa, e aquele relacionado às opções reais tem se destacado.

1.3 RISCO PELO ENFOQUE DE OPÇÕES REAIS

O valor de uma opção financeira depende de cinco variáveis: 1. o valor do ativo subjacente, S (por exemplo, o valor da ação na qual uma opção acionária é lançada); 2. o preço de exercício da opção, X; 3. o tempo para a maturidade de uma opção, T; 4. a variância no preço do ativo no qual uma opção é escrita, s2; e 5. a taxa de juros livre de risco, rf. Essas variáveis compõem o valor de uma opção financeira na famosa fórmula de Black-Scholes:

c = SN(d1) – [Xe–rf T N(d2)]

onde: c = o valor dessa opção; S = o valor do ativo subjacente; X = preço de exercício da opção; T = tempo até a maturidade; rf = taxa livre de risco; σ2 = variância no preço do ativo subjacente; ; e d2 = d1 - σ, N(d1) e N(d2) são as áreas acumuladas das densidades de probabilidade d1 e d2.

O Quadro 1 apresenta a correspondência entre os parâmetros necessários para se calcular uma opção financeira e os parâmetros necessários para se calcular uma opção real. Também apresenta o que se espera da relação entre o valor de uma opção real e a variação nos parâmetros. O problema é que, para opções reais, fica difícil atribuir valores para os parâmetros. Tomemos o caso do ativo subjacente, que pode ser uma planta industrial, um centro de distribuição ou a reputação de uma empresa (no nosso caso, a capacidade para inovar). Todos esses ativos são reais, mas não são comercializados em mercados. Assim é difícil saber, com certeza, o valor desses ativos em uma data especificada, o que torna difícil calcular a variância. Opções reais também não apresentam preços de exercício pré-especificados, bem como datas para maturação (o preço de exercício e a data de vencimento são fatores que estão pelo menos em parte sobre o controle da empresa que está criando a opção real).


A variância no preço do ativo subjacente corresponde à incerteza sobre os fluxos de caixa reais (deflacionados) que uma opção real gerará caso seja exercida. O nível de incerteza associado com o fluxo de caixa de uma opção real geralmente não é conhecido quando ela é criada. Isso ocorre porque a ideia que sustenta a criação de uma opção real é evitar um comprometimento em uma determinada direção antes que a incerteza seja reduzida. Existem duas opções para minorar esse problema (BARNEY, 2007). No caso de experiência prévia dos gestores, estes podem calcular quão incertos podem ser os fluxos de caixa oriundos do exercício de uma opção real e escolher um valor apropriado para a variância. Fluxos de caixa incertos deveriam ter uma variância ao redor de 0,09; fluxos de caixa mais incertos, variância em torno de 0,20; e fluxos de caixa mais incertos ainda, uma variância ao redor de 0,36. Caso os gerentes não tenham experiência anterior para guiá-los, eles podem calcular todos os parâmetros da fórmula Black-Scholes associados com a opção real, excetuando-se a variância (BARNEY, 2007). Vários valores desta podem ser utilizados para calcular o valor da opção. Ao examinar a relação entre a incerteza do fluxo de caixa e o valor da opção, os gerentes podem decidir ou não pelo investimento. Por exemplo, se a variância que torna positivo o valor da opção é muito alta, gerentes que apresentam aversão ao risco podem decidir pelo investimento para criar a opção "não vale a pena".

1.4 AVALIAÇÃO SUBJETIVA DE OPÇÕES REAIS

A relação entre o valor de uma opção e os parâmetros que determinam o valor (terceira coluna do Quadro I) permite descrever as condições nas quais as opções apresentam maior valor. Vejamos as cinco relações:

1. Quanto menor o custo para exercer uma opção (X), maior o valor da opção. Isso ocorre porque é mais provável que opções com baixos preços de exercício, tudo o mais permanecendo constante, sejam opções "no dinheiro". Uma opção só é exercida quando o valor criado por ela excede o custo de exercer aquela opção, um baixo preço de exercício sugere uma probabilidade maior que seja exercida. Quanto mais alto for o preço de exercício de uma opção, menor será o valor da opção. Se uma empresa tem que escolher entre duas estratégias, uma das quais apresenta um custo de implementação menor (em um período futuro quando a incerteza for abrandada ou dirimida) em relação à outra com custo de implementação maior, a primeira deve ser preferida à segunda.

