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A interface entre valores humanos e mudança organizacional: evidências de uma operação de aquisição

La interfaz entre los valores humanos y el cambio organizacional: la evidencia de una operación de adquisición

The interface between human values and organizational change: evidences of an acquisition operation

Resumos

Este artigo apresenta uma discussão sobre os valores humanos a partir de uma situação de abrupta mudança organizacional gerada por uma operação de aquisição. O objetivo desta pesquisa teórico-empírica foi compreender como os funcionários que vivenciaram a operação de aquisição da instituição financeira em que trabalhavam conseguiram lidar com essa situação a partir dos valores humanos. A pesquisa é qualitativa, descritiva, de corte temporal seccional com perspectiva longitudinal. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e interpretados pela técnica da análise de conteúdo. A lente teórica deste estudo se sustentou no modelo de Rohan (2000), sobre o sistema de valores pessoais, o qual traz como inovação a ideia de que os valores têm mais do que um papel na sobrevivência dos indivíduos por serem, conforme denomina a autora, guias para a melhor forma possível de viver. Os resultados nos levam a concluir que, embora haja divergências nos sistemas de valor pessoal e de prioridade social dos entrevistados, ou seja, no modo como eles encaram e guiam seus comportamentos e atitudes diante de uma mesma situação, eles encontraram a melhor forma possível de viver perante a operação de aquisição, na medida em que conseguiram respeitar e preservar seus valores pessoais para se adaptarem às novas circunstâncias de trabalho, sem que isso lhes representasse sofrimento. Essa interface entre os valores humanos dos entrevistados e a mudança organizacional por eles vivenciada ressalta, portanto, aspectos que vão além da adaptação dos indivíduos para sobrevivência e para a participação em uma sociedade. Ao mesmo tempo, mostra que a complexa formação de um grupo pode conter sistemas de priorização de valores pessoais e sociais diversos em diálogo, sem com isso implicar homogeneidade para lidar com uma mesma situação. Essa compreensão justifica, finalmente, o motivo pelo qual os funcionários, ao preservarem os seus valores, desenvolveram novas atitudes e comportamentos que lhes deram condições de permanecer trabalhando na instituição adquirente, pois, ao fornecerem diferentes significados à situação vivenciada, experimentaram novas formas de pensar e sentir o seu fazer.

Ambiente de trabalho; Comportamento humano; Mudança organizacional; Relações de trabalho; Valores


En este artículo se presenta una discusión sobre los valores humanos a partir de una situación de cambio organizacional brusco, generado por un proceso de adquisición. El objetivo de esta investigación, de carácter teórico y empírico, fue entender cómo los empleados que experimentaron la adquisicón de la entidad financiera en que trabajaban, fueron capaces de manejar esta situación a partir de los valores humanos. La investigación es cualitativa, descriptiva, de corte temporal por secciones y con perspectiva longitudinal. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semi-estructuradas con los empleados restantes y la interpretación utilizó la técnica de análisis de contenido. El objetivo teórico de este estudio se mantuvo en el modelo de Rohan (2000), sobre el sistema de valores humanos, lo que aporta innovación a la idea de que los valores tienen más que una función en la supervivencia de los individuos, ya que son, cómo el autor llama, las guías de la mejor manera posible de vivir. Los resultados nos llevan a concluir que existen diferencias en los sistemas de valores de prioridad personal y social de los encuestados, en otras palabras, diferencias en la manera de ver y guiar sus comportamientos y actitudes en la situación, pero todos encontraron la mejor manera de vivir en la situación de adquisición, ya que lograron respetar y preservar sus valores personales, para adaptarse a las nuevas circunstancias de trabajo, sin sufrimiento. Esta interfaz entre los valores humanos de los encuestados y el cambio organizacional experimentado por ellos muestra aspectos que van más allá de lá adptación para la supervivencia de los individuos y la participación en sociedad. Al mismo tiempo, muestra que la compleja formación de un grupo puede contener esquemas de priorización de valores personales y sociales diversos, pero en diálogo, sin implicar homogeneidad en la manera de enfrentarse con una situación. Esta comprensión justifica, por último, porqué los empleados, para preservar sus valores, desarrollaron nuevas actitudes y comportamientos que los ponen en condiciones de permanecer trabajando en la entidad adquirente. Porqué cuando proporcionan significados distintos a la situación vivida, experimentan nuevas formas de pensar y sentir el trabajo.

Ambiente de trabajo; Comportamiento humano; Cambios organizacionales; Relaciones de trabajo; Valores


This article presents a discussion about human values in a situation of abrupt change caused by an acquisition operation. The aim of this theoretical and empirical research is to understand how the employees, who experienced the acquisition of the institution where they worked, managed to cope with the situation, considering their human values. This is a descriptive qualitative research, with a sectional temporal cut and a longitudinal perspective. Data was collected by structured interviews and interpreted with of content analysis technique. Rohan's (2000) theoretical model, of a dynamic human values system, has been used as the lens through which the empirical findings are interpreted. This approach brings as innovation to previous discussions that values are more than part of a person's survival. Instead, this author takes them as orientations that allow people to live the best way they can. The results led us to conclude that, although there are differences between the personal value systems and social priority systems of the interviewees, each one found his/her way to adapt to the new circumstances respecting and preserving such value systems, avoiding suffering. This interface, between the human values of the interviewees and the organizational change they experienced, points out to aspects that go beyond survival and being part of a society. At the same time, it showed that the complex formation of a group may contain different systems of personal and social values prioritization in interaction, which does not mean reaching a homogeneous way to cope with the situation. This comprehension justifies why, preserving their values, the employees developed new attitudes and behaviors that allowed them to continue in their jobs: because they gave new meanings to the experienced situation through new ways of feeling and thinking about their work.

Workplace; Human behavior; Organizational change; Work relations; Values


a02v14n2

GESTÃO HUMANA E SOCIAL

A interface entre valores humanos e mudança organizacional: evidências de uma operação de aquisição

The interface between human values and organizational change: evidences of an acquisition operation

La interfaz entre los valores humanos y el cambio organizacional: la evidencia de una operación de adquisición

Claudia Segadilha AdlerI; André Luis SilvaII

IDoutoranda em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Presbiteriana Mackenzie (PPGA-UPM). Rua Consolação, 896, Consolação, São Paulo – SP – Brasil – CEP 01302-907 E-mail: claudiaadler@globo.com

IIDoutorando em Administração pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (Eaesp-FGV). Rua Itapeva, 474, sala 1.103, Bela Vista, São Paulo – SP – Brasil – CEP 01332-000 E-mail: andre.luis.silva@gmail.br

RESUMO

Este artigo apresenta uma discussão sobre os valores humanos a partir de uma situação de abrupta mudança organizacional gerada por uma operação de aquisição. O objetivo desta pesquisa teórico-empírica foi compreender como os funcionários que vivenciaram a operação de aquisição da instituição financeira em que trabalhavam conseguiram lidar com essa situação a partir dos valores humanos. A pesquisa é qualitativa, descritiva, de corte temporal seccional com perspectiva longitudinal. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e interpretados pela técnica da análise de conteúdo. A lente teórica deste estudo se sustentou no modelo de Rohan (2000), sobre o sistema de valores pessoais, o qual traz como inovação a ideia de que os valores têm mais do que um papel na sobrevivência dos indivíduos por serem, conforme denomina a autora, guias para a melhor forma possível de viver. Os resultados nos levam a concluir que, embora haja divergências nos sistemas de valor pessoal e de prioridade social dos entrevistados, ou seja, no modo como eles encaram e guiam seus comportamentos e atitudes diante de uma mesma situação, eles encontraram a melhor forma possível de viver perante a operação de aquisição, na medida em que conseguiram respeitar e preservar seus valores pessoais para se adaptarem às novas circunstâncias de trabalho, sem que isso lhes representasse sofrimento. Essa interface entre os valores humanos dos entrevistados e a mudança organizacional por eles vivenciada ressalta, portanto, aspectos que vão além da adaptação dos indivíduos para sobrevivência e para a participação em uma sociedade. Ao mesmo tempo, mostra que a complexa formação de um grupo pode conter sistemas de priorização de valores pessoais e sociais diversos em diálogo, sem com isso implicar homogeneidade para lidar com uma mesma situação. Essa compreensão justifica, finalmente, o motivo pelo qual os funcionários, ao preservarem os seus valores, desenvolveram novas atitudes e comportamentos que lhes deram condições de permanecer trabalhando na instituição adquirente, pois, ao fornecerem diferentes significados à situação vivenciada, experimentaram novas formas de pensar e sentir o seu fazer.

