Acessibilidade / Reportar erro

Realização de valores pessoais no ambiente organizacional (RVP): olhando as relações entre indivíduos e organização para além dos valores pessoais

Realization of personal values in the organizational environment (RVP): looking at the relationships between individuals and organization beyond the personal values

Realización de los valores personales en el ambiente de la organización (RVP): examinando las relaciones entre los individuos y la organización, además de los valores personales

Resumos

Este artigo apresenta um novo construto, denominado realização de valores pessoais no ambiente organizacional (RVP), para entender as relações existentes entre indivíduos e organizações. Valores pessoais (VP) são metas desejáveis que variam de importância e servem como princípios na vida dos indivíduos, enquanto RVP é a realização de tais metas na organização onde estes atuam ao desempenharem as atividades cotidianas. Entendendo que são os atributos pessoais, tais como valores pessoais, que definem cultura, estrutura, processos e metas organizacionais, este estudo procurou verificar as relações entre VP, RVP e valores organizacionais percebidos como praticados (VO), estes últimos definidos como metas da organização. De natureza exploratória e tipo quantitativo, este estudo utilizou três questionários baseados na teoria de valores básicos. Os dois primeiros, para mensuração de valores pessoais e de realização de valores pessoais no ambiente organizacional, foram desenvolvidos para o estudo, com base no portrait value questionnaire, em sua versão brasileira de 40 itens, enquanto, para a medida de valores organizacionais, lançou-se mão do inventário de perfis de valores organizacionais. A amostra não probabilística foi formada por empregados de três empresas privadas do setor de serviços, contemplando 231 casos válidos. Utilizaram-se estatística descritiva, análise correlacional e regressão linear múltipla, além de escalonamento multidimensional, para verificação da validação teórica dos construtos VP e RVP. Os resultados mostram que valores organizacionais, considerados metas da organização, são mais influenciados pela realização dos valores pessoais de seus membros do que pela expectativa de sua realização, o que vai ao encontro da teoria attraction-selection-attrition (ASA) de Schneider (1987) e Schneider, Goldstein e Smith (1995), segundo a qual as pessoas, ao realizarem seus valores pessoais, acabam permanecendo nas organizações e definindo as metas a serem por estas alcançadas. O estudo mostra ainda que os empregados atingem as metas priorizadas pelas organizações, de domínio de mercado, realizando valores pessoais que se encontram em tipos motivacionais opostos, de autotranscendência. O artigo pretende contribuir, ainda que de forma incipiente, para a discussão teórica sobre valores organizacionais, possibilitando aos gestores refletir sobre outras formas de entender a relação empregado-organização que não seja abordando fit entre valores pessoais e organizacionais, tema recorrente tanto nos círculos acadêmicos quanto empresariais.

Realização de valores pessoais; Valores organizacionais; Valores pessoais; ASA; Serviços


This article presents a new construct called Realization of Personal Values in the Organizational Environment (RVP) to understand the relationships between individuals and organizations. Personal values (VP) are desirable goals that vary in importance and serve as guiding principles in people's lives, while RVP is the realization of such goals in the organization where they work in carrying out daily activities. Understanding which are the personal attributes such as personal values, which define culture, structure, processes and organizational goals, this study sought to examine relationships between PV, RVP and organizational values perceived as practiced (VO), the latter defined as the organization's goals. This article exploratory and quantitative type, used three questionnaires based on theory of basic values. The first two, for the measurement of personal values and realization of personal values in the organizational environment, have been developed for the study, from the portrait value questionnaire in its Brazilian version of 40 items, while for the measure of organizational values it employed the organizational values inventory. The non-probability sample was formed by employees of three private companies in the services sector, comprising 231 valid cases. In data processing it was used descriptive statistics, correlation analysis and multiple linear regression, besides multidimensional scaling to verify the validation of theoretical constructs VP and RVP. The results show that organizational values , viewed as the organization's goals, are more influenced by realization of personal values of its members than by the expectation of its realization, aligned of the Theory Attraction-Selection-Attrition (ASA) by Schneider (1987) and Schneider, Goldstein and Smith (1995) that people to realize their personal values , and thus they remain in the organization and setting goals to be achieved by them. The studies also show that employees get goals prioritized by the organizations, from domain of market, practicing personal values that are in opposite motivational types, from self-transcendence. The article aims to contribute to the theoretical discussion about organizational values , enabling managers to reflect on other ways of understanding the relation employee- organization that is not addressing fit between personal and organizational values , a recurring theme in both the academic and business circles.

Realization of personal values; Organizational values; Personal values; ASA; Services


Este artículo presenta un nuevo constructo llamado realización de los valores personales en el ambiente de la organización (RVP) para entender las relaciones entre individuos y organizaciones. Los valores personales (VP) son metas deseables que varían en importancia y sirven como principios en la vida de las personas, mientras RVP es la realización de esas metas en la organización donde trabajan en sus actividades diarias. Entendiendo que son los atributos personales, tales como los valores personales, que definen la cultura, estructura, procesos y metas de la organización, este estudio trató de examinar las relaciones entre VP, RVP y valores de la organización que se perciben en las practicas (VO) entendidos estes como metas de la organización. El artículo exploratorio y cuantitativo, se utilizó tres cuestionarios basados en la teoría de valores básicos. Los dos primeros, para la medición de los valores personales y realización de los valores personales en el ambiente de la organización se han desarrollado para el estudio, a partir del portrait value questionnaire, en su versión brasileña de 40 puntos, mientras para la medida de los valores de la organización se utilizó el inventario de perfis de valores organizacionais. La muestra no probabilística fue formada por empleados de tres empresas privadas en el sector de servicios, que comprende 231 casos válidos. En el procesamiento de datos se utilizó la estadística descriptiva, análisis de correlación, regresión lineal múltiple y el escalamiento multidimensional para verificar la validación de las construcciones teóricas VP y RVP. Los resultados muestran que los valores de la organización, considerados como objetivos de la organización, están más influenciados por la realización personal de los valores de sus miembros, y no por la expectativa de su cumplimiento, alineado con la teoría de la attraction-selection-attrition (ASA), de Schneider (1987) y Schneider, Goldstein y Smith (1995) según la qual las personas que realizan sus valores personales, se mantienen en sus organizaciones y definem metas a alcanzar por ellas. El estudio también muestra que los empleados logran las metas priorizadas por las organizaciones, de dominio de mercado, pero realizan los valores personales que son tipos opuestos de la motivación, la auto-transcendencia. El artículo pretende contribuir, aunque sea incipiente, para la discusión teórica acerca de los valores de la organización, permitiendo a los administradores a reflexionar sobre otras formas de entender la organización y sus relaciones con los empleados que no se ocupa de fit entre valores personales y organizacionales, un tema recurrente tanto en los círculos académico y empresarial.

Realización de los valores personales; Valores de la organización; Valores personales; ASA; Servicios


Realización de los valores personales en el ambiente de la organización (RVP): examinando las relaciones entre los individuos y la organización, además de los valores personales

Sandra Ventura MaurinoI; Silvia Marcia Russi de DomenicoII

IMestra em Administração de Empresas pelo Centro de Ciências Sociais e Aplicadas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Diretora executiva da Huma Desenvolvimento Humano Integrado. Rua do Estilo Barroco, 483, ap. 12, Chácara Santo Antonio, São Paulo - SP - Brasil - CEP 04709-010. E-mail: sandra.maurino@yahoo.com.br

IIDoutora em Administração de Empresas pelo Centro de Ciências Sociais e Aplicadas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Professora do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Rua da Consolação, 896, Edifício Rev. Modesto Carvalhosa, Térreo, Centro, São Paulo - SP - Brasil - CEP 01302-907. E-mail: silviarussi@mackenzie.br

RESUMO

Este artigo apresenta um novo construto, denominado realização de valores pessoais no ambiente organizacional (RVP), para entender as relações existentes entre indivíduos e organizações. Valores pessoais (VP) são metas desejáveis que variam de importância e servem como princípios na vida dos indivíduos, enquanto RVP é a realização de tais metas na organização onde estes atuam ao desempenharem as atividades cotidianas. Entendendo que são os atributos pessoais, tais como valores pessoais, que definem cultura, estrutura, processos e metas organizacionais, este estudo procurou verificar as relações entre VP, RVP e valores organizacionais percebidos como praticados (VO), estes últimos definidos como metas da organização. De natureza exploratória e tipo quantitativo, este estudo utilizou três questionários baseados na teoria de valores básicos. Os dois primeiros, para mensuração de valores pessoais e de realização de valores pessoais no ambiente organizacional, foram desenvolvidos para o estudo, com base no portrait value questionnaire, em sua versão brasileira de 40 itens, enquanto, para a medida de valores organizacionais, lançou-se mão do inventário de perfis de valores organizacionais. A amostra não probabilística foi formada por empregados de três empresas privadas do setor de serviços, contemplando 231 casos válidos. Utilizaram-se estatística descritiva, análise correlacional e regressão linear múltipla, além de escalonamento multidimensional, para verificação da validação teórica dos construtos VP e RVP. Os resultados mostram que valores organizacionais, considerados metas da organização, são mais influenciados pela realização dos valores pessoais de seus membros do que pela expectativa de sua realização, o que vai ao encontro da teoria attraction-selection-attrition (ASA) de Schneider (1987) e Schneider, Goldstein e Smith (1995), segundo a qual as pessoas, ao realizarem seus valores pessoais, acabam permanecendo nas organizações e definindo as metas a serem por estas alcançadas. O estudo mostra ainda que os empregados atingem as metas priorizadas pelas organizações, de domínio de mercado, realizando valores pessoais que se encontram em tipos motivacionais opostos, de autotranscendência. O artigo pretende contribuir, ainda que de forma incipiente, para a discussão teórica sobre valores organizacionais, possibilitando aos gestores refletir sobre outras formas de entender a relação empregado-organização que não seja abordando fit entre valores pessoais e organizacionais, tema recorrente tanto nos círculos acadêmicos quanto empresariais.