2. Quanto maiores forem os fluxos de caixa gerados quando do exercício da opção (S), maior será o valor da opção. Isso ocorre porque esses fluxos de caixa têm que compensar o custo da opção, para que ela tenha valor para a empresa. Uma estratégia que promete gerar generosos fluxos de caixa no futuro deve ser preferida a outra com modestos fluxos de caixa.

3. Quanto maior for o tempo decorrido até a maturidade (T), mais valiosa será a opção real. Isso ocorre porque as opções reais estão associadas à flexibilidade para tomar decisões em condições de incerteza. Quanto maior o tempo que pode decorrer antes que a decisão possa ser tomada, maior a flexibilidade. Assim, uma data de vencimento longa proporciona a uma empresa maior flexibilidade sem custos adicionais.

4. Quanto mais alta for a taxa de juros livre de risco (rf), mais valiosa será a opção. Entretanto, como a taxa livre de risco está fora do controle direto de gerentes que realizam escolhas estratégicas, seu impacto nessas escolhas não é tão importante como os outros fatores.

5. Quanto maior for a incerteza (s2), mais valiosa será a opção real. A relação entre incerteza e o valor de uma opção real está atrelada à importância da flexibilidade. Quando existe grande incerteza em relação às ações estratégicas que uma empresa deveria adotar, a opção pela flexibilidade é a melhor escolha estratégica. A flexibilidade nessas condições é sinônimo da habilidade que uma empresa possui em manter suas opções em aberto. A conclusão é que a habilidade para reter opções seja mais valiosa na medida em que a incerteza sobre qual estratégia tomar aumente. O impacto da incerteza sobre o valor de uma opção real é extremamente importante (BARNEY, 2007). Empresas geram valor econômico utilizando opções reais quando os fluxos monetários gerados no exercício destas é maior que o custo de exercer (quando S>Y). Porém, o custo de criar uma opção é fixo e iguala o investimento exigido para criar a opção. O potencial superior de ganhos de uma opção real depende dos fluxos monetários que o exercício da opção pode criar. O potencial de perda inferior, por sua vez, é fixo. Nessa condição, são preferidos fluxos monetários altamente incertos a fluxos monetários menos incertos, porque fluxos monetários altamente incertos têm a chance de gerar lucros muito altos para uma empresa, enquanto o risco de perder associados ao investimento necessário para ter acesso a esses fluxos monetários é fixo. Em condições de alta incerteza, a probabilidade de ganho é maior, e o risco de perda não é maior. Essas características subjetivas das opções reais podem ser utilizadas pelas empresas sem a necessidade da saber o valor efetivo de uma opção real, o que as torna interessantes em uma análise.

1.5 INCORPORAÇÃO DO RISCO DO RECURSO NA METODOLOGIA DO FLUXO DE CAIXA DESCONTADO E NO MODELO DE OPÇÕES REAIS

Utilizando o nosso modelo, podemos definir e calcular o nível de risco do recurso (capacidade para inovar) e fazer uma associação entre o nível de risco do recurso e o risco do resultado (quanto maior o risco do recurso, tanto maior o risco do resultado). Ou seja, o cálculo do risco do recurso impacta o risco de resultado. No caso do fluxo de caixa, o risco maior deve ser associado a uma taxa de desconto maior. Que associações podemos fazer entre a análise da avaliação subjetiva e o nosso modelo? O fator mais importante é a variância do ativo subjacente. O valor do ativo subjacente depende do principal recurso da empresa, a capacidade para inovar. Assim, a questão a responder se reduz a: "Qual é a relação entre o risco do recurso (capacidade para inovar) e o risco do resultado (risco da taxa de lucro)?". Se considerarmos que um maior risco do recurso aumenta o risco do resultado, somos levados a concluir que um recurso mais arriscado aumenta o valor de uma opção real.

2 PROPOSTA DE ELABORAÇÃO DE CONSTRUTO: CAPACIDADE PARA INOVAR

Existem setores para os quais a inovação é a principal atividade. Para essas indústrias, a capacidade para inovar é essencial. Com base no pressuposto da RBV de que os recursos são os responsáveis pela criação de valor, os recursos que levam uma empresa a ser inovadora criam valor. Assim, esse construto é uma variável latente que causa a criação de valor. Vamos considerar aqui um conceito simples e um complexo. Para o conceito simples, somente uma variável seria capaz de explicar a inovação. Alertamos que estamos interessados, neste primeiro momento, na estrutura lógica que relaciona recurso (montante) e risco deste com o resultado (criação de valor).

