Acessibilidade / Reportar erro

REDES SOCIAIS EMPREENDEDORAS PARA OBTENÇÃO DE RECURSOS E LEGITIMAÇÃO ORGANIZACIONAL: ESTUDO DE CASOS MÚLTIPLOS COM EMPREENDEDORES SOCIAIS

ENTREPRENEURIAL SOCIAL NETWORKS TO OBTAIN RESOURCES AND ORGANIZATIONAL LEGITIMACY: MULTIPLE CASES STUDY WITH SOCIAL ENTREPRENEURS

LAS REDES SOCIALES EMPREENDEDORAS PARA LA OBTENCIÓN DE RECURSOS Y LEGITIMACIÓN ORGANIZACIONAL: ESTÚDIO DE CASOS MÚLTIPLOS CON EMPREENDEDORES SOCIALES

Resumos

Também denominadas como redes de relacionamentos, as redes sociais empreendedoras abordam as relações com outras organizações, com grupos de empresas e com pessoas que os ajudam a criar empreendimentos. O objetivo geral deste estudo é analisar como os empreendedores sociais, durante a fase de concepção dos seus negócios, valem-se das suas redes sociais ou de relações para obter recursos e legitimação organizacional. Especificamente, este trabalho pretendeu identificar os laços sociais conforme definição de Granovetter (1973)Granovetter, M. (1973, May). The strength of weak ties. The American Journal of Sociology, 78(6), 1360-1380., apontar os recursos mobilizados por meio das redes de relacionamento de acordo com classificação de Brush, Greene e Hart (2001)Brush, C. G., Greene, P. G., & Hart, M. M. (2001). From initial idea to unique advantage: the entrepreneurial challenge of constructing a resource base. Academy of Management Executive, 15(1), 64-80. e verificar os critérios de legitimação das organizações com fins sociais com base na tipologia de Atack (1999)Atack, I. (1999). Four criteria of development NGO legitimacy. World Development, 27(5), 855-864.. O presente estudo tem abordagem qualitativa, de natureza exploratória e descritiva. Utilizou-se o estudo de casos múltiplos como estratégia de pesquisa. A coleta de evidências foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas com três empreendedores sociais. Os diálogos foram gravados e posteriormente transcritos. O conteúdo das entrevistas foi analisado com a adoção da técnica de análise de conteúdo. Após a análise dos casos, foi possível observar, nas redes de relacionamentos dos empreendedores, tanto laços fracos como fortes. Estes últimos resumiram-se a família, amigos e colegas de profissão. No que diz respeito aos laços fracos, citaram-se empresas públicas, privadas e doadores/colaboradores pessoas físicas. Os laços fortes, em especial, fomentaram praticamente todos os tipos de recursos necessários à concepção dos empreendimentos analisados. Os laços fracos, por sua vez, promoveram uma boa parcela dos recursos físicos necessários às organizações em questão. Foi possível observar também que as redes de relacionamento contribuíram para a legitimação das organizações com fins sociais analisadas. Verificou-se o quanto elas são participativas com relação ao fomento da legitimidade formal-procedimental. Entretanto, os empreendedores poderiam ainda ter potencializado essa fonte de recursos, aproveitando-as melhor no âmbito da legitimação substantivo-proposital, fomentando a promoção de mecanismos para motivar e captar voluntários, desenvolvendo critérios a fim de mensurar a eficácia das atividades promovidas ou ainda aproveitando o capital intelectual das suas redes por meio da promoção do processo coletivo de tomada de decisão.

Empreendedorismo social; Redes de relacionamento; Laços; Recursos; Legitimação organizacional


Also named as social networking, entrepreneurial social networks discuss relations with other organizations, business groups and people who help entrepreneurs to create enterprises. The general objective of this study is to analyze how social entrepreneurs use their social networks or relationships to get resources and organizational legitimacy during the conception phase of their business.

This paper particularly intends to identify social ties as defined by Granovetter (1973)Granovetter, M. (1973, May). The strength of weak ties. The American Journal of Sociology, 78(6), 1360-1380., to point out the resources mobilized through social networks according to the classification proposed by Brush, Greene and Hart (2001)Brush, C. G., Greene, P. G., & Hart, M. M. (2001). From initial idea to unique advantage: the entrepreneurial challenge of constructing a resource base. Academy of Management Executive, 15(1), 64-80., and to verify social organizations legitimacy criteria based on Atack's (1999)Atack, I. (1999). Four criteria of development NGO legitimacy. World Development, 27(5), 855-864. typology. This study has a qualitative approach and is exploratory and descriptive in nature. The research strategy adopted was of multiple case study. Evidences were collected through semi-structured interviews with three social entrepreneurs. The dialogues were recorded and subsequently transcribed. The interview content was analyzed adopting the content analysis technique. After analyzing the cases, it was observed in the entrepreneurs’ social networks both weak and strong ties. The latter were basically family, friends and professional colleagues. With regard to weak ties, public and private companies and donors/individual collaborators were cited. The strong ties, in particular, encouraged virtually all types of resources needed for the conception of the social organizations analyzed. Weak ties, on the other hand, promoted a good portion of the physical resources required for the analyzed organizations. It was also possible to observe that social networks contributed to legitimize the social organizations analyzed. It was verified how participative they were with respect to promotion of formal procedural legitimacy. However, entrepreneurs still could have enhanced this source of resources, taking better advantage within the substantive-purposeful legitimacy, fostering the promotion of mechanisms to motivate and attract volunteers, developing criteria to measure the effectiveness of promoted activities or taking advantage of the intellectual capital of their networks by encouraging collective decision-making.

Social entrepreneurship; Social networks; Ties; Resources; Organizational legitimacy


También conocidas como redes de relacionamientos, las redes sociales emprendedoras tienen en cuenta las relaciones con otras organizaciones, con grupos de empresas y con personas que los ayudan a crear emprendimientos. El objetivo general de este estudio es el de analizar como los emprendedores sociales, durante la fase de concepción de sus negocios, utilizan las redes sociales o de relaciones para obtener recursos y legitimación organizacional. Este trabajo específicamente tiene la intención de identificar los lazos sociales de acuerdo con la definición de Granovetter (1973)Granovetter, M. (1973, May). The strength of weak ties. The American Journal of Sociology, 78(6), 1360-1380., identificar los recursos movilizados a través de las redes de relacionamiento siguiendo la clasificación de Brush, Greene y Hart (2001)Brush, C. G., Greene, P. G., & Hart, M. M. (2001). From initial idea to unique advantage: the entrepreneurial challenge of constructing a resource base. Academy of Management Executive, 15(1), 64-80. y verificar los criterios de legitimación de las organizaciones con fines sociales y basadas en la tipología de Atack (1999)Atack, I. (1999). Four criteria of development NGO legitimacy. World Development, 27(5), 855-864.. Esta pesquisa está clasificada como estudio de múltiplos casos, cualitativo y exploratorio. La colecta de las evidencias fue realizada a través de entrevistas semi-estructuradas con tres emprendedores sociales. Los diálogos fueron transcriptos y sus contenidos analizados mediante la adopción de la técnica de análisis de contenido. Después de analizar los casos, fue posible observar, en las redes de relacionamiento de los emprendedores analizados, lazos débiles y fuertes. Estos últimos se resumen a la familia, amigos y a los compañeros de profesión. En relación a los lazos débiles, fueron mencionadas las empresas públicas, privadas y donadores/colaboradores que son personas físicas. Los lazos fuertes, en particular, promueven prácticamente todos los tipos de recursos necesarios para crear los emprendimientos analizados. Los lazos débiles, a su vez, promovieron una buena parte de los recursos físicos necesarios para las organizaciones interesadas. Fue posible observar que las redes de relacionamiento contribuyeron para la legitimación de las organizaciones con fines sociales que fueron analizadas. Fue verificado como ellas son participativas en relación al fomento de la legitimación formal procedimental. Sin embargo, los emprendedores podrían expandir esa fuente de recursos, aprovechándolas mejor en el ámbito de la legitimación substantivo-intencionada, incentivando la promoción de mecanismos para motivar y captar voluntarios, desarrolando criterios con el objetivo de medir la eficacia de las actividades promovidas o aprovechando el capital intelectual de sus redes, promoviendo la toma de decisiones colectiva.

Emprendedorismo social; Redes de relacionamientos; Lazos; Recursos; Legitimación organizacional


1 INTRODUÇÃO

Como nova vertente do empreendedorismo privado, o empreendedorismo social está comumente vinculado às atividades empresariais que incorporam uma finalidade social em sua missão (Austin, Stevenson, & Wei-Skillern, 2006Austin, J., Stevenson, H., & Wei-Skillern, J. (2006). Social and commercial entrepreneurship: same, different, or both? Entrepreneurship: Theory e Practice, 30(1), 1-22.). Em âmbito mundial, é considerado um fenômeno econômico importante (Mair & Marti, 2006Mair, J., & Marti, I. (2006). Social entrepreneurship research: a source of explanation, prediction and delight. Journal of World Business, 41(1), 36-44.); em países desenvolvidos, levanta-se a intrigante possibilidade de esses empreendimentos serem quase tão importantes quanto os comerciais (Harding, 2006Harding, R. (2006). Social entrepreneurship monitor. London: Global Entrepreneurship Monitor.).

O empreendedorismo social ainda é um campo de estudos relativamente novo (Dees & Battle Anderson, 2006Dees, J. G., & Battle Anderson, B. (2006). Framing a theory of entrepreneurship: building on two schools of practice and thought. Arnova Occasional Paper Series: Research on Social Entrepreneurship: Understanding and Contributing to an Emerging Field, 1(3), 39-66.; Short, Moss, & Lumpkin, 2009Short, J. C., Moss, T. W., & Lumpkin, G. T. (2009). Research in social entrepreneurship: past contributions and future opportunities. Strategic Entrepreneurship Journal, 3(2), 161-194.). Apenas na virada do século, percebe-se o aumento no número de estudos que abordam a temática, em sua maioria, de natureza teórica (Hoogendoorn, Pennings, & Thurik, 2010Hoogendoorn, B., Pennings, E., & Thurik, A. R. (2010). What do we know about social entrepreneurship: an analysis of empirical research. International Review of Entrepreneurship, 8(2), 71-112.). Johnson (2003)Johnson, S. (2003). Young social entrepreneus in Canada. Edmonton: Canadian Centre for Social Entrepreneurship. destaca que a maior parte da literatura encontrada acerca do tema enfatiza a questão social em detrimento da natureza empreendedora da atividade. Nesses trabalhos, um grande destaque é dado às características do empreendedor. Visando reduzir a lacuna, alguns estudos focados no empreendedorismo social tentaram conhecer o processo empreendedor, como as pesquisas realizadas no Brasil por Onozato e Teixeira (2010)Onozato, E., & Teixeira, R. M. (2010). Processo de criação de organizações com fins sociais: estudo de casos múltiplos em Curitiba, Paraná. Contabilidade, Gestão e Governança, 13(3), 38-52. e Santiago e Borges (2010)Santiago, T., & Borges, C. (2010). O processo de criação de organizações do terceiro setor, suas dificuldades e seus fatores de sucesso. Anais do Encontro de Estudos sobre Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas – Egepe, Recife, PE, Brasil, 6..

