Acessibilidade / Reportar erro

Efeito da troca da firma de auditoria no gerenciamento de resultados das companhias abertas brasileiras

The effect of changing the auditing firm on earnings management of listed Brazilian companies

Efecto del cambio de la firma de auditoría en la gestión de resultados de las sociedades públicas brasileñas

Resumos

O Brasil é uma das poucas nações em que o rodízio de auditores é obrigatório para companhias abertas. Assim, o país é um cenário ideal para avaliar se a qualidade das informações contábeis é impactada pela mudança - obrigatória ou voluntária - da firma de auditoria. Nesse sentido, o objetivo geral deste estudo foi verificar os efeitos da mudança da firma de auditoria no gerenciamento de resultados das companhias abertas brasileiras. A qualidade da auditoria está relacionada com o conhecimento sobre as transações realizadas pelo cliente e com a independência na execução de testes realizados. Acredita-se que longos períodos de relacionamento entre auditor e clientes colaborem para a redução da independência. Assim, espera-se que a troca da firma de auditoria contribua para o aumento da independência e que o aumento da independência tenha como consequência um menor nível de gerenciamento de resultados. A qualidade da auditoria, porém, pode ser impactada negativamente pela falta de conhecimentos aprofundados sobre as atividades dos novos clientes. A troca de auditor poderia, então, contribuir para a redução da qualidade das demonstrações contábeis pelo tempo de aprendizado necessário para a adequada compreensão das transações ocorridas durante o período. As comparações foram realizadas por meio de testes de diferença de médias e também com uso de regressão. Por meio de cinco métricas diferenciadas e dois modelos de gerenciamento de resultados, as evidências encontradas são preliminares e não permitem afirmar que sempre que existe troca da firma de auditoria há, necessariamente, redução no nível de gerenciamento de resultados nas empresas brasileiras. Portanto, não é possível afirmar que o rodízio resulte em aumento da qualidade das demonstrações contábeis. Espera-se que tal resultado contribua para o atual debate sobre a permanência da troca obrigatória de auditores.

Auditoria; Rodízio obrigatório de auditoria; Gerenciamento de resultados; Qualidade de lucro; Relação cliente-auditor


Brazil is one of the few countries that have mandatory audit firm rotation for public companies. Thus, the country provides an ideal setting to evaluate if the quality of accounting information is affected by the change of the audit firm, whether mandatory or voluntary. In this line, the objective of this study was to verify the effects of changing the external auditors on earnings management levels of Brazilian listed companies. Audit quality is related to the knowledge of a client's transactions and also with auditor independence. There is a belief that a long term relationship between auditors and clients could impair independence. It is expected that greater independence should contribute to the reduction of earnings management practices. On the other hand, audit quality may be impaired by the lack of specific knowledge about the new client's activities. Auditor rotation could then contribute to the reduction of the quality of financial statements due to the period necessary of adequately understand all the transactions occurred during the fiscal year. We performed tests for difference of means and also regression analysis. Five different metrics and two earnings management models were applied and the preliminary evidence indicate that is not possible to infer that auditor rotation is necessarily related to a reduction on earnings management levels for Brazilian companies. Therefore, is not possible to conclude that auditor rotation increases earnings quality. We expect that this result may contribute to the actual debate about the maintenance of mandatory auditor rotation in some jurisdictions.

Auditing; Mandatory auditor rotation; Earnings management; Earnings quality; Auditor-client relation


Brasil es uno de los pocos países en el que la rotación de los auditores es obligatoria para las empresas públicas. Así, el país es un lugar ideal para evaluar si la calidad de la información contable se ve afectada por el cambio en la empresa, se de carácter obligatorio o voluntario. En este sentido, el objetivo del presente estudio fue investigar los efectos del cambio en la empresa de auditoria en la gestión de los resultados de las empresas brasileñas. La calidad de la auditoría se relaciona con el conocimiento de las transacciones del cliente y con la independencia en la ejecución de los testes realizados. Se cree que largos períodos de relacionamiento entre auditor y clientes contribuya a una reducción de la independencia. Por lo tanto, se espera que el cambio en la empresa contribuya a aumentar la independencia. Se cree que una mayor independencia se traducirá en un menor nivel de gestión de los resultados. Por otra parte, la calidad de la auditoría puede verse afectada negativamente por la falta de conocimiento detallado sobre las actividades de los nuevos clientes. El cambio de auditor podría contribuir a reducir la calidad de las demonstraciones contables por el tiempo de aprendizaje necesario para la correcta comprensión de las transacciones realizadas durante el período. Las comparaciones de realizaron mediante pruebas de las diferencias de medias y también mediante regresión. Usando cinco diferentes medidas y dos modelos de gestión de los resultados, las evidencias encontradas son preliminares y no nos permiten decir que cada vez que hay cambio de la firma se reduce necesariamente el nivel de la gestión de los resultados en las empresas brasileñas. Por lo tanto, no es posible afirmar que la rotación resulte en una mayor calidad de las demonstraciones contables. Se espera que este resultado contribuya al debate actual sobre la permanencia del intercambio obligatorio de los auditores.

Auditoría; Rotación obligatoria de auditores; Gestión de resultados; Calidad de resultados; Relación cliente-auditoria


FINANÇAS ESTRATÉGICAS

Efeito da troca da firma de auditoria no gerenciamento de resultados das companhias abertas brasileiras

The effect of changing the auditing firm on earnings management of listed Brazilian companies

Efecto del cambio de la firma de auditoría en la gestión de resultados de las sociedades públicas brasileñas

Filipe Bressanelli AzevedoI; Fábio Moraes da CostaII

IMestre em Ciências Contábeis pelo Departamento de Contabilidade e Finanças da Fucape Business School. Consultor autônomo. SQSW, 301, bloco J, apto. 503, Sudoeste, Brasília - DF - Brasil - CEP 70673-110 E-mail: fibreaz@gmail.com

IIDoutor em Ciências Contábeis pelo Departamento de Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (USP). Professor do Departamento de Contabilidade e Finanças da Fucape Business School. Avenida Fernando Ferrari, 1.358, Boa Vista, Vitória - ES - Brasil - CEP 29075-505 E-mail: fabio@fucape.br

