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AS PRÁTICAS DE RECURSOS HUMANOS PARA A GESTÃO DA DIVERSIDADE: A INCLUSÃO DE DEFICIENTES INTELECTUAIS EM UMA FEDERAÇÃO PÚBLICA DO BRASIL

HUMAN RESOURCE PRACTICES FOR DIVERSITY MANAGEMENT: THE INCLUSION OF INTELLECTUAL DISABILITIES IN A PUBLIC FEDERATION OF BRAZIL

PRáCTICAS DE RECURSOS HUMANOS PARA LA GESTIÓN DE LA DIVERSIDAD: LA INCLUSIóN DE DISCAPACITADOS INTELECTUALES EN UNA FEDERACIÓN PÚBLICA DE BRASIL

Resumos

A gestão da diversidade tem sido um tema recentemente discutido na administração em face das pressões legais e normativas existentes nos diversos países. No Brasil, essa questão ficou evidente após a promulgação da Lei n. 8.213/91 que contempla a obrigatoriedade de organizações públicas e privadas de reservar um percentual de suas vagas para pessoas com deficiência. No entanto, poucas organizações conseguem cumprir o percentual demandado pela lei. Além das dificuldades de encontrar esses novos colaboradores, os gestores precisam lidar com as diferenças entre os atores organizacionais, de modo a garantir a justiça social, assim como devem preocupar-se com as consequências dessa interação, nem sempre harmoniosa. Muitas vezes, ajustes são necessários para evitar segregação e exclusão social no ambiente de trabalho. Com base no exposto, o objetivo deste artigo é analisar a interface entre a gestão da diversidade na inclusão de deficientes intelectuais no contexto organizacional e as práticas de recursos humanos geradas a partir dessa nova realidade. Essa problemática foi investigada em um estudo de caso no Sesi/Senai – Paraná/Brasil, com abordagem qualitativa, por meio de entrevistas com uma gestora, seis funcionários, cinco pessoas com deficiência atuantes na organização e uma pessoa colaboradora externa, responsável pelo acompanhamento do processo de inserção na organização das pessoas com deficiência. Entre os resultados, verificou-se que as práticas de recursos humanos são fundamentais para que a inclusão das pessoas com deficiência ocorra de forma eficaz e gere bons resultados, pois trata-se de práticas facilitadoras da gestão da diversidade no campo da organização. No caso estudado, evidenciou-se que essas práticas de recursos humanos foram bem estruturadas no início do seu projeto de inclusão, porém demandam políticas de manutenção delas. Entre as contribuições deste artigo, destaca-se a constatação da relevância das práticas de recursos humanos (recrutamento, socialização e sensibilização, treinamento) para a gestão da diversidade, apontando a necessidade de as organizações investirem na gestão da diversidade para que a inserção dessa população de fato ocorra, além do cumprimento da lei.

Gestão da diversidade; Práticas de recursos humanos; Deficientes intelectuais; Inclusão; Organização


Diversity management has been a recently debated theme in management due to the legal and normative pressure that exist in several countries. In Brazil, this topic became evident after the promulgation of Law 8213/91, which included the obligation of public and private organizations to destine a percentage of their vacancies to people with disabilities. However, few organizations can meet the percentage demanded by law. In addition to the difficulties of finding these new employees, managers need to deal with the differences among the organizational actors, seeking social justice, as well as concern about the consequences of this interaction – which is not always harmonious. Adjustments are often necessary to avoid segregation and social exclusion in the work environment. Thus, the aim of this paper is to analyze the interface between diversity management in the inclusion of intellectually disabled people in the organizational context and the practices of Human Resources (HR) generated from this new reality. This issue was investigated in a case study at Sesi/PR and Senai/PR – Paraná/ Brazil, with a qualitative approach through interviews with a female manager, six employees, five intellectually disabled people active in the organization and one external collaborator – responsible for monitoring the insertion process of people with disabilities in the organization. Among the results, it was verified that the HR practices are essential to make the inclusion of disabled people effective and to make it render good results, and that these practices facilitate the management of diversity in the organization field. It was observed that the practices of human resources mentioned above were well structured at the beginning of the inclusion project, but require maintenance policies. Among the contributions of this paper, we highlight the realization of the relevance of human resource practices (recruitment, socialization and awareness, training) for the diversity management, pointing to the need of organizations to invest in diversity management so the inclusion of this population really occurs, going beyond law enforcement.

Diversity management; Human resources practices; Intellectual disability; Inclusion; Organization


La gestión de la diversidad ha sido un tema discutido en la administración frente a las presiones legales y reglamentarias vigentes en los diferentes países. En Brasil, este problema se hizo evidente después de la promulgación de la Ley 8.213/91 que incluye la obligación de las organizaciones públicas y privadas a reservar un porcentaje de sus vacantes para personas con discapacidades. Sin embargo, pocas organizaciones consiguen cumplir con el porcentaje exigido por la ley. Además de las dificultades de encontrar esos nuevos empleados, los gerentes deben hacer frente a las diferencias entre los actores organizacionales buscando la justicia social, y deben preocuparse con las consecuencias de esta interacción, no siempre armoniosa. Muchas veces se necesitan ajustes para evitar la segregación y la exclusión social en el lugar de trabajo. Con base en lo expuesto, el propósito de este artículo es analizar la interfaz entre la gestión de la diversidad en la inclusión de los discapacitados intelectuales y las prácticas de recursos humanos generadas en la organización a partir de esta nueva realidad. Esta cuestión fue investigada en un estudio de caso en el Sesi/Senai – Paraná/ Brasil, con un enfoque cualitativo por medio de entrevistas con la dirección, seis empleados, cinco personas con discapacidad activos en la organización y un colaborador externo, encargado de supervisar el proceso de inserción en la organización de las personas con discapacidad. Entre los resultados, se verificó que las prácticas de recursos humanos son esenciales para la inclusión de las personas con discapacidad, para que puedan tener lugar de manera efectiva y generar buenos resultados siendo estas prácticas facilitadotas de la gestión de la diversidad en el ambiente de la organización. En el caso estudiado, se hizo evidente que las prácticas de recursos humanos citadas anteriormente fueron bien estructuradas en el inicio del proceso de inclusión, pero demandaron políticas de mantenimiento de las mismas. Entre las contribuciones de este artículo, se observó aún la relevancia de las prácticas de recursos humanos (reclutamiento, socialización y sensibilización, capacitación) para la gestión de la diversidad y señalando la necesidad de que las organizaciones inviertan en la gestión de la diversidad para que la inclusión de esta población ocurra de hecho, además de hacer cumplir la ley.

Gestión de la diversidade; Practicas de recursos humanos; Discapacitados intelecutales; Inclusión; Organización


INTRODUÇÃO

Somente a existência de leis que contemplem a inserção de pessoas com deficiência não pode ser considerada como uma medida segura para a inclusão e permanência dessa parcela da população no mercado de trabalho (Tanaka & Manzini, 2005Tanaka, E. D. O., & Manzini, E. J. (2005). O que os empregadores pensam sobre o trabalho da pessoa com deficiência? Revista Brasileira de Educação Especial, 11(2), 273-294.). Apesar do direito assegurado por lei, é necessário pensar que a inclusão efetiva das pessoas com deficiência no mercado de trabalho depende tanto de preparo profissional quanto das condições estruturais, funcionais, organizacionais e sociais que permeiam o ambiente no qual o indivíduo irá integrar-se, para que sua contratação não seja somente por benevolência ou em face da obrigatoriedade legal.

No Brasil, a promulgação da Lei n. 8.213/91 sobre a inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho tem gerado discussões nos meios acadêmico e empresarial. No entanto, poucas organizações conseguem cumprir o percentual demandado pela lei. Para Carvalho-Freitas e Marques (2006)Carvalho-Freitas, M. N., & Marques, A. L. (2006). Avaliação das condições de trabalho para inserção de pessoas com deficiência, na gestão da diversidade. IV Seminário Internacional Sociedade Inclusiva: propostas e ações: impasses e avanços, Belo Horizonte, MG, Brasil., o principal obstáculo para a inserção dessa população no mercado de trabalho está relacionado às dificuldades de adequação do ambiente e das condições de trabalho. Essa justificativa tem feito parte do discurso de grande parcela das organizações para a não contratação de pessoas portadoras de deficiência, bem como para a segregação em determinados setores da economia e a ausência de oportunidades de ascensão profissional.

Outro fator que restringe a inclusão das pessoas com deficiência refere-se à instabilidade econômica do Brasil, onde prevalecem altos índices de desemprego, o que acirra ainda mais a competitividade para garantir uma vaga no mercado de trabalho. Segundo França, Pagliuca e Baptista (2008)França, I. S. X., Pagliuca, L. M. F., & Baptista, R. S. (2008). Política de inclusão do portador de deficiência: possibilidades e limites. Acta Paulista de Enfermagem, 21(1), 112-116., para um contingente de 32% de pessoas sem deficiência que se encontram desempregadas, há um percentual de 52% de pessoas com deficiência fora do mercado de trabalho. Observam-se ainda a falta de informação sobre a deficiência e o descrédito de que a pessoa com deficiência não terá condições de corresponder ao ritmo imposto pela produtividade (Tanaka & Manzini, 2005Tanaka, E. D. O., & Manzini, E. J. (2005). O que os empregadores pensam sobre o trabalho da pessoa com deficiência? Revista Brasileira de Educação Especial, 11(2), 273-294.). Sobre esse aspecto, discute-se a necessidade da profissionalização das pessoas com deficiência como forma de minimizar o estigma enfrentado por esses indivíduos e promover sua inserção na sociedade, bem como a preparação das organizações em receber esses profissionais e desenvolver uma gestão que abranja a diversidade de seu corpo de colaboradores.