A interação tem sido reconhecida como determinante para o processo empreendedor, como também para o sucesso dos empreendimentos (Greve & Salaff, 2003Greve, A., & Salaff, J. W. (2003). Social networks and entrepreneurship. Entrepreneurship Theory e Practice, 28(1), 1-22.). Birley (1985)Birley, S. (1985). The role of networks in the entrepreneurial process. Journal of Business Venturing, 1(1), 107-117. afirmou que, ao criarem as organizações ou durante o desenvolvimento delas, os empreendedores costumam acessar suas redes de relacionamento. Assim, o processo empreendedor desenvolve-se em rede, e ações isoladas perdem espaço para interações em grupo, em complexas teias de relacionamento que geram benefícios como fomento das mais variadas espécies de recursos, como a legitimação organizacional.

A fim de contribuir para um melhor conhecimento do tema, o presente trabalho analisa como os empreendedores sociais de Sergipe, durante a fase de concepção dos seus negócios, valem-se das suas redes de relações para obter recursos e também para a sua legitimação organizacional. Especificamente, este estudo pretendeu identificar os laços sociais como fortes ou fracos conforme definição de Granovetter (1973)Granovetter, M. (1973, May). The strength of weak ties. The American Journal of Sociology, 78(6), 1360-1380., apontar os recursos mobilizados por meio das redes de relacionamento de acordo com a classificação de Brush, Greene e Hart (2001)Brush, C. G., Greene, P. G., & Hart, M. M. (2001). From initial idea to unique advantage: the entrepreneurial challenge of constructing a resource base. Academy of Management Executive, 15(1), 64-80. e, finalmente, verificar os critérios de legitimação das organizações com fins sociais com base na tipologia de Atack (1999)Atack, I. (1999). Four criteria of development NGO legitimacy. World Development, 27(5), 855-864.. Inicialmente, abordam-se aspectos relacionados ao empreendedorismo social, às redes sociais empreendedoras e à legitimação organizacional. A seguir, apresentam-se os procedimentos metodológicos, a descrição dos casos, a análise comparativa destes e as conclusões do estudo.

2 EMPREENDEDORISMO SOCIAL

Como nova vertente do empreendedorismo privado, o empreendedorismo social está comumente vinculado às atividades empresariais que incorporam uma finalidade social em sua missão (Austin et al., 2006Austin, J., Stevenson, H., & Wei-Skillern, J. (2006). Social and commercial entrepreneurship: same, different, or both? Entrepreneurship: Theory e Practice, 30(1), 1-22.). Em âmbito mundial, é considerado um fenômeno econômico importante (Mair & Marti, 2006Mair, J., & Marti, I. (2006). Social entrepreneurship research: a source of explanation, prediction and delight. Journal of World Business, 41(1), 36-44.), e, em países desenvolvidos, levanta-se a intrigante possibilidade de esses empreendimentos serem quase tão importantes quanto os comerciais (Harding, 2006Harding, R. (2006). Social entrepreneurship monitor. London: Global Entrepreneurship Monitor.).

Os empreendimentos sociais foram pela primeira vez, no Brasil, objeto da investigação do Global Entrepreneurship Monitor (GEM), em 2004. Dentre os 34 países participantes do GEM nesse ano, somente o Reino Unido havia realizado pesquisas com esse foco, e o Brasil foi o segundo a investigá-lo. Esse relatório mostrou que 1,05% da população adulta brasileira estava trabalhando em alguma atividade com fim social. Os homens eram aproximadamente três vezes mais propensos ao envolvimento com a criação de empreendimentos sociais do que as mulheres. Esse relatório mostrou que os empreendedores sociais são indivíduos escolarizados, com maior tendência ao engajamento associativo e menos premido pelas necessidades imediatas de sobrevivência (GEM, 2004).

O crescente interesse acadêmico em nível mundial acerca da temática, como relatado anteriormente, ainda não resultou numa boa compreensão conceitual da expressão empreendedorismo social. Definições são abundantes, entretanto sem consenso entre os estudiosos da área (Mair & Marti, 2006Mair, J., & Marti, I. (2006). Social entrepreneurship research: a source of explanation, prediction and delight. Journal of World Business, 41(1), 36-44.). Para Roper e Cheney (2005)Roper, J., & Cheney, G. (2005). Leadership, learning and human resource management: the meaning of social entrepreneurship today. Corporate Governance, 5(3), 95-104., a falta de ajustamento natural entre os termos empreendedorismo e social torna a terminologia e suas definições abertas a resistências e desafios. Vale ressaltar que o evento difere da filantropia. Na visão de Melo e Froes (2001)Melo, F. P., Neto, & Froes, C. (2001). Gestão da responsabilidade social corporativa: o caso brasileiro – da filantropia tradicional à filantropia de alto rendimento e ao empreendedorismo social. Rio de Janeiro: Qualitymark., o empreendedorismo social é uma filantropia de alto rendimento. Esses empreendimentos estão orientados para resultados, por meio de investimentos em projetos sociais inovadores, com ênfase na busca da civilização das cidades, na promoção da cidadania responsável e no fomento de uma nova ética da responsabilidade social.

Mair e Marti (2006)Mair, J., & Marti, I. (2006). Social entrepreneurship research: a source of explanation, prediction and delight. Journal of World Business, 41(1), 36-44. expõem, em sua pesquisa, três grandes blocos de pensadores que caracterizam de forma diferenciada o empreendedorismo social: o primeiro grupo acredita ser uma iniciativa sem fins lucrativos que visa à criação de valor social (Austin et al., 2006Austin, J., Stevenson, H., & Wei-Skillern, J. (2006). Social and commercial entrepreneurship: same, different, or both? Entrepreneurship: Theory e Practice, 30(1), 1-22.). O segundo vê o evento como uma prática de ações comerciais socialmente responsáveis, engajadas por meio de parcerias setoriais (Sagawa & Segal, 2000Sagawa, S., & Segal, E. (2000). Common interest, common good: creating value through business and social sector partnerships. California Management Review, 42(2), 105-122.). E, por fim, o empreendedorismo social é visto como um evento que tem como propósito a redução de problemas e transformações em âmbito social (Alvord, Brown, & Letts, 2004Alvord, S. H., Brown, L. D., & Letts, C. W. (2004). Social entrepreneurship and societal transformation. Journal of Applied Behavioral Science, 40(3), 260-282.). Nessa espécie de iniciativa empresarial, a criação de valor econômico é vista como uma condição necessária para assegurar a sustentabilidade financeira do negócio. O lucro não é visado como nas formas tradicionais de negócios, busca-se aqui uma estratégia alternativa de financiamento ou sistemas de gestão para criar valor social (Austin et al., 2006Austin, J., Stevenson, H., & Wei-Skillern, J. (2006). Social and commercial entrepreneurship: same, different, or both? Entrepreneurship: Theory e Practice, 30(1), 1-22.; Mair & Marti, 2006Mair, J., & Marti, I. (2006). Social entrepreneurship research: a source of explanation, prediction and delight. Journal of World Business, 41(1), 36-44.).

De forma sucinta, pode-se afirmar que enxergam as atividades lucrativas como um meio e não como um fim para alcançar seus objetivos (Johnson, 2003Johnson, S. (2003). Young social entrepreneus in Canada. Edmonton: Canadian Centre for Social Entrepreneurship.); seu valor econômico pode ser medido pelos resultados financeiros positivos que, após a distribuição de recursos aos associados, são capazes de manter a operação da organização e um padrão de investimento na capacidade produtiva (Fischer, 2006Fischer, R. M. (2006). Creating social and economic value. In Social Enterprise Knowledge Network (SEKN). Effective management of social enterprises: lessons from businesses and civil society organizations in Iberoamerica. Cambridge, MA: Harvard University, David Rockefeller Center for Latin American Studies.). Bornstein (2005)Bornstein, D. (2005). Como mudar o mundo, empreendedores sociais e o poder de novas idéias. Rio de Janeiro: Record. afirma que essa espécie de empreendedor produz um considerável efeito sobre a sociedade. O foco da sua atuação concentra-se em descobrir formas para aplicar técnicas comerciais e administrativas a fim de alcançar fins sociais. Para Hartigan e Elkington (2009)Hartigan, P., & Elkington, J. (2009). Empreendedores sociais: o exemplo incomum das pessoas que estão transformando o mundo. Rio de Janeiro: Elsevier., o empreendedor social identifica e ataca desequilíbrios com o propósito de transformar e não apenas implementar paliativos.

Agentes de mudanças econômicas e sociais, esses empreendedores costumam ser motivados por fatores além do lucro para produzir bens e serviços de cunho social (Cohen & Winn, 2007Cohen, B., & Winn, M. I. (2007). Market imperfections, opportunity and sustainable Entrepreneurship. Journal of Business Venturing, 22(1), 29-49.). Por meio de estudo empírico, Barendsen e Gardner (2004)Barendsen, L., & Gardner, H. (2004). Is the social entrepreneur a new type of leader? Leader to Leader, 34, 43-50. verificaram que muitos empreendedores sociais têm suas convicções inspiradas por traumas vivenciados (abandono dos pais, suicídio de familiares e acidentes). Onozato e Teixeira (2010)Onozato, E., & Teixeira, R. M. (2010). Processo de criação de organizações com fins sociais: estudo de casos múltiplos em Curitiba, Paraná. Contabilidade, Gestão e Governança, 13(3), 38-52. destacam ainda que os empreendimentos sociais são, muitas vezes, edificados sob forte influência de pessoas que já desenvolviam projetos na área facilitados pelas redes de relacionamento empreendedoras, as quais costumam ser fontes de recursos e informações, principalmente na fase de criação.

2.1 REDES SOCIAIS EMPREENDEDORAS

Denominadas como redes de relacionamentos empresariais, as redes sociais empreendedoras abordam as relações com outras organizações, com grupos de empresas e com pessoas que os ajudam a criar empreendimentos (Hansen, 1995Hansen, E. L. (1995). Entrepreneurial network and new organization growth. Entrepreneurship: Theory e Practice, 19(4), 7-19.). Dinâmicas, essas relações estão em constante transformação e evolução (Marques, 2007Marques, E. (2007). Os mecanismos relacionais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 22(64), 157-161.). Ducci e Teixeira (2011)Ducci, N. P. C., & Teixeira, R. M. (2011). As redes sociais dos empreendedores na formação do capital social: um estudo de casos múltiplos em municípios do norte pioneiro no Estado do Paraná [Versão eletrônica]. Cadernos Ebape.BR, 9(4), 967-997. confirmam esta última caracterização ao informarem que os relacionamentos estabelecidos durante o ciclo de vida de um empreendimento evoluem e se aprofundam com o passar dos anos, à medida que os empreendedores podem provar sua confiabilidade.