Palavras-chave: Realização de valores pessoais; Valores organizacionais; Valores pessoais; ASA; Serviços.

ABSTRACT

This article presents a new construct called Realization of Personal Values in the Organizational Environment (RVP) to understand the relationships between individuals and organizations. Personal values (VP) are desirable goals that vary in importance and serve as guiding principles in people's lives, while RVP is the realization of such goals in the organization where they work in carrying out daily activities. Understanding which are the personal attributes such as personal values, which define culture, structure, processes and organizational goals, this study sought to examine relationships between PV, RVP and organizational values perceived as practiced (VO), the latter defined as the organization's goals. This article exploratory and quantitative type, used three questionnaires based on theory of basic values. The first two, for the measurement of personal values and realization of personal values in the organizational environment, have been developed for the study, from the portrait value questionnaire in its Brazilian version of 40 items, while for the measure of organizational values it employed the organizational values inventory. The non-probability sample was formed by employees of three private companies in the services sector, comprising 231 valid cases. In data processing it was used descriptive statistics, correlation analysis and multiple linear regression, besides multidimensional scaling to verify the validation of theoretical constructs VP and RVP. The results show that organizational values , viewed as the organization's goals, are more influenced by realization of personal values of its members than by the expectation of its realization, aligned of the Theory Attraction-Selection-Attrition (ASA) by Schneider (1987) and Schneider, Goldstein and Smith (1995) that people to realize their personal values , and thus they remain in the organization and setting goals to be achieved by them. The studies also show that employees get goals prioritized by the organizations, from domain of market, practicing personal values that are in opposite motivational types, from self-transcendence. The article aims to contribute to the theoretical discussion about organizational values , enabling managers to reflect on other ways of understanding the relation employee- organization that is not addressing fit between personal and organizational values , a recurring theme in both the academic and business circles.

Keywords: Realization of personal values; Organizational values; Personal values; ASA; Services.

RESUMEN

Este artículo presenta un nuevo constructo llamado realización de los valores personales en el ambiente de la organización (RVP) para entender las relaciones entre individuos y organizaciones. Los valores personales (VP) son metas deseables que varían en importancia y sirven como principios en la vida de las personas, mientras RVP es la realización de esas metas en la organización donde trabajan en sus actividades diarias. Entendiendo que son los atributos personales, tales como los valores personales, que definen la cultura, estructura, procesos y metas de la organización, este estudio trató de examinar las relaciones entre VP, RVP y valores de la organización que se perciben en las practicas (VO) entendidos estes como metas de la organización. El artículo exploratorio y cuantitativo, se utilizó tres cuestionarios basados en la teoría de valores básicos. Los dos primeros, para la medición de los valores personales y realización de los valores personales en el ambiente de la organización se han desarrollado para el estudio, a partir del portrait value questionnaire, en su versión brasileña de 40 puntos, mientras para la medida de los valores de la organización se utilizó el inventario de perfis de valores organizacionais. La muestra no probabilística fue formada por empleados de tres empresas privadas en el sector de servicios, que comprende 231 casos válidos. En el procesamiento de datos se utilizó la estadística descriptiva, análisis de correlación, regresión lineal múltiple y el escalamiento multidimensional para verificar la validación de las construcciones teóricas VP y RVP. Los resultados muestran que los valores de la organización, considerados como objetivos de la organización, están más influenciados por la realización personal de los valores de sus miembros, y no por la expectativa de su cumplimiento, alineado con la teoría de la attraction-selection-attrition (ASA), de Schneider (1987) y Schneider, Goldstein y Smith (1995) según la qual las personas que realizan sus valores personales, se mantienen en sus organizaciones y definem metas a alcanzar por ellas. El estudio también muestra que los empleados logran las metas priorizadas por las organizaciones, de dominio de mercado, pero realizan los valores personales que son tipos opuestos de la motivación, la auto-transcendencia. El artículo pretende contribuir, aunque sea incipiente, para la discusión teórica acerca de los valores de la organización, permitiendo a los administradores a reflexionar sobre otras formas de entender la organización y sus relaciones con los empleados que no se ocupa de fit entre valores personales y organizacionales, un tema recurrente tanto en los círculos académico y empresarial.

Palabras clave: Realización de los valores personales; Valores de la organización; Valores personales; ASA; Servicios.

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo visa contribuir para a reflexão sobre as relações entre indivíduos e organizações. Para tanto, apresenta a proposta de um novo construto, denominado realização de valores pessoais no ambiente organizacional (RVP), com base na teoria attraction-selection-attrition (ASA) de Schneider (1987) e Schneider, Goldstein e Smith (1995).

Considerando que o indivíduo não se relaciona com o mundo físico e social como um simples observador, mas como um ator que participa, que toma partido e que se envolve, e que esse mesmo indivíduo permanece na organização porque deseja e não porque necessita (TAMAYO, 2005), pode-se dizer que é ele que influencia o ambiente e não o inverso.

Nesse sentido, Schneider (1987) e Schneider, Goldstein e Smith (1995) defendem que são os empregados que dão forma às organizações em que atuam: são os atributos pessoais, tais como os valores pessoais, que definem as metas, a estrutura, os processos e a cultura das organizações.

Uma vez que valores pessoais são metas desejáveis que variam de importância e servem como princípios na vida de um indivíduo (SCHWARTZ, 1992) e valores organizacionais são princípios ou crenças compartilhados pelos empregados, que orientam a vida da organização (TAMAYO, 2005), pode-se pensar, com base no pensamento de Schneider (1987), que valores pessoais devem estar relacionados a valores organizacionais.

Pessoas com características similares são atraídas não apenas para determinadas atividades, mas para tipos específicos de organizações. Portanto, tipos similares de indivíduos atraídos para um mesmo lugar determinarão esse ambiente (SCHNEIDER, 1987).

Segundo Vroom (1996), os indivíduos sentem-se atraídos por uma organização na expectativa de que terão oportunidade de realizar seus valores pessoais. Todavia, o indivíduo poderá descobrir, após algum tempo na empresa, que não se encaixa nela e consequentemente experienciar o que Schneider (1987) e Schneider, Goldstein e Smith (1995) denominam atrito (attrition). Quando isso ocorre, o indivíduo pode até deixar a empresa. O atrito acontece quando as expectativas que os indivíduos têm ao se sentirem atraídos pela empresa não são correspondidas na realidade do cotidiano organizacional.

Portanto, mais do que a similaridade entre as metas do indivíduo (valores pessoais) e da organização (valores organizacionais), a realização das metas pessoais é o que leva os indivíduos a nela permanecerem. Do contrário tendem a sair, em função do atrito que surge (SCHNEIDER, 1987). Assim, propõe-se que a realização dos valores pessoais no ambiente organizacional (RVP), entendida como a realização das metas pessoais (valores) dos indivíduos na organização onde atuam, contribui para a definição das características desse ambiente, entre elas os valores organizacionais. Nesse processo, não bastam apenas as expectativas (valores pessoais).

A pesquisa realizada teve natureza sobretudo exploratória e contemplou a descrição de diferentes fenômenos, tais como valores pessoais, realização de valores pessoais e valores organizacionais. Entende-se que a utilização do construto "realização de valores pessoais no ambiente organizacional" é um caminho que deve ser investigado no campo de valores, e este estudo representa um esforço inicial.

A proposta deste trabalho foi verificar as relações de VP, RVP e os valores organizacionais, e a influência dos dois primeiros sobre os últimos. Para isso, foi necessário, para mensuração de valores pessoais e realização de valores pessoais no ambiente organizacional, desenvolver escalas a partir de instrumento já existente (portrait value questionnaire - PVQ-40) e realizar a validação teórica de ambos os construtos, para então relacioná-los a valores organizacionais, mensurados por inventário previamente validado por Oliveira e Tamayo (2004). Análises da hierarquia de VP, RVP e VO também foram contempladas.