No enfoque da prática da gestão da diversidade, o primeiro aspecto a ser destacado em tais programas é a necessidade de sua integração com o sistema de recursos humanos da organização (Bleijenbergh, Peters, & Poutsma, 2010Bleijenbergh, I., Peters, P., & Poutsma, E. (2010). Diversity management beyond business case. Equality, Diversity and Inclusion Journal, 29(5), 413-421.; Spataro, 2005Spataro, S. E. (2005). Diversity in context: how organizational culture shapes reactions to workers with disabilities and others who are demographically different. Behavioral Sciences and the Law, 23, 21-38.). As discussões sobre a inclusão da diversidade no contexto organizacional mostram que essa política pode ser fonte de vantagem competitiva, todavia o desafio recai sobre como as organizações podem fazer a inclusão da melhor forma (Alves & Galeão-Silva, 2004Alves, M. A., & Galeão-Silva, L. G. (2004). A crítica da gestão da diversidade nas organizações. Revista de Administração de Empresas, 44(3), 20-29.; Carvalho-Freitas, 2007Carvalho-Freitas, M. N. (2007). A inserção de pessoas com deficiência em empresas brasileiras: um estudo sobre as relações entre concepções de deficiência, condições de trabalho e qualidade de vida no trabalho. Tese de doutorado, Universidade Federal Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.; Quintão, 2005Quintão, D. T. R. (2005). Algumas reflexões sobre a pessoa portadora de deficiência e sua relação com o social. Psicologia & Sociedade, 17(1), 17-28.; Tipper, 2004Tipper, J. (2004). How to increase diversity through your recruitment practices. Industrial e Commercial Training, 36(4), 158-161.).

Portanto, para que seja efetiva, a gestão da diversidade precisa de uma implementação planejada, o que significa que é necessário um alinhamento com todos os aspectos da política de recursos humanos da organização, com destaque para as práticas de recrutamento, seleção, remuneração, treinamento e cultura organizacional. Nesse processo, devem-se incluir a filosofia compartilhada pela força de trabalho e políticas de inclusão das pessoas com deficiência no contexto organizacional.

Um aspecto ligado à contratação de pessoas com deficiência é o processo de “escolha” de quais tipos de deficiência podem ser incorporados na dinâmica das atividades de trabalho, sem que ocorra prejuízo ou necessidade de rearranjo do espaço. Sobre essa atitude das organizações, França et al. (2008)França, I. S. X., Pagliuca, L. M. F., & Baptista, R. S. (2008). Política de inclusão do portador de deficiência: possibilidades e limites. Acta Paulista de Enfermagem, 21(1), 112-116. ponderam que as empresas preferem optar pela contratação de pessoas com deficiência auditiva, física ou visual, uma vez que elas possuem maiores habilidades desenvolvidas que permitem a aprendizagem formal desses indivíduos.

Estudos realizados em organizações que contratam basicamente pessoas com deficiência intelectual mostram que, por diversas vezes, as práticas de inclusão se baseiam ainda no critério de racionalização e busca por maior produtividade (Bezerra & Vieira, 2012Bezerra, S. S., & Vieira, M. M. F. (2012). Pessoas com deficiência intelectual: a nova "ralé" das organizações do trabalho. Revista de Administração de Empresas, 52(2), 232-244.; Campos, Vasconcellos, & Kruglianskas, 2013Campos, J. G. F., Vasconcellos, E. P. G., & Kruglianskas, G. (2013). Incluindo pessoas com deficiência na empresa: estudo de caso de uma multinacional brasileira. Rausp, 48(3), 560-573.; Mourão, Sampaio, & Duarte, 2012Mourão, L., Sampaio, S., & Duarte, M. H. (2012). Colocação seletiva de pessoas com deficiência intelectual nas organizações: um estudo qualitativo. Organizações & Sociedade, 19(61), 209-229.) ou na atividade a ser realizada, pois, muitas vezes, as empresas preferem inserir essa população em cargos cujas tarefas são repetitivas e enfadonhas, as quais as pessoas sem deficiências não gostam, em geral, de executar (Campos et al., 2013Campos, J. G. F., Vasconcellos, E. P. G., & Kruglianskas, G. (2013). Incluindo pessoas com deficiência na empresa: estudo de caso de uma multinacional brasileira. Rausp, 48(3), 560-573.). Outro aspecto apontado pela Federação Nacional das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apaes) é que a inclusão de pessoas com deficiência intelectual no mercado de trabalho ocorre principalmente em função da Lei de Cotas e não por uma atitude proativa de as organizações contratarem pessoas com deficiência.

Sobre a inserção de pessoas com deficiência, sobretudo intelectual, no mercado de trabalho, Mourão et al. (2012)Mourão, L., Sampaio, S., & Duarte, M. H. (2012). Colocação seletiva de pessoas com deficiência intelectual nas organizações: um estudo qualitativo. Organizações & Sociedade, 19(61), 209-229. destacam que esse tema precisa ser amplamente discutido na academia como forma de promover reflexões acerca da práxis da diversidade e sobre como a inserção de pessoas com deficiência no contexto de trabalho pode promover a construção de uma organização social mais harmoniosa e justa.

Considerando esses aspectos apontados na literatura, este trabalho vai na contramão desse cenário para mostrar a dinâmica de inserção de pessoas com deficiência intelectual no mercado de trabalho formal como forma de desvelar quais as dificuldades e potencialidades da inclusão dessas pessoas no contexto organizacional. Nesse sentido, esta pesquisa buscou analisar a interface entre a inclusão de deficientes intelectuais no contexto organizacional e as práticas de recursos humanos por meio de um estudo de caso em uma Federação pública do Estado do Paraná, denominada Serviço Social da Indústria/Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Sesi/Senai), que faz parte da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), situada em Curitiba.

2 A DIVERSIDADE NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

A diversidade é um conceito que se refere ao modo como os indivíduos diferem entre si, em termos de bases pessoais ou em relação às características ligadas com a organização em que a pessoa atua (Gomes, Augusto, Lopes, & Ribeiro, 2008Gomes, S., Augusto, C., Lopes, M., & Ribeiro, V. (2008). A gestão da diversidade em pequenas e médias empresas europeias. Coimbra: Respons&Ability.). Sob essa perspectiva, pode ser considerado um conceito multidimensional que abrange diferenças individuais étnico-racial, de gênero, orientação sexual, da geração, da classe social, das capacidades físicas e mentais, da família, da religião, regional, profissional, político e de outras afiliações pessoais. Essas características geralmente estão categorizadas como visíveis e invisíveis.

A definição sobre como a diversidade é classificada pode compreender duas linhas de pensamento distintas. A primeira perspectiva pondera que a diversidade nas organizações seja fruto da inter-relação de grupos que historicamente sejam considerados como prejudicados no âmbito da interação social e política, como mulheres, pessoas de diferentes etnias e imigrantes. Já sob a outra ótica do conceito, há pesquisadores que consideram a diversidade a partir de características como incapacidade mental ou física, orientação política, estado civil, ou outras características que denotem diferenças entre os trabalhadores (Spataro, 2005Spataro, S. E. (2005). Diversity in context: how organizational culture shapes reactions to workers with disabilities and others who are demographically different. Behavioral Sciences and the Law, 23, 21-38.).

Entretanto, essas duas linhas de pensamento podem ser consideradas válidas, pois os argumentos defendidos por cada uma são complementares e demonstram que, para a organização aproveitar os benefícios provenientes das diferenças entre seus membros, é preciso reconhecer que a diversidade pode ser percebida a partir de diferentes aspectos que não somente características como raça ou sexo (Spataro, 2005Spataro, S. E. (2005). Diversity in context: how organizational culture shapes reactions to workers with disabilities and others who are demographically different. Behavioral Sciences and the Law, 23, 21-38.). Portanto, os gestores não devem reduzir o escopo das diferenças entre os membros organizacionais somente visando à justiça social, mas também ter em vista as consequências dessa interação para o próprio negócio, que nem sempre resultam em interações harmoniosas, e, muitas vezes, alguns ajustes são necessários para que não se incorra em segregação e exclusão social no ambiente de trabalho.

A partir do exposto, evidencia-se a necessidade de equacionar a forma como se define a diversidade de modo a incluir nessa perspectiva não somente os grupos considerados minoritários, mas compreender as diferenças inerentes a cada indivíduo, bem como examinar onde a cultura, a estrutura e os sistemas organizacionais podem ser modificados, visando refletir o caráter diversificado de seus funcionários (Thomas, 1997Thomas, R. R., Jr. (1997). A diversidade nas organizações de futuro. In F. Hesselbein, M. Goldsmith & R. Beckhard. A organização do futuro: como preparar hoje as empresas de amanhã (pp. 353-364). São Paulo: Futura.).

2.1 A GESTÃO DA DIVERSIDADE

A gestão da diversidade significa um processo ativo e consciente de gestão direcionado para o desenvolvimento futuro de uma organização baseada em valor (Brdulak, 2008Brdulak, H. (2008). Diversity management as a business model. Kobieta i Biznes, 1(4), 29-35.). Sua base consiste na aceitação das diferenças existentes entre os indivíduos e no tratamento delas como um potencial a ser desenvolvido.

Outro aspecto a ser ponderado no que concerne à diversidade é em relação aos custos advindos de uma política precária de gestão da diversidade, pois a falta de integração entre os diversos grupos traz como consequência para a operacionalização das atividades diárias um aumento dos conflitos e da rotatividade. Ao considerar a imparcialidade no processo de contratação e a minimização dos custos com a integração dos membros, a organização pode obter um efeito positivo em sua reputação, atraindo membros com boas qualificações dos mais diversos grupos, tornando-se mais flexível e criativa, dada a diversidade encontrada entre seus membros (Spataro, 2005Spataro, S. E. (2005). Diversity in context: how organizational culture shapes reactions to workers with disabilities and others who are demographically different. Behavioral Sciences and the Law, 23, 21-38.).