Essas redes de relacionamento, além de dinâmicas, são caracterizadas como um conjunto de dois componentes: atores (pessoas, instituições ou grupos) e suas conexões (Degenne & Forsé, 1999Degenne, A., & Forsé, M. (1999). Introducing social networks. Londres: Sage, 1999.). Este último elemento, formado por meio da interação social entre atores em rede, é denominado laço, vínculo ou nó (Recuero, 2009Recuero, R. (2009). Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina.). De acordo com Granovetter (1973)Granovetter, M. (1973, May). The strength of weak ties. The American Journal of Sociology, 78(6), 1360-1380., a força de um laço é uma combinação, provavelmente linear, da quantidade de tempo, magnitude emocional, intimidade e serviços recíprocos entre indivíduos. Os laços fortes advêm das interações realizadas há mais de um ano com familiares e pessoas qualificadas de amigas. Essas relações se dão de forma frequente e com proximidade emocional. Borges (2004)Borges, C. (2004). Especificidades e contribuições das redes informacionais para o desenvolvimento de pequenas e médias empresas do setor de vestuário. Revista Gestão & Tecnologia, 4(1), 1-23. acrescenta que os colegas de trabalho, os parceiros e mesmo alguns clientes e fornecedores podem ser enquadrados nessa categoria de laços. Esses contatos mais frequentes normalmente proporcionam diálogos mais abertos que facilitam a compreensão e o acesso às informações. Contatos fortes são mais amplos e concretos, entretanto os fracos permitem o acesso a novas informações, pois, por meio deles, o indivíduo pode estabelecer um vínculo com um sistema social distinto do seu (Granovetter, 1973Granovetter, M. (1973, May). The strength of weak ties. The American Journal of Sociology, 78(6), 1360-1380.).

Birley (1985)Birley, S. (1985). The role of networks in the entrepreneurial process. Journal of Business Venturing, 1(1), 107-117. caracterizou os vínculos de uma relação quanto à sua formalidade. Laços formais são contratuais, estabelecidos com agentes como bancos, contadores, advogados, corretores de imóveis, câmaras de comércio. Os informais são concretizados com familiares, amigos, colegas de trabalho ou empregadores. Cassi e Morrison (2007)Cassi, L., & Morrison, A. (2007). Social networks and innovation: concepts, tools and recent empirical contributions [Working Paper Nº 2007/59]. Dinamia, Lisboa, Portugal. argumentam que os laços formais e informais são fortemente interligados. Nos acordos contratuais, frequentemente, percebe-se uma variedade de laços informais que acabam influenciando o negócio a ser concretizado, o que aumenta as chance de sucesso dessa parceria. Essas relações são originadas, por vezes, a partir da cordialidade ante processos formais ou baseadas em relações pessoais preexistentes (Kreiner & Schultz, 1993Kreiner, K., & Schultz, M. (1993). Informal collaboration in ReD. The formation of networks across organizations. Organization Studies, 14(2), 189-209.).

Além da força do laço, outras características da rede de relacionamentos têm sido utilizadas com o propósito de aprofundar a análise da temática, a exemplo de aspectos como tamanho da rede, centralidade e densidade. O tamanho de uma rede é definido pelo número de contatos de primeira ordem que determinado indivíduo tem, independentemente do tipo de sua interação (Renzulli, Aldrich, & Moody, 2000Renzulli, L. A., Aldrich, H., & Moody, J. (2000). Family matters: gender, networks, and entrepreneurial outcomes. Social Forces, 79(2), 523-547.).

A centralidade, segundo Gómes et al. (2003)Gómes, D., Gonzalez-Arangüena, E., Manuel, C., Owen, G., Del Pozo, M., & Tejada, J. (2003). Centrality and power in social networks: a game theoretic approach. Mathematical Social Sciences, 46(1), 27-54., é uma caracterização sem explicação clara, definida apenas de forma indireta. Para esses estudiosos, um indivíduo é central quando está em uma situação vantajosa de comunicação direta com vários outros, está próximo de muitos ou quando há muitos atores que o utilizam como intermediário em suas comunicações. A densidade é determinada de acordo com o grau de conectividade entre as redes sociais de um determinado indivíduo. Nas redes de alta densidade, muitos atores são diretamente conectados entre si por meio de relações societárias conjuntas ou outras espécies de contatos (Lazzarini, 2007Lazzarini, S. G. (2007). Mudar tudo para não mudar nada: análise da dinâmica de redes de proprietários no Brasil como "mundos pequenos" [Versão eletrônica]. Revista de Aadmistração de Empresas, 6(1), 1-25.). Do contrário, essas redes são consideradas de baixa densidade.

Autores ainda averiguam o potencial das redes sociais empreendedoras na promoção de recursos durante o ciclo de vida das organizações (Barnir & Smith, 2002Barnir, A., & Smith, K. A. (2002). Interfirm alliances in the small business: the role of social networks. Journal of Small Business Management, 40(3), 219-232.; Birley, 1985Birley, S. (1985). The role of networks in the entrepreneurial process. Journal of Business Venturing, 1(1), 107-117.). Elas indicam que o fomento de ideias, o aconselhamento, o apoio emocional, a facilitação, a promoção e a utilização de recursos costumam ser desencadeados num processo em rede. Essas relações ainda costumam ser visualizadas como potenciais fontes de vantagem competitiva no processo empreendedor.

Greve e Salaff (2003)Greve, A., & Salaff, J. W. (2003). Social networks and entrepreneurship. Entrepreneurship Theory e Practice, 28(1), 1-22. destacam o quanto esses contatos podem ser úteis para aumentar a quantidade de recursos a serem disponibilizados dentro das organizações, dando sustentação a empreendimentos em fase inicial de instalação. Essa pesquisa relatou ainda que o processo que visa mobilizar recursos por meio das redes sociais é dinâmico, tendendo a variar durante o ciclo de vida do negócio. Borges (2011)Borges, C. (2011). O papel do capital social do empreendedor na criação de empresas tecnológicas. Revista de Administração e Inovação, 8(3), 162-181. assegurou que quanto maior a diversidade de contatos presentes na rede de um empreendedor, maior é a sua possibilidade de acessar recursos, a exemplo de informações e conhecimentos tecnológicos. No presente trabalho, optou-se por analisar os recursos com base na classificação de Brush et al. (2001)Brush, C. G., Greene, P. G., & Hart, M. M. (2001). From initial idea to unique advantage: the entrepreneurial challenge of constructing a resource base. Academy of Management Executive, 15(1), 64-80. – traduzida por Vasconcelos (2005, p. 146)Vasconcelos, G. M. R. (2005). Inserção social e recursos: um estudo de caso comparativo da criação e do desenvolvimento de novos negócios. E&G – Economia e Gestão, 5(11), 143-164. –, sintetizada no Quadro 1.

QUADRO 1
CLASSIFICAÇÃO DOS RECURSOS

Suchman (1995)Suchman, M. C. (1995). Managing legitimacy: strategic and institutional approaches. The Academy of Management Review, 20(3), 571-610. percebeu que, nas teorias organizacionais, a legitimação pode ser encarada como recurso, podendo ser captada e delineada; e, ainda, elemento originário da dinâmica social, fora do controle de indivíduos ou organizações. Neste estudo, a legitimação é vista como um recurso da categoria social, conforme categorias criadas por Brush et al. (2001)Brush, C. G., Greene, P. G., & Hart, M. M. (2001). From initial idea to unique advantage: the entrepreneurial challenge of constructing a resource base. Academy of Management Executive, 15(1), 64-80., tratadas em seção separada devido à sua importância e complexidade.

2.2 LEGITIMAÇÃO ORGANIZACIONAL

Uma organização adentra no mercado espelhando-se em outras já consolidadas, ou melhor, naquelas que possuem seus valores, padrões e crenças aceitos socialmente. Segundo Guarindo e Machado-da-Silva (2001, p. 37)Guarindo Filho, E. R., & Machado-da-Silva, C. L. (2001). A influência de valores ambientais e organizacionais sobre a aprendizagem organizacional na indústria alimentícia paranaense. Revista de Administração Contemporânea, 5(2), p. 33-63., "a adequação aos requisitos ambientais aceitos como padrões legítimos é oportunidade para assegurar o reconhecimento social da organização, melhorar seu relacionamento com a sociedade e reduzir riscos em momentos turbulentos". Para a teoria institucional, a organização estaria sujeita ao isomorfismo organizacional composto por forças coercitivas, miméticas e normativas (Dimaggio & Powell, 1991Dimaggio, P., & Powell, W. (1991). The new institutionalism in organizational analysis. Londres: University of Chicago Press.). Scott (2008)Scott, W. R. (2008). Institutions and organizations (3rd ed.). Los Angeles: Sage., na tentativa de compreender a maneira como se promove a legitimidade organizacional, apresentou um modelo baseado em três pilares de derivação: legitimidade normativa, cognitivo-cultural e regulatória.

A primeira baseia-se em valores, normas, metas e objetivos, como também nos meios apropriados para operacionalizá-los. São determinações daquilo que deve ser feito. A legitimidade cognitivo-cultural verifica-se por meio do apoio expressivo de uma comunidade para com uma organização, é a aceitação do empreendimento como necessário, ou inevitável, baseada na narrativa cultural tida como certa. Conforme Zimmerman e Zeitz (2002, p. 418)Zimmerman, M. A., & Zeitz, G. J. (2002). Beyond survival: achieving new venture growth by building legitimacy. Academy of Management Review, 27(3), 414-431., a regulatória deriva de um controle coercitivo, "fundamentado em regulações, normas, regras e expectativas criadas por governos, associações credenciadas, corpos profissionais, entre outras organizações com poderes, normalmente envolvendo sanções para garantir seu cumprimento".

Goulart e Vieira (2003)Goulart, S., & Vieira, M. M. F. (2003). Desenvolvimento, poder local e estrutura simbólico-normativa das universidades. In C. Carvalho & M. M. F. Vieira (Orgs.). Cultura e desenvolvimento local: a agenda de pesquisa do observatório da realidade organizacional. Recife: Edufepe. afirmam que a legitimidade é fundamental para as organizações, principalmente para as recém-criadas, pois os recursos simbólicos da instituição (reconhecimento social e legitimação) representam requisitos básicos para a obtenção de seus recursos materiais, a exemplo das tecnologias, pessoas, finanças e matérias-primas. Zimmerman e Zeitz (2002)Zimmerman, M. A., & Zeitz, G. J. (2002). Beyond survival: achieving new venture growth by building legitimacy. Academy of Management Review, 27(3), 414-431. acrescentam que, uma vez legitimadas, elas estão habilitadas a comercializar seus produtos/ serviços, a participar em ações políticas; relacionam-se melhor com as comunidades e os funcionários.

Horochovski (2000)Horochovski, R. R. (2000). Estratégias de legitimação no terceiro setor: o caso da Pastoral da Criança. Curitiba. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil., ao analisar os empreendimentos com fins sociais, enfatizou que a sobrevivência destes está intimamente vinculada ao processo de legitimação organizacional, visto que, apenas legitimados, eles podem receber recursos e sobreviver em uma atividade em que a finalidade é meramente social, o lucro é algo secundário, e os recursos, em geral, provêm de doações de terceiros – voluntários e contribuintes associados.

Em relação a esses empreendimentos, vale lembrar a contribuição teórica de Atack (1999)Atack, I. (1999). Four criteria of development NGO legitimacy. World Development, 27(5), 855-864. quanto à análise do processo de legitimação em organizações não governamentais (ONGs). Essa contribuição deu embasamento a este estudo e, dessa forma, percebeu-se a necessidade de detalhá-la. Para o supracitado pesquisador, a legitimidade dentro das ONGs vincula-se a justificativas morais, que acabam por remeter a questões normativas. Assim, Atack (1999)Atack, I. (1999). Four criteria of development NGO legitimacy. World Development, 27(5), 855-864. apresentou duas espécies de legitimidade: formal-procedimental e substantivo-proposital. Essas classificações fornecem critérios diferentes de legitimidade. A primeira vincula-se aos critérios da representatividade e distinção de valores; na segunda classificação, há a efetividade e o empowerment. No Quadro 2, são apresentadas as descrições dessas categorias.