2 VALORES PESSOAIS

Schwartz (2005a) explica que é importante ter consciência de que cada indivíduo detém numerosos valores, com variados graus de importância. Schwartz (1992) identifica cinco principais características dos valores, a saber: 1. trata-se de crenças intrinsecamente ligadas à emoção; 2. são um construto motivacional; 3. transcendem situações e ações específicas, e, por isso, são considerados objetivos abstratos; 4. guiam a seleção e avaliação de ações, políticas, pessoas e eventos, servindo como padrões e critérios; 5. são ordenados pela importância relativa entre si.

Tomando como ponto de partida os estudos realizados por Rokeach (1973), Schwartz propôs a teoria de valores básicos (tipos motivacionais), os quais são reconhecidos por indivíduos de quase todas as culturas (SCHWARTZ; BILSKY, 1987; SCHWARTZ, 1992, 2006), uma vez que representam aspectos da estrutura psicológica humana - as necessidades -, consideradas preexistentes em todos os indivíduos. São elas: as necessidades biológicas, de ação social coordenada e de sobrevivência e bem-estar dos grupos (SCHWARTZ; BILSKY, 1987).

Apesar de praticamente haver consenso entre autores do campo (por exemplo, ROKEACH, 1973) de que valores são representações cognitivas de necessidades, Schwartz foi o primeiro a propor uma estrutura de valores baseada na motivação humana (TAMAYO, 2007). Sua elaboração contemplou idas e vindas entre teoria e realidade observada (TAMAYO, 2007). O modelo foi proposto inicialmente com oito tipos de valor (SCHWARTZ; BILSKY, 1987). Depois de análises estatísticas e reflexões, adotaram-se onze, até finalmente ser validado com dez tipos motivacionais (SCHWARTZ, 1992, 2006), a saber:

  • Poder:

    status social sobre pessoas e recursos.

  • Realização: sucesso pessoal mediante a demonstração de competência segundo critérios sociais.

  • Hedonismo: prazer e gratificação sensual para si mesmo.

  • Estimulação: entusiasmo, novidade e desafio na vida.

  • Autodeterminação: pensamento independente e escolha da ação, criatividade, exploração.

  • Universalismo: compreensão, apreço, tolerância e atenção com o bem-estar de todas as pessoas e da natureza.

  • Benevolência: preservação ou intensificação do bem-estar das pessoas com as quais se está em contato pessoal frequente.

  • Tradição: respeito, compromisso e aceitação de costumes e ideias oferecidos pela cultura tradicional ou religião.

  • Conformidade: restrição de ações, tendências e impulsos que possam incomodar ou ferir outros, contrariar expectativas ou normas sociais.

  • Segurança: segurança, harmonia e estabilidade da sociedade, das relações e de si mesmo.

O modelo baseia-se na dinâmica das relações de congruência e de conflito entre os tipos motivacionais. A aproximação de tipos motivacionais demonstra semelhanças existentes entre eles, e o distanciamento, por sua vez, traduz o antagonismo das motivações subjacentes (SCHWARTZ, 1992, 2006), originando duas dimensões bipolares: a primeira contrasta os valores de "abertura à mudança" (autodeterminação e estimulação) aos de "conservação" (segurança, tradição e conformidade), enquanto a segunda opõe os valores de "autotranscendência" (universalismo e benevolência) aos de "autopromoção" (poder e realização); hedonismo pode situar-se em abertura à mudança ou autopromoção, o que dependerá da amostra (SCHWARTZ, 1992, 2005a). Os polos dessas duas dimensões constituem os chamados valores ou tipos motivacionais de segunda ordem.

Para a validação da teoria, Schwartz (1992) utilizou o instrumento conhecido como Schwartz value survey (SVS), constituído, em sua versão final, por 57 itens. O SVS tem sido o instrumento mais utilizado para medir os dez tipos motivacionais básicos (SCHWARTZ, 2005b). No entanto, para superar a especificidade abstrata característica do SVS, Schwartz (2005b) desenvolveu um instrumento adicional, denominado portrait value questionnaire (PVQ), que, ao ser empregado em diversas pesquisas, também contribuiu para verificar se a teoria era válida independentemente do instrumento utilizado. Os 40 itens descrevem objetivos, aspirações ou desejos que implicitamente, isto é, indiretamente, apontam para a importância de um tipo motivacional (SCHWARTZ, 2005b).

Os resultados obtidos por meio do PVQ-40 (SCHWARTZ et al., 2001) permitiram corroborar pesquisas anteriores, indicando que a estrutura de oposição entre polos das duas dimensões axiológicas contemplada na teoria de valores básicos é quase universal, independentemente do método de mensuração (SCHWARTZ, 2005b).

No presente estudo, adotaram-se o conceito de valores e a teoria de valores pessoais de Schwartz (1992, 2005a, 2005b, 2006) em função de sua ampla aceitação e utilização (PORTO, 2005) e, principalmente, por ser tal teoria empregada em estudos de valores organizacionais (TAMAYO, 2007), construto também contemplado nesta pesquisa e apresentado a seguir.

3 VALORES ORGANIZACIONAIS

De acordo com Tamayo e Gondin (1996, p. 63), valores organizacionais são entendidos como aqueles percebidos pelos empregados como efetivamente praticados na organização e definidos "como princípios ou crenças, organizados hierarquicamente, relativos a tipos de estrutura ou a modelos de comportamento desejáveis que orientam a vida da organização e estão a serviço de interesses individuais, coletivos ou mistos".

Oliveira e Tamayo (2004) construíram e validaram um instrumento denominado inventário de perfis de valores organizacionais (IPVO), com base na teoria de valores pessoais de Schwartz (1992), para identificar valores organizacionais compartilhados. Esses pesquisadores partiram dos seguintes pressupostos:

  • O fundador, os gestores e os próprios trabalhadores já têm o seu sistema de valores definidos sobre o que é bom para a pessoa, para a sociedade e para a organização.

  • Grande parte dos valores organizacionais é uma "transferência de princípios e metas do indivíduo para a organização" (OLIVEIRA; TAMAYO, 2004, p. 134) e se desenvolve em interação com as necessidades e exigências internas e externas da empresa, correspondendo, assim, como valores pessoais, a metas, mas organizacionais.

Além disso, esses autores entendem que os empregados são capazes, como observadores internos, de perceber as prioridades axiológicas da organização.

O IPVO é composto por 48 itens distribuídos em oito fatores (OLIVEIRA; TAMAYO, 2004):

  • Realização: a meta central é o sucesso mediante a demonstração de competência da organização e de seus empregados.

  • Conformidade: valorização do respeito às regras, por meio do estabelecimento de limites às ações e ao comportamento dos membros, tanto no ambiente interno como no relacionamento com outras organizações.

  • Domínio: a meta central é a obtenção de

    status, controle sobre pessoas e recursos, e a busca de uma posição de domínio de mercado.

  • Bem-estar dos empregados: indica a preocupação da organização em promover satisfação ao empregado, atentando para a qualidade de vida no trabalho.

  • Tradição: reflete preservação, respeito aos costumes e práticas consolidadas pela organização, de forma a manter sua forma de funcionamento.

  • Prestígio organizacional: orientação pela busca de prestígio, admiração e respeito da sociedade, mediante a qualidade de produtos e serviços.

  • Autonomia: valorização da busca por aperfeiçoamento constante e por desafios pelo empregado e pela organização.

  • Preocupação com a coletividade: valorização do relacionamento cotidiano com indivíduos próximos e com a comunidade.

A hipótese que se confirmou por meio da aplicação do IPVO é de que existe similaridade motivacional entre as metas de valores pessoais e de valores organizacionais (OLIVEIRA; TAMAYO, 2004), uma vez que esses oito fatores correspondem a nove das motivações pessoais indicadas por Schwartz (1992) em sua teoria de valores básicos. Autonomia representa os tipos motivacionais autodeterminação e estimulação, adjacentes na estrutura de valores pessoais e, portanto, com metas semelhantes, enquanto os tipos universalismo e benevolência integram um único fator, de preocupação com a coletividade. O tipo motivacional poder desdobrou-se em prestígio e domínio. Apenas o tipo motivacional segurança não teve nenhum valor organizacional correspondente (OLIVEIRA; TAMAYO, 2004).