Desse modo, a implementação da gestão da diversidade, quando bem programada, tem o potencial de desenvolver os membros organizacionais para engajar-se em maneiras diferentes de pensar e agir de modo construtivo. A administração eficaz de uma força de trabalho diversificada, que busca desenvolver o potencial dos membros organizacionais, utiliza a promoção de programas de treinamento para a diversidade como forma de identificar e reduzir possíveis preconceitos ocultos (Bateman & Snell, 1998Bateman, T. S., & Snell, S. A. (1998). Administração: construindo vantagem competitiva. São Paulo: Atlas.).

A gestão da diversidade no ambiente organizacional brasileiro se deu primeiramente com a discussão sobre cotas raciais, principalmente nas décadas de 1980 e 1990, pautadas nas chamadas ações afirmativas. A prática das ações afirmativas no Brasil foi evidenciada principalmente pelas ações iniciadas por subsidiárias de empresas norte-americanas que buscaram exercer algum tipo de responsabilidade social com ênfase nas minorias (Pacheco, 2003Pacheco, H. P. (2003). Comunicação organizacional: sua funcionalidade dentro da gestão da diversidade nas empresas. VI Congreso Asociación Latinoamericana de Investigadores de La Comunicación, Santa Cruz de la Sierra, Bolívia.). Essa transposição, muitas vezes irrefletida, é uma das principais críticas relacionadas à gestão da diversidade no Brasil, pois, apesar de ser uma prática difundida no contexto norte-americano, a transposição e implementação não são consideradas um processo fácil. Isso ocorre devido a três questões principais: 1. o ceticismo dos próprios membros organizacionais em relação aos programas e à sua efetividade; 2. a atitude preconceituosa em relação aos colegas e chefes beneficiários desses programas; 3. as dificuldades em modificar as rotinas de recursos humanos para se adaptar à questão da diversidade e incluí-la (Alves & Galeão-Silva, 2004Alves, M. A., & Galeão-Silva, L. G. (2004). A crítica da gestão da diversidade nas organizações. Revista de Administração de Empresas, 44(3), 20-29.).

Essas dificuldades são também apontadas por Bleijenbergh et al. (2010)Bleijenbergh, I., Peters, P., & Poutsma, E. (2010). Diversity management beyond business case. Equality, Diversity and Inclusion Journal, 29(5), 413-421., que expressam que um dos principais desafios em implementar o programa de gestão da diversidade é sua situação perante a política global de recursos humanos da organização. Na maioria das vezes, a gestão da diversidade representa uma política adicional do sistema de recursos humanos, em vez de representar uma abordagem integrada ao núcleo da gestão de pessoas. Essa falta de quadro referencial da diversidade pode levar mais a uma implementação burocrática e defensiva do que flexível e proativa, como é de fato a necessidade para a eficiência da gestão da diversidade no ambiente organizacional.

A prática das ações afirmativas no Brasil é uma das medidas tomadas pelas organizações como forma de igualar as oportunidades de trabalho. Uma das ações mais utilizadas no país se refere ao sistema de cotas que determina certo número ou porcentagem de vagas a serem preenchidas por pessoas com algum tipo de deficiência. No entanto, o sistema de cotas no contexto brasileiro é um dos mais polêmicos procedimentos da gestão da diversidade, principalmente pela perspectiva dos indivíduos que não fazem parte do grupo de beneficiários. Por isso, a efetividade das ações afirmativas é frequentemente discutida nos ambientes acadêmicos, jurídicos e organizacionais (Jabbour, Gordono, Oliveira, Martinez, & Battistelle, 2011Jabbour, C. J. C., Gordono, F. S., Oliveira, J. H. C., Martinez, J. C., & Battistelle, R. A. G. (2011). Diversity management: challenges, benefits, and the role of human resource management in Brazilian organizations. Equality, Diversity and Inclusion Journal, 30(1), 58-74.).

2.1.1 A Lei de Cotas brasileira: legislação sobre a inclusão de deficientes nas organizações

A legislação brasileira possui duas normas ratificadas para a conceituação de deficiência: a Convenção n. 159/83 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Convenção da Guatemala, promulgada pelo Decreto n. 3.956, de 8 de outubro de 2001. Nessas duas normas, o conceito de deficiência pode ser descrito como “uma limitação física, mental, sensorial ou múltipla, que incapacite a pessoa para o exercício de atividades normais da vida e que, em razão dessa incapacitação, a pessoa tenha dificuldades de inserção social” (Ministério do Trabalho e Emprego, 2008Ministério do Trabalho e Emprego (2008). Lei de Cotas em perguntas e respostas. Recuperado em 7 julho, 2011, de http://www3.mte.gov.br/fisca_trab/inclusao/lei_cotas.asp.
http://www3.mte.gov.br/fisca_trab/inclus...
, p. 20).

Em relação ao serviço público, mediante concurso, o artigo 5º, § 2º, da Lei n. 8.112/90, c/c artigo 37, § 1º, do Decreto n. 3.298/99, define a reserva de um percentual mínimo de 5% e o máximo de 20% das vagas oferecidas para pessoas portadoras de deficiência. O artigo 37, inciso VIII, relata que “A lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”.

Para o setor privado, a Constituição prevê a obrigatoriedade da reserva de cargos para deficientes, como redigido na Lei n. 8.213/91, que descreve os deveres a serem obedecidos pelas organizações em relação à Lei de Cotas. Assim, empresas com mais de 100 funcionários precisam preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiências habilitadas. As organizações que descumprirem tais regulamentos estarão sujeitas a multas.

A partir do Decreto n. 3.956/2001, surgem, nos meios empresarial e acadêmico, discussões sobre a maneira de viabilizar as exigências e quais as implicações para o dia a dia das organizações. Com isso, surge, nas organizações, a necessidade de um novo sistema de gestão voltado para a diversidade e novas práticas de recursos humanos para a inclusão dos trabalhadores com deficiência no contexto organizacional.

2.2 AS PRÁTICAS DE RECURSOS HUMANOS PARA A GESTÃO DA DIVERSIDADE

A questão sobre lidar com o diferente impacta tanto nas pessoas quanto no contexto em que os indivíduos estão inseridos. Para que a inclusão da diversidade possa ser efetivada e transcorra de forma harmoniosa, é necessário que haja interação e ajuste entre os membros organizacionais e a empresa. Para tal, a organização precisa instituir práticas, entre elas práticas de recursos humanos, que divulguem sua política organizacional e, com isso, revelem seus valores culturais, procurando tornar as relações com os indivíduos mais produtivas (Martinez, 2008Martinez, V. P. R. (2008). Gestão da diversidade e pessoas com deficiência: percepção dos gestores e empregados sobre os impactos da lei de cotas. Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.). Com base na literatura sobre gestão da diversidade, práticas organizacionais de recrutamento, socialização/sensibilização e treinamento foram identificadas como as principais atividades de recursos humanos relacionadas à inclusão. Por práticas organizacionais entende-se o conjunto de ações desenvolvidas e implementadas pelas organizações.

2.2.1 Recrutamento

O processo de inclusão implica a adequação da estrutura organizacional às pessoas com deficiência e o reconhecimento das características e competências que elas podem oferecer à organização. Portanto, ao negar o conceito de inclusão e a capacidade de acreditar no potencial das pessoas com deficiência em contribuir para o crescimento da organização, esta não se esforça em compreender as diferenças requeridas para o tratamento dessa parte da população no processo de recrutamento e seleção. É necessário que as organizações compreendam que não existe um modelo formatado para a inclusão de pessoas com deficiência a ser seguido. É preciso que não se restrinja a inserção de ações isoladas de correção como forma de adaptar o processo de seleção e recrutamento, e sim a concepção de políticas organizacionais que promovam a diversidade dentro das organizações e ações inclusivas.

Fernandes, Moura e Ribeiro (2011)Fernandes, A. L., Moura, A. S. D., & Ribeiro, L. P. (2011). O processo de recrutamento e seleção do profissional portador de deficiência nas organizações: inclusão ou integração? Encontro de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho, João Pessoa, PB, Brasil, 3. trazem uma perspectiva relevante sobre a mudança no processo de contratação de pessoas com deficiência. A partir de um estudo, os autores verificaram que o que era, a princípio, somente uma tentativa de cumprimento da lei de inclusão passou a ser uma postura assumida pela organização de preocupação com o ambiente que a cerca e com o seu próprio futuro. Com isso, a organização passou a ver a contratação de pessoas com deficiência como um processo contínuo de recrutamento e seleção, e percebeu que a contratação não poderia ser realizada por meio do processo tradicional de seleção adotado para todos os candidatos. Para tanto, eles buscaram compreender quais os motivos, em geral, que impediam a inclusão das pessoas com deficiência nas organizações e verificaram que os maiores problemas estavam relacionados à própria área de recursos humanos, que, além da resistência e do preconceito, tinha insegurança em relação à forma de tratamento das pessoas com deficiência e à produtividade por parte dos funcionários. Por fim, os autores constataram a inadequação de estrutura física em empresas para a acessibilidade das pessoas com deficiência ao ambiente de trabalho e a não aceitação por parte da própria pessoa com deficiência de sua condição, bem como a falta de preparo e qualificação. No caso do processo de recrutamento e seleção, a organização compreendeu a necessidade de realizar uma flexibilização nos processos de contratação das pessoas com deficiência e passou a diminuir a exigência em relação a escolaridade, experiências e cursos, pois esse era um dos fatores que mais dificultavam o processo de implantação do programa de recrutamento e seleção.