RESUMO

O Brasil é uma das poucas nações em que o rodízio de auditores é obrigatório para companhias abertas. Assim, o país é um cenário ideal para avaliar se a qualidade das informações contábeis é impactada pela mudança - obrigatória ou voluntária - da firma de auditoria. Nesse sentido, o objetivo geral deste estudo foi verificar os efeitos da mudança da firma de auditoria no gerenciamento de resultados das companhias abertas brasileiras. A qualidade da auditoria está relacionada com o conhecimento sobre as transações realizadas pelo cliente e com a independência na execução de testes realizados. Acredita-se que longos períodos de relacionamento entre auditor e clientes colaborem para a redução da independência. Assim, espera-se que a troca da firma de auditoria contribua para o aumento da independência e que o aumento da independência tenha como consequência um menor nível de gerenciamento de resultados. A qualidade da auditoria, porém, pode ser impactada negativamente pela falta de conhecimentos aprofundados sobre as atividades dos novos clientes. A troca de auditor poderia, então, contribuir para a redução da qualidade das demonstrações contábeis pelo tempo de aprendizado necessário para a adequada compreensão das transações ocorridas durante o período. As comparações foram realizadas por meio de testes de diferença de médias e também com uso de regressão. Por meio de cinco métricas diferenciadas e dois modelos de gerenciamento de resultados, as evidências encontradas são preliminares e não permitem afirmar que sempre que existe troca da firma de auditoria há, necessariamente, redução no nível de gerenciamento de resultados nas empresas brasileiras. Portanto, não é possível afirmar que o rodízio resulte em aumento da qualidade das demonstrações contábeis. Espera-se que tal resultado contribua para o atual debate sobre a permanência da troca obrigatória de auditores.

Palavras-chave: Auditoria; Rodízio obrigatório de auditoria; Gerenciamento de resultados; Qualidade de lucro; Relação cliente-auditor.

ABSTRACT

Brazil is one of the few countries that have mandatory audit firm rotation for public companies. Thus, the country provides an ideal setting to evaluate if the quality of accounting information is affected by the change of the audit firm, whether mandatory or voluntary. In this line, the objective of this study was to verify the effects of changing the external auditors on earnings management levels of Brazilian listed companies. Audit quality is related to the knowledge of a client's transactions and also with auditor independence. There is a belief that a long term relationship between auditors and clients could impair independence. It is expected that greater independence should contribute to the reduction of earnings management practices. On the other hand, audit quality may be impaired by the lack of specific knowledge about the new client's activities. Auditor rotation could then contribute to the reduction of the quality of financial statements due to the period necessary of adequately understand all the transactions occurred during the fiscal year. We performed tests for difference of means and also regression analysis. Five different metrics and two earnings management models were applied and the preliminary evidence indicate that is not possible to infer that auditor rotation is necessarily related to a reduction on earnings management levels for Brazilian companies. Therefore, is not possible to conclude that auditor rotation increases earnings quality. We expect that this result may contribute to the actual debate about the maintenance of mandatory auditor rotation in some jurisdictions.

Keywords: Auditing; Mandatory auditor rotation; Earnings management; Earnings quality; Auditor-client relation.

RESUMEN

Brasil es uno de los pocos países en el que la rotación de los auditores es obligatoria para las empresas públicas. Así, el país es un lugar ideal para evaluar si la calidad de la información contable se ve afectada por el cambio en la empresa, se de carácter obligatorio o voluntario. En este sentido, el objetivo del presente estudio fue investigar los efectos del cambio en la empresa de auditoria en la gestión de los resultados de las empresas brasileñas. La calidad de la auditoría se relaciona con el conocimiento de las transacciones del cliente y con la independencia en la ejecución de los testes realizados. Se cree que largos períodos de relacionamiento entre auditor y clientes contribuya a una reducción de la independencia. Por lo tanto, se espera que el cambio en la empresa contribuya a aumentar la independencia. Se cree que una mayor independencia se traducirá en un menor nivel de gestión de los resultados. Por otra parte, la calidad de la auditoría puede verse afectada negativamente por la falta de conocimiento detallado sobre las actividades de los nuevos clientes. El cambio de auditor podría contribuir a reducir la calidad de las demonstraciones contables por el tiempo de aprendizaje necesario para la correcta comprensión de las transacciones realizadas durante el período. Las comparaciones de realizaron mediante pruebas de las diferencias de medias y también mediante regresión. Usando cinco diferentes medidas y dos modelos de gestión de los resultados, las evidencias encontradas son preliminares y no nos permiten decir que cada vez que hay cambio de la firma se reduce necesariamente el nivel de la gestión de los resultados en las empresas brasileñas. Por lo tanto, no es posible afirmar que la rotación resulte en una mayor calidad de las demonstraciones contables. Se espera que este resultado contribuya al debate actual sobre la permanencia del intercambio obligatorio de los auditores.

Palabras clave: Auditoría; Rotación obligatoria de auditores; Gestión de resultados; Calidad de resultados; Relación cliente-auditoria.

1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é investigar se existe impacto no nível de gerenciamento de resultados após a troca da firma de auditoria. Além disso, como o Brasil é um dos poucos países a ter rodízio obrigatório de auditor, a aplicação do estudo permite comparar os efeitos com as trocas voluntárias, contribuindo para a literatura sobre o tema.

O escândalo corporativo envolvendo a Enron e sua firma de auditoria, a Arthur Andersen, trouxe à tona a discussão sobre a independência no processo de auditoria, já que o relacionamento entre as empresas era de quase dez anos. Quando a Sarbanes-Oxley estava sendo discutida e implementada, houve a sugestão de implementação do rodízio obrigatório nos Estados Unidos, fato que nunca aconteceu (DEFOND; FRANCIS, 2005). Ao contrário dos norte-americanos, o rodízio obrigatório foi implementado na Austrália, em Hong Kong, na Índia, em Cingapura e na Coreia do Sul. Em 1999, a Comissão de Valores Mobiliários também instituiu a troca da firma de auditoria para as companhias abertas brasileiras.

Como a contratação e a respectiva remuneração da firma de auditoria são realizadas pela empresa que terá suas demonstrações financeiras auditadas, conflitos de interesses surgem e podem afetar a qualidade e a opinião do auditor (DYE, 1993). De um lado, os auditores podem ser pressionados a emitir um parecer cuja opinião seja a desejada pelo cliente deles, mesmo que as evidências indiquem o contrário. A pressão seria exercida pela ameaça da perda de novos serviços (LU; SAPRA, 2009). De outro lado, caso posteriormente fique evidente que a opinião dos auditores estava equivocada, eles podem ser processados, além do custo da própria reputação (SCHWARTZ, 1997).