Palavras-chave: Ambiente de trabalho; Comportamento humano; Mudança organizacional; Relações de trabalho; Valores.

ABSTRACT

This article presents a discussion about human values in a situation of abrupt change caused by an acquisition operation. The aim of this theoretical and empirical research is to understand how the employees, who experienced the acquisition of the institution where they worked, managed to cope with the situation, considering their human values. This is a descriptive qualitative research, with a sectional temporal cut and a longitudinal perspective. Data was collected by structured interviews and interpreted with of content analysis technique. Rohan's (2000) theoretical model, of a dynamic human values system, has been used as the lens through which the empirical findings are interpreted. This approach brings as innovation to previous discussions that values are more than part of a person's survival. Instead, this author takes them as orientations that allow people to live the best way they can. The results led us to conclude that, although there are differences between the personal value systems and social priority systems of the interviewees, each one found his/her way to adapt to the new circumstances respecting and preserving such value systems, avoiding suffering. This interface, between the human values of the interviewees and the organizational change they experienced, points out to aspects that go beyond survival and being part of a society. At the same time, it showed that the complex formation of a group may contain different systems of personal and social values prioritization in interaction, which does not mean reaching a homogeneous way to cope with the situation. This comprehension justifies why, preserving their values, the employees developed new attitudes and behaviors that allowed them to continue in their jobs: because they gave new meanings to the experienced situation through new ways of feeling and thinking about their work.

Keywords: Workplace; Human behavior; Organizational change; Work relations; Values.

RESUMEN

En este artículo se presenta una discusión sobre los valores humanos a partir de una situación de cambio organizacional brusco, generado por un proceso de adquisición. El objetivo de esta investigación, de carácter teórico y empírico, fue entender cómo los empleados que experimentaron la adquisicón de la entidad financiera en que trabajaban, fueron capaces de manejar esta situación a partir de los valores humanos. La investigación es cualitativa, descriptiva, de corte temporal por secciones y con perspectiva longitudinal. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semi-estructuradas con los empleados restantes y la interpretación utilizó la técnica de análisis de contenido. El objetivo teórico de este estudio se mantuvo en el modelo de Rohan (2000), sobre el sistema de valores humanos, lo que aporta innovación a la idea de que los valores tienen más que una función en la supervivencia de los individuos, ya que son, cómo el autor llama, las guías de la mejor manera posible de vivir. Los resultados nos llevan a concluir que existen diferencias en los sistemas de valores de prioridad personal y social de los encuestados, en otras palabras, diferencias en la manera de ver y guiar sus comportamientos y actitudes en la situación, pero todos encontraron la mejor manera de vivir en la situación de adquisición, ya que lograron respetar y preservar sus valores personales, para adaptarse a las nuevas circunstancias de trabajo, sin sufrimiento. Esta interfaz entre los valores humanos de los encuestados y el cambio organizacional experimentado por ellos muestra aspectos que van más allá de lá adptación para la supervivencia de los individuos y la participación en sociedad. Al mismo tiempo, muestra que la compleja formación de un grupo puede contener esquemas de priorización de valores personales y sociales diversos, pero en diálogo, sin implicar homogeneidad en la manera de enfrentarse con una situación. Esta comprensión justifica, por último, porqué los empleados, para preservar sus valores, desarrollaron nuevas actitudes y comportamientos que los ponen en condiciones de permanecer trabajando en la entidad adquirente. Porqué cuando proporcionan significados distintos a la situación vivida, experimentan nuevas formas de pensar y sentir el trabajo.

Palabras clave: Ambiente de trabajo; Comportamiento humano; Cambios organizacionales; Relaciones de trabajo; Valores.

1 INTRODUÇÃO

Ao longo dos anos, os processos de mudanças vêm modificando continuamente o ambiente organizacional. Para lidarem com esse contexto, as organizações, ocasionalmente, têm lançado mão de alternativas estratégicas, tais como fusões e aquisições, para se manterem competitivas no mercado. Inseridas nesse cenário de abruptas mudanças estão as pessoas que são, pois, fortemente impactadas em seus ambientes de trabalho. Tal como afirmam Caldas e Tonelli (2001), embora o discurso organizacional predominante em operações dessa natureza seja garantir um futuro organizacional promissor, o desempenho das pessoas no ambiente de trabalho é afetado e fica comprometido, já que nelas, por vezes, emergem sentimentos negativos como o medo, a angústia e a ansiedade, em face da sensação de incerteza que se instaura nas mais distintas esferas de sua vida, sobretudo na dimensão profissional. Mas algo que chama atenção é o fato de que, em situações de abrupta mudança organizacional, as pessoas têm alterada a sua relação com ambiente de trabalho. Surgem novos significados que orientam a readequação de seus comportamentos ao novo contexto. Em muito, essa readequação é guiada pelos valores pessoais dos indivíduos que vivenciam a situação. Isso porque os valores são elementos que orientam a construção de um sistema pelo qual as pessoas fazem suas escolhas, em termos de atitude e comportamento, perante situações da vida (ROHAN, 2000).

Os valores, além de orientarem as atividades e decisões das pessoas, são também uma expressão das necessidades humanas, pois fornecem uma base racional para justificar o comportamento manifesto diante de determina situação da vida. Essa justificativa é tanto para a própria pessoa como para os outros à sua volta. E isso ocorre pelo fato de fazerem com que a pessoa consiga preservar a autoestima e também viabilizar o seu convívio social (ROKEACH, 1973).

É por meio de seus sistemas de valores que as pessoas conseguem estabelecer prioridades que passam a nortear seu comportamento e suas atitudes diante de situações da vida. É nesse sentido que, para Rohan (2000, p. 263), as pessoas querem mais do que apenas sobreviver, de modo que as prioridades de valor pessoais se tornam guias para a "melhor forma possível de viver". Nessa perspectiva teórica, as pessoas não apenas sobrevivem e evitam a dor perante situações da vida, mas também conseguem viver de forma mais produtiva e prazerosa, ao lidarem com as circunstâncias com as quais se deparam por meio de seus sistemas de valores. Ou seja, é mais do que sobreviver e satisfazer necessidades. Contudo, é preciso considerar que as prioridades de valor estabelecidas pela pessoa se alteram em face de mudanças do ambiente e em sua vida pessoal (ROHAN, 2000). E é exatamente nessas ocasiões que a pessoa, por meio de seu sistema de valores, consegue dar um significado à melhor forma possível de viver, para ela, em face de situações com as quais se defronta ao longo da vida.

Considerando que as mudanças organizacionais oriundas de operações de fusões e/ou aquisições geram fortes impactos na vida das pessoas envolvidas na situação, entendemos que é por meio da perspectiva de valores que elas conseguem dar significado aos impactos da abrupta situação e lidar com eles. Considerando ser apropriado um estudo teórico-empírico sobre essa questão, neste artigo utilizamos a lente teórica sobre valores humanos de Rohan (2000) para interpretar os relatos de funcionários que vivenciaram a operação de aquisição, por outra instituição nacional, da instituição financeira internacional em que trabalhavam. O objetivo é compreender, a partir da perspectiva teórica adotada, como tais funcionários conseguiram lidar com essa situação de abrupta mudança a partir dos valores humanos.

A busca por esse objetivo se justifica por realizar a intersecção entre preceitos teóricos e dados empíricos, para o estudo dos valores humanos, em interface direta com o contexto organizacional. Entendemos que, ao se compreender como as pessoas lançam mão de seu sistema de valores para lidar com as situações de abruptas mudanças organizacionais, contribui-se para uma prática da gestão consciente a respeito dos valores, além de ampliar o entendimento sobre o processo pelo qual as pessoas lidam com condições inesperadas em ambientes de trabalho em transformação.

A contar desta introdução, o texto está organizado em cinco seções. Inicialmente, apresentamos o delineamento teórico sobre valores humanos e comportamento, principalmente por meio da proposta de Rohan (2000) sobre o sistema de valores pessoais. Em seguida, apresentamos os procedimentos metodológicos da pesquisa. Posteriormente, realizamos a apresentação e interpretação dos dados empíricos coletados à luz do aporte teórico levantado. Por fim, realizamos as conclusões do estudo, apontamos suas limitações e indicamos direções para futuras pesquisas.