QUADRO 2
CRITÉRIOS DE LEGITIMIDADE EM ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS

Marques, Merlo e Nagano (2005)Marques, D. S. P., Merlo, E. M., & Nagano, M. S. (2005). A questão da avaliação da legitimidade de ONGs. Caderno de Pesquisas em Administração, 12(2), 67-84. evidenciaram a legitimação das organizações com fins sociais com base em Atack (1999)Atack, I. (1999). Four criteria of development NGO legitimacy. World Development, 27(5), 855-864.. Nesse estudo, o critério de distribuição foi bem administrado, assim como o empowerment. Entretanto, ainda há dificuldades para desenvolver e implementar mecanismos de acompanhamento da participação da sociedade nos processos de decisão dessas organizações. O critério da efetividade necessita de modelos mais claros e objetivos para a avaliação dos projetos desenvolvidos. Na pesquisa realizada por Nascimento, Gubiani e Beuren (2011)Nascimento, S., Gubiani, C. A., & Beuren, I. M. (2011). Legitimidade nas organizações não governamentais voltadas à preservação ambiental. Revista de Gestão Social e Ambiental, 5(1), 23-139., foram evidentes também as características pertinentes aos quatro critérios estabelecidos por Atack (1999)Atack, I. (1999). Four criteria of development NGO legitimacy. World Development, 27(5), 855-864.. Nesse estudo, também se percebeu a necessidade de melhorias no critério da efetividade. Destacou-se ainda que aquelas organizações apresentam laços fortes com a sociedade, o poder público, a iniciativa privada, os órgãos ambientais e, principalmente, com as comunidades onde estão inseridas. Assim, de modo geral, essas associações são fortemente legitimadas pelos stakeholders quando analisadas sob a ótica do supracitado autor. Vedder, Collingwood e Van Gorp (2007)Vedder, A., Collingwood, V., & Van Gorp, A. (2007). NGO involvement in international governance and policy: sources of legitimacy. Leiden, Boston: Martinus Nijhoff. esclarecem que, de modo geral, a legitimidade das organizações com fins socias é uma noção complexa, ainda de vaga semântica. Em certos aspectos, é um processo multidimensional, uma noção de multicamadas.

3 METODOLOGIA

O presente estudo tem abordagem qualitativa, de natureza exploratória e descritiva. Utilizou-se o estudo de casos múltiplos como estratégia de pesquisa, seguindo os preceitos metodológicos propostos por Yin (2005)Yin, R. K. (2005). Estudo de caso: planejamento e métodos (3a ed.). Porto Alegre: Bookman.. A realização de estudo de casos múltiplos fundamenta-se em duas premissas importantes:

  • Como há pouca informação sobre o tema, mais de uma empresa analisada pode trazer informações complementares sobre um assunto pouco explorado.

  • Um estudo de caso único poderia gerar distorções na análise devidas às peculiaridades da empresa analisada.

Por certo, o estudo de múltiplos casos não abandona essa possibilidade, mas ajuda a minimizar o problema. Para Eisenhardt (1989)Eisenhardt, K. M. (1989). Building theories from case study research. Academy of Management Review, 14(4), 532-550., diferentes casos frequentemente enfatizam os aspectos complementares do fenômeno. Reunindo os padrões individuais, o pesquisador pode extrair um retrato teórico mais completo.

Foi adotada, como perspectiva temporal, a longitudinal, uma vez que foi identificado como os empreendedores sociais de Aracaju utilizam as redes de relações na fase de concepção dos seus negócios, para obter recursos e também para sua legitimação organizacional, caracterizando um estudo em movimento ao longo de um período, cujo início antecede a data de coleta dos dados (Saunders, Lewis, & Thornhill, 2000). Como destacam Vasconcelos, Rezende, Guimarães e Fachin (2007)Vasconcelos, G. M. R., Rezende, S. F. L., Guimarães, L. O., & Fachin, R. C. (2007). Mobilizando relacionamentos e acessando recursos na criação e evolução de novos negócios. Organizações & Sociedade, 14(41), 113-134., ainda são muito escassos os estudos que examinam longitudinalmente a evolução dos laços e recursos em empreendedorismo e no Brasil.

Foram selecionados três empreendedores que criaram empreendimentos com fins sociais, formalmente constituídos e localizados em Aracaju, em Sergipe. O critério da escolha dos casos foi o fato de serem empreendedores muito conhecidos na cidade pelo seu trabalho social de grande visibilidade e porque, além de criarem essas organizações sociais, são os responsáveis pela sua gestão, o que facilita a perspectiva temporal. Yin (2005)Yin, R. K. (2005). Estudo de caso: planejamento e métodos (3a ed.). Porto Alegre: Bookman. destaca que, nos estudos de casos múltiplos, cada caso individualmente deve ser selecionado de forma que permita prever resultados semelhantes e replicação literal ou produzir resultados contrastantes e replicação teórica, em função do que foi previsto no início do estudo. De acordo com esse autor, qualquer aplicação da lógica de amostragem aos estudos de caso estaria mal direcionada, pois estes não se preocupam com a incidência dos fenômenos.

A coleta de evidências foi realizada por meio de entrevistas pessoais semiestruturadas com os três empreendedores sociais, com a adoção de roteiro de entrevistas, baseado nas categorias analíticas do estudo (Quadro 3). O mencionado instrumento é flexível e considerado uma das mais importantes fontes de evidência para um estudo de caso (Yin, 2005Yin, R. K. (2005). Estudo de caso: planejamento e métodos (3a ed.). Porto Alegre: Bookman.). Os diálogos foram gravados e, posteriormente, transcritos e seu conteúdo analisado com a adoção da técnica de análise de conteúdo (Bardin, 1977Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.). Para Laville e Dionne (1999)Laville, C., & Dionne, J. (1999). A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Belo Horizonte: Editora UFMG., a análise de conteúdo visa captar as características essenciais, os significados, as convergências e divergências dos conteúdos das entrevistas. As categorias analíticas do estudo foram determinadas com base na revisão teórica e estão sintetizadas no Quadro 3.

QUADRO 3
CATEGORIAS ANALÍTICAS E ELEMENTOS DE ANÁLISE

A seguir, faz-se a descrição de cada caso e realiza-se a cross-case analysis. De acordo com Eisenhardt (1989)Eisenhardt, K. M. (1989). Building theories from case study research. Academy of Management Review, 14(4), 532-550., essa técnica de análise busca descobrir padrões entre os casos, possibilitando que sejam enfatizadas as semelhanças e diferenças entre eles, bem como comparar os resultados obtidos com os estudos apresentados na revisão teórica.

4 O CASO DO CENTRO COMUNITÁRIO E FILANTRÓPICO ZIZI CORRÊA

O Centro Comunitário e Filantrópico Zizi Corrêa iniciou suas atividades em novembro de 2000, constituindo-se formalmente em março de 2001. A organização atua como uma associação privada, voltada para a defesa dos direitos sociais. De forma mais específica, sua missão consiste em desenvolver atividades para a promoção de saúde, educação, esporte e lazer das comunidades carentes da cidade de São Cristóvão, no interior de Sergipe. Atualmente, promove cursos profissionalizantes (cabeleireiro, manicuro/pedicuro, corte/costura, assistente de administração e auxiliar de serviços gerais); educação básica (reforço escolar, alfabetização de adultos e crianças, informática básica); programas ligados à saúde (tratamento dentário, aulas de aeróbica) e ao lazer (eventos festivos como Dia das Crianças e Natal na comunidade). Esses cursos foram implementados de forma gradativa, e, na fase inicial do empreendimento, cerca de 50% deles encontravam-se em operação. Mensalmente, o centro comunitário chega a atender uma média de 600 pessoas de baixa renda, que desfrutam dos serviços de segunda a sexta-feira em três turnos.

Na concepção desse empreendimento, verificou-se o envolvimento de amigos, bastante próximos ao fundador do estabelecimento social, aqui denominado empreendedor α. Alguns de seus familiares em questão (dois irmãos, a esposa e a filha mais velha do casal) também apoiaram a causa social em sua fase embrionária. Os atores – amigos e familiares – foram classificados como laços fortes diante da citada rede de relacionamentos empresarial.

Entre os que compuseram os laços fracos, estão as parcerias com uma prefeitura e com uma escola de ensino regular particular. A rede social empreendedora promoveu uma série de recursos que facilitou a concretização do empreendimento, produto da realização pessoal do empreendedor α, como destaca:

Sempre tive vontade de abrir um empreendimento voltado para causas sociais. Meus princípios religiosos me ensinaram a importância da prática da caridade e do amor ao próximo. Incomodava-me a falta de atenção dos órgãos públicos municipais quanto à promoção da saúde, educação, do esporte e lazer para a comunidade são-cristovense. Sabia que poderia doar-me em favor da causa.

A ideia de criar uma organização com fins sociais partiu do próprio empreendedor, mas teve o apoio emocional maciço da sua família (esposa, filha e irmãos), classificada, nesse momento, como um recurso social. Em 2001, o mencionado empreendedor elegeu-se vereador do município de São Cristóvão e viu, na sua "renda extra", a possibilidade de empreender em prol das causas sociais: "O propósito era eleger-me e ter recursos financeiros para empreender na área social; assim tentaria amenizar alguns problemas sociais, os quais pareciam não ser prioritários para os governantes municipais da época".

A formalização jurídica do empreendimento foi realizada pelo irmão do empreendedor, que era contabilista de formação. Assim, foi agilizado o processo burocrático de abertura da firma. O mesmo contador, com a ajuda do empreendedor, redigiu o estatuto do centro comunitário:

A intenção foi promover, de forma mais verídica, o conceito de caridade. Pesquisamos um estatuto que serviu de modelo e, diferentemente deste, excluímos qualquer tipo de taxação para os nossos clientes (comunidade carente). Em nossa organização, os serviços deveriam ser ofertados de forma gratuita!

Os primeiros beneficiados chegaram por meio da divulgação informal do serviço, feita pelos amigos do empreendedor e voluntários do projeto. É o que popularmente se nomeia de propaganda boca a boca. Em sua fase inicial, a equipe de trabalho (recursos humanos) do empreendimento foi composta por 32 voluntários, dos quais 30 amigos do empreendedor e dois familiares (a esposa do fundador e a filha mais velha do casal). Os mencionados amigos foram selecionados entre alguns que participaram de uma reunião geral convocada pelo empreendedor. Nessa ocasião, foi apresentado o projeto, e aqueles que se interessaram em "abraçar a causa" e tiveram perfil para atuar nas atividades promovidas pelo empreendimento foram selecionados para atuar voluntariamente. Alguns voluntários atuaram na parte administrativa, compondo a equipe inicial que cuidou de toda a administração da organização; outros colaboraram ministrando aulas e cuidando da higienização do estabelecimento. Os recursos financeiros, em grande parte, provieram do próprio fundador:

Eu não tive grandes ajudas financeiras. Meu salário como vereador era em grande parte utilizado para fomentar financeiramente o empreendimento. Eu fui o grande provedor. Apenas um dos meus irmãos, que é empresário do ramo de prestação de serviços, ajudou-me com essa espécie de recurso.