Algumas das práticas desenvolvidas pela organização estudada por Fernandes et al. (2011)Fernandes, A. L., Moura, A. S. D., & Ribeiro, L. P. (2011). O processo de recrutamento e seleção do profissional portador de deficiência nas organizações: inclusão ou integração? Encontro de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho, João Pessoa, PB, Brasil, 3. são congruentes com as indicações apresentadas por Tipper (2004)Tipper, J. (2004). How to increase diversity through your recruitment practices. Industrial e Commercial Training, 36(4), 158-161., que considera que o processo de recrutamento com o objetivo de ampliar a diversidade nas organizações perpassa a construção de algumas práticas de recursos humanos. Assim, o processo de recrutamento dessa mão de obra considera a realização de pesquisa de mercado que possibilite indicar uma base para o recrutamento da diversidade; a criação de um ambiente que influencie gestores e stakeholders sobre a necessidade de práticas de recrutamento para a diversidade; a ampliação e diferenciação dos canais de comunicação para alcançar os candidatos-alvo; e a recompensa aos funcionários responsáveis pelo recrutamento em função de seu sucesso no aumento da diversidade dos membros organizacionais.

O que se percebe no contexto brasileiro, principalmente em relação ao recrutamento de pessoas com deficiência intelectual, são práticas de recrutamento mediadas por instituições filantrópicas especializadas na educação de pessoas com deficiência que buscam colocação dos alunos no mercado de trabalho (Batista, 2002Batista, C. A. M. (2002). A inclusão da pessoa portadora de deficiência no mercado formal de trabalho: um estudo sobre suas possibilidades nas organizações de Minas Gerais. Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.; Bezerra & Vieira, 2012Bezerra, S. S., & Vieira, M. M. F. (2012). Pessoas com deficiência intelectual: a nova "ralé" das organizações do trabalho. Revista de Administração de Empresas, 52(2), 232-244.; Kuabara, 2013Kuabara, P. S. S. (2013). O processo de aprendizagem organizacional, cerimonialismo e competência organizacional de gestão da diversidade: um estudo de caso no setor supermercadista de Curitiba – PR. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.; Toledo & Blascovi-Assis, 2007Toledo, A. P. L., & Blascovi-Assis, S. M. (2007). Trabalho e deficiência: significado da inclusão no mercado formal para um grupo de jovens com Síndrome de Down. Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, 7(1), 83-96.). Esse modo de colocação no mercado de trabalho da pessoa com deficiência por intermédio de instituições beneficentes já é prescrita no artigo 35 do Decreto n. 3.298/99, que ainda considera que práticas com horários flexíveis e adequação do ambiente de trabalho são consideradas condições facilitadoras da inserção da pessoa com deficiência no contexto organizacional.

Conforme aponta Batista (2002)Batista, C. A. M. (2002). A inclusão da pessoa portadora de deficiência no mercado formal de trabalho: um estudo sobre suas possibilidades nas organizações de Minas Gerais. Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil., o papel das entidades na intermediação da inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho começou a se destacar principalmente depois da década de 1990, com a legislação voltada para a inclusão que reforçou e ampliou a atuação dessas entidades no contexto nacional. O estudo realizado pela autora mostra que outra forma de as organizações atenderem à legislação é pela terceirização de atividades organizacionais às organizações da sociedade civil (OSC) que trabalham com pessoas com deficiência. Essa prática permite que as organizações cumpram a legislação sem, contudo, inserir efetivamente essa população no contexto organizacional. Entretanto, a percepção da organização sobre o trabalho da pessoa com deficiência propiciou a contratação e inserção efetiva dessa população no contexto organizacional.

As práticas de recrutamento apresentadas pelos diferentes autores confirmam a perspectiva de Chavez e Weisinger (2008)Chavez, C. I., & Weisinger, J. Y. (2008). Beyond diversity training: a social infusion for cultural inclusion. Human Resource Management, 47(2), 331-350. sobre o recrutamento no processo de inclusão da diversidade, que consideram esses dois construtos necessários e mutuamente benéficos. O desenvolvimento de uma prática de recrutamento estruturada e voltada para a diversidade permite que, em vez de essa prática ser considerada um desafio, passe a ser vista pelas organizações como um processo normal e recorrente de recrutamento como de qualquer profissional.

2.2.2 Socialização e sensibilização

Para a eficiência da gestão da diversidade nas organizações, é necessário que os indivíduos envolvidos sejam conscientizados com o intuito de promover a valorização da diversidade, de modo a sensibilizar as pessoas em relação a suposições, decisões e julgamentos que afetam o comportamento dos membros da empresa (Bateman & Snell, 1998Bateman, T. S., & Snell, S. A. (1998). Administração: construindo vantagem competitiva. São Paulo: Atlas.). A valorização da diversidade amplia o conhecimento sobre as regras e os valores culturais que podem não estar necessariamente formalizados e escritos dentro da organização, além de realizar os ajustes necessários para benefício tanto dos indivíduos quanto da empresa.

Para que a inclusão da diversidade ocorra de forma harmoniosa dentro do ambiente organizacional, é necessário que haja interação e ajuste entre o indivíduo e a empresa, ou seja, socialização (Martinez, 2008Martinez, V. P. R. (2008). Gestão da diversidade e pessoas com deficiência: percepção dos gestores e empregados sobre os impactos da lei de cotas. Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.). Esta pode ser compreendida como um processo de desenvolvimento de papéis, entendendo-se papel como o comportamento esperado de um indivíduo quando ocupa dada situação social (Shinyashiki, 2002Shinyashiki, G. (2002). O processo de socialização organizacional. In Fleury, M. T. L. (Org.). As pessoas na organização (pp. 165-184). São Paulo: Gente.). Assim sendo, a socialização refere-se ao processo pelo qual o indivíduo aprende a desempenhar os vários papéis sociais necessários para sua participação efetiva na sociedade. Para tanto, a organização precisa desenvolver práticas que divulguem sua política organizacional e, com isso, revelar seus valores culturais como forma de tornar as relações com os indivíduos mais produtivas.

Pode-se considerar que a entrada de um novo indivíduo acarreta mudanças para uma organização que repercutem na esfera das relações interpessoais e na responsabilidade organizacional, no que tange à sua admissão (Martinez, 2008Martinez, V. P. R. (2008). Gestão da diversidade e pessoas com deficiência: percepção dos gestores e empregados sobre os impactos da lei de cotas. Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.). Dessa forma, a partir do processo de socialização, o sujeito tenta se integrar ao sistema de valores e normas praticado pela organização, com o propósito de modificar o mundo que o cerca.

2.2.3 Treinamento

Cada vez mais se reconhece que as competências e habilidades específicas são necessárias para desenvolver o trabalho com sucesso entre membros de um grupo diverso. Pessoas que não possuem determinadas competências e habilidades para trabalhar com a diversidade serão menos capazes de desenvolver os processos de integração com grupos diversificados. É preciso ainda considerar que o desenvolvimento de competências e habilidades em integrar um grupo diverso não deve ser realizado como uma tentativa de tornar a organização mais homogênea, mas sim considerar que essas capacidades devem criar um mecanismo em que as pessoas possam conservar as suas dimensões de diversidade e, ao mesmo tempo, evitar processos prejudiciais, como conflitos interpessoais disfuncionais, falta de comunicação, altos níveis de estresse, lentidão na tomada de decisões e problemas de coesão do grupo (Moore, 1999Moore, S. (1999). Understanding and managing diversity among groups at work: key issues for organisational training and development. Journal of European Industrial Tranining, 23, 208-218.).

Em relação ao treinamento da diversidade, Pendry, Driscoll e Field (2007)Pendry, L. F., Driscoll, D. M., & Field, S. C. T. (2007). Diversity training: putting theory into practice. Journal of Occupational and Organizational Psychology, 80(1), 27-50. ponderam que há um pequeno mas crescente corpo de literatura em revistas de organização e gestão que considera os efeitos do treinamento da diversidade na redução da desigualdade. Embora o treinamento da diversidade tenha diferentes finalidades, a principal é agir como facilitador na integração de grupos minoritários no mercado de trabalho, geralmente por tentativa de conferir a todos os trabalhadores as qualificações, os conhecimentos e a motivação para trabalhar de forma produtiva e interagir eficazmente com uma população diversificada de clientes.

Segundo Baxter (2003)Baxter, H. C. (2003). A comparison of diversity training methods on perceptions of people with physical disabilities in the workplace. Indiana: Indiana University., é preciso também determinar os efeitos da incapacidade na área de recursos humanos de gerir as práticas de diversidade e verificar como os programas de treinamento podem ajudar na mudança de comportamento. Em sua tese sobre treinamento de pessoas com deficiência, Baxter (2003)Baxter, H. C. (2003). A comparison of diversity training methods on perceptions of people with physical disabilities in the workplace. Indiana: Indiana University. revela que a comunicação interpessoal e de mídia, como a utilização de vídeo, pode ser considerada uma ferramenta efetiva para a criação de atitudes mais positivas em relação às pessoas com deficiência. Os sujeitos expostos ao tema da deficiência por meio dessas ferramentas de comunicação tiveram atitudes significantemente mais positivas em relação às pessoas com deficiência do que aquelas que não foram expostas a esse tipo de interação. A pesquisa também mostrou que a combinação de interação interpessoal e comunicação mediada parece acompanhar a criação de atitudes mais positivas. Essas atitudes podem contribuir para a sustentação de um clima capaz de diminuir barreiras de estereótipos, sociais e de atitudes, e ajudar a incorporar efetivamente as pessoas com deficiência dentro da força de trabalho.