Oliveira e Tamayo (2004) apresentaram, teoricamente, as relações de compatibilidade e de conflito entre os tipos motivacionais superiores, com base nas relações da teoria de valores básicos. Assim, a dimensão abertura à mudança versus conservação está representada pelos tipos motivacionais autonomia e bem- -estar, num polo, e tradição e conformidade no outro. Na dimensão autopromoção versus autotranscendência, observa-se que o primeiro polo é representado pelos tipos motivacionais domínio, prestígio e realização, enquanto, no polo oposto dessa dimensão, encontra-se o fator preocupação com a coletividade. Essas relações teóricas foram comprovadas em estudo empírico de Canova e Porto (2010) que empregou multidimensional scaling, conforme aperfeiçoamento sugerido por Oliveira e Tamayo (2004), para demonstrar a oposição entre as dimensões axiológicas em nível organizacional.

4 VALORES PESSOAIS, REALIZAÇÃO DE VALORES PESSOAIS NO AMBIENTE ORGANIZACIONAL (RVP) E A RELAÇÃO INDIVÍDUO-ORGANIZAÇÃO: HIPÓTESE DE PESQUISA

Vários estudos citados em Schneider, Goldstein e Smith (1995) têm explorado a relação entre o indivíduo e a organização, tais como os de Ivancevich e Matteson, Burk e Descza, que estudaram o fit entre personalidade e clima organizacional.

De fato, se os valores organizacionais são metas (TAMAYO, 2005), pode-se pensar que as pessoas são atraídas por empresas cujos valores organizacionais estão associados a seus atributos individuais, tais como seus valores pessoais que, por sua vez, representam as metas dos indivíduos (SCHWARTZ, 1992).

Entretanto, serão as metas, ou seja, as expectativas de alcançar algo, suficientes para os indivíduos permanecerem nas empresas?

Vroom (1996) ressalta que os indivíduos são atraídos pelas organizações nas quais acreditam que poderão realizar ou praticar seus valores. Todavia, as pessoas só continuarão a trabalhar nas organizações se realizarem, por meio da busca de metas organizacionais, suas próprias metas pessoais. Do contrário, vivenciarão atrito (attrition) e as deixarão (SCHNEIDER, 1987). O atrito acontece quando as expectativas dos indivíduos não são correspondidas no cotidiano organizacional (SCHNEIDER, 1987; SCHNEIDER, GOLDSTEIN; SMITH, 1995).

As metas organizacionais, por sua vez, são consequências da personalidade, das atitudes e dos valores do fundador e de todas as pessoas que atuam na organização. Tais metas, juntamente com a estrutura, os processos e a cultura organizacional, são resultantes dos comportamentos dessas pessoas e não causas destes (SCHNEIDER; GOLDSTEIN; SMITH, 1995). Portanto, os valores organizacionais, uma vez que representam as metas da organização (OLIVEIRA; TAMAYO, 2004), são fruto de características pessoais e, mais importante, daqueles que permanecem na empresa.

Portanto, pode-se pensar, com base na teoria ASA de Schneider (1987) e Schneider, Goldstein e Smith (1995), em um novo construto para entender as relações existentes entre indivíduos e organizações, para além dos valores pessoais em si: a realização de valores pessoais no ambiente organizacional (RVP). Dessa forma, propõe-se a seguinte hipótese:

  • H1: Valores organizacionais são mais influenciados pela realização dos valores pessoais do que pelos valores pessoais de seus membros.

5 MÉTODO

Utilizando o método quantitativo, a coleta de dados foi realizada mediante aplicação de instrumento de pesquisa disponibilizado na internet em site específico, formado por três questionários: PVQ-40-importância (composto por 40 assertivas), inventário de realização de valores pessoais no ambiente organizacional - IRVP (com 40 assertivas) e inventário de perfis de valores organizacionais - IPVO (com 48 assertivas), além de um bloco de questões relativas a dados demográficos.

Os dois primeiros questionários são adaptações do PVQ-40. Antes da escolha da versão do portrait value questionnaire com 40 itens, analisaram-se outras possibilidades que contivessem um número menor de questões do que o SVS e fossem menos abstratas. Consideraram-se o short Schwartz's value survey (SVSS), composto por dez assertivas, representando os dez tipos motivacionais, validado por Lindeman e Verkasalo (2005); o PVQ-21, desenvolvido para pesquisa via internet sobre valores humanos pela European Social Survey, validado no Brasil por Lombardi et al. (2010); e o PVQ-21 com escala de importância, adaptado por Almeida (2007), estando os dois últimos questionários disponíveis em português do Brasil.

Os motivos que levaram à escolha do PVQ-40 como ponto de partida para o desenvolvimento das escalas de mensuração de valores pessoais e de realização de valores pessoais foram: apresentar menor número de itens comparativamente ao SVS, obter uma versão traduzida para o Brasil (TAMAYO; PORTO, 2009), já ter sido empregada em diversos estudos (PORTO, 2005) e apresentar maior confiabilidade interna do que o instrumento com 21 assertivas. Enquanto os índices de confiabilidade interna (alfa de Cronbach) variam de 0,45 (tradição) até 0,76 (realização e hedonismo) no estudo de Schwartz et al. (2001) com PVQ-40, no caso de pesquisas com PVQ-21, os alfas obtidos foram mais baixos, de 0,305 (segurança) até 0,579 (realização) na investigação de Almeida (2007), e de 0,30 (tradição, poder e universalismo) até 0,646 (realização) em Lombardi et al. (2010).

Contudo, foi necessário adaptar as instruções, as assertivas e a escala de mensuração do PVQ-40. O objetivo da adaptação foi facilitar a medida tanto de valores pessoais, por importância, quanto a de RVP, por intensidade, o que permitiu a utilização do mesmo conjunto de assertivas para ambos os questionários.

A adaptação das assertivas consistiu em transformar cada descrição de perfil de pessoa do PVQ-40 em metas, uma vez que valores são assim considerados por Schwartz (1992). Em outras palavras, passou-se de uma forma indireta de apresentação dos valores ao respondente para uma forma direta, seguindo os passos de Almeida (2007), que utilizou, em seu estudo, uma escala de importância adaptada para o PVQ-21. No entanto, diferentemente do que fez esse autor, foi mantida a estrutura original de duas frases em cada assertiva empregada por Schwartz et al. (2001) e Tamayo e Porto (2009), visando manter ao máximo a estrutura original do questionário de 40 questões. Assim, o respondente deparava-se com uma mesma assertiva, representando uma meta pessoal - por exemplo: "Tomar minhas próprias decisões sobre o que faço. Ser livre para planejar e escolher minhas atividades" -, e duas questões - "Quanto esta meta é importante na sua vida?" (VP) e "Quanto você realiza desta sua meta nesta organização?" (RVP) -, cada uma com sua respectiva escala de 6 pontos, não numérica. Os valores pessoais variaram de "nada importante" a "fundamental", enquanto, para mensuração de RVP, adotou-se a seguinte variação: de "nada realizado" a "totalmente realizado".

Essa adaptação de assertivas passou por uma avaliação semântica em duas etapas. A primeira foi feita com oito profissionais de diversos ramos de atividade, com idade entre 30 e 40 anos. A segunda etapa visou aprofundar e esclarecer se os funcionários entendiam a pergunta proposta no questionário IRVP e a escala oferecida para responder a ela após a leitura de cada assertiva. Nessa segunda etapa, foram realizadas entrevistas individuais com 18 funcionários de uma organização, que serviu como piloto, entre eles técnicos, analistas, supervisores e gerentes, sendo a faixa etária entre 25 e 50 anos. Os resultados obtidos mostraram que as instruções e as assertivas adaptadas estavam claras para a maioria dos respondentes, apesar de haver certo desconforto quando percebiam que algumas metas pessoais importantes não eram realizadas intensamente no ambiente da empresa, enquanto outras, menos importantes, eram mais vivenciadas - o que pode ter gerado respostas de certa maneira enviesadas. Salikhova (2010) observa que a microdinâmica do senso de valor do indivíduo emerge quando os valores pessoais e sua aplicação prática na vida real, entendida como a realização dos valores, são confrontados. No entanto, como foi a primeira vez que se testava o questionário, decidiu-se seguir com a pesquisa.

Em relação aos valores organizacionais, utilizou-se o inventário de perfis de valores organizacionais (IPVO) desenvolvido por Oliveira e Tamayo (2004), uma vez que tem por base a teoria de valores pessoais de Schwartz (1992), a qual fundamenta a escala de valores pessoais e de RVP, e por apresentar coeficientes de confiabilidade entre 0,75 e 0,87 (alfa de Cronbach), acima de 0,7, considerado satisfatório (HAIR JR. et al., 2009)

O instrumento composto pelos três questionários citados e por um bloco com questões sociodemográficas foi aplicado a empregados de três empresas privadas, aqui denominadas de Alpha, Beta e Gamma, atuantes no setor de serviços. As duas primeiras são do segmento de tecnologia, e a última, do setor financeiro. A empresa Alpha, com 250 empregados, pertence a uma organização norte-americana que desenvolve tecnologia voltada à administração de recursos humanos, enquanto a empresa Beta, com 388 funcionários, é brasileira, fundada em 2001 e especializada em serviços e operações para a plataforma SAP. Por fim, a empresa Gamma - com 250 funcionários no Brasil - é uma das unidades de negócio de uma multinacional francesa que atua no segmento de produtos e serviços financeiros.