2 VALORES HUMANOS E COMPORTAMENTO

As pesquisas sobre valores começaram há quase um século, tendo-se os trabalhos de Thomas e Znaniecki (2004), Lewin (1935), Allport (1966), Parsons (1961), Kluckhon (1951), Rokeach (1973) e Schwartz (1992, 1999) como exemplos. Tais pesquisas apresentam considerável volume de contribuição, e diferentes conceitos de valores foram gerados. Na visão de Ros (2006), isso cria diversas perspectivas na pesquisa sobre valores, de acordo com o nível psicossocial de análise: sociológica, psicológica, antropológica. Essa autora tenta traçar os antecedentes históricos no estudo dos valores humanos e, para tal, posiciona Thomas e Znaniecki (2004) e Parsons (1961) na tradição sociológica e psicológica, e Maslow (1960) e Rokeach (1973) como "expoentes do legado" (ROS, 2006, p. 24), sobre os quais as contribuições teóricas dos anos 1970 a 1990 se desenvolveram. Esse período é dividido teoricamente pela autora, que considera os trabalhos de MacClelland (1972) e de Kohn e Schooler (1983) como especialmente relevantes, por mostrarem a relação entre estrutura social e valores, nos anos 1970, e as teorias transculturais sobre valores, no plano individual e cultural, como a de Schwartz (1992, 1999), são identificadas como o marco dos anos 1980 e 1990.

Os desenvolvimentos recentes de pesquisas sobre os valores humanos abordam diferentes questões e enfoques teóricas. Segundo Jesuino, Torres e Teixeira (2012), o progresso em tal campo de estudos é significativo, mas ainda incipiente no Brasil. Se tomarmos como exemplo pesquisas apresentadas no 3º Simpósio Internacional de Valores Humanos e Gestão, realizado em 2011, teremos trabalhos que utilizam a teoria funcionalista de valores; a teoria de valores de Schwartz; estudos transculturais de valores; estudos sobre a relação entre valores culturais e liderança; valores pessoais e adaptação de expatriados; e valores e criatividade.

Outro exemplo é o estudo de Bardi e Goodwin (2011) no qual os autores discutem a inter-relação entre a perspectiva dos valores humanos, baseados em Bardi, Calogero e Mullen (2008), Maio (2010), Roccas e Sagiv (2010), Schwartz (1992, 2004) e Rokeach (1973), para discutir a temática em interface com mudanças provocadas por fatores externos. Embora os autores proponham um modelo para compreensão do processo de como ocorre as alterações de valores individuais em situações de mudanças externas, o argumento central discutido é que se faz necessário, primeiramente, compreender quais são os valores individuais e da cultura da qual os valores são oriundos, para que seja possível acessar um entendimento mais consistente sobre os valores humanos, mudança e, portanto, sobre o valor da mudança.

Já Knafo, Roccas e Sagiv (2011) abordam a questão dos valores da perspectiva transcultural de Schwartz. Os autores argumentam, tomando como base uma definição de valores pautada nas obras de Rokeach (1973), Rohan (2000) e Schwartz (1992), que a relação entre valores e culturas pode ser compreendida por meio do nível individual, que expressa o amplo quadro de valores que orientam as interpretações dos indivíduos, suas ações e preferências. Mas não se pode deixar de levar em consideração que outro nível também auxilia nessa compreensão – o cultural, que reflete sobre os valores a partir da dimensão dos grupos e como estes conseguem desenvolver respostas diante dos desafios existenciais e das instituições sociais com as quais lidam em sua vida coletiva.

Outra perspectiva de estudo sobre o tema valores humanos pode ser vista no trabalho de Srinivasan (2011). O autor, ao buscar compreender a dinâmica que estrutura as características gerais das profissões na vida contemporânea, percebe que elas estão imbuídas de conhecimento e atividades altamente especializadas. Essa característica, segundo o autor, abre espaço para o debate sobre quais são os valores que podem levar à qualidade e à excelência no desenvolvimento do trabalho profissional realizado atualmente. Para tanto, o autor ressalta que os valores que orientam o trabalho profissional contemporâneo comumente acabam sendo entendidos como reflexo do conhecimento e habilidade do indivíduo, e, por esse motivo, são os valores os responsáveis por criar condições para que o indivíduo possa atingir a excelência profissional.

Como podemos observar, o debate contemporâneo sobre valores humanos tem emergido de esforços de pesquisa em torno de distintas questões e aspectos a serem considerados quando no trato desse construto; contudo, há uma repetição na presença de abordagens teóricas como as de Schwartz, Rohan e Kluckhohn. Tais teorias são consideradas "teorias e modelos já estabelecidos", como foram chamadas por Jesuino, Torres e Teixeira (2012, p. 15). Contudo, pesquisas empíricas com foco como o deste trabalho, cujo propósito é discutir a perspectiva dos valores humanos a partir de uma situação de abrupta mudança organizacional, não foram encontradas. Entendemos que os novos estudos sobre a temática dos valores humanos não elucidaram essas questões, sendo, portanto, apropriado utilizar essas teorias "estabelecidas" para fazer tal discussão. Isso porque consideramos ser coerente incorporar novos campos empíricos para o estudo e debate sobre os valores humanos, por ser essa uma forma de encontrar novas maneiras para pensar o assunto.

Sendo assim e estando de acordo com a intenção deste trabalho, serão revisadas, a partir de agora, as ideias de Kluckhohn (1951), Rokeach (1973), Schwartz (1992, 1999) e Rohan (2000), com maior foco no trabalho da última, por considerarmos essas obras relevantes para compreender a relação dos valores com o comportamento humano nas organizações. Por mais que esse não seja o único recorte teórico possível para estudar a perspectiva dos valores humanos em interface com um fenômeno organizacional, há que ressaltar que as perspectivas teóricas defendidas por tais autores são comensuráveis quanto a seus pressupostos básicos, o que conflui para atingir o objetivo desta investigação. Isso porque essa escolha pautou-se, sobretudo, nas características do problema pesquisado:

Como os funcionários que vivenciaram a operação de aquisição da instituição financeira internacional, ao serem impactados pelas transformações organizacionais geradas no ambiente de trabalho, conseguiram lidar com essa situação de abrupta mudança a partir dos valores humanos?

Kluckhohn (1951) considera valor um produto da socialização. Para ele, valor é uma concepção (construção lógica), explícita ou implícita, própria de um indivíduo ou característica de um grupo, sobre o desejável, que permite a vida social. Isso influencia na seleção dos modos, meios e fins das ações acessíveis. Há elementos afetivos, cognitivos e seletivos que criam um sistema de ação, pois "ações são compromissos entre motivação, condições situacionais, meios acessíveis, meios e metas interpretados de acordo com os valores" (KLUCKHOHN, 1951, p. 452, tradução nossa).

Para explicar esse sistema de ação, Kluckhohn (1951) define dois tipos de proposição: normativas e essenciais. As primeiras relacionam-se diretamente ao comportamento, à ação, o que deve ou não ser feito, constituindo-se em proposições fáticas, que tratam das relações meios-fins. As segundas são proposições existenciais, relacionadas às ideias. São como guias para os valores fundamentais, pois descrevem a natureza e as inter-relações necessárias dos fenômenos naturais. Tratam do que é, constituindo-se em proposições avaliativas, sobre as relações de causa-efeito. Dessa forma, a união desses dois tipos de proposição se dá no esforço do indivíduo (ator) para aproximar-se de um objeto (ou meta) valorizado.

Para Kluckhohn (1951), as dimensões cognitivas e afetivas da vida do indivíduo ganham coerência por meio das orientações de valor. Estas formam um conjunto de proposições interligadas que compreende elementos valorativos e existenciais, dando assim coerência às duas dimensões supracitadas. É uma "filosofia" que orienta a vida da pessoa. Elas incluem noções gerais, organizadas e juízos existenciais definidos para criar essa "filosofia". Portanto, são os valores que servem de base para a construção dessa "filosofia".

Para estudar os valores e orientações de valor, o autor propõe dimensões de análise: de modalidade; de conteúdo; de propósito; de generalidade; de intensidade; de explicitude; e de alcance. A última é a que discute a difusão do valor, que pode ser um indivíduo ou toda a humanidade, apontando para a questão do nível de análise adotado pela discussão a respeito de valores: valores individuais são idiossincráticos, ao passo que valores grupais são fins e meios ratificados socialmente, que têm um caráter funcional para o grupo e para a estrutura social existente. Ou seja, é a partir da definição e da relação entre tais dimensões que se pode esclarecer a construção do esquema que orientará as ações.

