Acessibilidade / Reportar erro

Uma introdução ao fórum sobre gestão de pessoas e ensino e pesquisa em Administração

Uma introdução ao fórum sobre gestão de pessoas e ensino e pesquisa em Administração

Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho é uma temática ao mesmo tempo clássica e contemporânea no campo dos Estudos Organizacionais. Clássica, porque está presente no campo desde os estudos seminais de Hawthorne e Tavistock. Esses estudos lançaram as bases para o entendimento de como dimensões sociossubjetivas estão presentes no trabalho e têm efeitos na produtividade, na criatividade, com implicações para a felicidade e saúde do trabalhador, bem como para o desempenho de organizações.

Evidências de pesquisa que apontam para as relações entre formas de organização do trabalho e os fatores humanos são históricas e exaustivas. Apenas para citarmos um exemplo da permanência da temática em nível da pesquisa e de publicações da área, vale lembrar uma edição de 1975 do Human Relations, o journal publicado pelo Tavistock Institute, onde Miller (1975) apresenta um estudo de revisão nos teares da Índia, 17 anos após o experimento que Rice (1953) realizou para testar o modelo dos grupos semiautônomos proposto por Trist (TRIST; BAMFORTH, 1951). O artigo é emblemático por revelar o nascimento e a consolidação de um dos principais modelos teóricos, o qual está na base de práticas que buscam uma melhor interface entre tecnologias, formas de organização do trabalho e pessoas.

No entanto, a abundância e abrangência da produção do conhecimento na interface entre pessoas e organizações nem sempre têm implicado a construção de organizações melhores, no sentido de estarem mais bem preparadas para prover bem-estar para os seus diferentes públicos, sejam internos ou externos. Assim, impõe-se o desafio de criar organizações em seus modelos de gestão, processos e práticas que, ao mesmo tempo, sejam produtoras de riqueza e permitam felicidade. Nesse sentido, o tema da "Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho" torna-se contemporâneo. A teoria produzida até aqui está longe de esgotar o debate e a tensão existente entre a ação das e nas organizações e suas implicações sociais e subjetivas.

Além disso, a contemporaneidade de questões sobre Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho se revela quando o conhecimento se torna recurso-chave para a competitividade e para os processos de inovação. Pessoas e suas relações ocupam lugar central em organizações e processos intensivos em conhecimento. O conhecimento é um recurso paradoxalmente diferente de qualquer outro na produção de riqueza, já que depende de relações sociais (GRANT, 1996). Nessa perspectiva, nas últimas décadas assistimos a um crescimento expressivo de estudos que conectam a estratégia de organizações com processos de aprendizagem, criação do conhecimento e inovação. Nesse contexto, há uma ressignificação da dimensão humana e social, já que ela se coloca em um patamar muito mais estratégico, se comparado ao que assistíamos em modalidades mecânicas de produção e organização do trabalho.

Ainda, no Brasil em particular, Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho deve ser considerada hoje como temática nuclear para a Administração, já que, em um contexto de desenvolvimento social, econômico e marcado pela crescente internacionalização, a renovação de modelos de gestão se torna um imperativo às organizações. De forma muito rápida, organizações no contexto brasileiro precisam dar corpo e eco a uma sociedade em que padrões democráticos e inclusivos são cada vez expressivos e nucleares. Assim, o esforço da Anpad em promover o EnGPR e o da RAM em acolher o fasttrack dos melhores artigos desse evento alinham-se a um movimento necessário de fazer com que a produção acadêmica dê lugar à renovação necessária dessa temática clássica e contemporânea.

Esta edição, em sua contribuição para o tema de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho, nos apresenta quatro artigos, dois deles sobre liderança e dois sobre conhecimento e aprendizagem. Sendo os primeiros de liderança e conhecimento provenientes do Encontro EnGPR e os outros dois submetidos diretamente a RAM.

No artigo de Antonio dos Santos Silva e Antonio Carvalho Neto, intitulado "Uma contribuição ao estudo da liderança sob a ótica weberiana de dominação carismática", o problema da liderança em organizações sociais é discutido desde uma ótica weberiana. Já o artigo "Liderança: o que pensam executivos brasileiros sobre o tema?", de Anderson de Souza Sant'Anna, Marly Sorel Campos e Samir Lótfi, analisa a questão da liderança segundo a perspectiva de altos executivos de grandes empresas brasileiras.

A imbricação entre conhecimento e relações interorganizacionais é explorada no artigo de Kenneth Nunes Tavares de Almeida e coautores, intitulado "Configuração de posições em uma comunidade epistêmica e sua relação com o sentido da aprendizagem em redes interorganizacionais: estudo de caso no campo da biotecnologia".

Gardênia da Silva Abbad e Luciana Mourão, no artigo "Avaliação de necessidades de TD&E: proposição de um novo modelo", revisitam o tema da educação na empresa, propondo um modelo aperfeiçoado de avaliação de necessidades de treinamento e desenvolvimento, com contribuições teóricas e aplicadas.