2.1 CONCEITO SIMPLES

Vamos assumir que a capacidade para inovar pudesse ser medida pelos gastos em P&D. Sejam:

  • NREi – nível do recurso da empresa i (gastos com P&D da empresa) no ano t.

  • – nível médio longitudinal do recurso da empresa.

    = onde M é o número de anos (t) de um dado período.

  • – nível médio de recursos do setor (média dos gastos em P&D para as empresas do setor, ou

    , onde N é o número de empresas) para um determinado ano.

  • – média do nível do recurso do setor ao longo do tempo (média temporal da média transversal, ou seja,

    , onde M é o número de anos, e N, o número de empresas.

  • – média do nível do recurso da empresa i ao longo do tempo (média temporal da média transversal, ou seja, somatório de NRE/M, onde M é o número de anos).

Essas variáveis são variáveis observáveis, ou seja, não são expectativas. A utilização de variáveis passadas para testar risco pode ser questionada por não englobarem expectativas. Temos duas alternativas para lidar com o fato. Caso não pudéssemos utilizar variáveis observadas, não poderíamos testar também o CAPM, cuja teoria é construída sobre expectativas.

Uma segunda alternativa consiste em utilizar expectativas que dependem do passado, mas não totalmente (expectativas adaptativas). O nível de risco da empresa é determinado pelo nível do recurso relativamente à média do setor. Mas isso não é suficiente. Uma empresa pode ter um nível de recurso acima da média, mas apresentar grande volatilidade nesse recurso. Assim, necessitamos relativizar a média em termos da variabilidade dela. O mesmo se aplica para a média do recurso do setor. O risco da empresa é mensurado por: , e o risco será menor quanto maior for o cálculo da expressão. Na medida em que seja difícil estimar os desvios padrão longitudinais, os transversais necessitam ser utilizados como proxies. Conceitos que são uma extensão desse conceito simples podem ser elaborados. Um exemplo seria dizer que a capacidade para inovar não depende somente dos dispêndios com P&D, mas da utilização racional destes, que somente pode ocorrer caso a empresa possua um estoque expressivo de capital humano, medido pelos anos de educação dos funcionários da empresa e da capacidade da empresa em comprar tecnologias novas no mercado. A capacidade para inovar é calculada como uma média composta (ponderada) do valor dos fatores que compõem a variável (dispêndios ou recursos humanos ou compra de tecnologia no mercado) relativamente às médias encontradas para o setor.

Exemplo: vamos assumir que os fatores (FACT) escolhidos como relevantes sejam:

a) Dispêndios em P&D (peso 3)

b) Capital Humano da Empresa (peso 4)

c) Compra de tecnologia no mercado (peso 5)

Estamos assumindo que similarmente a uma escala Likert podemos atribuir pesos para a empresa. Vamos assumir também que as médias para o setor foram:

d) Dispêndios em P&D (peso 2,5)

e) Capital Humano da Empresa (peso 2,5)

f) Compra de tecnologia no mercado (peso 2,5)

Capacidade para inovar da empresa = (3.2,5 + 4.2,5 + 5.2,5)/7,5 = 4

Ou seja, a capacidade de inovar da empresa é mensurada pela posição de cada fator da empresa em relação ao peso desse fator na média ponderada dos fatores. O desvio padrão transversal da empresa é calculado por uma média ponderada dos desvios padrão conforme calculados para o conceito simples. Exemplificando, vamos supor que os desvios padrão para cada um dos fatores sejam:

a) desvio padrão dos dispêndios em P&D = σx

b) desvio padrão do capital humano da empresa = σy

c) desvio padrão da compra de tecnologia no mercado = σz

O desvio padrão para o recurso da empresa é calculado como (m. σx + n. σy + o. σz) / (m + n + z), onde m, n e o são os pesos transversais dos fatores da empresa. Ou seja, estamos dando peso maior ao desvio padrão cujo fator pesa mais.

O desvio padrão transversal do setor é calculado por uma média ponderada dos desvios padrão conforme calculados para o conceito simples. Exemplificando, vamos supor que os desvios padrões para cada um dos fatores sejam:

a) desvio padrão dos dispêndios em P&D = σtsx

b) desvio padrão do capital humano da empresa = σtsy

c) desvio padrão da compra de tecnologia no mercado = σtsz

O desvio padrão para o recurso transversal do setor é calculado como , onde p, q e r são os pesos transversais dos fatores dos setores.