O instrumento de pesquisa foi enviado a todos os funcionários das três organizações por mensagem eletrônica contendo endereço do site especialmente desenvolvido para a realização da pesquisa. A amostra formada com base nas respostas dos que espontaneamente aderiram à pesquisa totalizou 314 participantes.

Em relação ao tratamento de dados, primeiramente foi realizada a preparação do banco de respostas, mediante análise de dados faltantes e extremos (HAIR JR. et al., 2005), além do viés de discriminação, citado por Schwartz (2005a), que recomenda a eliminação de participantes com mais de 80% de respostas em um mesmo escore (EUROPEAN SOCIAL SURVEY, 2008), demonstrando que "não fizeram um esforço sério para diferenciar valores" (SCHWARTZ, 2005a, p. 32). Com isso, dos 314 questionários obtidos no conjunto das três empresas pesquisadas, resultaram 231 casos válidos (amostra geral), divididos entre a empresa Alpha com 54 participantes, Beta com 71 e Gamma com 106.

As amostras por empresa mostraram-se relativamente equilibradas na questão de gênero, havendo predominância de respondentes homens, com 54% da amostra geral. Em relação à faixa etária e escolaridade, a predominância foi de respondentes que tinham entre 26 e 30 anos e ensino superior. É uma amostra de jovens profissionais, que tem como características principais, segundo depoimento dos profissionais da área de recursos humanos das respectivas empresas, buscar ascensão profissional em curto e médio prazos. Os respondentes das três organizações ocupavam, em sua maioria, cargos técnicos. Em relação ao tempo de empresa, houve predominância de empregados com pouco tempo de casa: nas empresas Alpha e Gamma, 44,4% e 41,5% dos participantes, respectivamente, tinham de sete meses a dois anos de empresa. Na empresa Beta, houve um percentual ainda mais elevado: 40,8% dos respondentes estavam na organização havia, no máximo, seis meses; outros 36,6% eram de pessoas com sete meses até dois anos.

A concentração de pessoas na amostra com pouco tempo de empresa levou a duas reflexões. A primeira, de ordem operacional para futuras pesquisas, de que é preciso considerar maior número de faixas iniciais de tempo de casa (com menos de seis meses) do que finais, uma vez que a realidade do mercado de trabalho mudou, principalmente quando se trata de organizações de determinados setores da economia como o de tecnologia (TI). A segunda observação diz respeito às consequências disso no presente estudo, na percepção dos valores organizacionais, uma vez que se poderia argumentar que, com menos de três meses, os empregados não teriam permanecido o suficiente no ambiente organizacional a ponto de serem capazes de perceber os valores praticados (OLIVEIRA; TAMAYO, 2004). No entanto, como foi comentado pelo responsável pela área de recursos humanos da empresa Beta, nos dias de hoje, quando o senso de urgência predomina nas organizações, esse tempo de casa representa muito, pois há a expectativa de que o colaborador possa trazer resultados rapidamente, sendo capaz de avaliar os valores que são compartilhados na organização. Assim, decidiu-se por manter na amostra os respondentes com até seis meses de casa.

A partir da amostra final (por empresa e geral), calcularam-se os tipos motivacionais de primeira e segunda ordens para valores pessoais, realização de valores pessoais em ambiente organizacional e valores organizacionais, e realizou-se a validação teórica dos construtos investigados. Prosseguiu-se ao cálculo de correlações e regressões lineares múltiplas, estas últimas empregadas para identificar quais dimensões de VP e RVP seriam preditoras de cada tipo de valor organizacional de segunda ordem. Optou-se por realizar as análises de regressão a partir da amostra geral, composta por 231 respondentes, de forma a aumentar a probabilidade de uma relação significante ser encontrada no caso de existir (HAIR JR. et al., 2009) e permitir o emprego do método stepwise. No entanto, preferiu-se utilizar inicialmente o método padrão combinatório, uma vez que no stepwise pode haver sérios problemas quando existe moderada ou forte associação entre as variáveis (HAIR JR. et al., 2005), o que ocorre tanto entre VP quanto entre RVP. Ao final, porém, observou-se que o melhor modelo obtido pela combinatória coincidiu com aquele calculado pelo método stepwise.

6 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE RESULTADOS

Iniciar-se-á a apresentação de resultados contemplando a validação teórica dos construtos VP, RVP e VO, o que significa que os construtos mensurados seguem a teoria na qual se fundamentam. A seguir, são abordadas as análises descritiva e correlacionais.

6.1 VALIDAÇÃO TEÓRICA DOS CONSTRUTOS

As escalas PVQ-40-importância e RVP foram construídas com base na teoria de valores básicos de Schwartz, que, por sua vez, tomou como referencial para seu desenvolvimento a teoria das facetas. Um dos procedimentos mais utilizados na análise de dados, quando se lança mão desse caminho de construção de teoria, é a análise de escalonamento multidimensional (muldimensional scaling - MDS), mais especificamente a análise de estruturas de similaridade (similarity structure analysis - SSA) ou análise do menor espaço (smallest space analysis - SSA), pois "torna possível a análise confirmatória para comprovar a validade de hipóteses regionais derivadas das facetas e suas relações" (BILSKY, 2003, p. 362). Foi dessa forma que Schwartz verificou sua teoria de valores básicos, ou seja, a quase universalidade das duas dimensões bipolares, formadas pelos polos ou tipos motivacionais de segunda ordem, autotranscendência-autopromoção e abertura à mudança-conservação (SCHWARTZ, 1992, 2005a, 2005b, 2006; SCHWARTZ et al., 2001).

Seguindo tal recomendação, foram obtidas as configurações espaciais para os construtos valores pessoais (VP) e realização de valores pessoais no ambiente organizacional (RVP), confirmando o especificado na teoria de valores básicos, ou seja, as oposições entre os tipos motivacionais de segunda ordem organizados em duas dimensões bipolares, como mostram as figuras 1 e 2: uma dimensão contrasta valores pessoais/realização de valores pessoais de abertura à mudança e conservação, e a outra contrasta os VP e RVP de autopromoção e autotranscendência, com base nos dados da amostra geral.



No caso da realização de valores pessoais no ambiente organizacional, foi necessário efetuar a centralização dos dados em função da média de respostas por respondente, uma vez que se verificou certa dissonância cognitiva no momento da avaliação semântica do instrumento, o que pode ter gerado desejabilidade social.

Quanto ao questionário de valores organizacionais, conforme já apresentado, o IPVO foi validado por Oliveira e Tamayo (2004). A rigor, poder-se-ia pensar em uma análise fatorial (procedimento utilizado por esses autores) de forma a verificar se os fatores identificados por eles à época seriam encontrados também na amostra do presente estudo. Entretanto, não houve número de casos suficiente - mínimo de cinco vezes o número de variáveis do questionário, segundo Hair Jr. et al. (2005). Nesse sentido, optou-se por realizar o MDS (SSA), como também sugerido no artigo de Oliveira e Tamayo (2004) e realizado por Canova e Porto (2010), já que a teoria que serviu de base para esses autores foi a teoria de valores básicos de Schwartz. Entende-se que, se os valores organizacionais de segunda ordem estiverem em oposição, então o IPVO será capaz de mensurar valores organizacionais percebidos pelos empregados como praticados nas organizações, consideradas de acordo com a teoria de valores básicos que tem por raiz. Nota-se, na Figura 3, a oposição dos polos utilizando os dados centrados, como no caso da RVP. É possível que os empregados tenham demonstrado maior desejabilidade social ao responderem sobre o que é valorizado na empresa em que atuam, especificamente.


Voamc = valores organizacionais de abertura à mudança centrados; Voapc: valores organizacionais de autopromoção centrados; Vocc = valores organizacionais de conservação centrados; Voatc = valores organizacionais de autotranscendência centrados.

Fonte: Elaborada pelas autoras.

6.2 IDENTIFICAÇÃO DA HIERARQUIA DE VALORES PESSOAIS E DE REALIZAÇÃO DE VALORES PESSOAIS NO AMBIENTE ORGANIZACIONAL

As hierarquias de valores dos respondentes da amostra geral e das três organizações considerando os tipos motivacionais de segunda ordem são apresentadas nas tabelas 1 e 2, respectivamente.

Os respondentes, de forma geral, privilegiam, à luz da teoria de valores básicos (SCHWARTZ, 1992, 2005a), valores relacionados à autotranscendência, ou seja, bem-estar, compreensão, atenção e apreço tanto pelas pessoas com as quais têm contato pessoal frequente quanto pela sociedade, assim como a preocupação com o meio ambiente. Valorizam menos o status social sobre pessoas e recursos, bem como o sucesso pessoal - valores relacionados à autopromoção. Isso ocorre inclusive na empresa Gamma, que é do setor financeiro, para a qual se poderia pensar que haveria uma predominância de pessoas que buscam autopromoção em detrimento de autotranscendência.