Rokeach (1973), assim como Kluckhohn (1951), considera os valores como pertencentes ao sujeito e como produto da socialização, pois o "valor é uma crença, relativamente duradoura, de que uma conduta ou finalidade de existência é pessoal ou socialmente preferível a um modo oposto ou inverso de conduta ou finalidade de existência" (KLUCKHOHN, 1951, p. 5, tradução nossa). Portanto, como crenças, possuem componentes cognitivos, afetivos e comportamentais. Para Rokeach (1973), na pesquisa sobre o tema, cinco pressupostos sobre a natureza dos valores humanos devem ser considerados: o número total dos valores possuídos por um indivíduo é relativamente pequeno; são universais; o que muda é o grau em que se manifestam; são organizados em sistemas de valores; podem-se traçar seus antecedentes na cultura, sociedade, instituições e na personalidade do sujeito; e as consequências dos valores humanos manifestam-se nos fenômenos sociais.

Para esse autor, um sistema de valores é uma organização de crenças a respeito do preferível (preferência e concepção do preferível) em um continuum de importância relativa, na qual os valores servem de base para justificar, para si e para os outros, as ações realizadas. Assim como os valores são relativamente duradouros, os sistemas também o são. Esse "relativamente" refere-se à questão de que, caso os valores fossem completamente estáveis, seriam imutáveis, e, se fossem altamente instáveis e mutantes, não haveria nenhum tipo de continuidade, o que inviabilizaria a formação das sociedades.

Ao mesmo tempo que Rokeach (1973) identifica a participação da questão biológica e das necessidades humanas na formação do sistema de valores, propõe que os valores são aprendidos. Depois de aprendidos, passam a fazer parte de um sistema de valores no qual estes são ordenados hierarquicamente. Dessa forma, há uma dualidade: "pode-se argumentar que o número total de valores é aproximadamente igual ou limitado pela maquiagem social e biológica do homem e, mais particularmente, por suas necessidades" (ROKEACH, 1973, p. 11, tradução nossa). Nessa relação, além de orientadores das atividades e decisões, os valores são uma expressão das necessidades humanas, o que aponta para seu aspecto motivacional. Dessa maneira, fornecem uma base racional para justificar o comportamento, para si e para os outros, preservando a autoestima e viabilizando o convívio social.

Em 1992, Schwartz avança o trabalho de Rokeach ao afirmar que os valores individuais são objetivos ou metas que variam em importância e guiam a vida das pessoas. Schwartz (1992) considerou que as necessidades humanas universais se estruturam em um sistema de compatibilidades e oposições, em um continuum de motivações, distribuídas em duas grandes dimensões: abertura à mudança versus conservação e autotranscendência versus autopromoção. Esses objetivos ou metas têm uma função adaptativa que permite ao sujeito sobreviver em seu meio social.

Schwartz (1992, 1999) explica os valores como concepções do desejável, os quais guiam as ações dos atores sociais, a partir da avaliação que é feita de pessoas e eventos, e explicam tais ações e avaliações. Dessa forma, os valores são critérios intrassubjetivos. Tais critérios são utilizados em diferentes situações, o que os coloca como transituacionais. Além disso, Schwartz (1999) afirma que os membros de grupos culturais compartilham experiências relevantes quanto aos valores. Esse compartilhamento entra no processo de socialização para que haja valores sociais compartilhados, sendo as instituições sociais outra fonte de reforço desses valores. Portanto, ao longo do processo de adaptação à realidade social e de socialização, ocorre um processo de troca de experiências sobre valores, passível de influenciar a hierarquização adotada pelos indivíduos.

É possível perceber, em relação aos autores previamente explicados, uma visão funcional e adaptativa sobre os valores. As orientações por eles fornecidas permitem o convívio e a cooperação, sem que isso prejudique o atendimento das necessidades do sujeito. Ou seja, os autores mostram o papel dos valores para a sobrevivência das pessoas. No caso de Rohan (2000), contudo, sobreviver não é suficiente. Os sujeitos buscam a "melhor forma de viver" (ROHAN, 2000, p. 263). Ou seja, as pessoas buscam não apenas equilibrar as demandas desejadas e desejáveis, mas também fazer a melhor configuração possível para alcançar o máximo que puderem de seus desejos dentro do que é possível.

Rohan (2000) afirma que Schwartz e Bilsky (1987) discutem os valores em termos daquilo que é desejado e desejável, como um constructo que lida com três demandas humanas universais para construção de sua priorização: necessidades biológicas, demandas de interação social e demandas sociais (institucionais) de bem-estar e sobrevivência do grupo. Então, ela afirma que as pessoas não são movidas apenas pelas necessidades básicas de sobrevivência, mas também pelo desejo de viver o mais prazerosa e produtivamente possível. E, após argumentar sobre essa questão da sobrevivência, propõe que as prioridades de valor são guias para a melhor forma possível de viver, de maneira que os aspectos desejáveis e desejados podem ser integrados na priorização, para que as pessoas possam não apenas sobreviver e evitar a dor, mas viver da forma mais produtiva e prazerosa possível. Assim, as prioridades de valor poderão mudar devido a mudanças contextuais, tais como uma mudança na situação de vida da pessoa, o que a leva a rever o que para ela significa a melhor forma possível de viver, como no caso de alguém que trabalha em uma organização que passou por um processo de aquisição.

Para Rohan (2000), as pessoas possuem dois sistemas de valores: o pessoal e o social. Sistema de valores é uma estrutura dinâmica que permite compreender as atitudes e os comportamentos (decisões) adotados na priorização de tipos de valores; sem uma teoria sobre a estrutura do sistema de valores subjacente, é impossível entender as consequências da alta prioridade atribuída a um tipo de valor de prioridades atribuídas a outros tipos de valor. O sistema de valores pessoais trata das prioridades de valor da própria pessoa, que possibilitam viver melhor, e o sistema de valor social trata da percepção que se tem das prioridades de valor dos outros. Dessa forma, o sujeito integra, de modo dinâmico, os aspectos relativos ao desejável e ao desejado. Com isso, pode-se ir além da sobrevivência e buscar uma vida que concilie a satisfação de necessidades e fuga de ameaças com o prazer. Contudo, por poder pertencer a diversos grupos, uma pessoa pode ter mais de um sistema de valor social. Assim, a busca por conciliar o desejado com o desejável leva em consideração tais sistemas de valores. Além destes, possivelmente, um terceiro sistema de valores é utilizado no processo de priorização: o ideológico. Esse sistema se constitui daquilo que é endossado ou promovido pelo grupo. As ideologias são construções linguísticas/discursivas carregadas de valor usadas pelas pessoas em suas decisões ou depois delas.

Na visão de Rohan (2000), valor é considerado um princípio analógico: a partir de experiências passadas, organizam-se informações que facilitam a interpretação de novos estímulos. Ou seja, permite dar significado a novas experiências pela bagagem anteriormente acumulada, tornando-as coerentes e, com isso, identificando o comportamento considerado como mais adequado pelo julgamento daquilo que permite ao sujeito viver melhor. Outro conceito importante de sua obra é o de visão de mundo, que é constituído pelas crenças conscientes que o sujeito possui sobre o mundo. Com isso, a autora explica o processo de decisão a partir dos seguintes elementos: a relação entre decisões (ações/atitudes) e os sistemas de valores e a visão de mundo; as trocas contínuas entre sistema de valores pessoais, visão de mundo e sistema de valores sociais; a participação da ideologia antes ou depois da decisão; e a retroação da explicação/justificativa/ promoção para visão de mundo, realimentando o processo.