Já alguns recursos físicos foram adquiridos a partir de doações de uma prefeitura de Sergipe e de uma escola particular da capital. Por meio desses contatos, foram adquiridas carteiras escolares e máquinas de datilografia. A sede do estabelecimento, veículo, quadros, birôs, entre outros insumos, foram financiados pelo próprio empreendedor. No início do projeto, não houve aquisição de recursos tecnológicos como computadores, internet, central de telemarketing, entre outros afins. Os recursos organizacionais, como a experiência para gerenciar o negócio, foram facilitados pela parceria com o irmão graduado em Contabilidade. A formação escolar e as vivências profissionais também foram destacadas pelo empreendedor:

Sou técnico em Administração de Empresas e tenho experiências em gerenciamento de estabelecimentos comerciais e promoção de eventos na comunidade local. Meu irmão assessorou-me contabilmente, isso foi muito importante também! A soma desses fatores ajudou-me a gerir e entender melhor a natureza e as particularidades do negócio.

O planejamento organizacional era realizado com a ajuda dos familiares envolvidos no projeto, apesar de não existir nada documentado. A partir do diálogo, eram definidas as estratégias e metas da organização. No estágio inicial do empreendimento, o fomento da legitimidade organizacional formal-procedimental foi promovido pelas redes empreendedoras. O incremento financeiro doado por um ente da família auxiliou a concepção do empreendimento nos moldes socialmente aceitáveis. A legitimidade também se deu por meio da participação de amigos, como membros do corpo diretor do centro ou integrantes da equipe de voluntários dos projetos sociais. Na organização do processo seletivo desses membros, foi visível também a parceria com a filha mais velha do empreendedor.

A comunidade ainda contribui para essa espécie de legitimação a partir do momento em que ela teve abertura para sugerir quais projetos deveriam ser priorizados. Os integrantes que compõem formalmente a chapa responsável pela administração do centro comunitário também contribuem para a sua institucionalização formal-procedimental. Nas decisões importantes, sempre são levadas em conta as sugestões desses membros. Dessa forma, tem-se o critério da representatividade bem administrado.

O critério da distinção de valores também é fomentado por integrantes da rede social empreendedora. O estatuto da associação, redigido com a ajuda do irmão do empreendedor, que é contabilista, normaliza toda a administração do negócio e torna-o distinto dos demais.

No processo de legitimidade substantivo-proposital, percebe-se que os voluntários do centro comunitário colaboraram com o empreendedor social por terem sido os principais responsáveis pela divisão de tarefas dentro da organização, atendendo ao critério da efetividade, mesmo que parcialmente. Esses mesmos voluntários incrementaram o processo ao capacitarem os beneficiários, alfabetizando ou mesmo profissionalizando-os, de modo a atender à parte do critério denominado empowerment.

5 O CASO DA CRECHE AÇÃO SOLIDÁRIA ALMIR DO PICOLÉ

A Creche Ação Solidária Almir do Picolé foi edificada e teve suas atividades iniciadas em fevereiro de 2003, mas só foi formalmente constituída em fevereiro de 2005. Legalmente, atua como uma associação privada, voltada para a defesa dos direitos sociais. O empreendimento foi criado com a missão de retirar crianças das ruas, proporcionando-lhes um ambiente acolhedor e seguro, onde são cuidadas e educadas. Na mencionada creche, crianças até 6 anos de idade são assistidas de segunda a sexta-feira das 7 às 17 horas, alimentadas e alfabetizadas, além de desfrutarem de cuidados médicos. Atualmente, a Creche Ação Solidária Almir do Picolé presta seus serviços a 86 crianças advindas de famílias de baixa renda, residentes no município de Nossa Senhora do Socorro, no interior de Sergipe.

A rede de relacionamento do empreendedor social da creche é extensa, o que se deve, principalmente, à notoriedade que o empreendedor ganhou nos últimos anos: um vendedor de picolé que se popularizou desenvolvendo atividades filantrópicas. De acordo com empreendedor, muitas pessoas promoveram a concepção da sua organização:

Aqui houve o envolvimento de muitas pessoas, muita gente me ajudou, existiu um número muito grande de parceiros. Muitos empresários locais e pessoas nos sinais de trânsito, onde eu solicitava doações, colaboraram. Tive ajuda de pessoas de todas as classes sociais, desde os mais pobres aos mais ricos!

Na concepção desse empreendimento, observou-se o envolvimento de centenas de atores. Entre eles, amigos mais próximos ou ligados por vínculos familiares foram classificados como os laços fortes da citada rede de relacionamentos empresarial. Como laços fracos da relação, mencionaram-se pessoas da comunidade que compuseram o corpo de trabalhadores, pessoas jurídicas, com destaque para construtoras, emissoras de TV e rádio, assessoria contábil, entre vários empresários de diversos ramos de atuação e centenas de doadores pessoas físicas que ajudaram a conceber o empreendimento em sua fase inicial. A infância sofrida e a orfandade de pai e mãe despertaram o empreendedor para ações sociais:

Devido à infância sofrida, eu decidi carregar essa missão e dar uma vida melhor às crianças carentes. Eu juntava dinheiro dos picolés que vendia para fazer festas no Dia das Crianças e no Natal, com distribuição de presentes e comida para crianças carentes. Eu não pensava em ganhar terreno para fazer uma creche! Após ser exibida uma reportagem sobre o meu trabalho, em jornal televisivo para todo o Brasil, um grande empresário sergipano me deu um terreno para eu fazer uma casa própria, assim sairia do aluguel e poderia ajudar ainda mais os pobres. Só após ganhar o terreno, veio a ideia de construir essa creche para viver de consciência livre porque eu a ganhei em nome das crianças.

Os recursos sociais foram apresentados pelo empreendedor como grandes fomentadores do projeto em sua fase inicial. O apoio à decisão de criar o empreendimento foi promovido pela figura do doador do terreno e principalmente pela esposa do empreendedor social. Ela também contribuiu com apoio emocional nos momentos em que as coisas pareciam difíceis e a vontade era não seguir adiante. A formalização do empreendimento foi realizada alguns anos após a sua entrada em atividade; para isso, o empreendedor também contou com suas redes empresariais de relacionamento. Voluntariamente, uma contabilista vinculada a um escritório contábil localizado em Aracaju forneceu toda a assessoria necessária à formalização da creche, assim como a elaboração do seu estatuto e todas as atividades burocráticas típicas de um departamento de pessoal (emissão de folha de pagamento, contracheques, férias, admissão, demissão, entre outras). Já a divulgação do empreendimento foi feita por anúncio televisivo que promoveu a chegada de um número expressivo de beneficiários (crianças).

Quanto à questão dos recursos humanos, dez pessoas, entre amigos e familiares, fizeram parte da chapa diretora que constituiu formalmente a organização social. Entretanto, verificou-se que, desse grupo, apenas a esposa e os dois filhos trabalham na gestão do empreendimento. Já os seis trabalhadores que iniciaram o projeto foram selecionados entre as pessoas que moravam na região próxima à organização. Esses trabalhadores prestavam serviços remunerados, e cabia a eles cuidar das crianças da creche ou ainda ajudar a preparar a alimentação fornecida diariamente. Quanto à questão dos recursos humanos, de forma especial, o empreendedor β destaca a atuação da esposa:

Caso minha esposa saia da creche, eu fecho! Decreto falência! [risos] Ela é quem toma a frente de tudo aqui. Eu diariamente vou pedir doações nos sinais, e ela gerencia tudo enquanto estou ausente. É o meu braço direito, pessoa de muita confiança, que sempre esteve comigo.

Em relação aos recursos financeiros, a maior fonte financiadora de todo o projeto proveio de pessoas jurídicas (total de 32), com destaque para construtoras, emissoras de TV e de rádio e outros empresários de diversos ramos de atuação. Centenas de doadores pessoas físicas contribuíram em sinais de trânsito, em que o empreendedor solicitava doações em nome do projeto, ou ainda por meio de depósitos realizados diretamente em contas bancárias do empreendedor social.

Os doadores também contribuíram com os recursos físicos. O terreno foi presenteado por um empresário sergipano que atua em vários ramos de atividade; uma empresa ligada à indústria da construção civil doou uma parcela do material de construção; pessoas de todo o Estado e vários empreendedores trouxeram mobílias (birôs, carteiras e berços); e uma rede de supermercados forneceu créditos para aquisição de gêneros alimentícios. O empreendimento iniciou sem recursos tecnológicos, como acesso à internet, rede de computadores ou telemarketing. Quando questionado acerca dos recursos organizacionais, como a formação da competência para gerenciar toda a organização, o empreendedor β foi bastante incisivo:

Eu acredito bastante que Deus me presenteou com um dom que me habilitou a administrar isto aqui. Sou uma pessoa de pouco estudo, só tenho o terceiro ano do ensino fundamental. Não tive treinamento ou qualquer tipo de curso que me capacitasse para gerenciar ou planejar a creche.

Notou-se, entretanto, que a presença de sua esposa e da assessoria contábil, antes mencionada, cooperou para o seu processo de aprendizagem por meio da troca de experiências e explanação acerca dos procedimentos contábeis obrigatórios. Quanto ao planejamento, verificou-se que nada foi formalizado, mas existia essa preocupação em relação ao projeto físico do empreendimento. Em geral, o empreendedor compartilhava e discutia os planos com a esposa:

Saía pedindo dinheiro no sinal, logo depois comecei a comprar blocos, arenoso e imaginava como poderia ser o prédio. Fui levantando aos poucos parede por parede. Pensei como seria cada sala, o refeitório, o depósito onde guardamos mantimentos, o escritório [...], tudo saiu da minha cabeça!

A legitimação do empreendimento também foi processada em rede, o que fomentou a legitimidade organizacional formal-procedimental. Na Creche Ação Solidária Almir do Picolé, o processo foi visualizado pela assessoria contábil, com a divulgação dos balanços e resultados financeiros da organização. Esse tipo de legitimidade foi percebido também no processo seletivo dos funcionários, desenvolvido pela esposa do empreendedor, e na organização da eleição dos membros, realizada com a ajuda e orientação de membros do cartório em que o livro de ata costuma ser registrado.

A comunidade contribuiu para essa espécie de legitimação ao disponibilizar-se a trabalhar no empreendimento. Os amigos colaboraram ao participarem do corpo diretivo da associação. As redes de relacionamentos participaram das decisões quando estas eram complexas, especialmente a sua esposa. As fontes de financiamento, doadores pessoas físicas e jurídicas, ajudaram a estruturar a creche em moldes aceitáveis socialmente. Assim, percebem-se evidências de que o critério da representatividade está sendo efetivado em um processo que envolve as redes empreendedoras. Quanto ao critério da distinção de valores, verifica-se que o assessoramento contábil colaborou para a concepção do estatuto corporativo, instrumento em que se definiram as regras e o propósito do empreendimento de cunho social, o que o torna único.

Na legitimidade substantivo-proposital, é evidenciada a participação da esposa do empreendedor nas decisões que afetam a divisão de tarefas dentro do estabelecimento e ainda nos projetos a serem tocados. Assim, tem-se o critério da efetividade, que vai sendo construído com a participação dos relacionamentos em rede. Timidamente, a citada rede ainda pode colaborar para a efetivação, em parte, do critério empowerment. Tal colaboração é realizada pelos funcionários da associação, a partir do momento em que eles alfabetizam as crianças beneficiadas pelo trabalho social; dessa forma, elas estão habilitadas a ingressar no ensino fundamental, em instituições públicas ou privadas.