Defensores do rodízio obrigatório de firmas de auditoria argumentam que longos mandatos levam a uma maior intimidade com o cliente, reduzindo a independência (DEFOND; FRANCIS, 2005; GEIRGER; RAGHUNANDAN, 2002; NAGY, 2005). Já os opositores defendem que a qualidade da auditoria não é apenas decorrente da independência, mas também envolve fatores como o conhecimento específico sobre o cliente (DEANGELO, 1981; JOHNSON; KHURANA; REYNOLDS, 2002; MYERS; MYERS; OMER, 2003).

Cameran, Di Vincenzo e Merlotti (2005) realizaram uma revisão de literatura sobre o rodízio obrigatório, na qual consideraram os resultados empíricos de estudos acadêmicos, e concluíram que a maior parte dos trabalhos sugere que a implementação do rodízio obrigatório não seria adequada. Uma das métricas usualmente empregadas para avaliar a qualidade da auditoria consiste na estimação do nível de gerenciamento de resultados. Espera-se que a qualidade do processo de auditoria esteja diretamente ligada à qualidade da informação contábil (MYERS; MYERS; OMER, 2003).

Como os gestores possuem incentivos para manipular os resultados contábeis, com o objetivo de melhorar o valor da empresa e/ou o seu próprio bemestar (BECKER et al., 1998), entende-se ser função da auditoria independente coibir ou minimizar a prática de gerenciamento de resultados. Diante disso, este estudo se propõe a investigar empiricamente se a mudança da firma de auditoria impacta o nível de gerenciamento de resultados das companhias listadas na Bovespa. Especificamente, são comparados os resultados de trocas voluntárias e obrigatórias, com base no tamanho da firma de auditoria ("Big-Four" versus "Não Big-Four").

As evidências encontradas não permitem afirmar que há impacto na qualidade da informação contábil após a troca da firma de auditoria, seja essa voluntária, seja obrigatória. Assim, os resultados levantam um questionamento sobre a instituição do rodízio obrigatório, propiciando futuras oportunidades de pesquisa nesse tema no Brasil.

2 REVISÃO DA LITERATURA E MOTIVAÇÃO

Com o aparecimento das modernas corporações, das quais a separação entre a propriedade e o controle é a principal característica, surgiram também os chamados conflitos de agência, geralmente decorrentes do desalinhamento entre os interesses pessoais dos proprietários do capital e os dos agentes contratados para administrá-lo (FAMA; JENSEN, 1983; JENSEN; MACKLING, 1976). Em função desses conflitos de interesses, as organizações incorrem nos chamados custos de agência (JENSEN; MACKLING, 1976; WATTS; ZIMMERMAN, 1983; FRANCIS; WILSON, 1988).

Sabendo que os relatórios financeiros são os principais meios de comunicação com os stakeholders externos à firma (JOHNSON; KHURANA; REYNOLDS, 2002), a opinião dos auditores é usualmente tratada como uma fonte para avaliar se as informações representam a realidade econômica da firma, em todos os seus aspectos relevantes. Segundo Becker et al. (1998), a auditoria reduz as assimetrias de informação existentes entre os gestores e os demais interessados na empresa, possibilitando que os externos aos limites da firma acreditem nas demonstrações financeiras.

Apesar de a função do auditor independente ser de interesse público, ou seja, comum a todos os stakeholders da firma, a sua contratação é geralmente realizada pelos gestores da empresa, que nem sempre têm os mesmos interesses dos demais participantes dessa relação. A atuação do auditor no interesse de todos pode comprometer a renovação de um contrato, com a consequente perda de receita. A tolerância com escolhas contábeis de gestores pode garantir, além da manutenção do cliente por vários exercícios, aumentos substanciais nos honorários nas renovações contratuais (SCHWARTZ, 1997).

Existem evidências de que, por causa do risco de problemas judiciais inerente à profissão (litigation risk), os auditores preferem escolhas contábeis mais conservadoras (DEFOND; SUBRAMANYAM, 1998; LU; SAPRA, 2009), e isso faz com que alguns gestores mudem de firma de auditoria, buscando auditores menos exigentes. A empresa de auditoria também pode recusar-se a prestar serviços a determinados clientes. Isso ocorre geralmente quando o cliente passa por graves problemas financeiros (TURNER; WILLIAMS; WEIRICH, 2005).

Existe, ainda, a rotatividade periódica do auditor imposta pelo regulador, que tem o propósito de melhorar a qualidade dos serviços prestados pelas empresas de auditoria por meio do teórico aumento da independência. Defensores do rodízio argumentam que, além do ganho de independência, os auditores tendem a ser mais displicentes quando auditam a mesma empresa durante vários anos, aumentando o risco de falha e, consequentemente, reduzindo a qualidade da auditoria. Isso ocorre em função do conhecimento que os auditores acreditam ter da empresa (lower skepticism), levando-os, por exemplo, a reutilizar papéis de trabalho antigos e a não refazer testes sobre o exercício atualmente auditado.

Segundo Myers, Myers e Omer (2003), a proposta de limitar o mandato do auditor é baseada na noção de que longos períodos resultam em uma maior complacência e na possibilidade de cumplicidade nas decisões relativas à apresentação dos relatórios financeiros. Nagy (2005) afirma que os defensores do rodízio compulsório de firmas de auditoria argumentam que o novo auditor é mais desconfiado e realiza seu trabalho com nova perspectiva, o que talvez possa estar faltando aos profissionais com longos anos de relação.

Os opositores do rodízio periódico alegam que os conhecimentos específicos sobre o cliente, como as operações, os sistemas contábeis e a estrutura de controle interno, são fundamentais para o desenvolvimento satisfatório dos trabalhos, constituindo-se, no início do relacionamento, em um custo para a empresa de auditoria (GHOSH; MOON, 2005). Caso a recém-contratada não tenha experiência no setor econômico do novo cliente, o que geralmente ocorre com as empresas de auditoria menores, esse custo pode ser ainda maior. E, apesar desse investimento, os pontos críticos de cada companhia, na maioria das vezes, somente são percebidos após alguns anos de relação, aumentando o risco de o auditor emitir opinião equivocada (BLOUIN; GREIN; ROUNTREE, 2005).