Dessa maneira, entende-se que a proposta de Rohan (2000) permite uma compreensão mais adequada da resposta dada pelos indivíduos que passaram por um processo de mudança abrupta em seu ambiente de trabalho, uma aquisição. Isso porque seu sistema de priorização de valores explica uma estrutura dinâmica, orientadora das escolhas dos indivíduos, que busca conciliar o desejado e o desejável de modo a alcançar a forma mais prazerosa e produtiva possível de viver nessa nova experiência de vida. Ou seja, permite apreender a forma como tais pessoas buscaram interpretar e reagir a essa experiência, indo além da fuga da dor, do adoecimento e da busca pela sobrevivência, mas encontrando a melhor forma possível de viver com ela.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para abordar a interface entre valores humanos e mudança organizacional, esta pesquisa está orientada pela concepção interpretativista. Esse argumento aponta para aquilo que Guba e Lincoln (1994) definem como o paradigma de pesquisa que, nesse caso, está orientado para o entendimento da realidade pesquisada como dotada de significado, construída, local e específica, não tendo a pretensão de generalizar as descobertas de forma ampla. Ao ser uma pesquisa interpretativista, este é um estudo de natureza qualitativa por ser, como aponta Cunliffe (2011), uma abordagem subjetivista cujo núcleo de pressupostos ontológicos nos leva a compreender a natureza da realidade social a partir das perspectivas e interpretações das diferentes pessoas envolvidas no evento, fato, processo ou experiência investigada. Assim, este artigo enquadra-se como uma pesquisa qualitativa interpretativa básica (MERRIAM, 2002), que possui dados empíricos provenientes do campo.

Buscaremos atingir o objetivo deste estudo pela perspectiva descritiva, ao considerarmos que esse tipo de pesquisa permite ao pesquisador perceber e interpretar os sentidos que uma pessoa atribuiu à sua ação ao vivenciar o fenômeno, ajudando-o, como aponta Creswell (2010), a compreender os sentidos e significados que a pessoa atribuiu ao fenômeno vivenciado, como é o caso neste artigo. Ademais, partilhamos da afirmação de Moreira (2004), que alerta sobre o fato de que a pesquisa qualitativa e descritiva tem, per si, o seu foco na interpretação e, portanto, é apropriada para o estudo do comportamento humano, pois se trata do estudo das relações que se constroem pela interação das pessoas. E, sendo o processo de construção do comportamento humano altamente interpretativo, entendemos que surgem condições para que, nesta pesquisa, seja possível apreender as experiências vividas pelas pessoas, na interação com as demais, ao vivenciarem o fenômeno objeto desta investigação.

Quanto ao corte temporal, a pesquisa é seccional com perspectiva longitudinal. Embora nesse corte de pesquisa a coleta de dados seja feita em um único momento, o pesquisador precisa resgatar informações de períodos anteriores, pois "o foco está no fenômeno e na forma como se caracteriza no momento da coleta, e os dados resgatados do passado são, normalmente, utilizados para explicar a configuração atual do fenômeno" (VIEIRA, 2004, p. 21). Nesta pesquisa, os dados foram coletados em 2010, mas resgataram-se fatos ocorridos em 2006.

A escolha dos participantes de pesquisa foi realizada de maneira intencional e não aleatória. Para garantir a validade interna da composição do conjunto de sujeitos de pesquisa, foi utilizada a técnica de snowball (APPOLINÁRIO, 2006). A aplicação dessa técnica se iniciou com o contato do pesquisador com um participante inicial que atendia a todos os critérios requeridos para formação do conjunto de participantes. Isto é, foram pontualmente atendidos os três critérios para seleção dos participantes, a saber: funcionários que trabalhavam na instituição financeira adquirida (aqui denominada banco I, por se tratar de uma instituição internacional); que vivenciaram a operação de aquisição, no ano de 2006; e que ainda exerciam suas atividades de trabalho na instituição adquirente (aqui denominada banco N, por se tratar de uma instituição nacional, e não termos a permissão para mencionar o seu nome neste artigo) até 2010, ano em que foi realizada a coleta de dados. Do conjunto de oito pessoas encontradas, que atendiam a todos os critérios para formação do grupo de participantes-foco de pesquisa, uma pessoa optou por não participar e outra estava de férias na ocasião de coleta dos dados, não podendo, portanto, participar deste estudo. Assim, a pesquisa contou com a participação de seis pessoas.

A coleta dos dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada. Para que as perguntas feitas aos participantes da pesquisa fossem respondidas de maneira mais espontânea possível, foi garantido o anonimato; por isso, ao longo da transcrição de seus depoimentos, foram denominados B1, B2, B3, B4, B5 e B6. O local de coleta dos depoimentos foi escolhido de acordo com a preferência e interesse de cada um dos seis participantes. Para ser possível conhecer um pouco mais das características dos entrevistados, observamos que: todos possuíam, no mínimo, formação superior (nível graduação); o entrevistado mais jovem tinha 27 anos, e o mais experiente, 53 anos; por fim, todos atuavam como bancários desde sua iniciação profissional, ou seja, desde os primeiros empregos. Contudo, eles se iniciaram profissionalmente em diferentes instituições financeiras, até que, no decorrer da vida profissional, obtiveram oportunidades de trabalho no banco I, passando assim a trabalhar para a mesma instituição financeira.

Esclarecidas as informações sobre os participantes da pesquisa, indicamos que os relatos coletados foram interpretados por meio da técnica de análise de conteúdo, proposta por Sonpar e Golden-Biddle (2008). A escolha dessa técnica se deu pelo fato de ela ser formada por procedimentos sistemáticos que dariam condições para que, no processo de interpretação dos dados da pesquisa, fosse possível enfatizar os conteúdos subjacentes das mensagens implícitas e explícitas das falas dos participantes, tal como foi realizado. Assim, muitos dos detalhes do processo de interpretação e articulação dos dados, à luz dos preceitos teóricos sobre valores humanos, serão detalhados na próxima seção.

4 APRESENTAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS COLETADOS

Com a finalidade de compreendermos a forma como os funcionários que vivenciaram a operação de aquisição de uma instituição financeira internacional por uma instituição financeira nacional encararam essa abrupta mudança no ambiente de trabalho, a partir da perspectiva dos valores humanos, perguntamos, inicialmente, aos participantes de pesquisa: "Como você reagiu perante a situação?". Obtivemos os seguintes relatos:

B1

[...] a minha reação?... [pensativa] Primeiro eu queria saber qual banco tinha comprado ele [o banco I] [esboça leve sorriso]... Você fica meio com medo, mas é... [pausa] a princípio... não dá assim pra você ter uma reação... imediata, né? Você fica meio perdido. Uma coisa que você não espera.

B2

Ah, levei um "chacoalhão", né? Bate um receio... Ah, você não sabe o que vai dar no outro banco [banco N]. [...]

B3

Eu acho que todo processo desse [venda de banco] tem aquele lado assim... da oportunidade. Mas também o lado do medo... apreensão do que pode vir a acontecer. Mas é normal... dentro do cenário do banco, principalmente quando você trabalha numa instituição privada, você tem um risco, né?!... risco de mercado como qualquer outra empresa.

B4

[...] foi bem uma novidade, porque ninguém esperava. Na verdade, falava-se que o banco I poderia ser vendido a qualquer momento [...]. A princípio você fica na expectativa, não sabe o que vai dar, né?

B5

Ah... [enfatiza pronúncia e gesticula] é terrível, viu? Apesar de que o banco já vinha sendo alvo de boatos, há muito tempo, boatos que diziam que todo ano o banco estava sendo vendido para outro [outra instituição financeira]... Mesmo quando recebi o e-mail [comunicando a venda do banco I], eu falei: "Ah, deve ser brincadeira, né?". Aí, depois, eu vi que era sério mesmo, fiquei naquela expectativa... que acabou me dando uma certa angústia na hora [...].

B6

Foi uma surpresa... uma situação de incerteza, de espera, de aguardo pra ver o que iria acontecer a partir daí [do recebimento da notícia de venda do banco I]. A gente fica um pouco inseguro porque era um banco maior [banco N] que estava comprando o banco. Então... a minha grande preocupação de imediato foi possibilidade de acontecer uma sobreposição de cargos [no banco N] porque isso te dá uma certa angústia, sabe?

Pelos relatos obtidos, pode-se perceber que a mudança foi recebida com surpresa (B1: "Uma coisa que você não espera"; B2: "chacoalhão"; B4: "novidade"; B6: "Foi uma surpresa") e expectativa, que ganhou a forma de medo para B1 e B2; angústia para B6, e a avaliação de "terrível" para B5. Logo, isso mostra que tal mudança foi julgada por tais sujeitos como algo que afetava significativamente suas vidas no ambiente de trabalho. Assim, considerando tal contexto, para Rohan (2000), a estrutura dos sistemas de valores ganha esses novos elementos para compor a melhor forma possível de viver, sendo por eles afetada, conforme será discutido ao longo da análise dos dados.