O desvio padrão longitudinal da empresa é calculado por uma média ponderada dos desvios padrão longitudinais, conforme calculados para o conceito simples. Exemplificando, vamos supor que os desvios padrão para cada um dos fatores sejam:

a) desvio padrão dos dispêndios em P&D = σlex

b) desvio padrão do capital humano da empresa = σley

c) desvio padrão da compra de tecnologia no mercado = σlez

O desvio padrão para o recurso da empresa é calculado como , onde , e são calculados como médias longitudinais dos pesos transversais dos fatores da empresa.

O desvio padrão longitudinal do setor é calculado por uma média ponderada dos desvios padrão, conforme calculados para o conceito simples. Exemplificando, vamos supor que os desvios padrão para cada um dos fatores sejam:

a) desvio padrão dos dispêndios em P&D = σlsx

b) desvio padrão do capital humano da empresa = σlsx

c) desvio padrão da compra de tecnologia no mercado = σlsx

O desvio padrão para o recurso longitudinal do setor é calculado como , onde , e são calculados como médias dos fatores transversais do setor.

E o risco da empresa é calculado por:

2.2 INTRODUZINDO EXPECTATIVAS

Nossa análise até agora se baseia em valores observados (direta ou indiretamente). O conceito de risco está associado a expectativas acerca dos valores futuros das variáveis. Como valores futuros são incertos, atribuímos probabilidades para a ocorrência destes. Entretanto, com base na literatura da economia evolucionária que sustenta que o estado em que uma empresa se encontra hoje é resultado da sua evolução histórica (da trajetória que percorreu) (HODGSON, 1998; NELSON; WINTER, 1982, 1990), o nível de risco esperado depende em grande parte do risco observado no presente, ou seja, o risco observado necessita ser ponderado por uma probabilidade de ocorrência maior. Assim, o risco a respeito do valor futuro de um atributo de uma empresa (no nosso caso, a capacidade de inovar) é calculado pela multiplicação da probabilidade de ocorrência pelo valor esperado. Um estado com alta probabilidade de voltar a ocorrer seria agraciado com uma probabilidade alta e um estado abaixo da média do setor, com uma probabilidade baixa. Para o nosso conceito, podemos atribuir como 0,6 a probabilidade da manutenção da mesma capacidade para inovar, 0,3 a probabilidade que caia para a média do setor e 0,1 a probabilidade que caia para um número aleatório abaixo da média do setor.

Algumas vezes, o nível de ignorância sobre o atributo de uma empresa ou uma indústria é tão alto que não é possível especificar todos os estados futuros daquele atributo, e, assim, não é possível especificar a probabilidade de ocorrência desses estados distintos. Nesse caso, é prudente introduzir a distinção feita por Knight (apud DEQUECH, 2002) entre risco, ou situações em que o valor futuro de um atributo de uma empresa não é conhecido, mas sim a distribuição de probabilidade desses valores futuros, e incerteza, ou situações em que o valor futuro de um atributo de uma empresa não é conhecido, e a distribuição de probabilidade desses valores futuros também não.

2.3 O CONCEITO COMPLEXO

Para a construção desse construto, vamos nos apoiar nas variáveis da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec). O risco é medido da mesma forma que explicitamos na seção anterior. A inovação depende de uma combinação de recursos heterogêneos para gerar uma nova invenção. Uma invenção que alcança o mercado é chamada de inovação. A capacidade de inovar é composta de indicadores de insumo e produto. Na metodologia proposta pelo Índice Brasileiro de Inovação, uma iniciativa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da revista Inovação do Instituto Uniemp (FURTADO; QUEIROZ, 2007a, 2007b; QUADROS; FURTADO, 2007; FURTADO; QUADROS; QUEIROZ, 2007; FRANCO; CARVALHO; CARVALHO, 2007; FURTADO; QUADROS, 2007; DOMINGUES; FURTADO, 2007; INÁCIO JR.; QUADROS, 2007; FURTADO, CAMILLO, DOMINGUES, 2007a, 2007b), os insumos estão representados no indicador agregado de esforço (IAE) e indicador agregado de resultado (IAR). Compõem o IAE os indicadores de esforço financeiro e os indicadores de recursos humanos. O IAE combina três indicadores distintos de atividade inovativa.