Nagy (2005) encontrou evidências de que longos períodos de relacionamento não estão associados à diminuição da qualidade da auditoria, e sim à melhora dela. Johnson, Khurana e Reynolds (2002) observaram evidências de que curtos relacionamentos entre o auditor e o cliente (de dois a três anos) estão mais associados à queda da qualidade dos relatórios financeiros do que médios relacionamentos (de quatro a oito anos). Myers, Myers e Omer (2003) afirmam que longos mandatos do auditor causam maiores constrangimentos a gerenciamentos extremos dos relatórios de desempenho financeiro. Geiger e Raghunandan (2002), que estudaram empresas que entraram em falência, indicam que há mais falhas nos relatórios de auditoria durante os primeiros anos da relação auditor-cliente do que quando o mandato do auditor é mais longo.

Entre os poucos estudos empíricos encontrados sobre o assunto que dão suporte à existência do rodízio obrigatório, está o trabalho de Dopuch, King e Schwartz (2001), que encontraram evidências de que o rodízio obrigatório reduz a disposição do auditor em emitir relatórios enviesados. Gietzmann e Sem (2002), ao compararem os custos e os benefícios do rodízio obrigatório, concluíram que, em algumas circunstâncias, se trata de um procedimento válido.

Estudos sugerem que o rodízio de firmas de auditoria até tenha impacto na melhora da independência, mas não, necessariamente, na melhoria da qualidade da auditoria. Myers, Myers e Omer (2003) sugerem que o ponto central da discussão sobre o mandato do auditor não deva ser a independência, mas a qualidade dos resultados financeiros. DeAngelo (1981) define qualidade da auditoria como a probabilidade de detectar e relatoriar os erros das demonstrações financeiras, o que depende, apenas em parte, da independência do auditor. Apesar de a independência ser usualmente vista como a característica fundamental do auditor, ela impacta no fato de relatar ou não os problemas encontrados. Entretanto, para detecção das falhas, o auditor necessita, entre outros, de profundos conhecimentos sobre os clientes, os quais dificilmente são agregados instantaneamente numa troca de firmas de auditoria.

No que tange ao gerenciamento de resultados, sabe-se que os gestores possuem incentivos naturais para ajustar os resultados, visando melhorar o valor da empresa e/ou o seu próprio bem-estar (BECKER et al., 1998). Entre esses incentivos, destacam-se a remuneração por resultado, os covenants do passivo e os custos políticos das empresas (WATTS; ZIMMERMAN, 1986). Aproveitando-se da assimetria de informação existente, os gestores utilizam escolhas contábeis por razões oportunísticas e acabam por interferir no resultado da empresa, geralmente expropriando algum outro stakeholder, como investidores ou credores. A essa prática se dá o nome de gerenciamento de resultados.

Martinez (2001) afirma que o gerenciamento dos resultados contábeis caracteriza-se fundamentalmente como alteração proposital dos resultados contábeis, visando alcançar motivação particular. Complementa afirmando não se tratar de fraude contábil, pois a atuação ocorre onde a legislação permite certa discricionariedade ao gestor. Apesar do caráter legal, espera-se do auditor um constrangimento à prática do gerenciamento de resultados, visto que este pode ser utilizado pelo gestor em benefício próprio, como nas bonificações atreladas ao lucro do exercício, que motivam o gestor a maximizá-lo naquele período.

Existindo a possibilidade da utilização do gerenciamento de resultados em benefício dos gestores e/ou acionistas controladores em detrimento dos outros stakeholders, e sendo objetivo da auditoria independente reprimir esse procedimento, entende-se que quanto menor o nível de gerenciamento de resultados apresentado pela empresa, melhor a qualidade da auditoria. Talvez por isso o gerenciamento de resultados contábeis tem sido utilizado como métrica para qualidade de auditoria em vários estudos (BECKER et al., 1998; DEFOND; JIAMBALVO, 1994; KIM; CHUNG; FIRTH, 2003; MYERS; MYERS; OMER, 2003).

3 DESENVOLVIMENTO DAS HIPÓTESES

Considerando esses fatos, o objetivo geral deste estudo é verificar os efeitos da mudança da firma de auditoria no gerenciamento de resultados das companhias abertas brasileiras e, assim, contribuir para essa discussão, inclusive sobre a conveniência do rodízio obrigatório de auditores. Apesar de a maioria dos estudos internacionais pesquisados apresentar resultados adversos, visando testar a crença dos reguladores brasileiros de que, assegurando a independência por meio da mudança da firma de auditoria, a qualidade dos serviços de auditoria é melhorada, a hipótese principal do trabalho, na forma alternativa, é a seguinte:

• H1: A troca da firma de auditoria diminui o nível de gerenciamento de resultados das companhias listadas na Bovespa.

Não se rejeitando a hipótese principal, faz-se relevante testar o impacto das trocas de firma de auditoria motivadas pelo rodízio obrigatório no gerenciamento de resultados das companhias listadas na Bovespa, sendo uma das hipóteses complementares a seguinte:

• H2: A troca da firma de auditoria, em função do rodízio obrigatório, diminui o nível de gerenciamento de resultados das companhias listadas na Bovespa.

Essas hipóteses baseiam-se na possibilidade de o ganho advindo da maior independência, causado pela troca da empresa de auditoria, ter maior impacto na mitigação do gerenciamento de resultados do que a perda de conhecimento específico sobre o cliente. Não sendo essas hipóteses rejeitadas, há indícios de que os reguladores estavam corretos quando impuseram às companhias abertas brasileiras o rodízio obrigatório de firmas de auditoria.

A outra hipótese complementar deste estudo trata do tipo da troca de auditoria:

• H3: O efeito no nível do gerenciamento de resultados após a troca está relacionado com o tamanho da firma de auditoria.

Essa hipótese será testada visando verificar se há diferença na magnitude da diminuição do nível de gerenciamento de resultados entre os tipos de troca de auditoria.

Para efeito deste trabalho, serão consideradas grandes firmas de auditoria as maiores multinacionais do setor, conhecidas como Big-Four (Deloitte Touche Tomatsu, KPMG, PriceWaterhouseCoopers e Ernst & Young). Como em 1998 existiam outras duas grandes multinacionais, a Coopers & Lybrand e a Arthur Andersen, estas, quando verificadas, serão consideradas grandes. As demais serão consideradas pequenas firmas.

Espera-se que as trocas de grandes firmas de auditoria por pequenas apresentem diminuição do gerenciamento de resultados em níveis mais baixos, enquanto as trocas de pequenas firmas por grandes apresentem diminuição do gerenciamento de resultado em níveis mais altos, em virtude de acreditar-se que as grandes empresas possuam um maior número de profissionais qualificados e uma maior probabilidade de conhecerem as peculiaridades do setor do novo cliente, em função da maior participação no mercado. Nas trocas de grande por grande e de pequena por pequena, esperam-se níveis intermediários de diminuição do gerenciamento de resultados.