Para obtenção de mais informação sobre a percepção de cada um sobre o processo de aquisição, foi feita outra pergunta, em outro momento da entrevista: "Como você encarou essa situação?".

B1 Eu encarei como ameaça porque foi um outro banco privado que comprou [o banco I]. Eu acho que se tivesse sido outro banco, [...] um banco público... eu acho que eu me sentiria mais confortável. Eu imagino que nesse caso me daria uma estabilidade. [...] Agora o privado [o banco] ele não tem nenhuma obrigação de manter os funcionários. O privado busca muito funcionário jovem. [...] só querem um pessoal com no máximo 25 anos. B2 Ah, normal [gesticula]. Você está contratado e, enquanto não tiver uma oposição ao seu serviço, você vai fazendo o que mandar, né? B3 É uma questão de oportunidade. Você tem que avaliar se o banco vai te dar uma oportunidade ou não... Tem que fazer essa escolha de continuar ou não... e eu assumi como um desafio, aliás [gesticula] sempre é! Uma mudança sempre é um desafio. [...] B4 Foi bem bacana assim, porque... a imagem que a gente [os funcionários do banco] tem é de estar vindo para uma instituição segura [banco N]... para uma instituição "forte", que, embora tivesse ocorrendo toda essa operação de venda, nós estávamos indo para uma instituição na qual já estaríamos nos destacando, né? Uma empresa líder de mercado... Então, pra mim, foi benquisto. B5 Claro que toda mudança você fica meio assim... em alerta pra ver o que vai acontecer. Eu acho que é normal do ser humano assustar com um pouco de mudança. Mas... eu falei: "Eu vou encarar!". O que tiver que acontecer vai acontecer, sabe? [...] B6 Em um processo de operação [de aquisição]... eu imagino e até visualizei, como um processo de oportunidade também, porque talvez o diferencial de cada um [dos funcionários do banco I] seria avaliado de maneira diferente [pelo banco N]. Então, de minha parte, eu busquei estar verificando melhor essa oportunidade... buscando com isso me diferenciar mais realmente.

Pode-se perceber que B1 mantém sua fala quanto à apreensão, por ver a mudança como ameaça. Mas procura explicar essa percepção por meio de sua visão de mundo a respeito de bancos privados: é uma ameaça porque foi comprado por um banco privado, que considera não ter obrigação de manter os funcionários e preferir contratar pessoas com até 25 anos de idade. Essa afirmação aponta para aquilo que Rohan (2000) considera como as crenças conscientes que o sujeito possui sobre o mundo e/ou situação em que está inserido.

O participante B3 apresenta resposta semelhante, corroborando o que já havia dito antes sobre a dupla característica de uma mudança, de tanto ser causadora de medo como de constituir-se em uma oportunidade. Em sua resposta anterior, a sua visão de mundo a respeito do contexto bancário já havia sido mencionada. Para esse indivíduo, as ideias de mudança e risco são de elementos considerados como esperados ("mas é normal"). Esse é o mundo: mutante e competitivo. Essa visão de oportunidade é apontada também por B5, que havia descrito o recebimento da notícia como "terrível", e por B6. Esses três indivíduos direcionam suas falas também para o comportamento, traçando uma relação entre o agir e a forma como perceberam a situação (B3: "eu assumi"; B5: "Eu vou encarar"; B6: "eu busquei [...] me diferenciar"). A apreensão e a surpresa iniciais, de B2 e B4, deram lugar a uma percepção da aquisição como algo bom (B4: "bacana") ou que não trouxe grandes mudanças (B2: "normal"). Esse direcionamento dos entrevistados para o comportamento coincide com afirmação de Kluckhohn (1951) em relação ao entendimento de que o sistema de ação dos indivíduos, quando direcionado ao aspecto normativo, está relacionado diretamente à ação, o que deve ou não ser feito, constituindo-se em proposições fáticas, que tratam das relações meios-fins objetivadas pelos indivíduos diante de determinada situação.

O sistema de valores sociais, que trata da interpretação dos outros e fornece elementos sobre o que é desejável, ou seja, a esfera do dever (Rohan, 2000), foi buscado por meio da pergunta: "Você sentiu que precisava fazer algo?".

B1 [...] quando você fica sabendo de um acontecimento desse, [...] você tem que esperar. Você não pode tomar nenhuma atitude. Você tem que esperar pra ver o que vai ser definido. Eu continuei realizando minhas atividades normais no banco. B2 Não, não senti. Senti simplesmente que você tem que continuar fazendo o que você faz [as atividades profissionais no banco]... É uma empresa grande... você é mais um número lá dentro... Se a empresa decide cortar [demitir], eles [o banco] não vão analisar muita coisa... Eu e meus colegas não mudamos a forma de trabalhar. Continuamos trabalhando normal. B3 O mercado financeiro acabou passando por um tempo de crise... [...]. Só que, no momento da venda do banco, o mercado estava muito bom pra quem era profissional dessa área [financeira], porque os bancos já tinham voltado a contratar... [...]. Isso acabou gerando uma demanda por profissionais na área bancária. Então eu fiquei mais tranquilo, [...] afinal eu tinha outras possibilidades... Mas devido à venda do banco... deu uma apreensão sim. Teve uma fuga de funcionários, porque frente à incerteza do que aconteceria com a venda do banco, preferiram já ir direto para outros bancos. Mas aí foi mesmo uma escolha individual do pessoal [funcionários do banco I]. Eu preferi continuar fazendo o meu trabalho [no banco I]. B4 Assim... a gente quer segurar o emprego!... Eu mantive constante a minha produção [atividades de trabalho]... nisso não houve alteração... eu continuei trabalhando. B5 Não, porque eu fico esperando pra ver o que vai acontecer e só depois eu decido o que fazer. B6 Na verdade... eu esperei um pouco pra ver alguma posição ou o que, de imediato, o banco estaria promovendo para que a gente [os funcionários] conseguisse modificar alguma coisa. Mas pessoalmente... a gente pensa em trabalhar... tentando fazer o melhor... tentando fazer um diferencial a mais.

É possível perceber que apenas B1, B2 e B6 direcionaram suas respostas diretamente no sentido dos valores sociais (Rohan, 2000), argumentando que se deve continuar trabalhando em uma situação assim, de abrupta mudança. Ou seja, essa é a conduta esperada. Os participantes B3 e B4 responderam que continuaram trabalhando, mas apontaram para seus respectivos sistemas de valores pessoais, ao utilizarem a primeira pessoa (B3: "Eu preferi continuar fazendo o meu trabalho"; B4: "eu continuei trabalhando"). Assim, "continuar trabalhando" pode ser visto como um comportamento considerado esperado na visão de tais sujeitos, mesmo com a âncora no comportamento individual, pois B4 sinaliza a relação desse comportamento com a manutenção do emprego, diretamente apresentado como desejável, por meio de uma fala sobre um querer coletivo ("a gente quer segurar o emprego!"). Observamos que a fala desses entrevistados aponta para uma conduta esperada, o que é a parcela desejável traçada pelos valores sociais de Rohan (2000). A problemática do dever, do desejável, foi anteriormente discutida por Rokeach (1973); essa questão indica a condição na qual o sistema de valores dos indivíduos está orientado para o preferível, isto é, para os valores que servem de base para justificar, tanto para si como para os outros, as ações realizadas perante a situação com que se deparam.

Já B3 fornece uma resposta mais ampla, na qual se pode perceber sua visão de mundo (Rohan, 2000), pois explica o que entende pelo funcionamento de tais mercados, como vislumbra os possíveis caminhos a serem escolhidos por tais profissionais, e deixa claro sua visão de que, a partir de tais escolhas, seguem-se os comportamentos. Assim, é possível entender que ele mostra explicitamente como agiu, justificando tais escolhas. Por fim, B5 apresentou uma resposta também orientada para seu sistema de valores pessoais (Rohan, 2000), mas diferente dos outros: espera, depois decide. No caso desses dois entrevistados, é possível abstrair as concepções de Schwartz (1992, 1999) ao explicar que esse tipo de comportamento vai em direção aos valores como concepções do desejável. Isso porque os valores dos entrevistados lhes serviram de guia para as suas ações e escolhas, mas isso só foi possível a partir da avaliação que eles realizaram sobre a situação com que se deparam. Foi por essa avaliação que encontraram uma explicação para suas ações em face da situação de venda do banco I.