Para a implementação de uma estratégia voltada para o treinamento da diversidade, Chavez e Weisinger (2008)Chavez, C. I., & Weisinger, J. Y. (2008). Beyond diversity training: a social infusion for cultural inclusion. Human Resource Management, 47(2), 331-350. propõem que a organização acompanhe os objetivos do programa e contribua fornecendo uma oportunidade realista para que seja possível emergir uma cultura organizacional que promova a diversidade e a inclusão, e que sustente uma estratégia na contribuição de insights a partir de experiências pessoais. Para o efetivo sucesso do treinamento da diversidade, os autores consideram a organização deve propiciar uma cultura na qual as pessoas possam se orgulhar de suas perspectivas únicas e estejam dispostas e até mesmo ansiosas para compartilhá-la. Sem tal clima, os gestores podem ter dificuldade de incorporar essas perspectivas dentro do trabalho da organização e, com isso, perder oportunidades estratégicas para capitalizar os insights promovidos por uma força de trabalho diversificada.

3 PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

A pesquisa foi realizada por meio de um estudo de caso único, que se justifica pela relevância do caso no tema estudado (Merriam, 2009Merriam, B. (2009). Qualitative research: a guide to design and implementation. California: Jossey-Bass.; Yin, 2005Yin, R. K. (2005). Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman., 2011Yin, R. K. (2011). Qualitative research from start to finish. New York: The Guilford Press.) e como forma de aprofundar o conhecimento, buscando características holísticas acerca do fenômeno em investigação. Em relação a esta pesquisa, o estudo de caso se mostra viável como abordagem, uma vez que permitiu ampliar o conhecimento sobre o programa de gestão da diversidade, principalmente quando se consideram o tipo de deficiência e a forma de contratação estabelecida. Isso se deve ao fato de que, como apontado na literatura sobre inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, poucas são as organizações que focam sua contratação em pessoas com deficiência intelectual. Outra característica reveladora desse caso é a própria dinâmica encontrada pela organização para a adaptação dos funcionários com deficiência, por meio de processos de tutoria e orientação externa.

Assim, o estudo de caso único permitiu explorar um sistema limitado, em um determinado momento, que se consolidava o processo de inserção das pessoas com deficiência, o que demandou uma profunda e detalhada coleta de dados de diversas fontes de informação (entrevistas, documentos e anotações) para a elaboração da descrição do caso (Merriam, 2009Merriam, B. (2009). Qualitative research: a guide to design and implementation. California: Jossey-Bass.).

Esta pesquisa possui uma abordagem qualitativa, com enfoque indutivo e natureza descritiva, de corte transversal e perspectiva longitudinal (Neuman, 1999Neuman, W. L. (1999). Social research methods: qualitative and quantitative approaches. Boston: Allyn and Bacon.), como forma de desvelar como se deu o processo de construção das práticas de recursos humanos nas práticas de recrutamento, socialização e treinamento de pessoas com deficiência intelectual pela organização. Em conformidade com o delineamento da pesquisa, utilizaram-se dados primários e secundários. Os dados primários foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e anotações de campo entre os meses de novembro e dezembro de 2012. Já os dados secundários foram obtidos por meio de informações no sítio da organização.

A unidade de análise são os atores sociais que participavam diretamente do processo de gestão da diversidade. Nas conversas preliminares com os membros da organização, identificaram-se as seguintes pessoas-chave na condução do programa: a coordenadora do projeto (G1), uma profissional auxiliar externa que auxilia na adaptação das pessoas com deficiência (O1), os tutores e funcionários que trabalham diretamente com as pessoas com deficiência (T1 e T2, e P1, P2, P3 e P4) e os aprendizes – funcionários com deficiência que participam do programa (D1, D2, D3, D4 e D5). No total, realizaram-se 12 entrevistas, que ocorreram no próprio local de trabalho dos indivíduos.

O processo de entrevista foi realizado sempre com a presença de dois pesquisadores. Além disso, todas as entrevistas foram gravadas. Esse aparato permitiu uma coleta de dados mais detalhada, uma vez que a atenção estava voltada para a condução das entrevistas e para as anotações de pontos interessantes a serem discutidos com maior profundidade, bem como para as reações dos entrevistados que pudessem revelar novas nuances ao estudo. Pelo fato de o tema ser cercado por estigmas sociais, as reações e os comportamentos dos entrevistados são fatores importantes para que não se incorra em erros de interpretação baseados apenas no discurso do indivíduo. Nesse processo, é imprescindível notar traços que possam se contrapor a respostas “socialmente corretas”. Assim, as anotações realizadas pelos pesquisadores ao final de cada entrevista foram discutidas e utilizadas para que as entrevistas e os dados secundários pudessem ser triangulados como forma de garantir a confiabilidade dos dados apresentados e a coerência para a análise.

Para que as entrevistas com os funcionários com deficiência alcançassem os objetivos estabelecidos para a análise dos dados, a professora (O1) que orientava o processo de inserção acompanhou todas as entrevistas, buscando analisar as questões propostas pelos pesquisadores e adaptando a forma de apresentação das questões de forma compreensível para os indivíduos. Vale salientar que as entrevistas com as pessoas com deficiência só foram possíveis porque o grupo selecionado apresenta grau de consciência suficiente sobre sua situação e trabalho, capacidade de expressão e articulação comunicativa, sendo suas deficiências classificadas como leves. Segundo o Decreto n. 3.298/99, indivíduos com deficiência mental leve são aqueles que podem desenvolver habilidades escolares e profissionais com certa independência, embora algumas vezes necessitem de ajuda e orientação perante situações desconhecidas.

Para que fosse possível desvelar todas as nuances do caso apresentado, os dados foram analisados por meio de análise de conteúdo, conforme proposto por Bardin (2009)Bardin, L. (2009). Análise de conteúdo (5a ed). Portugal: Edições 70.. Na pesquisa qualitativa, um dos pontos fortes da análise de conteúdo é a forma como a técnica permite sintetizar a amplitude dos dados (Kohlbacher, 2006Kohlbacher, F. (2006). The use of qualitative content analysis in case study research [89 paragraphs]. Forum Qualitative Sozialforschung/Forum: Qualitative Social Research, 7(1). Recuperado em 7 julho, 2011, de http://nbn-resolving.de/urn:nbn:de:0114-fqs0601211.
http://nbn-resolving.de/urn:nbn:de:0114-...
). Para fins desta pesquisa, o tipo de grade escolhida para a categorização foi fechada, o que significa que as categorias analíticas foram analisadas conforme a literatura de gestão da diversidade e das práticas de recursos humanos. As categorias emergentes da literatura foram: recrutamento, treinamento e socialização.

Todas as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas. A partir da leitura em profundidade das transcrições, elencaram-se os fragmentos nas categorias estabelecidas, identificaram-se os temas e subtemas pertinentes a cada categoria e realizou-se a análise com base nos dados propriamente estabelecidos. O processo de interpretação e análise foi realizado por meio da confrontação dos dados das entrevistas e anotações com a literatura sobre o tema e os dados secundários, buscando coerências e divergências entre as diversas fontes como forma de compreender globalmente o caso estudado.

3.1 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS

3.1.1 O caso Sesi/Senai

O caso foi analisado em uma Federação pública do Estado do Paraná, denominada Sesi/Senai. O Sesi e o Senai fazem parte da Fiep, situada na Região Sul do Brasil.

A Fiep é uma entidade de representação da indústria paranaense que coordena, protege e representa legalmente as diversas empresas do setor industrial do Estado e presta assessoria direta aos 108 sindicatos empresariais filiados à entidade, que representam mais de 46 mil indústrias e geram 820 mil postos de trabalho no Estado do Paraná. O Sesi/PR atua nas áreas de educação, saúde, esporte, lazer, cultura e responsabilidade social, e tem por objetivo contribuir para o crescimento sustentável da indústria, de forma ética e socialmente responsável, gerando emprego e renda, introduzindo inovações tecnológicas e contribuindo para a economia do país. O objetivo do Senai/PR é promover a educação profissional e tecnológica. Na prática, isso significa ter uma rede de educação e tecnologia com 39 unidades de atendimento no Estado, sendo 29 unidades de negócio e dez extensões de unidades, entre elas três centros nacionais de tecnologia. Nas unidades, são desenvolvidos cursos e programas de educação profissional e realizados atendimentos às empresas do setor produtivo.

O Senai/PR não precisa cumprir a cota de aprendizagem, em função de prestar serviço de aprendizagem industrial. No entanto, o Sesi possui cota de deficiência, uma vez que o quadro funcional é composto por mais de 100 funcionários. Com a criação do Programa de Inclusão de Pessoas com Deficiência, o Sesi passou a cumprir a cota. Durante dois anos, as pessoas com deficiência permanecem como aprendizes, e, depois, tanto o Sesi como as organizações parceiras da Fipe podem contratá-los para cumprir a cota direcionada à inserção de pessoas com deficiência.

3.1.1.1 Histórico

No sistema Fiep, uma das diretrizes é a valorização das pessoas. Fazem parte dessa diretriz os programas internos de qualidade de vida, clima organizacional e inclusão. Como o Sesi/Senai atende à parte educacional do sistema, sob o enfoque da formação continuada para indústrias e trabalhadores do setor, a Federação criou internamente um programa estruturado pautado na inserção das pessoas com deficiência.

Desde 2006, o Sesi/Senai vêm atuando de forma a promover a inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho por meio da educação e do preparo. Conforme explica a coordenadora do projeto (G1), as primeiras turmas formadas e profissionalizadas no curso de auxiliar administrativo pelo Senai eram de pessoas com deficiência física. Segundo a entrevistada (G1), quando o programa de profissionalização de pessoas com deficiência foi criado, o sistema Fiep estava sendo gerenciado por uma equipe inovadora, e esse programa de inclusão de deficientes intelectuais era considerado uma inovação pela diretoria. Havia o apoio do quadro diretivo para criar um desenho formal, bem organizado e validado para o programa de inclusão. Na época da pesquisa, a Federação já estava em sua terceira turma, todavia acontecia a primeira de capacitação de pessoas com deficiência intelectual.