4 METODOLOGIA E RESULTADOS

Com o propósito de obter maior confiabilidade dos resultados, o gerenciamento de resultados será medido por meio das métricas desenvolvidas por Leuz, Nanda e Wysocki (2003) e Pincus e Rajgopal (2002 apud LOPES; TUKAMOTO; GALDI, 2007) e já empregadas em estudos de gerenciamento de resultados no Brasil por Lopes, Tukamoto e Galdi (2007). Além dessas, dois modelos de estimação de accruals discricionários serão empregados: um deles é o modelo de Jones (1991) modificado por Dechow, Sloan e Sweeney (1995), conhecido como modelo de Jones modificado, e o outro é o modelo desenvolvido por Kang e Sivaramakrishnan (1995), conhecido por modelo KS.

Lopes, Tukamoto e Galdi (2007) utilizaram cinco métricas, quatro com base no estudo de Leuz, Nanda e Wysocki (2003) e uma utilizada no trabalho de Pincus e Rajgopal (2002 apud LOPES; TUKAMOTO; GALDI, 2007), visando captar várias dimensões do gerenciamento de resultados. O cálculo da primeira métrica (EM1) é efetuado observando a Equação 1. Valores baixos de EM1 indicam a prática de suavização de resultados por meio do gerenciamento de resultados.

Em que: Oplncomet = lucro operacional em t; OpCashFlowt = fluxo de caixa operacional1 1 O fluxo de caixa operacional, por não ser de apresentação obrigatória no Brasil, foi calculado subtraindo os accruals totais do lucro operacional. Os accruals totais são calculados de acordo com a Equação 7. em t; e ATt-1 = ativo total em t - 1.

A segunda métrica (EM2) é calculada de acordo com a Equação 2 e mede a correlação entre os accruals e os fluxos de caixa da empresa. Espera-se uma correlação negativa entre os accruals e os fluxos de caixa, já que altos níveis dessa correlação indicam a prática de suavização de resultados por meio do gerenciamento das discricionariedades pelos gestores.

Em que: ΔACT = variação dos accruals totais em t; ΔOpCashFlow = variação do fluxo de caixa operacional em t; e ATt-1 = ativo total em t-1.

A terceira métrica (EM3) mede o nível de gerenciamento de resultados usando o tamanho dos accruals como proxy e é calculada por meio da Equação 3.

Em que: ACTt = accruals totais em t; CashFlowt = fluxo de caixa em t; e t = n. de exercícios.

A quarta métrica (EM4) baseia-se na possibilidade de gerenciamento de resultados, visando evitar pequenas perdas e transformando-as em pequenos lucros. Dessa forma, EM4 é a razão entre o número de pequenos lucros e o número de pequenas perdas, sendo considerados assim os valores resultantes da divisão do resultado líquido do exercício pelo ativo total que se encontrarem entre 0,00 e 0,01 (pequenos lucros) e entre -0,01 e 0,00 (pequenas perdas).

Em que: Smprofit = número de pequenos lucros (entre 0,00 e 0,01); e Smloss = número de pequenos prejuízos (entre -0,01 e 0,00).

A quinta métrica (EM5), a única delas baseada nos estudos de Pincus e Rajgopal (2002 apud LOPES; TUKAMOTO; GALDI, 2007), mostra como as discricionariedades podem ser usadas para reduzir a volatilidade dos resultados líquidos do exercício. Se EM5 for maior que 1, haverá evidências de gerenciamento de resultados (LOPES; TUKAMOTO; GALDI, 2007).

Em que: NonDisclncome = OpCashFlowt+ ANDt ; Netlncome = Lucro Líquido em t; e ATt-1 = ativo total em t-1.

Os accruals não discricionários (AND t) são obtidos por meio do modelo de Jones modificado (Equação 8). Sabendo que ACTt = ANDt + ADt e ADtsão os erros da regressão (ε t), então AND t será calculado de acordo com a Equação 6, utilizando os valores dos coeficientes (α1, α2e α3) encontrados na regressão da Equação 8.

Em que: ANDt = accruals não discricionários em t; ATt-1 = ativo total em t - 1; ΔREV t = variação da receita líquida no período t; ΔREC t = variação de contas a receber no período t; PPEt= permanente no período t; e α1, α2e α3 = coeficientes da regressão.

Para o cálculo dos accruals discricionários, será utilizado o modelo de Jones modificado por Dechow, Sloan e Sweeney (1995), por ser mais comumente utilizado em pesquisas que envolvem gerenciamento de resultados. Nesse modelo, calculam-se os accruals totais da forma exposta na Equação 7.

Em que: ACTt = accruals totais em t; ΔCAt = variação no ativo circulante em t; ΔCLt= variação em passivo circulante em t; ΔCash t = variação em caixa e equivalentes em t; ΔSTD t = variação em financiamento de curto prazo no passivo circulante em t; DEPt= depreciação e amortização no período t; e ATt-1 = ativo total em t-1.

Sabendo o valor dos accruals totais, monta-se a função de regressão, disposta na Equação 8, para calcular o valor dos accruals discricionários.

Em que: ATt-1 = ativo total em t - 1; ΔREVt= variação da receita líquida no período t; ΔRECt = variação de contas a receber no período t; PPE t = permanente no período t; εt = resíduos da regressão, acumulação discricionária; e α1, α2e α3 = coeficientes da regressão.

Os accruals discricionários serão os resíduos (ε t) da regressão. Quanto mais distante de zero (positiva ou negativamente) estiver o resíduo, maior será o nível de gerenciamento de resultados.

O modelo KS demanda maior número de variáveis contábeis e é tido como tecnicamente mais robusto que o modelo de Jones. Esse volume maior de dados, porém, torna-se um fator redutor do tamanho da amostra (MARTINEZ, 2001). Nesse modelo, calculam-se os accruals discricionários por meio da regressão da Equação 9.

Em que: ABt = ARt + INVt + OCAt - CLt - DEPt = accrual balance no período t; ARt = contas a receber, excluindo impostos a compensar no período t; INV t = estoque no período t; OCAt = outros ativos circulantes, excluindo caixa, contas a receber e estoques no período t; CLt = passivos circulantes, excluindo impostos a pagar no período t; DEPt = depreciação no período t; ATt-1 = ativo total em t -1; REVt = receita líquida no período t; EXPt = despesas operacionais antes da depreciação no período t; PPE t = permanente no período t; ε t= resíduos da regressão, acumulação discricionária; δt= ARt-1/REVt-1 ; δ2= INVt-1 + OCAt - CLt-1/EXPt-1; δ3 = DEPt-1 /PPEt-1; e α1, α2e α3 = coeficientes.