Quando se propôs a questão "Como você reagiu perante a situação?", pretendia-se vislumbrar elementos tanto do sistema social como do sistema pessoal dos entrevistados, tal como proposto pelo modelo de Rohan (2000). Para tanto, utilizamos a forma como eles explicaram seus comportamentos após a aquisição para obter esses dados. Foram obtidas as seguintes respostas:

B1 Quando você precisa... de um trabalho, de um emprego... [...] você, está separada, morando com a irmã até se estabilizar, tem filhos e seus filhos dependem de você, você se adapta a qualquer coisa! [pausa] Entendeu?... Você aprende novos procedimentos... muda de função... faz qualquer coisa pra se manter no emprego! [...] Meus filhos são meu apoio, porque eles são minha alegria... [...]. B2 A primeira reação foi a de saber que o banco [adquirente] não tinha o cargo que eu exercia [no banco I]. Então eu falei: "Tenho que fazer alguma coisa pra mudar!". Eu continuei fazendo o meu [atividades de trabalho] e... eu fui me especializar e tirar a Andib [...]. Eu queria atingir mais alguns "coisas" lá dentro... [do banco N/ com a profissão de bancário]. Trabalhando eu atinjo o que eu quero, sabe? B3 Ah, eu encarei!... [a situação de venda do banco I] Eu fui estudar o que o banco [adquirente] queria... e continuei trabalhando, porque, independente do banco, eles [os bancos] sempre vão querer resultados e... banco quer isso, quer que você trabalhe... Foi mais assim... aprender questão de sistemas [sistemas de gestão do banco N], coisas operacionais assim. E também... [pausa] eu não parei de estudar. [...] Minha família também é bem tranquila, então foi tudo bem em relação a essa situação [novo ambiente de trabalho]. B4 O que eu vejo é... com a venda do banco, surgiu uma oportunidade maior! Continuei meu trabalho porque eu vi que poderia ter um crescimento profissional, de promoção... [...] Só não teve melhora com relação ao salário. [...] Mas tem muita oportunidade [no banco N]. Já estão aparecendo, porque eu me mantenho sempre aprendendo e me informando sobre como tem "andado" o mercado [financeiro]... Eu continuo trabalhando com afinco e aceitando as oportunidades. B5 Primeiro que a gente foi trabalhar em um ambiente assim... péssimo! [...] Não tinha espaço pra nada. Ficava um do lado do outro [os funcionários] todos amontoados [...]. E também ninguém explicou nada. [...] Aí eu continuei fazendo as mesmas coisas que eu fazia no banco [atividades de trabalho]. Como não teve treinamento para aprender o sistema de trabalho deles [do banco N], eu resolvi aprender por conta. Embora eu tivesse em período de pré-aposentadoria, eu corri atrás e aprendi! [...] Mas, claro, minha família sempre me apoiou em minhas escolhas nesses momentos [...] e eu sou religiosa e isso me dá muita força! B6 Minha família... total apoio, sempre 100%! É... de carreira acadêmica eu não me preocupei, até mesmo porque eu tenho formação em bacharel em administração de empresas e tenho também uma especialização. E no meio dessa situação toda da venda do banco, a gente acaba tendo a informação de que nem todos os colegas têm uma especialização... [...] Então, eu fiquei tranquilo.

Chama a atenção o fato de que a família apareceu em quatro das seis respostas. Seja como o motivo da decisão por determinado comportamento, como em B1, ou como um apoio que viabilizou enfrentar a situação de mudança, de modo a conseguir continuar trabalhando e/ou estudar, como em B3, B5 e B6. Com isso, podemos perceber a importância atribuída ao bem-estar familiar em tais respostas, apontando para esse valor no sistema de valores pessoais de tais indivíduos. No caso específico de B1, contudo, a importância da família aparece como parte do sistema de valores sociais. Isso se manifesta na maneira como B1 se coloca, fazendo uso da palavra "você", o que demonstra a ideia de olhar do outro. Como afirma Rohan (2000), o sistema de valores sociais está imbuído do compartilhamento de valores que os membros de determinado grupo realizam. Esses valores comumente são oriundos das experiências relevantes que tiveram em relação aos valores, quando na vivência coletiva. Ou seja, quando os entrevistados lançaram mão da família como um valor para lidar com a situação da operação de aquisição, percebemos que esse elemento emergiu como um valor social compartilhado por eles.

Outro elemento do sistema de valores individuais (ROHAN, 2000) percebido nas respostas é a realização, pois os entrevistados consideraram que era necessário aprender para trabalhar na nova configuração e, por isso, foram bem-sucedidos (B1: "Você aprende novos procedimentos"; B2: "eu fui me especializar"; B3: "aprender questão de sistemas [...] operacionais; B4: "eu me mantenho sempre aprendendo"; B5 "eu corri atrás e aprendi!") e que as mudanças trouxeram a chance de conquistar objetivos (B2: "Trabalhando eu atinjo o que eu quero"; B4: "eu vi que poderia ter um crescimento profissional, de promoção").

Entre os sujeitos pesquisados, B5 mostra-se com visão mais negativa do processo de aquisição, usando adjetivos como "terrível" e "péssimo". Esse posicionamento, menos otimista, parece partilhado por B1, que aponta a necessidade como motivo de sua permanência e ceticismo, ao dizer: "Eu, como sou bancária há 15 anos, eu já estou esperando o pior!" Este comportamento de B1 reflete a existência de um sistema de valores pessoais cuja hierarquização se difere dos demais bancários entrevistados.

Há que ressaltar que tanto a percepção de realização projetada pelos entrevistados como a visão mais negativa e/ou pessimista manifestada por B5 e B1 indicam apenas os valores individuais dos entrevistados. Essas diferenças são, pois, mais que esperadas quando se estuda um conjunto de pessoas que vivenciaram uma mesma situação, já que, tal como afirma Schwartz (1992), os valores individuais são objetivos ou metas que variam em graus de importância de pessoa para pessoa, de maneira que é a partir dessa variação que elas conseguem, portanto, guiar-se de modos distintos, por mais que tenham se deparado com a vivência de uma mesma situação.

Como podemos observar, até o momento já conhecemos a experiência passada, em 2006, com a aquisição do banco I, bem como a representação atual para os entrevistados. Ou seja, como eles relatam sua interpretação da situação naquela época. Recordando a experiência, e como eles interpretavam a situação no momento da entrevista, identificamos que houve percepção de medo (B2), de incerteza (B5), de susto (B6), de oportunidade (B4), de processo normal de mercado (B1: "coisa que a gente já espera"; B3: "caminho natural"). Assim, para aprofundar a compreensão sobre o fenômeno, fez-se a seguinte pergunta: "O que significou para você vivenciar essa situação?".

Nesse ponto, surgiram os relatos das vivências de superação e acomodação/ adaptação, sendo a fala de B1 clara e sintética a esse respeito: "Ah... [longa pausa] eu me sinto até fortalecida, porque você adquire mais conhecimento, né?". Esse relato reflete o que foi expresso por outros entrevistados – B3: "A gente aprende, né?!"; B2: "Hoje em dia eu já me sinto bem no banco"; B4: "Foi uma experiência muito boa [...]. Eu achei que essa mudança [venda do banco I] iria ser um 'bicho' muito mais complicado, mas eu não senti tanta dificuldade não".

É interessante ressaltar que a ideia de superação, para o sujeito B5, foi percebida como separada da esfera profissional:

Você sabe que, pra mim, foi ótimo, né? Por que eu cresci bastante... foi muito bom. Eu cresci como pessoa, porque profissionalmente foi um arraso! [faz expressão de tédio, de modo a indicar o sentido negativo do termo "arraso"] Mas, como pessoa, assim eu cresci muito. Hoje em dia... qualquer mudança pode vir!

Essa pessoa, conforme mostrado em falas anteriores, teve uma experiência muito negativa com o processo de aquisição. Chegou a verbalizar a necessidade de apoiar-se na religião para lidar com a situação. Esses elementos possivelmente apontam para um sistema pessoal de prioridades diferente do dos demais, pois, para ela, a "oportunidade" da situação não fazia parte da sua fala, quanto ao movimento de continuar trabalhando e adaptar-se. Assim, pode-se indagar se a realização é um valor prioritário para ela, como se mostrou para outros entrevistados.