Quando se analisa a realização de valores pessoais para a amostra geral e por empresa (tabelas 3 e 4, respectivamente), nota-se que os valores relacionados ao polo de autotranscendência são as metas que os respondentes mais realizam nas organizações onde atuam, enquanto o polo de autopromoção reúne as metas pessoais que consideram ter mais dificuldade em alcançar nas respectivas organizações.

Portanto, somando estes resultados àqueles contemplados nas tabelas 1 e 2, pode-se dizer que os respondentes da amostra conseguem realizar, no ambiente organizacional, os valores que mais priorizam em suas vidas. Não obstante, verifica-se que as médias de RVP são menores do que as de VP, sinalizando que a realização está ainda aquém da expectativa. Quando se realiza o teste t pareado para verificar se essas diferenças são significativas em um nível de significância de 5% (Tabela 5), nota-se que são, exceto para o tipo motivacional de segunda ordem autopromoção. Nesse caso, não se pode rejeitar a hipótese de que a realização de valores pessoais relacionados a esse polo seja igual à expectativa de realizá-los. Em outras palavras, somente as metas relativas a poder e realização são percebidas como realizadas a contento no ambiente organizacional; para as demais, a expectativa atribuída (VP) é maior do que sua realização (RVP).

6.3 IDENTIFICAÇÃO DA HIERARQUIA DE VALORES ORGANIZACIONAIS

Constata-se, nos resultados da Tabela 6, que o polo autopromoção é destacado como o mais importante, considerando a amostra geral. Já os valores considerados menos importantes encontram-se na dimensão abertura à mudança-conservação.

Já em termos de empresas, conforme mostra a Tabela 7, os valores menos valorizados estão relacionados ao polo de abertura à mudança para Alpha e Gamma (3,80 e 3,76, respectivamente), e, para a empresa Beta, à conservação (3,86). Ou seja, as empresas não parecem buscar manutenção do status quo, mas também não se preocupam tanto com inovação.

Beta e Gamma têm no polo autopromoção as médias mais altas (4,75 e 4,77, respectivamente), enquanto, na Alpha, esse valor de segunda ordem está em segundo lugar (4,48). Por sua vez, o desvio padrão relativo à autopromoção é o menor, confirmando, dessa maneira, que os valores relacionados a ele são mais fortemente compartilhados. Portanto, em princípio, existe uma oposição entre as metas que a organização prioriza, relacionadas à autopromoção (busca de domínio, prestígio e realização), e as que seus membros valorizam, relacionadas à autotranscendência (busca do bem-estar socioambiental).

6.4 IDENTIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES ENTRE VALORES PESSOAIS, REALIZAÇÃO DE VALORES PESSOAIS NO AMBIENTE ORGANIZACIONAL E VALORES ORGANIZACIONAIS

6.4.1 Correlações bivariadas

Com o propósito de explorar quais polos de valores pessoais e de RVP estão associados com significância estatística de 5% e 1% a cada um dos polos de valores organizacionais, foram calculadas as correlações de Pearson (tabelas 8 e 9). Observa-se que os dados utilizados para esse tipo de cálculo são os valores centrados, conforme recomendação de Schwartz (EUROPEAN SOCIAL SURVEY, 2008) para a amostra geral.

Segundo Oliveira e Tamayo (2004), as metas motivacionais do indivíduo e da organização estariam relacionadas. No entanto, para a amostra considerada, encontraram-se apenas duas correlações estatisticamente significativas entre VP e VO. A primeira (-0,192) é da variável VO-abertura à mudança e VP-autotranscendência, enquanto a segunda é da variável VO-autopromoção com VP-conservação (-0,180), conforme Tabela 8.

Já os resultados da análise correlacional entre valores organizacionais e realização de valores pessoais (de segunda ordem) no ambiente organizacional (Tabela 9) mostram um número maior de correlações em relação àquelas entre valores organizacionais e valores pessoais.

Os resultados apresentam três correlações significativas com a variável VO-abertura à mudança: a primeira com RVP-abertura à mudança (0,271), a segunda com a variável RVP-conservação (-0,163) e a última com a variável RVP-autotranscendência (-0,264). Portanto, quanto mais as organizações pesquisadas dão valor a metas relacionadas à abertura à mudança, mais seus funcionários conseguem realizar metas pessoais no ambiente de trabalho relacionadas a esse conteúdo motivacional de criar, explorar, buscar novidade, desafio e prazer, à luz de Oliveira e Tamayo (2004), e menos realizam metas ligadas à obediência a regras, manutenção de tradições, bem como menos conseguem realizar valores relacionados à autotranscendência (bem-estar das pessoas).

O raciocínio no sentido contrário, com base em Schneider (1987) e Schneider, Goldstein e Smith (1995), que consideram as características pessoais fundamentais para a definição das metas organizacionais, aponta que, à medida que os empregados realizam metas pessoais de abertura à mudança e menos de conservação e de autotranscendência, a organização buscará, cada vez mais, metas de abertura à mudança.

Já a variável VO-conservação apresenta correlações significativas com quatro variáveis de realização de valores pessoais de segunda ordem. Duas são negativas, com a variável RVP-abertura à mudança (-0,192) e RVP-autopromoção (-0,168), enquanto duas são positivas, com RVP-conservação (0,192) e RVP-autotranscendência (0,196). Apesar de as correlações apresentarem baixa força de associação, pode-se dizer que quanto mais os empregados realizam, no ambiente organizacional, metas pessoais visando à manutenção do status quo e menos realizam valores de abertura à mudança (em oposição), mais a organização busca metas de conservação, o que é coerente com Schneider (1987) e Schneider, Goldstein e Smith (1995). Por sua vez, mais realizam valores de autotranscendência e, em oposição, menos realizam valores ligados a interesses próprios.

Dois resultados causam, em princípio, estranheza e serão explorados na parte final do artigo. O primeiro deles é a correlação entre as variáveis VO-autopromoção e RVP, que mostra uma única correlação, positiva, com a variável RVP-autotranscendência, de 0,154. Assim, quanto mais a organização dá valor a metas relacionadas à autopromoção, mais seus funcionários conseguem realizar metas pessoais no ambiente de trabalho relacionadas à autotranscendência, corroborando o que havia sido encontrado na comparação das hierarquias de valores. Em outras palavras, quanto mais a organização busca metas relacionadas a uma posição de domínio de mercado, prestígio e reconhecimento por seus produtos e serviços, mais as pessoas realizam metas de compreensão, tolerância e atenção com o bem-estar dos outros. Em princípio, esse resultado é, no mínimo, curioso, uma vez que autopromoção e autotranscendência são polos opostos de uma mesma dimensão bipolar (SCHWARTZ, 1992).

O segundo resultado a ser comentado é o que aponta para a ausência de associações entre o valor organizacional de segunda ordem autotranscendência e RVP. Ou seja, as metas da organização relacionadas à preocupação com a coletividade, seja esta representada pelos empregados ou por outros públicos de interesse, na amostra pesquisada, não dependeriam quer dos valores pessoais, quer da realização destes?

6.4.2 Regressão linear múltipla

Quanto às regressões múltiplas, os cálculos foram feitos considerando, a cada vez, um valor organizacional de segunda ordem, já que esse tipo de análise multivariada, conforme Hair Jr. et al. (2005), considera uma única variável dependente e um conjunto de variáveis independentes (valores pessoais ou realização de valores pessoais no ambiente organizacional).

Obtiveram-se três modelos finais com significância estatística (Tabela 10), tanto em relação ao modelo em si quanto aos coeficientes de regressão, além de estarem de acordo com as premissas exigidas (HAIR JR. et al., 2009) para o emprego da técnica estatística (linearidade do fenômeno medido, normalidade da distribuição dos termos de erro ou resíduos, homoscedasticidade ou variância constante dos termos de erro).

Os dois modelos com maiores coeficientes de determinação (A e B) têm somente variáveis de RVP como preditoras de VO. Com base nisso, pode-se dizer que as variáveis de realização de valores pessoais no âmbito organizacional têm mais influência nas metas organizacionais do que os valores pessoais de seus membros para a amostra considerada.

Em relação ao modelo A, detalhado na Figura 4, aproximadamente 8,3% da variância de VO-abertura à mudança pode ser explicada pela combinação das variáveis de realização de valores pessoais de abertura à mudança e de autotranscendência.