Assim como no modelo de Jones modificado, os accruals discricionários serão os resíduos (ε t) da regressão. Quanto mais distante de zero (positiva ou negativamente) estiver o resíduo, maior será o nível de gerenciamento de resultados.

A base de dados foi elaborada com base nas informações do software Economática e dos sites da CVM e da Bovespa. Da amostra total, que envolve todas as empresas listadas na Bovespa, no período de 1998 a 2005, foram retiradas as empresas do setor econômico "finanças e seguros" devido às regras específicas a que estão sujeitas, conforme estudos verificados sobre o assunto (BECKER et al., 1998; KIM; CHUNG; FIRTH, 2003; MARTINEZ, 2001; MYERS; MYERS; OMER, 2003). Foram retiradas também da amostra as empresas que não apresentaram valor para o cálculo dos accruals totais para, no mínimo, um exercício do período analisado.

Excluíram-se ainda as empresas-ano nas quais não se puderam confirmar a manutenção ou a troca da empresa de auditoria e as empresas que não tinham no mínimo um ano com troca de firma de auditoria. Na Tabela 1, verifica-se o resumo dos critérios de seleção da amostra.

As amostras, ao final dos critérios de corte, foram utilizadas para rodar as regressões para o cálculo dos accruals discricionários, que, no caso das métricas de gerenciamento de resultados, foi realizada por meio do modelo de Jones modificado, conforme Lopes, Tukamoto e Galdi (2007). Os resultados das regressões encontram-se dispostos na Tabela 2.

Para todas as regressões realizadas, a estatística F (prob. < 0,000), o fator de inflação de variância (FIV próximo de 1) e a estatística Durbin-Watson (entre 1 e 2) foram considerados adequados e coerentes com a literatura.

Diante disso, inicialmente, das 245 empresas da amostra para as métricas de gerenciamento (Tabela 1), foram selecionadas aquelas que possuíam dados contábeis nos três anos imediatamente anteriores à troca da firma de auditoria e nos três anos imediatamente posteriores. Com isso, a amostra foi reduzida para 98 empresas.

As mesmas empresas foram segregadas em dois grupos. O grupo 1 contém dados referentes aos anos em que a empresa foi auditada pela firma de auditoria predecessora, e o grupo 2, dados dos anos auditados pela sucessora. As cinco métricas de gerenciamento de resultados foram calculadas para cada empresa dos grupos 1 e 2, e as estatísticas descritivas estão expostas na Tabela 3.

Outra análise efetuada por meio das cinco métricas baseou-se no entendimento de que, se a troca da firma de auditoria diminui o gerenciamento de resultados, as empresas que trocaram mais vezes tenderiam a possuir níveis mais baixos de gerenciamento de resultados. Dessa forma, as empresas dessa amostra (245 empresas) foram divididas em quatro grupos: empresas que trocaram uma vez de firma de auditoria (grupo 3), empresas que tiveram duas trocas (grupo 4), empresas com três trocas (grupo 5), e empresas que trocaram quatro ou cinco vezes (grupo 6) no período de 1998 a 2005. As estatísticas descritivas desses cálculos encontram-se dispostas na Tabela 4.

Pelo fato de existirem conjuntos de valores para as métricas de gerenciamento de resultados de alguns grupos que não se encontram distribuídos normalmente, para efeito de comparação, foram utilizados dois testes estatísticos, um paramétrico (teste t) e outro não paramétrico (Mann-Whitney).

A comparação das métricas de gerenciamento de resultados do grupo 1 (três anos com a auditoria predecessora) com as métricas do grupo 2 (três anos com a auditoria sucessora), tanto no teste paramétrico (Tabela 5) quanto no teste não paramétrico (Tabela 6), não revelou diferença estatisticamente significante, indicando que a mudança da firma de auditoria não impacta no gerenciamento de resultados.

A segunda análise proposta para a utilização das métricas de gerenciamento de resultados comparou os grupos de empresas por número de trocas de firmas de auditoria realizadas no período de 1998 a 2005. Foram encontradas diferenças estatisticamente significantes (nível de confiança de 95%) em apenas quatro comparações: EMI-G3/EMI-G6, EMI-G4/EMI-G6, EM5-G5/EMI-G6 e EM5 G3/EM5-G5 (Tabela 6). Como a maior parte das comparações não permite afirmar que as medianas são estatisticamente diferentes, os resultados indicam que a troca da firma de auditoria não impacta o nível de gerenciamento de resultados, não sendo possível rejeitar a hipótese H1 deste trabalho.

Por meio da utilização dos modelos de Jones modificado e KS, buscou-se encontrar mais evidências para a não rejeição da hipótese principal. Foram isoladas as empresas-ano em que houve troca da firma de auditoria e as empresasano em que não ocorreu mudança, com o objetivo de verificar se o gerenciamento de resultados era diferente nessas situações.

Na Tabela 7, estão dispostas as estatísticas descritivas dos valores absolutos dos accruals discricionários, separados por empresas-ano em que ocorreu troca da firma de auditoria e empresas-ano em que houve a manutenção da firma em relação ao exercício anterior. Utilizaram-se os valores absolutos porque, se fossem usados os valores positivos e negativos dos accruals discricionários, as médias tenderiam a zero, dificultando a análise.

Devido ao fato de os accruals discricionários dos dois modelos não se encontrarem distribuídos normalmente dentro de seus grupos, nas comparações de dados, foi utilizado o teste não paramétrico de Mann-Whitney, cujos resultados se encontram na Tabela 8.

Na Tabela 8, verifica-se que apenas no ano de 2000, referente ao modelo KS, existe diferença estatisticamente significante entre as medianas dos accruals discricionários das empresas-ano em que ocorreu troca e das empresas-ano em que não houve troca. Portanto, as evidências não permitem afirmar que a troca da firma de auditoria leva à redução no nível de gerenciamento de resultados (hipótese H1).

Com o propósito de testar a hipótese de que o rodízio obrigatório da firma de auditoria diminui o nível de gerenciamento de resultados, extraíram-se das amostras somente as empresas-ano em que ocorreram trocas de firma de auditoria, separando-as em empresas-ano em que houve troca compulsória e empresas-ano em que a mudança ocorreu por outros motivos.