É nesse sentido que as distinções encontradas nos relatos dos entrevistados conflui para a afirmação de Rohan (2000) de que os valores mobilizados pelas pessoas são indicativos de suas prioridades quando na vivência de determinada situação. É nesse processo de priorização de certos valores que as pessoas, nesse caso os entrevistados, conseguem estabelecer quais serão os comportamentos e as atitudes empreendidos para lidar com a situação. É nessa priorização dos valores, pois, que os indivíduos puderam atingir o que a autora entende como a "melhor forma possível de viver".

Em continuidade com essa linha de investigação, perguntou-se: "Em sua avaliação, quais as lições que você tirou dessa situação vivenciada?". Nessa questão, os sujeitos B2 e B3 não responderam ao que foi indagado, mas B1 forneceu uma fala elucidativa, indicando a inclusão de elementos em seu sistema de prioridade de valores social:

Eu tirei a lição que você não deve se acomodar. Você não deve deixar a sua vida passar, e se acomodar com o que você tem hoje. [...] Você sempre deve buscar mais e mais, porque depois você chega numa idade [pausa] que você está fora do mercado já. Não adianta você querer buscar agora. A tua idade já não é mais competitiva... [...] (grifo nosso).

O participante B4 também apontou para uma resposta que avaliava abertamente a experiência vivida com o processo de aquisição. Considerou que essa vivência trouxe algo tido como desejável e até positivo, coletivamente: "São desafios que a gente precisa, tanto na vida pessoal como na vida profissional" (grifo nosso). O entrevistado B6, assim como B1, retrata uma lição aprendida na forma de algo desejável: "Dessa situação [a venda do banco I] a gente tira a espera do que há por vir. É... definir antes o que vai acontecer. Ou melhor, acho que isso é bom pra todos, esperar pra ver o que vai acontecer..." (grifo nosso).

A visão de ganho é partilhada por B5, mas a apresenta no nível individual, e não como algo coletivamente desejável: "Então eu penso que eu passei por processos semelhantes [à venda do banco I], mas igual não. Mas, depois que eu passei pela venda [do banco I para o banco N], eu te digo, eu aprendi muito mais!".

Ao fim desse processo de interpretação, é cabível questionar se as falas repetidas de "dever" e "precisar", para continuar trabalhando naquele local (banco N), podem sinalizar algo ao sistema de valores ideológico. Contudo, por tratar-se de seis sujeitos, e não termos um discurso tão semelhante entre eles, entendemos que essa é uma possível manifestação de tal sistema, mas não podemos fazer afirmações conclusivas a tal respeito.

Desenvolvidas as interpretações dos resultados obtidos nesta pesquisa, cabe realizar, a seguir, as conclusões do estudo, de modo a destacar as implicações da perspectiva dos valores humanos quando utilizada para o estudo dos relatos das pessoas que vivenciaram os impactos gerados pelas mudanças organizacionais, que neste estudo foi ilustrada no contexto de uma instituição financeira que passou por uma operação de aquisição.

5 CONCLUSÃO

Com esta pesquisa, conclui-se que as formas como os participantes justificaram seu comportamento após a venda da instituição financeira internacional onde trabalhavam foram distintas, isto é, apesar dos pontos em comum, os relatos fornecidos não foram iguais. Com base na perspectiva de Rohan (2000), buscou-se compreender as explicações fornecidas por tais pessoas a partir da proposta de "melhor forma possível de viver". Primeiramente, identificou-se a visão de mundo das pessoas em relação ao processo de aquisição. Nessa questão, notaram-se vários aspectos comuns quanto a surpresa, expectativas, medo e apreensão, mas também as primeiras diferenças. De um lado, havia os que enxergavam as novidades como oportunidade; de outro, os que as viam como ameaça.

Essa diferença, no entanto, pouco se mostrou no comportamento e nas decisões quanto ao trabalho, pois todos os pesquisados mantiveram-se na empresa e buscaram se adaptar da melhor maneira à nova situação. Contudo, apareceu explicitamente nos motivos explicados para tal comportamento. Aqueles que haviam considerado a mudança como oportunidade justificaram seu comportamento pela possibilidade de realização, o que aponta para uma priorização desse valor no sistema de valores pessoais. Além disso, mostra algo desejado no exercício das atividades profissionais. Os indivíduos que apresentavam uma percepção negativa da mudança, mas, ainda assim, se adaptaram, justificaram tal decisão pela priorização de valores contidos no sistema de valores sociais: a segurança da família, a necessidade de manter o emprego. Assim, apontam para a tentativa de atender ao desejável, ainda que isso seja descrito como difícil.

Os resultados apontaram que, por meio da proposta de Rohan (2000), é possível compreender o processo de decisão, de acordo com os valores humanos, de forma dinâmica, como algo que vai além da sobrevivência, da fuga da dor e da satisfação de necessidades básicas. Por esse motivo, percebeu-se que os funcionários desenvolveram novas atitudes e comportamentos, de modo que são capazes de justificá-los a partir de seus valores. Com isso, conseguiram permanecer trabalhando na instituição adquirente, pois, ao reconfigurarem o significado da situação vivenciada, surgiram-lhes novas formas de pensar e sentir o seu fazer. Muito embora a operação de aquisição tenha sido interpretada de forma distinta pelos participantes da pesquisa, todos "encararam" a situação de abrupta mudança no ambiente de trabalho lançando mão de comportamentos que, da perspectiva de seus valores humanos, possibilitaram encontrar a "melhor forma possível de viver" perante a situação vivenciada. Os valores mobilizados pelos sujeitos ante a operação de aquisição amenizaram os impactos negativos sofridos, devido à situação de surpresa e incerteza, pois lhes deram condições de manifestar novas atitudes e comportamentos para lidar com as transformações ocorridas no ambiente de trabalho. Essa conclusão nos leva a considerar ainda que as novas atitudes e comportamentos dos entrevistados não emergiram apenas dos valores por eles mobilizados, mas também da priorização de determinados valores diante da situação. Com isso, os funcionários conseguiram encontrar formas alternativas de perceber a situação gerada pela operação de aquisição e, por conseguinte, lidar com ela.

Neste artigo, buscou-se interpretar os relatos coletados junto aos entrevistados, a partir da decisão individual, como cada um encontrou a melhor forma de lidar com a operação de aquisição. Compreendeu-se que essa melhor forma emergiu na medida em que os entrevistados conseguiram respeitar e preservar seus valores para lidar com a situação, de modo que puderam permanecer trabalhando na instituição adquirente, sem que isso representasse sofrimento. Dessa forma, pode-se considerar que, nesse grupo pesquisado, há uma ideia compartilhada sobre a adequação de continuar trabalhando, ou seja, uma ideologia situacionalmente adequada, compartilhada, que fornece justificativa para o comportamento por eles adotado, de adaptar-se ao trabalho, fornecendo feedback aos seus sistemas de valores. O que diverge, no processo de cada um, são os sistemas de prioridade de valor pessoal e de prioridade social. Com isso, diverge também a interpretação positiva (oportunidade) ou negativa (terrível) do processo, mas não o comportamento apresentado.

Portanto, a partir dessa reflexão, é possível perceber que a proposta de Rohan (2000) permite compreender o processo de decisão, de acordo com os valores humanos, de forma a ressaltar aquilo que vai além da adaptação para sobrevivência e para a participação em uma sociedade. Ao mesmo tempo, per-mite mostrar que a complexa formação de um grupo pode conter sistemas de priorização de valores pessoais e sociais diversos em diálogo, sem com isso implicar homogeneidade.

Em face do recorte teórico-metodológico deste estudo, sabe-se que existem algumas limitações, o que possibilita apontar direções para futuras pesquisas. Um aspecto importante decorre do fato de que, nesta pesquisa, as prioridades de valor dos pesquisados não eram as mesmas, mas isso não os impediu de adaptarem-se conjuntamente à nova situação de trabalho. Assim, surgem algumas questões para estudos futuros: haveria tal diálogo se os valores priorizados se opusessem? Há uma ideologia?

Submissão: 5 Jan. 2012

Aceitação: 20 ago. 2012

Sistema de avaliação: às cegas dupla (double blind review).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Maio 2013
  • Data do Fascículo
    Abr 2013

Histórico

  • Recebido
    05 Jan 2012
  • Aceito
    20 Ago 2012
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