O primeiro (indicador de atividade inovativa) captura o esforço financeiro (dispêndio) das empresas para as atividades inovativas. As atividades que utilizam a metodologia da Pintec são: P&D, outros conhecimentos externos, máquinas e equipamentos, treinamento, marketing e projetos. (Essas atividades vão ser mensuradas em relação à receita líquida da empresa.) O segundo indicador procura captar a contribuição do capital humano (capital intelectual na concepção dos estudos oriundos da administração) para a atividade inovativa. O indicador de recursos humanos (IRH) mede o esforço relativo das empresas em recursos humanos de P&D. São subdivididos em três categorias: cientistas, engenheiros, técnicos e pessoal de apoio – de acordo com o nível de qualificação: técnicos de nível superior (doutores, mestres e graduados), técnicos de nível médio e outros de suporte – e de acordo com o seu tempo de dedicação a P&D. O IRH mede o número de pessoas em tempo integral alocadas a P&D, ponderado pelo seu nível de qualificação e relacionado ao número integral de empregados da empresa. O último indicador procura captar a cooperação tecnológica que, na visão de Dyer e Singh (1998), pode trazer para as empresas rendas relacionais, oriundas da cooperação. É designado de indicador de cooperação tecnológica (ICT) e quantifica o esforço relativo em cooperação externa, pela mensuração da relação entre o gasto externo sobre o gasto total da empresa em P&D. No que concerne o resultado do processo inovativo, o indicador agregado de resultado é composto por dois indicadores. Um indicador de patentes (IP) que mensura o número de patentes depositadas e registradas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) sobre o número total de empregados da empresas. A Unicamp esclarece que as patentes a serem contempladas no indicador são apenas aquelas de residentes no país, sendo excluídas as depositadas por empresas sediadas no exterior. (Observação: para ver o impacto na criação de valor, acredito que necessitamos incluir as patentes utilizadas no Brasil, mas de procedência estrangeira.) O outro indicador, denominado indicador de impacto econômico (IIE) procura captar o impacto econômico das inovações de produto. A Unicamp utiliza a metodologia da Pintec que solicita que as empresas forneçam o impacto das inovações em suas vendas tanto no mercado interno como no externo. Diferencia ainda os impactos em três categorias de inovação de produto: novo para a empresa, novo para o país e novo para o mundo. A participação de cada um desses montantes sobre a receita líquida da empresa é o indicador de intensidade de impacto da inovação, o qual terá pesos distintos em função do tipo de inovação e do mercado de destino. Os pesquisadores da Unicamp propõem a seguinte fórmula para a construção do índice:

IBI = IAQ.Q1 + IAR. Q2

Desagregando os componentes de cada indicador, chegamos à seguinte fórmula:

IBI = (IA1 . P1 + IRH . P2 + ICT . P3 ) . Q1 + (IP . P4 + II . P5 ) . Q2

A soma dos pesos de cada grupo de indicadores será sempre igual a um:

Q1 + Q2 = 1 P1 + P2 + P3 = 1 P4 + P5 = 1

A metodologia recomenda que o IBI seja elaborado setorialmente porque as diferenças de esforços inovadores e de resultados entre os setores são expressivas. Isso vai ao encontro do que preconiza a RBV ao dizer que a empresa faz uma diferença dentro do setor. Nossa proposta difere da proposta do IBI porque não julgamos apropriado dar pesos iguais para os componentes do índice (ou mesmo dar pesos diferenciados de acordo com a intensidade dos dispêndios em relação a vendas, por exemplo), mas deixar que o modelo de equações estruturais indique as relações entre variáveis que apresentem significância estatística.

Como a variável latente "capacidade para inovar" (CPI) envolve relações entre variáveis independentes, relações entre variáveis dependentes e relações entre dependentes e independentes, o modelo mais apropriado é o de equações estruturais. Mais do que isso será um modelo exploratório e não o confirmatório. O diagrama de caminho inicial que propomos é o seguinte:

A justificativa para esse modelo teórico é que o indicador agregado de esforço é o responsável pelo indicador agregado de resultado, que, por sua vez, é a variável que explica a criação de valor (medida pela taxa de lucro, pelo retorno sobre vendas e pelo valor adicionado por pessoa), bem como desempenho no mercado (market share).

3 RELAÇÕES ENTRE RISCO DE RECURSO, NÍVEL DE RECURSO, RISCO DE RESULTADO, NÍVEL E RESULTADO E PERCEPÇÃO DO GESTOR PERANTE RISCO

O modelo alternativo leva em consideração a posição relativa dos recursos essenciais da empresa, o risco do recurso e a atitude do gestor perante o risco, além de incorporar teorias oriundas da psicologia e das finanças comportamentais que já foram corroboradas.