Em relação à área do Ensino e Pesquisa, muito se discute sobre o caráter essencialmente prático da Administração. A Administração quando teoriza, conforme sublinha Bertero (2007), deve servir ao aprimoramento da prática, num processo circular que se nutre dos problemas concretos, contribuindo para o seu equacionamento ao propor soluções. Nesse sentido, só é possível alguma forma de "Ensino e Pesquisa da Ciência Administrativa" que também esteja ligada à aplicabilidade (BERTERO, 2007).

Esse sentido aplicado das Ciências Administrativas nos instiga a articular três posicionamentos reflexivos. O primeiro nos direciona à retomada da discussão tecida por Gareth Morgan (1980) sobre a visão metafórica dos estudos e da realidade organizacional ao ser esta, no nosso entender, essencial, tanto ao professor na sua atividade de ensino como ao pesquisador do campo da Administração.

Morgan (1980) sugere que o uso de uma metáfora implica "um modo de pensar" e "uma forma de ver" que entremeiam a maneira pela qual entendemos o mundo. O autor explica que as metáforas exercem uma influência formadora sobre a linguagem, sobre a forma de pensar e de se expressar e, consequentemente, de ler, compreender e transformar as organizações. A compreensão metafórica abrange uma base de vivência mais ampla que qualquer outra abordagem, não aliciando simplesmente o plano analítico da imaginação, mas envolvendo também competências emocionais e estéticas.

Na introdução do seu livro Imagens da organização, Morgan (1996, p. 15), afirma que os administradores eficazes, em vez de terem sido "treinados", desenvolveram suas habilidades na arte de "ler" as situações que estão organizando e ou administrando: "o processo de ler e reler frequentemente ocorre em um nível quase subconsciente e essa aptidão comumente se desenvolve como um processo intuitivo, aprendido da experiência e da habilidade natural".

Para Morgan, esses administradores estão cientes de que as novas descobertas aparecem quando se lê a situação sobre "novos ângulos", que uma leitura mais ampla e variada pode criar um leque também mais amplo e variado de possibilidades de ação.

Nesse sentido, as teorias e explicações da vida organizacional estão baseadas em metáforas que nos levam a uma leitura específica, embora incompleta das organizações, deixando claro o fato de que estas são complexas, ambíguas e paradoxais.

O segundo posicionamento enfatiza, portanto, que o verdadeiro desafio posto ao professor e ao pesquisador no campo das Ciências Administrativas está em aprender a lidar com essa complexidade por meio da modelagem de novas formas de organizar, assim como na busca de novas soluções para os problemas organizacionais.

Esta discussão nos remete ao desafio da complexidade advogado por Morin (1999), sendo este explicitado: i) na inadequação cada vez mais ampla, entre, por um lado, de um saber fragmentado em elementos disjuntos e compartimentado nas disciplinas. Por outro, de realidades multidimensionais, globais, transnacionais, problemas cada vez mais transversais, pluri e transdisciplinares; ii) a não pertinência do nosso modo de conhecimento e de ensino, que nos faz sabermos separar (os objetos do ambiente que os rodeia, as disciplinas umas das outras) e não o religarmos àquilo que, todavia, é "tecido em conjunto" (MORIN, 1999 p. 10).

Consoante a abordagem da complexidade, o terceiro e último posicionamento coloca em evidência as ideias centrais de Guerreiro Ramos (1981), em seu clássico estudo A nova ciência das organizações, ao discutir que a teoria organizacional dominante não desenvolveu a contento uma análise crítica de suas bases teóricas e epistemológicas. O autor, ao considerar as organizações como sistemas cognitivos, epistemológicos e sociais, afirma que estes vêm sendo estudados, sobretudo, como sistemas baseados na razão instrumental, tendo a dimensão econômica e dos mercados como eixo central de interpretação.

Com base nessa premissa, Guerreiro Ramos desenvolveu uma discussão sobre a teoria organizacional com base na racionalidade substantiva, iluminando na análise os fundamentos epistemológicos de diferentes cenários organizacionais, conceituando-os em uma linguagem que não deforme e/ou distorça a realidade em questão.

No contexto desse debate, esta edição especial da RAM reúne quatro dos melhores trabalhos do Encontro de Ensino e Pesquisa em Administração da Anpad (EnEPQ-Anpad), problematizando os seus desafios ao contemplar algumas das questões articuladas aqui.

No primeiro artigo, de natureza teórica, intitulado "Abusos metafóricos em manuais de introdução à administração", Guilherme Lima Moura situa a discussão em torno do debate internacional que surgiu nos anos 1990 sobre a crise do atual modelo de ensino de Administração, colocando em dúvida o sentido e a finalidade da chamada management education.