Na Tabela 9, estão dispostas as estatísticas descritivas dos valores absolutos dos accruals discricionários, referentes aos dois últimos anos de mandato da firma predecessora e ao primeiro ano de mandato da firma de auditoria sucessora.

As análises comparativas foram realizadas utilizando o teste não paramétrico de Mann-Whitney, devido ao fato de os accruals discricionários não se encontrarem distribuídos normalmente. Os resultados são apresentados na Tabela 10.

A análise dos resultados da Tabela 10 indica que o nível de gerenciamento de resultados entre os anos que antecedem a troca (-2 e -1) e o primeiro ano com o novo auditor não são diferentes. Os resultados são válidos tanto para a troca obrigatória (ROD) quanto para a voluntária (OUT). Assim, as evidências indicam que não há diferença do tipo de troca no nível de gerenciamento de resultados (hipótese H2).

As únicas diferenças estatisticamente significativas apresentadas na Tabela 10 são referentes às comparações das métricas do modelo de Jones modificado entre ROD(-2)/OUT(-2) e ROD(-1)/OUT(-1). Os resultados indicam que os níveis de gerenciamento de resultados de empresas que tiveram troca obrigatória versus troca voluntária são diferentes nos anos que antecedem a troca. Esse resultado pode indicar que as características das firmas e seus incentivos são diferenciados entre os dois grupos: a troca voluntária poderia indicar conflitos entre as empresas e seus auditores, diferentemente da troca obrigatória. Por sua vez, a troca obrigatória poderia levar as empresas a optar por escolhas contábeis mais agressivas ou conservadoras ao longo dos cinco anos de relacionamento com a firma de auditoria. A intuição seria a de que escolhas contábeis mais agressivas seriam toleradas nos primeiros anos da relação, sendo coibidas apenas nos últimos anos do relacionamento, em virtude do risco de ter o trabalho questionado pela firma de auditoria sucessora.

Visando avaliar se a troca obrigatória pode levar as empresas a optar por escolhas contábeis diferenciadas ao longo dos anos de relacionamento com a firma predecessora e sucessora, foram calculadas as estatísticas descritivas dos cinco anos que antecedem a troca e dos dois anos posteriores a ela, conforme apresentado na Tabela 11.

Para comparação das estatísticas, novamente o teste não paramétrico de Mann-Whitney foi empregado, já que os accruals discricionários não se encontram distribuídos normalmente dentro de seus grupos. Os resultados são apresentados na Tabela 12.

Com base na Tabela 12, não foi possível encontrar diferenças significativas no nível de gerenciamento de resultados ao longo dos anos que precedem a troca obrigatória nem nos anos posteriores. Dessa forma, as evidências empíricas indicam que a troca da firma de auditoria, ocorrida em função do rodízio obrigatório, não está relacionada com a redução no nível de gerenciamento de resultados.

Por fim, testou-se a hipótese que trata dos tipos de troca de firmas de auditoria (H3). Na Tabela 13, constam as estatísticas descritivas dos accruals discricionários, em valores absolutos, referentes às empresas-ano em que houve troca de firma de auditoria por tipo, ou seja, de uma grande firma para outra grande (BB), de uma grande firma para uma pequena (BN), de uma firma pequena para uma grande (NB) e de uma firma pequena para outra pequena (NN).

Foi utilizado o teste não paramétrico de Mann-Whitney, pois os valores não estavam distribuídos normalmente dentro de seus grupos. Os resultados são apresentados na Tabela 14.

Conforme os resultados da Tabela 14, as diferenças não foram estatisticamente significantes. Dessa forma, não é possível afirmar que o tipo de troca, com base no tamanho da firma de auditoria, reduz o nível de gerenciamento de resultados (hipótese H3).

5 CONCLUSÃO

As evidências empíricas apresentadas neste trabalho indicam que a troca da firma de auditoria não impacta o nível do gerenciamento de resultados. Além disso, as mudanças obrigatórias de firma de auditoria não apresentaram diferenças estatisticamente significantes em relação às demais trocas, rejeitando-se, dessa forma, a hipótese de que a troca compulsória da firma de auditoria diminuiria o nível de gerenciamento de resultados.

Um resultado a ser destacado consiste na diferença no nível de gerenciamento de resultados nos anos que antecedem a troca quando esta é obrigatória em comparação à voluntária. A justificativa pode estar vinculada aos diferentes incentivos que levam à troca voluntária, usualmente relacionados a conflitos de interesses entre as firmas de auditoria e seus clientes. Tal tópico pode ser interessante para futuras pesquisas no Brasil.

As evidências empíricas também não permitem afirmar que o tipo de troca de firma de auditoria (Big-Four para Big-Four, Big-Four para Não Big-Four, Não Big-Four para Big-Four e Não Big-Four para Não Big-Four) impacta o nível de gerenciamento de resultados nem que esse impacto é diferenciado dependendo do tipo de troca. Nesse sentido, as evidências corroboram os achados recentes de Lawrence, Minutti-Meza e Zhang (2011) de que as características da firma estão relacionadas com a qualidade da informação contábil e não com o tamanho do auditor ("Big-Four versus Não Big-Four").

É importante ressaltar que os resultados foram baseados em testes não paramétricos e que futuras pesquisas poderiam contribuir com novas especificações para reduzir a limitação das suas interpretações, controlando por características da empresa, tais como tamanho, setor e até efeitos temporais (crises econômicas). Além disso, outras métricas de qualidade poderiam ser avaliadas.

Por fim, espera-se que as evidências deste trabalho sejam úteis para que a Comissão de Valores Mobiliários avalie sua decisão de instituir o rodízio obrigatório, indicando que alternativas, como rodízio obrigatório de sócios e/ou de equipes, podem trazer resultados mais significativos, demandando novas pesquisas sobre o tema.

Submissão: 20 set. 2010.

Aceitação: 4 jan. 2012.

Este artigo pode ser copiado, distribuído, exibido, transmitido ou adaptado desde que citados, de forma clara e explícita, o nome da revista, a edição, o ano e as páginas nas quais o artigo foi publicado originalmente, mas sem sugerir que a RAM endosse a reutilização do artigo. Esse termo de licenciamento deve ser explicitado para os casos de reutilização ou distribuição para terceiros. Não é permitido o uso para fins comerciais.