Para a RBV (Figura 2), a empresa é considerada uma coleção de recursos heterogêneos que deverão ser recombinados quando receberem do mercado um sinal de que o resultado foi abaixo do esperado. Devemos enfatizar que não existe necessidade de postularmos nenhum processo para maximizar resultado. A interação entre a empresa e o mercado e a retroalimentação que recebe deste alteram o comportamento da organização. No caso de uma empresa que, na taxonomia de Miles e Snow (1994), é considerada prospectiva (inovadora, como no caso da nossa empresa), o recurso-chave (competência) é a capacidade para inovar. Nosso modelo incorpora três tipos de risco. O primeiro é o risco do recurso. O patamar de um recurso foi conceituado da mesma forma que o risco do recurso. Vamos assumir, em um primeiro momento, que o risco que a empresa vai assumir não possa ser diversificado, ou seja, ela tem que arcar com as consequências caso o projeto não dê certo. Em um segundo momento, poderemos pensar em transferir o risco, mas isso não significa que ele não exista, somente que devemos nos preocupar com a transferência caso seja relevante. Precisamos também conceituar o risco de resultado, interpretado aqui como a variância da taxa de lucro. Podemos explicitar uma hipótese a ser testada. Empresas que apresentam um risco de recurso menor têm um retorno melhor. Saliente-se que o modelo supõe que o risco do principal recurso (capacidade para inovar) leva em consideração a posição relativa do nível de capacidade de inovar da empresa (dividida pelo desvio padrão do recurso) em relação à média do setor (dividida pelo desvio padrão do setor). A fundamentação teórica para essa hipótese é que as empresas mais inovadoras em relação à média do setor, que mantêm o nível (patamar) de inovação (sem grandes oscilações, que são capturadas por um menor desvio padrão), são capazes de gerar fluxos contínuos de caixa que são descontados a uma taxa de desconto menor (para refletir o risco de recurso menor). Ou seja, fluxos de caixa estáveis, descontados a uma taxa de desconto menor, produzem um fluxo de caixa sobre o investimento (cash-flow return on investment) maior. Esta análise não incorpora a mediação dos gestores quando o esperado não é alcançado, e essa lacuna necessita ser sanada em um modelo de finanças comportamentais que pressupõe uma alteração do comportamento dos gestores perante os resultados obtidos. Quando se medeiam o risco do recurso e o de resultado, encontra-se a atitude dos gestores perante o risco, e vamos assumir que a atitude do CEO é a atitude da corporação (do contrário teríamos que elaborar uma teoria que explicasse como o comportamento individual dos gestores conduz ao comportamento corporativo). Como a teoria de finanças comportamentais é o ramo de finanças que mais estudou comportamento dos gestores, comecemos por enumerar algumas proposições da teoria de finanças comportamentais que obtiveram corroboração empírica (COLEMAN, 2006):

1. Gestores tomam decisões com base em alterações na riqueza ou dotação.

2. Ao avaliarem escolhas, os tomadores de decisão utilizam pontos de referência ou metas, que se igualam aos níveis de riqueza correntes ou esperados.

3. Quando os resultados caem abaixo do nível de referência, os gestores assumem mais riscos.

4. Quando os resultados estão acima da meta, os investidores são avessos ao risco.

5. Gestores são mais sensitivos a perdas em comparação a ganhos equivalentes.

6. As preferências são descritas por uma função não linear, que assume a forma de um S invertido.


O nível de referência se traduziria na taxa que mantém o gestor satisfeito. Embora não tenhamos teoria para determiná-la, essa taxa de retorno, a princípio, pode estar abaixo da taxa média de retorno do setor onde o gestor concorre, pois o importante aqui é responder à seguinte questão: "Brigar (posicionar-me contra) com meu concorrente que, como eu, está abaixo da média ou almejar taxas de retorno acima da média, que não dizem respeito a meus concorrentes imediatos?". Colocando de outra forma, trata-se de determinar quem são meus concorrentes imediatos e que taxas de retorno eles conseguem obter.

Para simplificar, vamos assumir que a empresa estabeleceu como meta (nível de referência da empresa) um nível de performance igual à média da indústria onde opera. Essa suposição é feita para acomodar a definição de desempenho econômico normal oriundo da RBV (BARNEY, 2007). Essa definição assume que o retorno é normal quando é igual ao retorno que os proprietários esperam. Assim, o retorno normal pode tanto estar na média como situar-se acima ou abaixo dela, o que dependerá da expectativa dos donos. De acordo com a teoria do prospecto, uma empresa com desempenho acima da média deveria se comportar como tendo aversão ao risco e somente aceitar um aumento no risco do fluxo de renda (risco do resultado) se os projetos prometerem um aumento no retorno esperado. Em outras palavras, quanto melhor for o desempenho (retorno), tanto menos ela estará disposta a aceitar um risco adicional com o objetivo de aumentar o retorno esperado. Quando uma empresa de alta performance assume riscos, é um risco que promete um alto retorno.