É um modelo estatisticamente significante a um nível baixo. Os coeficientes de regressão padronizados (beta), nesse caso, são muito próximos (0,178 e -0,162, respectivamente), indicando contribuições semelhantes para a predição da variável dependente. Os sentidos, no entanto, são contrários: quanto mais o valor pessoal de segunda ordem abertura à mudança for realizado e quanto menos as metas pessoais relacionadas à autotranscendência forem percebidas por eles como realizadas em seus respectivos ambientes organizacionais, mais as metas organizacionais relacionadas à criatividade, à realização no trabalho e ao aperfeiçoamento contínuo serão perseguidas.

O modelo B (Figura 5), cuja variável dependente é o valor organizacional de segunda ordem "conservação", incluiu, em uma associação positiva, duas variáveis de RVP, relativas à realização dos valores pessoais de segunda ordem abertura à mudança e autotranscendência, com uma explicação conjunta na variação da variável dependente de 5,3%, em um nível de significância de quase zero (0,001).


A influência dos dois preditores é muito próxima, tendo em vista os coeficientes de regressão de 0,155 e 0,160, respectivamente. Portanto, a realização de valores pessoais relacionados à conservação e autotranscendência influi para que a organização persiga metas que visem à manutenção do status quo.

Quando a variável dependente foi o valor organizacional de segunda ordem autopromoção, o modelo de regressão com maior coeficiente de determinação apresentou como variável independente o valor pessoal de segunda ordem conservação (Figura 6), explicando a variação do VO-autopromoção em 2,8%. Constata-se ainda um coeficiente de regressão de -0,180, o que indica associação oposta. Quanto menos as pessoas realizam valores pessoais relacionados à manutenção do status quo no ambiente de trabalho, mais as metas organizacionais são voltadas à busca de liderança de mercado, à valorização da competência dos empregados e ao prestígio e à influência na sociedade.


Como, no cálculo de correlações, houve uma associação entre VO-autopromoção e RVP-autotranscendência, é fundamental comentar o segundo modelo com significância estatística encontrado para esse tipo de valor organizacional, apesar de ter menor R2 ajustado (Figura 7).


Nesse modelo, constatou-se que a realização do valor pessoal de segunda ordem de autotranscendência explica 1,9% da variância do valor organizacional de segunda ordem autopromoção. Com um coeficiente de regressão de 0,154, o mais interessante é confirmar a direção positiva da associação: ainda que bem levemente, a realização de valores de autotranscendência pelos empregados na empresa influi para que a organização persiga metas relacionadas à busca de liderança de mercado e prestígio, confirmando o que havia sido obtido nos cálculos anteriores desta pesquisa.

Finalmente, para o valor organizacional de segunda ordem autotranscendência, não resultaram significativos os modelos de regressão calculados, considerando o conjunto de valores pessoais de segunda ordem ou o conjunto de realização de valores pessoais de segunda ordem como variáveis independentes. Quando se utilizou a combinatória, notou-se que a significância não foi comprovada ora para o modelo em si, ora para os coeficientes de regressão que não se apresentaram significativos, como já era esperado, em função de não ter havido nenhuma correlação estatisticamente significativa entre VO, VP e RVP.

Com esse resultado, entende-se, em princípio, que a variância do tipo motivacional autotranscendência, na amostra pesquisada, deve ser explicada por outras variáveis que não valores pessoais, nem realização de valores pessoais no ambiente organizacional. É interessante notar que o polo oposto, o valor organizacional de segunda ordem autopromoção, apresentou apenas um modelo de regressão significativo, com poder explicativo mais baixo de todos.

7 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

O objetivo geral desta pesquisa - investigar relações entre valores pessoais, realização de valores pessoais no ambiente organizacional e valores organizacionais - foi alcançado.

Os resultados mostraram um número maior de correlações estatisticamente significativas entre valores organizacionais e realização de valores pessoais no ambiente organizacional, comparativamente às correlações entre os primeiros e valores pessoais. Esse achado chama a atenção, uma vez que, segundo Oliveira e Tamayo (2004), existem relações de similaridade motivacional entre valores organizacionais e valores pessoais. Pode-se também dizer que RVP revela-se como uma variável de maior influência nos valores organizacionais do que os próprios valores pessoais, em função do maior número de correlações encontrado e sua participação isolada na predição de dois valores organizacionais de segunda ordem, enquanto apenas um modelo foi predito fracamente por um valor pessoal. Por sua vez, as correlações resultantes entre valores organizacionais e pessoais não mostraram associação estatisticamente significativa entre polos opostos, somente entre polos adjacentes, segundo as teorias de Schwartz (1992) e de Oliveira e Tamayo (2004), uma vez que VO-abertura à mudança associou-se com VP-autotranscendência, e VO-autopromoção com VP-conservação. Os coeficientes de correlação, no entanto, são negativos. Nota-se ainda, em função dos resultados entre VO e VP, que os dois valores organizacionais de segunda ordem mais valorizados pelas empresas (autopromoção e autotranscendência) não apresentaram correlações com os valores pessoais, apesar de os valores de autotranscendência serem os primeiros na hierarquia dos respondentes. No entanto, se domínio foi o tipo motivacional relacionado ao polo autopromoção que se apresentou em primeiro lugar na hierarquia de VO para a amostra geral, pode-se pensar que os valores organizacionais não refletem as expectativas dos empregados, em termos de suas metas de vida.

Se existem resultados estranhos nas relações de VO e VP, isso não ocorre entre VO e RVP. As correlações entre valores organizacionais (VO) e realização de valores pessoais no ambiente organizacional (RVP) mostraram que quanto mais os funcionários conseguem realizar metas pessoais no ambiente de trabalho (RVP) relacionadas à abertura à mudança e menos conseguem realizar valores relacionados à conservação e autotranscendência, mais a organização dá valor a metas relacionadas a VO-abertura à mudança. E quanto mais seus empregados realizam no ambiente organizacional metas pessoais visando à manutenção do status quo (RVP-conservação) e menos realizam valores de abertura à mudança (em oposição), mais a organização busca metas de VO-conservação. Os resultados obtidos para VO-conservação são praticamente opostos, como era de se esperar, aos anteriores, já que abertura à mudança e conservação estão em oposição, segundo a teoria de valores básicos de Schwartz (1992). Portanto, as metas de abertura à mudança e conservação da organização parecem ser perseguidas à medida que os indivíduos que nelas estão conseguem realizar as metas pessoais relacionadas ao mesmo conteúdo motivacional (apesar de em menor intensidade, como foi verificado pelo teste t), como propõem Schneider, Goldstein e Smith (1995).

Isso não é o que ocorre quando se trata de valores organizacionais prioritários para a amostra geral, já que se encontrou relação positiva entre VO-autopromoção e RVP-autotranscendência, de conteúdos motivacionais opostos. Assim, considerando a amostra utilizada neste estudo, parece ser provável que os valores organizacionais relacionados à autotranscendência sejam preditos a partir da realização de metas pessoais de autopromoção.

Segundo Schneider, Goldstein e Smith (1995), as metas da organização, juntamente com a estrutura, os processos e a cultura organizacional, são resultantes dos comportamentos das pessoas e não causas destes. As pessoas, por sua vez, só permanecerão nas empresas se realizarem, por meio da busca das metas organizacionais, as suas próprias metas pessoais. Ou seja, os empregados, para não terem atrito com a empresa, precisam realizar suas metas pessoais enquanto fazem a empresa buscar as dela.

Transpondo para os resultados da pesquisa, ao trabalharem para que as empresas alcancem liderança de mercado, obtenham reconhecimento da sociedade em função da qualidade de seus produtos e serviços e influenciem outras organizações (valores organizacionais relacionados ao polo de autopromoção, que aparece em primeiro lugar para a amostra geral), as pessoas estão realizando as metas pessoais que mais priorizam, ou seja, as de autotranscendência.

Como isso poderia ser explicado?

De acordo com Tamayo (2005), para que as metas coletivas sejam atingidas, as pessoas devem abrir mão de valores de autopromoção, ou seja, devem buscar o que é bom para os outros, para a coletividade. Faz sentido, então, encontrar pessoas não só com expectativas de realizar metas de autotranscendência, mas realizando, de fato, tais metas, já que é preciso abrir mão dos próprios interesses em função do interesse maior da coletividade, representada pela organização. Se as empresas que querem ser líderes em seus segmentos contratassem empregados predominantemente preocupados em perseguir e realizar os próprios objetivos pessoais, passando, se preciso fosse, por cima de outras pessoas, inclusive colegas de trabalho (ou seja, com valores prioritários de conteúdo motivacional congruente com os da empresa, de autopromoção), muito provavelmente os objetivos organizacionais não seriam atingidos. Em outras palavras, os empregados estão nas empresas pesquisadas porque conseguem realizar as metas de autotranscendência - as mais priorizadas por eles -, estabelecendo como metas para a empresa a busca de domínio de mercado, relacionada à autopromoção. Portanto, dizer que indivíduos e organizações possuem metas similares em termos de conteúdos motivacionais (OLIVEIRA; TAMAYO, 2004) não quer dizer que essas metas estejam hierarquizadas da mesma forma. Segundo Oliveira e Tamayo (2004, p. 130), "frequentemente existe incongruência entre os valores pessoais dos empregados e os valores organizacionais", o que poderá também valer para a realização dos valores pessoais (RVP), se essa congruência significar similaridade de hierarquia. As características pessoais, como RVP, podem provavelmente influenciar as características organizacionais, mas isso não quer dizer que organizações tenham de perseguir, com a mesma prioridade, metas com o mesmo conteúdo motivacional daquelas que seus empregados realizam.