6 O CASO DO INSTITUTO CANARINHOS DE SERGIPE

O Instituto Canarinhos de Sergipe (Incase) é uma associação de natureza privada, que teve suas atividades iniciadas em outubro de 2008 e já formalmente constituída em dezembro do mesmo ano. Classificado como pioneiro e único no Estado quanto à sua missão, o Incase visa difundir a arte e cultura para as camadas sociais financeiramente menos privilegiadas. Segundo depoimento de um dos fundadores do negócio, aqui denominado de empreendedor γ, o Incase é uma derivação de um empreendimento comercial que a família já possuía, o Instituto Canarinhos de Aracaju (Inca), que também promovia eventos ligados à arte e cultura:

Gostaríamos que muitas crianças pudessem vir aprender a fazer arte. A escola particular elitizava o processo, o que acabava privando muitos que tinham interesse, mas não a condição necessária para ingressar em nosso estabelecimento. Como cada um de nós aqui já tinha seu emprego e uma certa estabilidade financeira, resolvemos adentrar na área social a fim de atingir uma parcela maior da sociedade com o nosso trabalho.

No citado instituto, atualmente são promovidos cursos de musicalização, percussão, flauta doce, teclado, violão, violino, dança, teatro e canto coral. Hoje, atende cerca de 200 pessoas, em dois turnos (manhã e tarde). Entre os clientes do instituto, verificam-se crianças, adolescentes e jovens, numa faixa etária entre 6 e 20 anos. Na fase inicial da constituição do empreendimento, existia um número menor de atividades ofertadas à comunidade. Como destaque, intitulado de "carro-chefe" do instituto, citou-se o curso de canto coral, que exigia baixos investimentos financeiros para a sua concepção.

Seus laços fortes eram constituídos por alguns amigos antigos, outros que já participavam de empreendimentos com fins sociais, colegas ligados ao Inca e ainda os de profissão. Quanto aos laços fracos, perceberam-se parcerias com: dois empreendimentos bancários, duas escolas particulares, uma empresa de telecomunicações, uma instituição com fins sociais e um contabilista.

Os contatos listados promoveram muitos recursos na fase de criação do empreendimento, a exemplo dos recursos sociais. Amigos, colegas de trabalho que faziam parte da coordenação do Inca, algumas empresas privadas e outra de cunho social, que já conheciam o envolvimento dos fundadores na área cultural e tiveram conhecimento do empreendimento em sua fase de idealização, foram cruciais no apoio à decisão de concretizar a criação do estabelecimento social. O apoio emocional veio principalmente de familiares de primeiro grau. Na formalização do empreendimento, também foram envolvidas pessoas do ciclo social dos empreendedores, sendo um contabilista e duas pessoas que estavam vinculadas a empresas patrocinadoras do Inca, que conheciam o processo de formalização de instituições com fins sociais e que se ofereceram como voluntários após conhecerem a ideia.

Os recursos humanos, em sua totalidade, foram acessados por meio das redes sociais empreendedoras. Exatamente oito pessoas, amigos da família, constituíram a chapa diretiva do empreendimento. Os trabalhadores que iniciaram o empreendimento também foram selecionados entre uma gama de amigos e colegas da área profissional. Foram contratados dez professores de música e quase cinco pessoas para atuar na área administrativa. Como explica o empreendedor, os professores, em particular, necessitavam atender a um pré-requisito para atuar no Incase: gostar de crianças:

Nós necessitávamos buscar professores que realmente gostassem de lecionar para crianças. Nem todo mundo gosta! Para termos essa segurança, preferimos inicialmente trabalhar com os amigos e colegas de profissão. Já conhecíamos o comportamento deles e sabíamos o quanto eles gostavam de trabalhar com esse tipo de público.

Os empreendedores forneceram os recursos financeiros na forma de capital próprio. Foi necessário desmobilizar o capital dos fundadores, que estava à disposição do Inca. Itens foram vendidos para angariar o dinheiro necessário à criação do novo empreendimento. A mudança para um prédio menor e mais barato também fez parte da estratégia financeira.

Apenas o relacionamento que os fundadores tinham com um banco do Estado foi relatado como proveitoso nessa fase. Os empreendedores possuíam contas em um banco estadual de Sergipe, e a parceria facilitou algumas transações bancárias, a exemplo da venda dos veículos. Os recursos físicos advieram de pessoas físicas e jurídicas que, sabendo do novo projeto, doaram vários insumos:

O nosso grupo tem uma característica especial; devido a estarmos sempre na mídia, muitas pessoas conhecem nosso trabalho e se voluntariam sem necessidade de irmos atrás delas. Isso é muito bom, dessa forma conquistamos uma série de recursos, principalmente físicos.

Muitas mobílias e instrumentos musicais vieram da simples transferência do prédio antigo, onde existia a empresa da família (Inca), para o novo empreendimento social (Incase). Entretanto, carteiras e birôs escolares foram doados por empresas privadas que atuam nos ramos de educação, saúde e telecomunicações. Empresas que já eram parceiras do empreendimento quando de natureza privada e com fins lucrativos. Os recursos tecnológicos, como alguns computadores e o acesso à internet, foram concedidos, respectivamente, por um banco federal, que tem agências no Estado sergipano, e pela empresa de telecomunicações que também atua como provedora de internet banda larga em âmbito nacional. Exemplo de recurso organizacional foi a experiência adquirida para gerenciar o negócio ter sido facilitada por instituições de ensino superior, como prova o depoimento do empreendedor:

Foi providencial meu pai ser graduado em pedagogia com habilitação em administração escolar. Eu iniciei administração de empresas, o que me dá uma boa noção de gestão, mas não terminei o curso. Hoje, faço faculdade de música, curso que possui muita afinidade com o nosso atual negócio.

A troca de experiências com outro instituto com fins sociais e as qualificações complementares em música realizadas por uma escola do ramo no Estado da Bahia também contribuíram para a aquisição de experiência para gerir administrativamente o empreendimento. Foi também constatado que, no Incase, não houve formalização do planejamento estratégico em sua fase de constituição, apesar de existir informalmente no intelecto dos empreendedores, como relata o empreendedor:

A gente não pensou no que é hoje, nem planejou formalmente como captar os recursos. Nós apenas tentamos realizar o projeto e fomentar a cultura no Estado. Nós estrategicamente iniciamos o projeto com o canto coral, atividade que não exigia muito investimento financeiro. Mas, à medida que consultávamos os primeiros clientes e alunos, eles sugeriram novas atividades; então moldávamos nossas táticas para melhor atender ao nosso público.

Quanto ao fomento da legitimidade organizacional formal-procedimental, verificaram-se algumas atividades em que as redes sociais empreendedoras contribuíram para o processo de legitimação, atendendo ao critério da representatividade. Colegas e amigos acreditaram na causa a ponto de se disponibilizarem para fazer parte da equipe de funcionários do empreendimento. Os pais de alunos e os próprios estudantes têm abertura para sugerir à direção incrementos nas atividades do instituto. Há a participação efetiva de amigos que trabalham no instituto e fazem parte da equipe de coordenadores do empreendimento e que sempre são consultados quando os empreendedores necessitam tomar decisões importantes.

A legitimidade substantivo-proposital é fomentada pelas redes de relacionamentos empresariais, por meio dos critérios de efetividade. Os amigos antes mencionados (coordenadores do instituto) ajudaram os fundadores a definir projetos a serem priorizados e a dividir atividades dentro do estabelecimento. O critério empowerment é também estabelecido com a ajuda da rede de amigos e colegas de profissão dos empreendedores que trabalham no instituto. Essa rede capacita os beneficiários a desenvolver atividades culturais com maior aptidão. Uma organização com fins sociais, em especial, foi parceira ao promover a troca de informações que ajudaram na concepção e legitimação do empreendimento.

7 ANÁLISE COMPARATIVA DOS CASOS

Quando se analisou comparativamente o perfil das associações, verificou-se que todas iniciaram suas atividades antes da formalização dos empreendimentos, situação detectada também nos estudos de Onozato e Teixeira (2010)Onozato, E., & Teixeira, R. M. (2010). Processo de criação de organizações com fins sociais: estudo de casos múltiplos em Curitiba, Paraná. Contabilidade, Gestão e Governança, 13(3), 38-52. e Santiago e Borges (2010)Santiago, T., & Borges, C. (2010). O processo de criação de organizações do terceiro setor, suas dificuldades e seus fatores de sucesso. Anais do Encontro de Estudos sobre Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas – Egepe, Recife, PE, Brasil, 6.. Todas são associações de natureza privada e voltadas para causas sociais. Elas promovem atividades ligadas à promoção do bem-estar da comunidade. Todas têm como público-alvo a parcela da comunidade sergipana financeiramente menos privilegiada.

Quanto à análise das suas redes de relacionamento, observou-se que o Centro Comunitário e Filantrópico Zizi Corrêa e o Incase apresentaram redes compostas por um número expressivo de elos. A Creche Ação Social Almir do Picolé destacou-se por apresentar elos diversificados, tipificados na sua maioria como fracos. Quanto à composição dessa rede, constatou-se que os empreendedores fizeram uso de laços fortes, a exemplo de amigos e familiares, como também de laços fracos, como nos contatos com outros empreendimentos com fins sociais, empresas privadas e instituições públicas, além de pessoas físicas que se ligaram à rede, doando recursos das mais variadas espécies na fase inicial dos empreendimentos.

Com exceção da Creche Ação Social Almir do Picolé, as demais associações tiveram, em suas redes, um número de laços fortes bastante superior aos fracos. Muitos estudiosos já confirmaram a importância desses relacionamentos prévios, como é o caso dos amigos e familiares, nas primeiras fases do processo de criação de novas organizações (Birley, 1985). Entretanto, devido à característica dinâmica desses laços, à medida que a empresa é criada e procura consolidar-se no mercado, as redes de relacionamento dos empreendedores diversificam-se e ampliam-se. Com o passar do tempo, os laços mais fortes vão perdendo importância e dando lugar a um número maior de laços (Halinen & Törnroos, 1998Halinen, A., & Törnroos, J. A. (1998). The role of embeddedness in the evolution of business networks. Scandinavian Journal of Management, 14(3), 187-205.). O Quadro 4 detalha cada caso com relação às variáveis tamanho da rede e tipos de laço.

QUADRO 4
CARACTERIZAÇÃO DAS REDES DE RELACIONAMENTO

Muitos estudiosos já salientaram que as relações sociais desempenham importante papel na criação de um empreendimento (Greve & Salaff, 2003Greve, A., & Salaff, J. W. (2003). Social networks and entrepreneurship. Entrepreneurship Theory e Practice, 28(1), 1-22.; Hite, 2003Hite, J. (2003). Patterns of multidimensionality among embedded network ties: a typology of relational embeddedness in emerging entrepreneurial firms. Strategic Organization, 1(1), 9-49.), uma vez que fornecem base de recursos fundamentais para iniciar e desenvolver um negócio. O presente estudo confirma essa constatação. As associações estudadas tiveram inúmeros recursos fomentados por suas redes de relacionamento, e boa parcela desses recursos, devido à natureza das organizações, foi oriunda de doações.