Para empresas vencedoras (no nosso caso, acima da média), um aumento no risco aumentará o desempenho. Nossa análise propõe uma mediação para se chegar a esta conclusão: incorporar na análise o risco do recurso. Dependendo da avaliação desse risco pelo gestor e da atitude deste perante o risco, o resultado proposto pelas finanças comportamentais não será sempre o mesmo. Para começar, o nível de referência é estabelecido pela relação entre o comportamento do gestor perante o resultado, levando em consideração o nível de risco do recurso. Explicando mais detalhadamente: vamos manter as proposições 1 e 2 já comprovadas pelos estudos empíricos desenvolvidos pelas finanças comportamentais como válidas. Considerando a intermediação feita pelo gestor entre o risco do recurso e o risco do resultado, questionamos as proposições 3 e 4. O que explica o retorno acima da média de acordo com a RBV, que se distancia dos modelos de estrutura – conduta – desempenho, são os recursos valiosos, raros, não imitáveis, não esquecendo o papel essencial da organização no processo de criação de valor (o conhecido VRIO framework). Utilizando o nosso construto "capacidade para inovar" como exemplo, podemos associar uma variável que mediria o risco desse recurso, conforme explicitamos anteriormente. Vamos assumir que uma empresa obteve um resultado acima da meta (por simplicidade, assumamos que a meta é a média do setor). Vamos assumir que a essa empresa seja oferecido um projeto com risco de resultado maior (maior variação dos fluxos de caixa). Vamos assumir que a capacidade para inovar dessa empresa esteja acima da média do setor. O gestor sabe que o recurso pode estabilizar os fluxos de caixa (a inovação produz fluxos de caixa mais estáveis) e aceitam o projeto. Ou seja, para resultados acima da média, os gestores não são avessos ao risco, caso o recurso seja avaliado corretamente como de melhor qualidade (risco menor). A proposição só será válida se o recurso apresentar um grande risco em relação ao setor. Essa proposição alternativa tem que ser testada levando em consideração o risco do recurso e a percepção do gestor perante ele, que estão ausentes nos testes da RBV.

De acordo com as finanças comportamentais tradicionais, o raciocínio não se repete para empresas de desempenho abaixo da média. Para estas, ocorre compensação entre retorno esperado e variância. Na medida em que o desempenho declina, elas vão deixar de buscar altos retornos, trocando-os por uma variância maior. A maior variância aumenta a probabilidade de alcançar a meta. Assim, para empresas de baixo desempenho (no nosso caso, abaixo da média), quanto pior for a performance, maior será a opção por projetos arriscados com retornos esperados baixos. Isso é o mesmo que optar pelo abandono de retornos em troca de maior risco (o aumento do risco diminui o desempenho subsequente). Aqui também propomos uma alternativa às finanças comportamentais tradicionais, enfatizando a necessidade de incorporar na análise a percepção do gestor em relação ao risco do principal recurso, a capacidade para inovar. Resultados ruins podem ocorrer por problemas macroeconômicos, fora do alcance da gestão, e precisam levar em consideração a capacidade de recuperação da empresa. Caso a empresa possua uma capacidade para inovar acima da média, ela poderá optar por projetos arriscados (variância de resultado) com retornos esperados altos. Trata-se de um resultado esperado pelas finanças tradicionais, ou seja, o aumento do risco aumenta o desempenho (retorno) subsequente. Essa inferência não deveria ser encarada com surpresa, pois existem diversas correntes teóricas, oriundas tanto da economia quanto das finanças, que defendem que os desempenhos apresentam um comportamento de regressão à média, ou seja, empresas com desempenho acima da média apresentam uma taxa de decaimento para esses desempenhos, ocorrendo o contrário no caso daquelas com desempenho abaixo da média.