De natureza teórico-empírica e quantitativa, o segundo artigo, intitulado "Por que Finanças? Avaliando o interesse dos estudantes de graduação em Administração pela área de Finanças", de Carlos Eduardo Franco Azevedo e coautores, analisa o interesse de estudantes de cursos de graduação em Administração pela área de Finanças, focalizando os principais fatores que influenciaram esse interesse.

No artigo "Notas sobre o conceito de sucesso: sentidos e possíveis (re)significações", as autoras Cristiane T. Ituassu e Maria José Tonelli exploram as ambivalências e contradições do conceito de sucesso no contexto do management, observando por meio de uma análise crítica, entre outros fenômenos, a prerrogativa da visão de mercado, o obscurecimento das diferenças ideológicas, a não separação entre vida pública e privada.

Tendo como base o pressuposto de que os critérios de validade constituem-se em elementos fundamentais que compõem o rigor metodológico de uma pesquisa científica, o quarto artigo, de autoria de Denise de Oliveira e coautoras, tem caráter bibliográfico e bibliométrico, intitulando-se: "Critérios de validade em pesquisas em estratégia: uma análise em artigos publicados no EnAnpad de 1997 a 2010".

Esperamos que os artigos que compõem esta edição sirvam de estímulo para a realização de mais pesquisas sobre as temáticas envolvidas nas áreas de "Ensino e Pesquisa em Administração" e "Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho", a fim de gerar conhecimentos e contribuir para o avanço dessas áreas de estudo no Brasil.

Finalmente, gostaríamos de agradecer aos pareceristas e autores por sua dedicação nas revisões dos artigos que compuseram este número especial da RAM.

Boa leitura!

ANA SILVIA ROCHA IPIRANGA

Editora convidada

Mestre em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Estadual do Ceará (PPGA/Uece).

Doutora em Psicologia do Trabalho e da Organização pela Università degli Studi di Bologna – Itália.

Pós-Doutora em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (Ebape-FGV).

Professora e pesquisadora na Universidade Estadual do Ceará (Uece).

E-mail: ana.silvia@pq.cnpq.br

YEDA SWIRSKI DE SOUZA

Editora convidada

Mestre em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio do Sul (PPGA/UFRGS).

Doutora em Psicologia pela Pontífica Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

Professora e pesquisadora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

E-mail: yedasou@unisinos.br

REFERÊNCIAS

BERTERO, C. O. Prefácio. In: WOOD JR., T.; CALDAS, M. P. Comportamento organizacional. Uma perspectiva brasileira. São Paulo: Atlas, 2007.

GRANT, R. M. Toward a knowledge-based theory of the firm. Strategic Management Journal, v. 17, p. 109-122, Winter 1996. Special issue.

MILLER, E. J. Socio-technical systems in weaving, 1953-1970: a follow-up study. Human Relations, v. 28, n. 4, p. 349-386, 1975.

MORGAN, G. Paradigms, metaphors, and puzzle solving in organization theory. Administrative Science Quarterly, v. 25, n. 4, p. 605-622, 1980.

MORGAN, G. Imagens da organização. São Paulo: Atlas, 1996.

MORIN, E. Relier les connaissances. Paris: Edition du Seuil, 1999.

RAMOS, A. G. A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações. Rio de Janeiro: FGV, 1981.

RICE, A. K. Productivity and social organization in an Indian weaving shed: an examination of the socio-technical system of an experimental automatic loom shed. Human Relations, v. 6, n. 4, p. 297-329, 1953.

TRIST, E. L.; Bamforth, K. W. Some social and psychological consequences of the long wall method of coal-getting. Human Relations, v. 4, p. 3-38, 1951.

  • GRANT, R. M. Toward a knowledge-based theory of the firm. Strategic Management Journal, v. 17, p. 109-122, Winter 1996. Special issue.
  • MILLER, E. J. Socio-technical systems in weaving, 1953-1970: a follow-up study. Human Relations, v. 28, n. 4, p. 349-386, 1975.
  • MORGAN, G. Paradigms, metaphors, and puzzle solving in organization theory. Administrative Science Quarterly, v. 25, n. 4, p. 605-622, 1980.
  • MORGAN, G. Imagens da organização São Paulo: Atlas, 1996.
  • MORIN, E. Relier les connaissances Paris: Edition du Seuil, 1999.
  • RAMOS, A. G. A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações. Rio de Janeiro: FGV, 1981.
  • RICE, A. K. Productivity and social organization in an Indian weaving shed: an examination of the socio-technical system of an experimental automatic loom shed. Human Relations, v. 6, n. 4, p. 297-329, 1953.
  • TRIST, E. L.; Bamforth, K. W. Some social and psychological consequences of the long wall method of coal-getting. Human Relations, v. 4, p. 3-38, 1951.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jan 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 2012
Editora Mackenzie; Universidade Presbiteriana Mackenzie Rua da Consolação, 896, Edifício Rev. Modesto Carvalhosa, Térreo - Coordenação da RAM, Consolação - São Paulo - SP - Brasil - cep 01302-907 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.adm@mackenzie.br