A qualificação das pessoas com deficiência é um dos temas que permeiam constantemente as discussões, seja no discurso dos empresários sobre a incapacidade de preencher as vagas exigidas pela lei, seja nas discussões no meio acadêmico voltado ao estudo das organizações ou da educação de pessoas com deficiência. Contudo, percebe-se que a Federação proporcionou a qualificação desses indivíduos para que pudessem atuar no mercado de trabalho. Como uma instituição de apoio à indústria paranaense, o Sesi/Senai, pautado em sua filosofia de inserção, passou a contribuir para a qualificação de pessoas com deficiência para o mercado formal.

O programa, a partir da terceira turma, iniciada no ano de 2010, conta com a parceria de uma escola de educação especial para preparar os alunos e possibilitar uma vivência real do contexto de trabalho como aprendizes durante dois anos nas estruturas do Sesi.

Essa turma teve início a partir do contato de uma escola de educação especial que buscava a colocação de seus alunos no mercado de trabalho e formou uma parceria com a Federação. No escopo de ensino da escola parceira, está a busca pela empregabilidade para seus alunos com deficiências leves e que apresentem condições de atuar no mercado de trabalho. Para tanto, a escola, além do enfoque na área educacional, também desenvolve atividades que possibilitem que seus alunos possam desenvolver capacidades físicas, intelectuais e sociais para a inserção no mercado de trabalho.

De acordo com a entrevistada (O1), ao se referir ao programa da desenvolvido na escola de educação especial:

Primeiro, a nossa escola sempre procurou dar emprego, procurou achar uma colocação pra eles. Para todos os alunos maiores de 18 anos, que queriam trabalhar, era o sonho deles arranjar um emprego. Então, a escola sempre procurou uma parceria. A gente já tem uma turma que se formou que foi para o mercado de trabalho e que a própria escola empregou. Os primeiros nove alunos e um aluno que foi trabalhar em uma empresa de seguro-saúde.

Conforme relata a literatura sobre a inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, o contato entre as escolas de educação especial e as organizações é uma das formas mais utilizadas para a colocação desse público (Batista, 2002Batista, C. A. M. (2002). A inclusão da pessoa portadora de deficiência no mercado formal de trabalho: um estudo sobre suas possibilidades nas organizações de Minas Gerais. Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.; Bezerra & Vieira, 2012Bezerra, S. S., & Vieira, M. M. F. (2012). Pessoas com deficiência intelectual: a nova "ralé" das organizações do trabalho. Revista de Administração de Empresas, 52(2), 232-244.; Kuabara, 2013Kuabara, P. S. S. (2013). O processo de aprendizagem organizacional, cerimonialismo e competência organizacional de gestão da diversidade: um estudo de caso no setor supermercadista de Curitiba – PR. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.; Toledo & Blascovi-Assis, 2007Toledo, A. P. L., & Blascovi-Assis, S. M. (2007). Trabalho e deficiência: significado da inclusão no mercado formal para um grupo de jovens com Síndrome de Down. Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, 7(1), 83-96.).

Assim, com duração prevista de dois anos e contando com dez aprendizes, o Senai realizou o curso profissionalizante de auxiliar administrativo. No decorrer do curso, os alunos tiveram um período de aulas teóricas e outro de aulas práticas, em que realizavam atividades administrativas do cotidiano do próprio Senai. Ressalta-se que a ênfase deste estudo é no período entre 2010 e 2012 e justifica-se por se tratar da atual turma do programa de inclusão, pelo fato de os deficientes intelectuais entrevistados serem desse período e pela consolidação do programa em relação às práticas de recursos humanos internas, como o início da parceria com a escola de educação especial ocorrida no ano de 2010.

A seguir, descreve-se como se desenvolveram as práticas de recursos humanos (recrutamento, socialização/sensibilização, treinamento) na Federação em estudo, a partir da inserção das pessoas com deficiência, considerando a gestão da diversidade no seu ambiente interno.

3.1.1.2 Recrutamento

Se, em um primeiro momento, a intenção era a qualificação para a demanda das organizações, a entrada da terceira turma mudou um pouco o foco deste trabalho. Apesar de, em um primeiro momento, o objetivo ser a capacitação das pessoas com deficiência intelectual para o mercado de trabalho, a Federação optou pela contratação interna, principalmente ao considerar a adaptação dos aprendizes à dinâmica organizacional e a relação com os demais membros. Assim, em conformidade com pais e professores, os alunos da turma iniciada em 2010 foram contratados como auxiliar de escritório e almoxarifado, com uma carga horária de quatro horas diárias, remuneração proporcional e benefícios compatíveis com os dos outros funcionários.

O reconhecimento das potencialidades das pessoas com deficiência esteve diretamente ligado à observação do desenvolvimento dos aprendizes na condução das práticas organizacionais. Essa percepção permitiu que a Federação refletisse sobre a real possibilidade de inserção desses aprendizes em seu contexto. Essa dinâmica observada no processo empreendido pelo Sesi/Senai para a inclusão da diversidade converge para a discussão apresentada por Fernandes et al. (2011)Fernandes, A. L., Moura, A. S. D., & Ribeiro, L. P. (2011). O processo de recrutamento e seleção do profissional portador de deficiência nas organizações: inclusão ou integração? Encontro de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho, João Pessoa, PB, Brasil, 3. sobre a necessidade de compreender que não existe um modelo formatado de inclusão de pessoas com deficiência para que as organizações possam seguir.

É preciso que essa ação de inserção de pessoas com deficiência no contexto organizacional inicie por uma concepção de políticas organizacionais que promovam a diversidade dentro das organizações e ações inclusivas. Congruente ao estudo realizado por Fernandes et al. (2011)Fernandes, A. L., Moura, A. S. D., & Ribeiro, L. P. (2011). O processo de recrutamento e seleção do profissional portador de deficiência nas organizações: inclusão ou integração? Encontro de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho, João Pessoa, PB, Brasil, 3., a Federação percebeu que a contratação das pessoas com deficiência deveria ser adaptada ao perfil do público a ser recrutado. Assim, o processo anterior de qualificação dos alunos permitiu que estes estivessem capacitados e familiarizados com a dinâmica organizacional para o exercício de suas funções.

O processo empreendido pela Federação é inverso ao que é apresentado nos estudos sobre gestão da diversidade (Carvalho-Freitas, 2007Carvalho-Freitas, M. N. (2007). A inserção de pessoas com deficiência em empresas brasileiras: um estudo sobre as relações entre concepções de deficiência, condições de trabalho e qualidade de vida no trabalho. Tese de doutorado, Universidade Federal Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.; Tanaka & Manzini, 2005Tanaka, E. D. O., & Manzini, E. J. (2005). O que os empregadores pensam sobre o trabalho da pessoa com deficiência? Revista Brasileira de Educação Especial, 11(2), 273-294.). Ao promover um curso profissionalizante voltado a pessoas com deficiência, a Federação também consegue incorporar esses alunos no seu próprio contexto de trabalho. Assim, em vez de recrutar pessoas com deficiência para preencher vagas destinadas à cota imposta pelo governo, a Federação optou por preparar internamente alunos indicados pela escola de educação especial.

O que se observa nas ações da Federação é uma atitude proativa de inserção e capacitação das pessoas com deficiência, seja como processo interno de recrutamento, como na última turma contratada, ou como forma de favorecer a entrada dessa parcela da população no mercado de trabalho, objetivo inicial do projeto. Outro fator a ser destacado é o apoio da diretoria, que possibilitou que o projeto pudesse ser efetivado e, consequentemente, o surgimento de uma cultura de inclusão da diversidade. Esse processo é apontado por Tipper (2004)Tipper, J. (2004). How to increase diversity through your recruitment practices. Industrial e Commercial Training, 36(4), 158-161. como uma das ações que permitem que a gestão da diversidade possa ter sucesso na inserção.

Essa diferenciação no método de contratação em relação à flexibilização dos processos de contratação e a preparação para o ingresso no mercado de trabalho são pontos que os autores sobre gestão da diversidade têm destacado em relação aos estudos sobre o tema, quando se discute a falta de preparo e qualificação das pessoas com deficiência (Fernandes et al., 2011Fernandes, A. L., Moura, A. S. D., & Ribeiro, L. P. (2011). O processo de recrutamento e seleção do profissional portador de deficiência nas organizações: inclusão ou integração? Encontro de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho, João Pessoa, PB, Brasil, 3.). Para a inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, um dos aspectos a serem avaliados é a compreensão das reais necessidades dessa população, bem como o entendimento por parte das organizações de que a contratação delas não pode estar pautada apenas na meta de cumprimento à legislação, mas também na discussão sobre como prepará-las para o mercado de trabalho (Carvalho-Freitas, 2007Carvalho-Freitas, M. N. (2007). A inserção de pessoas com deficiência em empresas brasileiras: um estudo sobre as relações entre concepções de deficiência, condições de trabalho e qualidade de vida no trabalho. Tese de doutorado, Universidade Federal Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.; Tanaka & Manzini, 2005Tanaka, E. D. O., & Manzini, E. J. (2005). O que os empregadores pensam sobre o trabalho da pessoa com deficiência? Revista Brasileira de Educação Especial, 11(2), 273-294.).