Foi possível observar que, no tocante à obtenção de recursos financeiros, os empresários elencaram fontes diversificadas. O empreendedor social do Centro Comunitário e Filantrópico Zizi Corrêa destacou a ajuda da família, o fundador da Creche Almir do Picolé lembrou a importância dos laços fracos quando mencionou a ajuda de várias empresas e pessoas físicas. O empreendedor do Incase alegou que seus contatos fracos facilitaram transações financeiras em ocasião muito específica, entretanto, não houve fomento dessa espécie de recurso. Vale ressaltar que muitos estudos já constataram que, na criação de um empreendimento, uma das principais fontes de financiamento dos empreendedores, além de seus recursos próprios, são a família e os amigos (Bygrave & Hunt, 2005Bygrave, W. D., & Hunt, S. 2005. Financing entrepreneurial ventures: global entrepreneurship monitor financing report. London: Babson College and London Business School.).

Os recursos humanos, em grande parte, foram acessados por meio de relacionamentos mais íntimos, predecessores dos empreendimentos. Esses recursos foram acessados por meio do contato com familiares e amigos. No caso particular da Creche Ação Social Almir do Picolé, houve a participação de pessoas conhecidas da comunidade, sem relação íntima ou próxima com o empreendedor. É comum que os empreendedores percebam, em seus laços fortes (família, amigos e ex-colegas de trabalho), uma fonte provedora de parceiros ou sócios de seus empreendimentos. A literatura mostra que muitas empresas novas são fundadas por equipes que tendem a ser, em grande parte, compostas por pessoas que têm fortes laços de relacionamento (Ruef, Aldrich, & Carter, 2003Ruef, M., Aldrich, H. E., & Carter, N. M. (2003). The structure of founding teams: homophily, strong ties, and isolation among U. S. entrepreneurs. American Sociological Review, 68(2), 195-222.).

Os recursos organizacionais também tiveram, como grandes provedores e facilitadores, indivíduos envolvidos em relações mais próximas dos empreendedores, principalmente nos casos da Creche do Almir do Picolé e do Centro Comunitário e Filantrópico Zizi Corrêa. Aqui, os laços de família se fizeram bastantes presentes. Destacaram-se, nesse âmbito, os laços fracos como grandes responsáveis pela promoção dos recursos organizacionais no Incase, pois, apesar de existir envolvimento de amigos como parceiros na captação dessa espécie de recursos, verificou-se um ganho de aprendizado pela interação com instituições sem vínculos de proximidade afetiva. Granovetter (1973)Granovetter, M. (1973, May). The strength of weak ties. The American Journal of Sociology, 78(6), 1360-1380. já indicava que os indivíduos com reduzido número de laços fracos são confinados a notícias e pontos de vista redundantes. Essa privação não só irá isolá-los das mais recentes ideias e novas práticas, mas pode colocá-los em uma posição de desvantagem diante de concorrentes.

Os recursos físicos foram providos pelos laços fracos nos três casos, como fruto de parcerias com instituições públicas, privadas e ainda pessoas físicas. Os recursos sociais também foram fornecidos por um número expressivo de laços fracos de relacionamento. A constatação é feita na Creche Ação Social Almir do Picolé e no Incase. Essas associações acessaram os recursos por meio da contribuição de familiares, mas principalmente pela presença de instituições públicas, empresas privadas e pessoas físicas que "abraçaram" a causa social. A exceção foi vista no Centro Comunitário e Filantrópico Zizi Corrêa: lá os recursos foram promovidos apenas por amigos e familiares (laços fortes).

Os recursos tecnológicos não foram providos ou facilitados pelas redes de relacionamentos empresariais em dois casos: Centro Comunitário e Filantrópico Zizi Corrêa e Creche Ação Social Almir do Picolé. O Incase teve os recursos tecnológicos fornecidos por laços fracos, representados por uma empresa pública (banco federal) e outra privada (empresa do ramo de telecomunicações). O Quadro 5 apresenta um resumo dos tipos de laços desenvolvidos pelos empresários nas suas redes de relacionamentos e o tipo de recursos que esses laços permitem acessar.

QUADRO 5
RESUMO DOS LAÇOS E RECURSOS ACESSADOS

De forma curiosa e não proposital, verificaram-se duas situações extremas na avaliação das fontes promotoras de recursos. Enquanto o Centro Comunitário e Filantrópico Zizi Corrêa tem um grande número de laços fortes envolvidos na promoção de recursos, a Creche Ação Social Almir do Picolé tem um número muito elevado de laços fracos como fonte de recursos no estágio inicial do seu empreendimento. Pode-se, entretanto, classificar o Incase como uma organização mais equilibrada quanto aos tipos de laço envolvidos na concepção do empreendimento. O número elevado de laços fracos na Creche Almir do Picolé fez com que fosse fomentado um número significativo de recursos financeiros, diferentemente do que aconteceu com as duas outras associações. Pode ser percebida a limitação da família em relação ao fomento de recursos, por ser um grupo relativamente fixo e com recursos limitados.

Os laços fortes têm significativa importância, quando se fala da promoção de apoio, na resolução de problemas e, ainda, na ajuda e justificativa das escolhas feitas pelo empresário (Mönsted, 1995Mönsted, M. (1995). Process and structures of networks: reflections on methodology. Entrepreneurship and Regional Development, 7(3), 193-213.). Como já explanado, as redes de relacionamento possibilitam a promoção ou facilitam o acesso a recurso das mais variadas espécies. Casson (2003)Casson, M. (2003). Entrepreneurship, business culture and the theory of the firm. In Z. J. Acs & D. B. Audretsch (Eds.). Handbook of entrepreneurship research (pp. 223-246). The Netherlands: Kluwer Academic. acrescenta ainda que essas redes também podem ser responsáveis pela legitimação e credibilidade de um empreendimento. Nicolaou e Birley (2003, p. 338)Nicolaou, N., & Birley, S. (2003). Academic networks in a trichotomous categorisation of university spinouts. Journal of Business Venturing, 18(3), 333-359. também afirmam que essas redes "constituem uma fonte de referências que proporciona feedback e gera legitimidade em ações empreendedoras". Atack (1999)Atack, I. (1999). Four criteria of development NGO legitimacy. World Development, 27(5), 855-864. esclarece que a legitimação organizacional é reflexo dos recursos de caráter social.

Nas organizações sob análise, as redes de relacionamento de seus empreendedores contribuíram para a legitimação dos negócios em fase de implementação. O processo de legitimação formal-procedimental teve o critério representatividade efetivado com a participação expressiva das redes de relacionamento dos fundadores daquelas organizações. Essas redes colaboraram em uma série de atividades. Foram envolvidos na composição do quadro de trabalhadores, tiveram abertura para sugerir acerca dos projetos desenvolvidos, organizaram processos seletivos, eleitorais, formalização da empresa, divulgação dos balanços contábeis; foram consultadas no momento em que era necessário tomar decisões importantes e ainda atuaram como fontes de recursos financeiros.

Quanto ao critério da distinção de valores, as redes sociais, com exceção do Incase, colaboraram para a concepção do estatuto coorporativo. Aqui, as organizações distinguem-se umas das outras revelando sua missão, seu público-alvo, a forma de composição de seus membros, de remuneração, o fomento das doações, entre outros critérios. Pode-se observar, nos casos das organizações sociais, que o estatuto é o instrumento maior ou a lei máxima que normatiza a administração dessa espécie de empreendimento. Assim sendo, pode-se verificar, nos casos estudados, que a rede social empreendedora tem uma expressiva participação quando se trata do processo de legitimação formal-procedimental.

Quanto ao critério substantivo-proposital, percebeu-se que as redes de relacionamento interferiram em menor grau para a sua promoção. Para atender ao critério da efetividade, percebeu-se que as redes se fizeram presentes na organização das atividades, principalmente na divisão de tarefas dentro das associações. Em duas delas, as redes ainda colaboraram para a definição dos projetos a serem priorizados. Essas redes também poderiam contribuir na promoção de mecanismos para motivar e captar voluntários para desenvolver os projetos dentro das associações e ainda no desenvolvimento de critérios para mensurar a eficácia das atividades promovidas. Dessa forma, o critério da efetividade poderia ser mais bem trabalhado com a ajuda das redes de relacionamento.

O critério empowerment é edificado por meio do processo de construção de capacidades, reflexo do trabalho desenvolvido por trabalhadores remunerados e voluntários das associações em estudo. No caso especial do Incase, houve incremento por meio de parcerias com outra organização com fins sociais que fomentaram recursos organizacionais e sociais. Entretanto, poder-se-ia aproveitar melhor a capacidade intelectual das redes de relacionamento dos empreendedores, fomentando a participação coletiva na tomada de decisão, por meio de reuniões e assembleias envolvendo a comunidade. O Quadro 6 detalha comparativamente como ocorre a legitimação nas três organizações.

QUADRO 6
RESUMO DAS REDES DE RELACIONAMENTO E O FOMENTO DA LEGITIMAÇÃO

8 CONCLUSÕES

Este estudo buscou, por meio da análise de múltiplos casos, analisar como os empreendedores sociais de Sergipe, durante a fase de concepção dos seus negócios, valem-se das suas redes de relações para obter recursos e legitimar seus empreendimentos. Foi possível observar, nos relacionamentos que compunham as redes sociais dos empresários, laços fracos e fortes. Estes últimos resumiram-se a família, amigos e colegas de profissão. No que diz respeito aos laços fracos, citaram-se empresas públicas, privadas e doadores/colaboradores pessoas físicas. Os laços fortes são vistos como fomentadores de praticamente todos os tipos de recursos nesse estágio inicial do empreendimento, mas são fontes aparentemente limitadas. Greve e Salaff (2003)Greve, A., & Salaff, J. W. (2003). Social networks and entrepreneurship. Entrepreneurship Theory e Practice, 28(1), 1-22. constataram que os laços fortes desempenham um papel crítico durante a concepção de um empreendimento. Os empresários buscam na família e nos amigos próximos soluções para atender a diferentes necessidades, assim eles se fazem presentes em várias fases do processo empreendedor.

Os laços fracos foram os provedores de uma boa parcela dos recursos físicos desses empreendedores e, no caso particular da Creche Ação Social Almir do Picolé, também tiveram expressiva contribuição financeira promovida por essa espécie de nó. Granovetter (1973)Granovetter, M. (1973, May). The strength of weak ties. The American Journal of Sociology, 78(6), 1360-1380. já afirmava que os laços mais fracos são mais eficazes para sustentar atividades empreendedoras. Eles são capazes de promover contatos e informações muito diferenciados e, assim, possibilitar o fomento de recursos de forma mais ampla. As redes de relacionamentos mais diversificadas tiveram um número mais expressivo de recursos fomentados, o que vai ao encontro da constatação de Brüderl e Preisendörfer (1998)Brüderl, J., & Preisendörfer, P. (1998). Network support and the success of newly founded businesses. Small Business Economics, 10, 213-225., os quais afirmam que empreendedores imersos em uma rede ampla e diversificada, em geral, recebem mais ajuda e recursos.

Foi possível observar também que as redes de relacionamento contribuíram para a legitimação das organizações com fins sociais analisadas. No presente estudo, foi verificado o quanto elas são participativas com relação ao fomento da legitimidade formal-procedimental. Entretanto, os empreendedores poderiam ainda ter potencializado essa fonte de recursos, aproveitando-a melhor no âmbito da legitimação substantivo-proposital e fomentando a participação das redes de relacionamento na promoção de mecanismos, para motivar e captar voluntários, desenvolver critérios a fim de mensurar a eficácia das atividades promovidas ou ainda aproveitar o capital intelectual das suas redes por meio da promoção do processo coletivo de tomada de decisão.