O resultado é o mesmo do proposto pelas finanças comportamentais tradicionais somente quando o risco de recurso é superior à média do setor. Podemos constatar que, na teoria do prospecto, não existe menção ao risco dos recursos. O gestor reage ao risco e retorno do resultado. A RBV, por considerar relevantes o nível e risco dos recursos, necessita incorporá-los na análise, pois é o risco do recurso que explica em parte o risco do resultado (retorno). Para o caso de incorporarmos o nível e o risco dos recursos na análise, o comportamento do gestor não pode levar em consideração somente o risco e retorno dos resultados. Nosso próximo passo é testar para um setor as proposições formuladas. A priori, sabemos que existem duas grandes dificuldades para testar o modelo: a necessidade de dados temporais para mensurar o risco de um recurso e a percepção e atitude do gestor perante o risco. Para o primeiro problema, a solução é coletar dados por um certo tempo, ou seja, coleta temporal resolve. Para o segundo, seria necessária a comprovação de que gestores podem se comportar da maneira como prevemos, o que envolve uma pesquisa primária com coleta de dados de maior complexidade, já que envolvem dois construtos: percepção e atitude. Estamos desenvolvendo pesquisa paralela com o propósito de responder por que gestores assumem riscos. Nossa esperança é que consigamos simular em um único modelo de atitudes dos gestores perante uma percepção de risco.

4 CONCLUSÃO

O risco tem sido abordado de duas formas tradicionais no referencial teórico da RBV. Na análise do fluxo de caixa descontado, um risco maior teria como contrapartida uma taxa de desconto maior. O modelo aqui proposto pode ser utilizado na metodologia do fluxo de caixa, desde que estabeleçamos uma conexão entre risco e retorno de projetos individuais e a capacidade de inovar, que é uma característica (variável latente do principal recurso) da empresa. Assumindo que a empresa inovativa apresenta um risco de recurso menor e que isso vai se traduzir em risco de retorno menor, ela poderia escolher todos os projetos que apresentassem valor presente líquido (VPL) positivo quando descontada a taxa de retorno média do setor. Essa é uma posição de segurança para a empresa, pois ela sabe que seu desempenho é superior à média, no que concerne o resultado (taxa de lucro), e que a verdadeira taxa de desconto é inferior à média (risco de retorno menor para a empresa). O gestor deve considerar a confiança (nível de conforto que sente em relação à capacidade de inovar) que tem na empresa para levar a contento o projeto. O nível de confiança é medido pelo risco atribuído à capacidade de inovar da empresa. Risco de recurso menor é sinônimo para confiança maior que induz o gestor a assumir projetos mais arriscados. Uma segunda metodologia utilizada pela RBV é a de opções reais. Na teoria das opções reais, uma variável fundamental é a variância do ativo subjacente. A teoria propõe duas alternativas para lidar com incerteza sobre os valores das variâncias. Caso os gestores tenham experiência prévia acumulada, eles podem estimar quão incertos são os fluxos de caixa e determinar um valor apropriado para a variância. Caso os gerentes não tenham experiência anterior para guiá-los, podem calcular todos os parâmetros da fórmula Black-Scholes associados com a opção real, excetuando-se a variância (BARNEY, 2007). Vários valores desta podem ser utilizados para calcular o valor da opção.

Ao examinarem a relação entre a incerteza do fluxo de caixa e o valor da opção, os gerentes poderão decidir investir ou não. Por exemplo, se a variância que torna positivo o valor da opção é muito alta, gerentes que apresentem aversão ao risco podem decidir que o investimento para criar a opção não vale a pena.

Que associações podemos fazer entre a metodologia de opções reais e o nosso modelo? Novamente, o fator mais importante é a variância do ativo subjacente. O valor do ativo subjacente depende do principal recurso da empresa, a capacidade para inovar. Se considerarmos que um maior risco do recurso aumenta o risco do resultado, somos levados a concluir que um recurso mais arriscado aumenta o valor de uma opção real. O modelo proposto representa uma alternativa para tratar e incorporar o risco idiossincrático. Empresas que apresentam um risco de recurso menor têm um retorno melhor. Saliente-se que o modelo supõe que o risco do principal recurso (capacidade para inovar) leva em consideração a posição relativa do nível de capacidade de inovar da empresa (dividida pelo desvio padrão do recurso) em relação à média do setor (dividida pelo desvio padrão do setor). A fundamentação teórica para essa hipótese é que as empresas mais inovadoras em relação à média do setor, que mantêm o nível (patamar) de inovação (sem grandes oscilações, que são capturadas por um menor desvio padrão), são capazes de gerar fluxos contínuos de caixa que são descontados a uma taxa de desconto menor (para refletir o risco de recurso menor). Ou seja, fluxos de caixa estáveis, descontados a uma taxa de desconto menor, produzem um fluxo de caixa sobre o investimento (cash-flow return on investment) maior. Nosso próximo objetivo é testar as hipóteses aqui propostas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2010
  • Data do Fascículo
    Out 2010
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