3.1.1.3 Treinamento

A profissionalização das pessoas com deficiência é destacada por Mendes, Nunes, Ferreira e Silveira (2004)Mendes, E. G., Nunes, L. R. D. P., Ferreira, J. R., & Silveira, L. C. (2004). Estado da arte das pesquisas sobre profissionalização do portador de deficiência. Temas em Psicologia, 12(2), 105-118., que consideram a necessidade de capacitar essa parcela da população para que possam exercer uma atividade profissional que potencialize sua independência e autonomia. Dessa forma, a capacitação pode contribuir para que as pessoas com deficiência possam demonstrar seu potencial e modifiquem sua imagem perante a sociedade, diminuindo o estigma sofrido historicamente e facilitando sua inclusão.

É possível observar que o processo de treinamento pode ser visualizado em dois momentos distintos e, ao mesmo tempo, complementares para a real inserção das pessoas com deficiência no contexto organizacional: treinamento relacionado ao processo de aprendizagem das atividades da Federação e treinamento dos membros organizacionais que trabalhariam diretamente com as pessoas com deficiência.

Como relatado anteriormente, o processo de treinamento para a inserção das pessoas com deficiência no contexto organizacional se deu a partir da qualificação destas por meio do curso de auxiliar administrativo. Esse processo teve que ser adaptado ao perfil dos novos entrantes, com a atualização do material didático para que fosse coerente com a realidade e capacidade dos alunos e uma nova dinâmica de ensino voltada principalmente para o exercício das funções de auxiliar administrativo.

A prática de ensino precisou dessa adaptação em função das características dos próprios alunos, pois, segundo a responsável pelo acompanhamento dos alunos, isso facilitaria o processo de aprendizagem. Para as aulas práticas, foi desenvolvido um sistema de tutoria, em que membros organizacionais que se prontificassem a exercer esse papel seriam responsáveis por acompanhar e ensinar as atividades organizacionais de seu setor para um aluno. É por meio desse tutor que o funcionário participante do programa de gestão da diversidade recebe suas tarefas diárias e reporta algum fato que possa ocorrer. O tutor também pode ser considerado uma pessoa de referência para que outros funcionários recorram quando existem problemas com o funcionário com deficiência e que não conseguem solucionar.

Quando se observa a atuação conjunta da Federação com a escola de educação especial, é possível perceber que a experiência anterior da escola parceira trouxe benefícios para que o Senai pudesse conduzir seu próprio processo de inserção de pessoas com deficiência. Assim, o conhecimento externo propiciou um processo de aprendizagem tanto no próprio contexto organizacional quanto como forma de obter maiores conhecimentos sobre como realizar a profissionalização de um público com diferenças cognitivas e comportamentais.

Os treinamentos foram realizados também com o intuito de diminuir a expectativa desses jovens em relação ao desempenho da atividade, bem como a apreensão dos membros organizacionais sobre a inserção das pessoas com deficiência na dinâmica organizacional e dos professores envolvidos no processo de ensino.

Eles estavam na escola do Senai fazendo o curso de auxiliar administrativo. Então eu acompanhei todas as aulas com eles, depois a gente fez adaptação curricular do curso, adaptação das avaliações. Então os professores do Senai foram orientados pela gente, porque era a primeira vez que o Senai ia trabalhar com deficiência intelectual (O1).

Na perspectiva dos alunos, também existia uma expectativa inicial sobre como seria a inserção deles no contexto de trabalho e a adaptação às rotinas organizacionais:

Então, no começo não foi tão fácil, mas depois você vai pegando o jeito, você vai aprendendo, você se acostuma com o ambiente, você se acostuma com as pessoas. Então, foi por aí. Sabe, assim, a gente queria muito trabalhar também. A gente tinha medo até. Medo assim: “Ah, será que eles vão se acostumar com a gente? Será que a gente vai se acostumar com eles? Como é que vai ser?” (D4).

Assim, a partir do know-how da escola parceira, o Sesi/Senai conseguiu desenvolver um programa para um curso profissionalizante que focasse o aprendizado e a preparação das pessoas com deficiência intelectual para o mercado de trabalho. O processo de aprendizagem que envolvia as aulas práticas dentro do próprio Senai permitiu que o treinamento fosse significado e contextualizado pelos aprendizes.

Entretanto, o treinamento no Sesi/Senai não foi restringido apenas aos alunos ingressantes no contexto de trabalho, mas abrangeu os funcionários que já trabalhavam, a fim de promover um primeiro processo de interação com as pessoas com deficiência. No início do programa para deficientes físicos, em 2006, os funcionários da Federação passaram por alguns treinamentos e palestras sobre como lidar com os tipos de deficiências abrangidas no programa de inclusão, bem como participaram de atividades de sensibilização ao convívio com deficientes.

Já em 2010, foram realizadas apenas reuniões com orientações sobre como lidar com os deficientes intelectuais. Como observado pela entrevistada (O1), as conversas com os membros organizacionais eram necessárias, pois “as pessoas não sabiam como lidar no início, os profissionais tinham muito medo de receber uma pessoa com deficiência intelectual”.

Todavia, as reuniões e os treinamentos já não tinham uma regularidade e abrangência a todos os funcionários, participando apenas aqueles que teriam um contato maior no cotidiano de suas atividades com os funcionários participantes do programa de gestão da diversidade.

A carência de um treinamento mais formal para os funcionários mais recentes foi percebida nas entrevistas realizadas com os funcionários entrantes depois de 2006, que foram apenas informados de que trabalhariam com pessoas com deficiência, mas sem um processo que os preparasse para a convivência com esses funcionários. Questionou-se um dos entrevistados que foi contratado há seis meses sobre a realização de algum treinamento destinado a como se relacionar com os deficientes: “Não, a única coisa que eles falaram foi que nós deveríamos dar atenção pra eles, porque eles têm a função deles, e, quando não tiver mais nada pra fazer, podemos trazer livrinhos e poemas para interagir com eles” (P2).

A insuficiência de treinamento para os funcionários da Federação resultou em uma dificuldade por parte dos colaboradores que participaram como tutores depois de iniciado o programa de inclusão. Em alguns casos, o tutor que havia ficado responsável mudou de cargo ou saiu da Federação, e o outro que assumiu ficou com a responsabilidade de dar continuidade à tutoria, porém sem um treinamento que permitisse saber como se relacionar com os funcionários com deficiência e de que maneira proceder caso algum problema ocorresse. Com isso, esses novos tutores apresentaram dúvidas sobre como agir perante determinados comportamentos, dificuldades além da limitação operacional, mas também relacionadas a dificuldades relacionais.

Para a orientação sobre como trabalhar o convívio com a pessoa com deficiência, os membros organizacionais contam com a ajuda da coordenadora do programa e da professora da escola de educação especial. Esse acompanhamento realizado pelas duas profissionais, conforme relatado pelos entrevistados, contribui bastante para que possam aprender a lidar com os funcionários com deficiência.

Nós tivemos uma apresentação com a professora que faz o acompanhamento deles. Ela é uma pessoa extraordinária, nos deu muitas dicas. No decorrer do ano passado [2011] e desse ano [2012], nós sempre temos pelos menos duas ou três reuniões anuais. Todo dia ela estava junto, as dificuldades que nós tínhamos, nós podíamos ligar. Nós falamos muito com a assistente social responsável pelo programa como conduzir de alguma maneira (T1).

O que a gente teve foi que conversou com a professora deles. E ela explicou como eles são, como seria, as reações que podem acontecer, a experiência dela, ela passou para a gente (T2).

Isso evidencia que a orientação é relevante e auxilia na inclusão de pessoas com deficiência, porém não é suficiente como treinamento para evitar problemas de integração e de relacionamento. Essa falta de contato e informação sobre a deficiência é um dos problemas apontados pela literatura em relação ao treinamento dos membros organizacionais. Conforme aponta Moore (1999)Moore, S. (1999). Understanding and managing diversity among groups at work: key issues for organisational training and development. Journal of European Industrial Tranining, 23, 208-218., o treinamento como estratégia para desenvolver habilidades e competências para o convívio com a diversidade é uma forma de criar mecanismos que possibilitem que as pessoas possam se relacionar e, ao mesmo tempo, manter suas dimensões de diversidade. Assim, caso esse processo falhe, muitas vezes a organização não consegue manter uma gestão da diversidade coerente com seus propósitos.

As dificuldades relacionadas à diversidade são apontadas pelos entrevistados que relatam que, em vários momentos, não sabem como lidar com determinados comportamentos e que necessitam chamar a professora responsável pelo acompanhamento dos alunos para ajudar a resolver a situação. O treinamento é um processo que tem como função facilitar a integração do grupo minoritário no contexto de trabalho (Pendry et al., 2007Pendry, L. F., Driscoll, D. M., & Field, S. C. T. (2007). Diversity training: putting theory into practice. Journal of Occupational and Organizational Psychology, 80(1), 27-50.).

Em relação ao trabalho, eles fazem tudo direitinho o que é passado, mas, em relação ao comportamento, que é mais complicado porque tem dia que ele tá indisciplinado, quer fazer o que ele quer, e a gente tem que ser duro com ele pra mostrar o que tem que ser feito, que não gosto de certa coisa, que não é do jeito que ele quer, mas geralmente não sou eu que lido com essa situação (P2).

Os relatos dos entrevistados convergem para a proposição de Baxter (2003)Baxter, H. C. (2003). A comparison of diversity training methods on perceptions of people with physical disabilities in the workplace. Indiana: Indiana University., em que sujeitos expostos à questão da deficiência por meio de ferramentas de socialização e palestras sobre tipos de deficiência e quais suas características tiveram atitudes significantemente mais positivas em relação às pessoas com deficiência do que aquelas que não foram expostas a esse tipo de interação. Essa postura positiva em relação à diversidade foi observada principalmente nas entrevistas com funcionários ingressos antes de 2006, evidenciando que a questão do treinamento formal dos funcionários para a convivência com esse público torna-se um fator relevante para o processo de gestão, pois os funcionários que estão na organização desde o início do programa possuem uma atitude mais positiva em relação às pessoas com deficiência do que os contratados mais recentemente.