Recomendam-se estudos mais amplos acerca da relação entre redes sociais empreendedoras, recursos e legitimação de organizações com fins sociais. Para isso, seria interessante abordar comparativamente a dinâmica dessas relações em estágios diferentes de maturidade organizacional, uma vez que a legitimação é um evento extenso e as redes de relacionamento mutáveis.

REFERÊNCIAS

  • Alvord, S. H., Brown, L. D., & Letts, C. W. (2004). Social entrepreneurship and societal transformation. Journal of Applied Behavioral Science, 40(3), 260-282.
  • Atack, I. (1999). Four criteria of development NGO legitimacy. World Development, 27(5), 855-864.
  • Austin, J., Stevenson, H., & Wei-Skillern, J. (2006). Social and commercial entrepreneurship: same, different, or both? Entrepreneurship: Theory e Practice, 30(1), 1-22.
  • Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo Lisboa: Edições 70.
  • Barendsen, L., & Gardner, H. (2004). Is the social entrepreneur a new type of leader? Leader to Leader, 34, 43-50.
  • Barnir, A., & Smith, K. A. (2002). Interfirm alliances in the small business: the role of social networks. Journal of Small Business Management, 40(3), 219-232.
  • Birley, S. (1985). The role of networks in the entrepreneurial process. Journal of Business Venturing, 1(1), 107-117.
  • Borges, C. (2004). Especificidades e contribuições das redes informacionais para o desenvolvimento de pequenas e médias empresas do setor de vestuário. Revista Gestão & Tecnologia, 4(1), 1-23.
  • Borges, C. (2011). O papel do capital social do empreendedor na criação de empresas tecnológicas. Revista de Administração e Inovação, 8(3), 162-181.
  • Bornstein, D. (2005). Como mudar o mundo, empreendedores sociais e o poder de novas idéias. Rio de Janeiro: Record.
  • Brüderl, J., & Preisendörfer, P. (1998). Network support and the success of newly founded businesses. Small Business Economics, 10, 213-225.
  • Brush, C. G., Greene, P. G., & Hart, M. M. (2001). From initial idea to unique advantage: the entrepreneurial challenge of constructing a resource base. Academy of Management Executive, 15(1), 64-80.
  • Bygrave, W. D., & Hunt, S. 2005. Financing entrepreneurial ventures: global entrepreneurship monitor financing report London: Babson College and London Business School.
  • Cassi, L., & Morrison, A. (2007). Social networks and innovation: concepts, tools and recent empirical contributions [Working Paper Nº 2007/59]. Dinamia, Lisboa, Portugal.
  • Casson, M. (2003). Entrepreneurship, business culture and the theory of the firm. In Z. J. Acs & D. B. Audretsch (Eds.). Handbook of entrepreneurship research (pp. 223-246). The Netherlands: Kluwer Academic.
  • Cohen, B., & Winn, M. I. (2007). Market imperfections, opportunity and sustainable Entrepreneurship. Journal of Business Venturing, 22(1), 29-49.
  • Dees, J. G., & Battle Anderson, B. (2006). Framing a theory of entrepreneurship: building on two schools of practice and thought. Arnova Occasional Paper Series: Research on Social Entrepreneurship: Understanding and Contributing to an Emerging Field, 1(3), 39-66.
  • Degenne, A., & Forsé, M. (1999). Introducing social networks Londres: Sage, 1999.
  • Dimaggio, P., & Powell, W. (1991). The new institutionalism in organizational analysis Londres: University of Chicago Press.
  • Ducci, N. P. C., & Teixeira, R. M. (2011). As redes sociais dos empreendedores na formação do capital social: um estudo de casos múltiplos em municípios do norte pioneiro no Estado do Paraná [Versão eletrônica]. Cadernos Ebape.BR, 9(4), 967-997.
  • Eisenhardt, K. M. (1989). Building theories from case study research. Academy of Management Review, 14(4), 532-550.
  • Faust, C., & Wasserman, S. (1995). Social network analysis: methods and applications Cambridge: Cambridge University Press.
  • Fischer, R. M. (2006). Creating social and economic value. In Social Enterprise Knowledge Network (SEKN). Effective management of social enterprises: lessons from businesses and civil society organizations in Iberoamerica Cambridge, MA: Harvard University, David Rockefeller Center for Latin American Studies.
  • Global Entrepreneurship Monitor (2004). Empreendedorismo no Brasil 2004: sumário executivo Curitiba: IBQP, Sebrae.
  • Gómes, D., Gonzalez-Arangüena, E., Manuel, C., Owen, G., Del Pozo, M., & Tejada, J. (2003). Centrality and power in social networks: a game theoretic approach. Mathematical Social Sciences, 46(1), 27-54.
  • Goulart, S., & Vieira, M. M. F. (2003). Desenvolvimento, poder local e estrutura simbólico-normativa das universidades. In C. Carvalho & M. M. F. Vieira (Orgs.). Cultura e desenvolvimento local: a agenda de pesquisa do observatório da realidade organizacional. Recife: Edufepe.
  • Granovetter, M. (1973, May). The strength of weak ties. The American Journal of Sociology, 78(6), 1360-1380.
  • Greve, A., & Salaff, J. W. (2003). Social networks and entrepreneurship. Entrepreneurship Theory e Practice, 28(1), 1-22.
  • Guarindo Filho, E. R., & Machado-da-Silva, C. L. (2001). A influência de valores ambientais e organizacionais sobre a aprendizagem organizacional na indústria alimentícia paranaense. Revista de Administração Contemporânea, 5(2), p. 33-63.
  • Halinen, A., & Törnroos, J. A. (1998). The role of embeddedness in the evolution of business networks. Scandinavian Journal of Management, 14(3), 187-205.
  • Hansen, E. L. (1995). Entrepreneurial network and new organization growth. Entrepreneurship: Theory e Practice, 19(4), 7-19.
  • Harding, R. (2006). Social entrepreneurship monitor London: Global Entrepreneurship Monitor.
  • Hartigan, P., & Elkington, J. (2009). Empreendedores sociais: o exemplo incomum das pessoas que estão transformando o mundo Rio de Janeiro: Elsevier.
  • Hite, J. (2003). Patterns of multidimensionality among embedded network ties: a typology of relational embeddedness in emerging entrepreneurial firms. Strategic Organization, 1(1), 9-49.
  • Hoogendoorn, B., Pennings, E., & Thurik, A. R. (2010). What do we know about social entrepreneurship: an analysis of empirical research. International Review of Entrepreneurship, 8(2), 71-112.
  • Horochovski, R. R. (2000). Estratégias de legitimação no terceiro setor: o caso da Pastoral da Criança. Curitiba Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.
  • Johnson, S. (2003). Young social entrepreneus in Canada Edmonton: Canadian Centre for Social Entrepreneurship.
  • Kreiner, K., & Schultz, M. (1993). Informal collaboration in ReD. The formation of networks across organizations. Organization Studies, 14(2), 189-209.
  • Laville, C., & Dionne, J. (1999). A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas Belo Horizonte: Editora UFMG.
  • Lazzarini, S. G. (2007). Mudar tudo para não mudar nada: análise da dinâmica de redes de proprietários no Brasil como "mundos pequenos" [Versão eletrônica]. Revista de Aadmistração de Empresas, 6(1), 1-25.
  • Mair, J., & Marti, I. (2006). Social entrepreneurship research: a source of explanation, prediction and delight. Journal of World Business, 41(1), 36-44.
  • Marques, D. S. P., Merlo, E. M., & Nagano, M. S. (2005). A questão da avaliação da legitimidade de ONGs. Caderno de Pesquisas em Administração, 12(2), 67-84.
  • Marques, E. (2007). Os mecanismos relacionais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 22(64), 157-161.
  • Melo, F. P., Neto, & Froes, C. (2001). Gestão da responsabilidade social corporativa: o caso brasileiro – da filantropia tradicional à filantropia de alto rendimento e ao empreendedorismo social Rio de Janeiro: Qualitymark.
  • Mönsted, M. (1995). Process and structures of networks: reflections on methodology. Entrepreneurship and Regional Development, 7(3), 193-213.
  • Nascimento, S., Gubiani, C. A., & Beuren, I. M. (2011). Legitimidade nas organizações não governamentais voltadas à preservação ambiental. Revista de Gestão Social e Ambiental, 5(1), 23-139.
  • Nicolaou, N., & Birley, S. (2003). Academic networks in a trichotomous categorisation of university spinouts. Journal of Business Venturing, 18(3), 333-359.
  • Onozato, E., & Teixeira, R. M. (2010). Processo de criação de organizações com fins sociais: estudo de casos múltiplos em Curitiba, Paraná. Contabilidade, Gestão e Governança, 13(3), 38-52.
  • Recuero, R. (2009). Redes sociais na internet Porto Alegre: Sulina.
  • Renzulli, L. A., Aldrich, H., & Moody, J. (2000). Family matters: gender, networks, and entrepreneurial outcomes. Social Forces, 79(2), 523-547.
  • Roper, J., & Cheney, G. (2005). Leadership, learning and human resource management: the meaning of social entrepreneurship today. Corporate Governance, 5(3), 95-104.
  • Ruef, M., Aldrich, H. E., & Carter, N. M. (2003). The structure of founding teams: homophily, strong ties, and isolation among U. S. entrepreneurs. American Sociological Review, 68(2), 195-222.
  • Sagawa, S., & Segal, E. (2000). Common interest, common good: creating value through business and social sector partnerships. California Management Review, 42(2), 105-122.
  • Santiago, T., & Borges, C. (2010). O processo de criação de organizações do terceiro setor, suas dificuldades e seus fatores de sucesso. Anais do Encontro de Estudos sobre Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas – Egepe, Recife, PE, Brasil, 6.
  • Scott, W. R. (2008). Institutions and organizations (3rd ed.). Los Angeles: Sage.
  • Short, J. C., Moss, T. W., & Lumpkin, G. T. (2009). Research in social entrepreneurship: past contributions and future opportunities. Strategic Entrepreneurship Journal, 3(2), 161-194.
  • Suchman, M. C. (1995). Managing legitimacy: strategic and institutional approaches. The Academy of Management Review, 20(3), 571-610.
  • Vasconcelos, G. M. R. (2005). Inserção social e recursos: um estudo de caso comparativo da criação e do desenvolvimento de novos negócios. E&G – Economia e Gestão, 5(11), 143-164.
  • Vasconcelos, G. M. R., Rezende, S. F. L., Guimarães, L. O., & Fachin, R. C. (2007). Mobilizando relacionamentos e acessando recursos na criação e evolução de novos negócios. Organizações & Sociedade, 14(41), 113-134.
  • Vedder, A., Collingwood, V., & Van Gorp, A. (2007). NGO involvement in international governance and policy: sources of legitimacy. Leiden, Boston: Martinus Nijhoff.
  • Yin, R. K. (2005). Estudo de caso: planejamento e métodos (3a ed.). Porto Alegre: Bookman.
  • Zimmerman, M. A., & Zeitz, G. J. (2002). Beyond survival: achieving new venture growth by building legitimacy. Academy of Management Review, 27(3), 414-431.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2015

Histórico

  • Recebido
    27 Nov 2012
  • Aceito
    11 Nov 2014
Editora Mackenzie; Universidade Presbiteriana Mackenzie Rua da Consolação, 896, Edifício Rev. Modesto Carvalhosa, Térreo - Coordenação da RAM, Consolação - São Paulo - SP - Brasil - cep 01302-907 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.adm@mackenzie.br