Um resultado que também merece ser lembrado refere-se ao fato de o valor de segunda ordem autotranscendência ocupar o segundo lugar da hierarquia de valores organizacionais das empresas pesquisadas e ser o polo oposto àquele que lidera o ranking (autopromoção). Ou seja, é possível buscar domínio e prestígio e demonstrar competência para o mercado sem perder de vista a valorização das relações com a comunidade e com o ambiente de trabalho interno. Isso parece confirmar a preocupação atual de perceber as necessidades e expectativas de stakeholders e refletir sobre elas. Ou seja, para a empresa obter uma significativa participação, ter prestígio e ser referência para o setor em que atua, não basta oferecer os melhores produtos e serviços, mas também é preciso levar em consideração interesses de outros públicos que poderão influenciar no alcance de suas metas.

Finalmente, a não correlação entre o valor organizacional de segunda ordem autotranscendência e quaisquer valores pessoais ou realização desses no ambiente das empresas pode apontar não necessariamente para uma falta de associação. Na amostra considerada, nas três empresas os empregados pontuaram fortemente os valores relacionados a esse polo (foram os mais importantes para todos), o que pode ter levado à ausência de covariância e de correlações significativas. Nesse caso, são necessárias novas amostras e/ou melhorias na escala de RVP, que apenas começou a ser desenvolvida. Em razão disso, sugerem-se pesquisas em empresas de segmentos variados, que possam trazer tanto uma variedade de características pessoais quanto de metas organizacionais.

O estudo proporcionou resultados instigadores, todavia precisam ser contrapostos a outros, tendo em vista as limitações nele presentes. Devido à amostra utilizada ser não probabilística, os achados limitam-se apenas às organizações pesquisadas. Pelo fato de ser composta por significativa parcela de empregados com pouco tempo de empresa, pode ter levado a distorções em relação à mensuração de valores organizacionais. Novas formas para aplicação da escala de RVP devem ser propostas, como não conjugada ao inventário de valores pessoais, na tentativa de reduzir eventuais efeitos provenientes de dissonâncias cognitivas e desejabilidade social. Nesse último caso, pode-se pensar, dependendo do número de assertivas envolvidas no instrumento final em futuras investigações, em acoplar uma escala para mensuração da desejabilidade, que poderá ser também analisada como variável de controle em eventuais cálculos estatísticos. Pesquisas que considerem diferenças na realização de valores pessoais em função de grupos sociodemográficos também são merecedoras de atenção.

Não obstante as limitações aqui relacionadas, procurou-se contribuir com este artigo para a discussão teórica do construto valores organizacionais e, principalmente, para a introdução de uma nova forma de refletir sobre as relações entre empregado e organização, mediante a realização de valores pessoais no ambiente em que esse indivíduo atua cotidianamente.

Este artigo pode ser copiado, distribuído, exibido, transmitido ou adaptado desde que citados, de forma clara e explícita, o nome da revista, a edição, o ano e as páginas nas quais o artigo foi publicado originalmente, mas sem sugerir que a RAM endosse a reutilização do artigo. Esse termo de licenciamento deve ser explicitado para os casos de reutilização ou distribuição para terceiros. Não é permitido o uso para fins comerciais.

  • ALMEIDA, F. J. R. Responsabilidade social das empresas e valores humanos: um estudo sobre atitude dos gestores brasileiros. 2007. Tese (Doutorado em Administração de Empresas)-Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2007.
  • BILSKY, W. A teoria das facetas: noções básicas. Estudos de Psicologia, v. 3, p. 357-365, 2003.
  • CANOVA, K. R.; PORTO, J. B. O impacto dos valores organizacionais no estresse ocupacional: um estudo com professores de ensino médio. Revista de Administração Mackenzie, São Paulo, v. 11, n. 5, p. 4-31, set./out. 2010.
  • EUROPEAN SOCIAL SURVEY. Disponível em: <http://essedunet.nsd.uib.no/opencms.war/opencms/ess/en/topics/1/>. Acesso em: 13 jul. 2008.
    » link
  • HAIR JR., J. F. et al. Fundamentos de métodos de pesquisa em administração São Paulo: Bookman, 2005.
  • ______. Análise multivariada de dados 6. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009.
  • LINDEMAN, M.; VERKASALO, M. Measuring values with the short Schwart´s value survey. Journal of Personality Assessment, v. 85, p. 170-178, 2005.
  • LOMBARDI, M. F. S. et al. Confrontando estruturas de valores: um estudo comparativo entre PVQ-40 e PVQ-21. In: ENCONTRO DE ESTUDOS ORGANIZACIONAIS, 4., 2010, Florianópolis. Anais.. Florianópolis: Anpad, 2010.
  • OLIVEIRA, A. F.; TAMAYO, A. Inventário de perfis de valores organizacionais. Rausp - Revista de Administração, v. 39, p. 129-240, 2004.
  • PORTO, J. B. Mensuração de valores no Brasil. In: TAMAYO, A.; PORTO, J. B. (Ed.). Valores e comportamento nas organizações Petrópolis: Vozes, 2005. p. 96-144.
  • ROKEACH, M. The nature of human values New York: Free Press, 1973.
  • SALIKHOVA, N. R. The realizability of personal values as a dynamic feature of the value-sense sphere of personality. Journal of Russian and East European Psychology, v. 48, p. 79-94, 2010.
  • SCHNEIDER, B. The people make the place. Personnel Psychology, v. 40, p. 437-453, 1987.
  • SCHNEIDER, B.; GOLDSTEIN, H. W.; SMITH, D. B. The ASA framework: an update. Personnel Psychology, v. 48, p. 747-773, 1995.
  • SCHWARTZ, S. H. Universals in the content and structure of values: theoretical advances and empirical tests in 20 countries. Advances in Experimental Social Psychology, v. 25, p. 1-65, 1992.
  • ______. Valores humanos básicos: seu contexto e estrutura intercultural. In: TAMAYO, A.; PORTO, J. B. (Ed.). Valores e comportamento nas organizações. Petrópolis: Vozes, 2005a. p. 21-55.
  • ______. Validade e aplicabilidade da teoria de valores. In: TAMAYO, A.; PORTO, J. B. (Ed.). Valores e comportamento nas organizações Petrópolis: Vozes, 2005b. p. 56-95.
  • ______. Les valeurs de base de la personne: théorie, mesures et applicattions. Revue Française de Sociologie, v. 42, p. 249-28, 2006.
  • SCHWARTZ, S. H.; BILSKY, W. Toward a psycological structure of human values. Journal of Personality and Social Psychology, v. 53, p. 550-562, 1987.
  • SCHWARTZ, S. H. et al. Extending the cross-cultural validity of the theory of basic human values with a different method of measurement. Journal of Cross Cultural Psychology, v. 32, p. 519-542, 2001.
  • TAMAYO, A. Impacto dos valores pessoais e organizacionais sobre o comprometimento organizacional. In: TAMAYO, A.; PORTO, J. B. (Ed.). Valores e comportamento nas organizações Rio de Janeiro: Vozes, 2005. p. 160-186.
  • ______. Contribuições ao estudo dos valores pessoais, laborais e organizacionais. Psicologia: teoria e pesquisa, v. 23, p. 17-24, 2007.
  • TAMAYO, A.; GONDIM, M. G. C. Escala de valores organizacionais. Rausp - Revista de Administração, v. 31, p. 62-72, 1996.
  • TAMAYO, A.; PORTO, J. B. Validação do questionário de perfis de valores (QPV). Psicologia: teoria e pesquisa, v. 25, p. 369-376, 2009.
  • VROOM, V. H. Organizational choice: a study of pré- and postdecision processes. Organizational Behaviour and Human Performance, v. 1, p. 212-225, 1996.
  • Realização de valores pessoais no ambiente organizacional (RVP): olhando as relações entre indivíduos e organização para além dos valores pessoais

    Realization of personal values in the organizational environment (RVP): looking at the relationships between individuals and organization beyond the personal values
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012
    Editora Mackenzie; Universidade Presbiteriana Mackenzie Rua da Consolação, 896, Edifício Rev. Modesto Carvalhosa, Térreo - Coordenação da RAM, Consolação - São Paulo - SP - Brasil - cep 01302-907 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista.adm@mackenzie.br