  • BECKER, C. L.; DEFOND, M. L.; JIAMBALVO, J.; SUBRAMANYAM K, R. The effect of audit quality on earnings management. Contemporary Accounting Research, v. 15, n. 1, Spring 1998.
  • BLOUIN, J.; GREIN, B.; ROUNTREE, B. The ultimate form of mandatory auditor rotation: the case of former Arthur Andersen clients. 2005. Disponível em: <http://www.ssrn.com>. Acesso em: 3 out. 2006.
  • CAMERAN, M.; DI VINCENZO, D.; MERLOTTI, E. The audit firm rotation rule: a review of the literature. Bocconi University, 2005. (Working paper). Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=825404>
  • DEANGELO, L. Auditor Size and Audit Quality. Journal of Accounting and Economics, v. 3, p. 183199, 1981.
  • DECHOW, P. M.; SLOAN, R. G.; SWEENEY, A. P. Detecting earnings management. The Accounting Review, v. 70, n. 2, 1995.
  • DEFOND, M. L.; FRANCIS, J. R. Audit research after Sarbanes-Oxley. Auditing: A Journal of Practice e Theory, v. 24, 2005.
  • DEFOND, M. L.; JIAMBALVO, J. Debt covenant violation and manipulation of accruals. Journal of Accounting and Economics, v. 17, p. 145-176, 1994.
  • DEFOND, M. L.; SUBRAMANYAM, K. R. Auditor changes and discretionary accruals. Journal of Accounting and Economics, v. 25, p. 35-67, 1998.
  • DOPUCH, N.; KING, R. R.; SCHWARTZ, R. An experimental investigation of retention and rotation requirements. Journal of Accounting Research, v. 39, p. 93-117, 2001.
  • DYE, R. A. Auditing standards, legal liability, and auditor wealth. Journal of Political Economy, v. 101, n. 5, 1993.
  • FAMA, E. F.; JENSEN, M. C. Separation of ownership and control. Journal of Law and Economics, v. 26, p. 301, 1983.
  • FRANCIS, J. R.; WILSON E. Auditor changes: a test of theories relating to agency costs and auditor differentiation. The Accounting Review, v. 64, n. 4, 1988.
  • GEIGER, M. A.; RAGHUNANDAN K. Auditor tenure and audit reporting failures. Auditing: A Journal of Practice e Theory, v. 21, n. 1, 2002.
  • GHOSH, A.; MOON, D. Auditor tenure and perceptions of audit quality. The Accounting Review, v. 80, n. 2, 2005.
  • GIETZMANN, M.; SEN, P. K. Improving auditor independence through selective mandatory rotation. International Journal of Auditing, v. 6, p. 183-210, 2002.
  • HIRST, D. E. Auditor sensitivity to earnings management. Contemporary Accounting Research, v. 11, n. 1, 1994.
  • JENSEN, M. C.; MACKLING, W. H. Theory of the firm: managerial behavior, agency costs and ownership structure. Journal of Financial Economics, v. 3, n. 4, p. 305-360, 1976.
  • JOHNSON, V. E.; KHURANA, I. K.; REYNOLDS, J. K. Audit-firm tenure and the quality of financial reports. Contemporary Accounting Research, v. 19, n. 4, 2002.
  • JONES, J. J. Earnings management during import relief investigations. Journal of Accounting Research, v. 29, p. 193-228, 1991.
  • KANG, S.; SIVARAMAKRISHNAN, K. Issues in testing earnings management and an instrumental variables approach. Journal of Accounting Research, v. 33, n. 2, p. 353-367, 1995.
  • KIM, J. B.; CHUNG, R.; FIRTH, M. Auditor conservatism, asymmetric monitoring, and earnings management. Contemporary Accounting Research, v. 20, n. 2, 2003.
  • LAWRENCE, A.; MINUTTI-MEZA, M.; ZHANG, P. Can Big 4 versus Non-Big 4 differences in audit-quality proxies be attributed to client characteristics? The Accounting Review, v. 86, n. 1, p. 259286, 2011.
  • LEUZ, C.; NANDA, D.; WYSOCKI, P. D. Earnings management and investor protection: an international comparison. Journal of Financial Economics, v. 69, p. 505-527, 2003.
  • LOPES, A. B.; TUKAMOTO, Y.; GALDI, F. C. Earnings management and cross listing in Brasil. In: CONGRESSO ANPCONT, 1., 2007, Rio Grande do Sul. Anais.. Disponível em: <http://www.furb.br/especiais/interna.php?secao=590>. Acesso em: 22 jun. 2007.
  • LU, T.; SAPRA, H. Auditor conservatism and investment efficiency. The Accounting Review, v. 84, n. 6, p. 1933-1958, 2009.
  • MARTINEZ, A. L. "Gerenciamento" dos resultados contábeis: estudo empírico das companhias abertas brasileiras. 2001. Tese (Doutorado em Ciências Contábeis)-Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.
  • MYERS, J. N.; MYERS, L. A.; OMER, T. C. Exploring the term of the auditor-client relationship and the quality of earnings: a case for mandatory auditor rotation? The Accounting Review, v. 78, n. 3, 2003.
  • NAGY, A. L. Mandatory audit firm turnover, financial reporting quality, and client bargaining power: the case of Arthur Andersen. Accounting Horizons, v. 19, n. 2, 2005.
  • SCHWARTZ, R. Legal regimes, audit quality and investment. The Accounting Review, v. 72, n. 3, p. 385-406, 1997.
  • TURNER, L. E.; WILLIAMS, J. P.; WEIRICH, T. R. An inside look at auditor changes. The CPA Journal, Special Issue, 2005.
  • WATTS, R. L.; ZIMMERMAN, J. L. Agency problems, auditing, and the theory of the firm: some evidence. Journal of Law and Economics, v. 26, n. 3, p. 613-633, 1983.
  • WATTS, R. L.; ZIMMERMAN, J. L. Positive accounting theory 2. ed. New Jersey: Prentice-Hall, 1986. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=928677>
  • 1
    O fluxo de caixa operacional, por não ser de apresentação obrigatória no Brasil, foi calculado subtraindo os
    accruals totais do lucro operacional. Os
    accruals totais são calculados de acordo com a Equação 7.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Nov 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2012

    Histórico

    • Recebido
      20 Set 2010
    • Aceito
      04 Jan 2012
    Editora Mackenzie; Universidade Presbiteriana Mackenzie Rua da Consolação, 896, Edifício Rev. Modesto Carvalhosa, Térreo - Coordenação da RAM, Consolação - São Paulo - SP - Brasil - cep 01302-907 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista.adm@mackenzie.br