3.1.1.4 Socialização

Sendo um projeto novo, a Federação não possuía, a princípio, uma cultura organizacional consolidada que subsidiasse o processo de inserção da diversidade, e a entrada dos deficientes intelectuais no contexto de trabalho trouxe mudanças tanto no cotidiano das atividades organizacionais quanto na própria relação entre os indivíduos. Esse processo de adaptação observado na Federação é coerente com os aspectos apontados por Martinez (2008)Martinez, V. P. R. (2008). Gestão da diversidade e pessoas com deficiência: percepção dos gestores e empregados sobre os impactos da lei de cotas. Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. sobre como a inserção da diversidade no contexto organizacional pode estabelecer mudanças nas práticas e uma nova visão sobre sua responsabilidade na inserção de um novo indivíduo.

Na dimensão organizacional, percebeu-se o esforço realizado pelo Sesi/Senai para tentar sensibilizar os funcionários para o recebimento dos deficientes intelectuais. Por meio das entrevistas, percebeu-se que existiam receios tanto por parte dos funcionários da Federação quanto dos alunos que participavam do programa de inclusão de pessoas com deficiência em relação ao processo de socialização.

Os profissionais relatam que, no início, não sabiam como recebê-los, e esse aspecto fica evidenciado na fala da entrevistada (O1):

Os profissionais tinham muito medo de receber uma pessoa com deficiência intelectual. Será que eles não vão fugir? Será que eu vou ter que ir ao banheiro com eles? Será que eu vou ter que ajudar na alimentação? Como que vai ser? E conhecendo os alunos no dia a dia, eles viram que não, que eles são normais, que eles fazem as mesmas coisas, que eles vão ao banheiro sozinhos, que eles têm uma independência. Claro, precisam e sempre vão precisar de um cuidado (O1).

Por parte dos deficientes intelectuais, foi possível perceber que esse receio de como seriam aguardados era recíproco. Os relatos dos entrevistados evidenciam esse contexto: “A gente tinha medo assim: ah, será que eles vão se acostumar com a gente? Será que a gente vai se acostumar com eles? Como é que vai ser?” (D4).

Segundo a coordenadora do programa, no início da inserção dos deficientes intelectuais na Federação, foram realizadas palestras e uma semana de orientação com a professora oriunda da escola especial para realizar o acompanhamento da adaptação: “O objetivo era quebrar um pouco essa coisa do preconceito, da insegurança e do medo”. Nominamos esse processo de sensibilização (G1).

Esse processo de integração empreendido pela Federação é apontado por Tanaka e Manzini (2005)Tanaka, E. D. O., & Manzini, E. J. (2005). O que os empregadores pensam sobre o trabalho da pessoa com deficiência? Revista Brasileira de Educação Especial, 11(2), 273-294. como uma necessidade de reestruturação sobre o modo como as pessoas pensam ou julgam a inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho.

O resultado da pesquisa mostra que o processo de sensibilização e o acompanhamento por parte da professora da escola especial possibilitaram tranquilidade para a adaptação de ambas as partes, pois essa profissional estava constantemente presente nos momentos de conflitos e dúvidas por parte dos funcionários. Tal como descrito por Carvalho-Freitas (2007)Carvalho-Freitas, M. N. (2007). A inserção de pessoas com deficiência em empresas brasileiras: um estudo sobre as relações entre concepções de deficiência, condições de trabalho e qualidade de vida no trabalho. Tese de doutorado, Universidade Federal Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil., a sensibilização mediou a inserção das pessoas com deficiência por meio de ações voltadas à sensibilização de chefias e funcionários.

Além da sensibilização inicial, cujo objetivo foi fazer o processo acontecer de uma forma mais natural e sem imposições, a Federação deixou a cargo dos seus funcionários a decisão de estes se candidatarem a ter um deficiente intelectual em suas áreas. Para receber uma pessoa com deficiência intelectual, cada área que se candidatasse deveria ter a autorização da chefia do setor e a indicação de um tutor para ser o responsável direto por ele. Esse processo implementado pela Federação mostra que a inserção da diversidade traz mudanças tanto para a esfera das relações interpessoais quanto para a responsabilidade organizacional em relação à incorporação do funcionário ao seu contexto (Martinez, 2008Martinez, V. P. R. (2008). Gestão da diversidade e pessoas com deficiência: percepção dos gestores e empregados sobre os impactos da lei de cotas. Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.).

O processo de sensibilização realizado pela organização surtiu efeito quando se consideram os relatos dos funcionários com deficiência. Assim, percebe-se que a forma como os deficientes intelectuais foram recebidos e integrados na Federação fez com que se sentissem parte da vida organizacional e se identificassem com os colegas de trabalho: “É um sonho. As amizades daqui do departamento. Eu vejo, beijo e abraço todos. A amizade que a gente faz, às vezes convidam você para um happy hour em casa, com os tutores” (D2).

Essa dinâmica de inserção e aprofundamento sobre o conhecimento acerca das possibilidades de atuação da pessoa com deficiência, bem como a valorização da diversidade, segundo Bateman e Snell (1998)Bateman, T. S., & Snell, S. A. (1998). Administração: construindo vantagem competitiva. São Paulo: Atlas., amplia o conhecimento sobre as regras e os valores culturais que podem não estar necessariamente formalizados e escritos dentro da organização. Esse processo de interação possibilita também a realização de ajustes que visam beneficiar tanto a relação entre os indivíduos quanto as práticas organizacionais.

Porém, apesar da visão positiva relatada pelos funcionários com deficiência, verificou-se que a estratégia de sensibilização foi suficiente para os tutores e funcionários presentes na época da implantação do programa. Entretanto, percebemos certo distanciamento para os profissionais que entraram na Federação mais recentemente: “Eu não sei se foi feito algum treinamento antes de eu entrar, mas sei que eles fazem um acompanhamento. A única coisa que eles falaram quando eu entrei na empresa foi que nós deveríamos dar atenção pra eles” (P3).

Essa situação também foi evidenciada na prática de treinamentos.

Para Bodenhausen (2009)Bodenhausen, G. V. (2009). Diversity in the person, diversity in the group: challenges of identity complexity for social perception and social interaction. European Journal of Social Psycology, 40(1), 1-16., indivíduos com um senso mais desenvolvido da complexidade da diversidade no ambiente no qual se inserem são mais capazes de lidar com a diversidade cognitiva das habilidades e dos conhecimentos de cada um dos membros para o desenvolvimento das atividades grupais. O desenvolvimento da competência de lidar com a diversidade proporciona benefícios no desempenho do grupo, evidenciando a importância de um programa de sensibilização e treinamento contínuo na gestão da diversidade das organizações.

Como apresentado por Carvalho-Freitas (2007)Carvalho-Freitas, M. N. (2007). A inserção de pessoas com deficiência em empresas brasileiras: um estudo sobre as relações entre concepções de deficiência, condições de trabalho e qualidade de vida no trabalho. Tese de doutorado, Universidade Federal Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil., a mudança de uma mentalidade sobre o trabalhador “ideal” por meio da aceitação das diferenças individuais pode ser um modo de transformar o potencial de cada pessoa dentro da organização e ser fonte de vantagem competitiva. Nesse sentido, a socialização permite que o indivíduo aprenda a desempenhar diferentes papéis sociais para sua efetiva participação na sociedade (Shinyashiki, 2002Shinyashiki, G. (2002). O processo de socialização organizacional. In Fleury, M. T. L. (Org.). As pessoas na organização (pp. 165-184). São Paulo: Gente.).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A gestão da diversidade pode representar um paradoxo à medida que se observa que, mesmo entre os membros de um determinado grupo que partilham de valores e atitudes em comum, existe a singularidade representada pela personalidade e pelas experiências de vida de cada indivíduo. Assim, faz-se necessário ter consciência das características comuns a um grupo e, ao mesmo tempo, gerenciá-lo como indivíduos, utilizando essas diferenças para o benefício pessoal e organizacional (Bateman & Snell, 1998Bateman, T. S., & Snell, S. A. (1998). Administração: construindo vantagem competitiva. São Paulo: Atlas.).

Outro aspecto a ser analisado sobre a diversidade é em relação aos custos oriundos de uma política precária de gestão da diversidade realizada pelas organizações, uma vez que a falta de integração entre os diversos grupos pode apresentar como consequência, na operacionalização das atividades diárias, o aumento do conflito e da rotatividade (Spataro, 2005Spataro, S. E. (2005). Diversity in context: how organizational culture shapes reactions to workers with disabilities and others who are demographically different. Behavioral Sciences and the Law, 23, 21-38.). No caso analisado, foi possível perceber que uma consistente estruturação inicial do programa possibilitou que consequências negativas na operacionalização do programa de gestão da diversidade fossem dirimidas.

Contudo, apesar do relativo sucesso na inserção da diversidade no contexto organizacional, a redução das práticas de socialização e treinamento, na medida em que os novos funcionários não serão preparados para receber a diversidade e se relacionar com ela, pode acarretar dificuldades na condução de uma gestão efetiva. Foi possível observar que já há indícios dessa situação a partir da diminuição dos treinamentos que eram realizados desde 2006, ano de início do Programa de Inclusão de Deficientes.

Entre as contribuições do artigo, destaca-se que a estruturação e o planejamento das práticas de recursos humanos (recrutamento, socialização e treinamento) para a gestão da diversidade são fatores que facilitam a inserção de pessoas com deficiência no contexto organizacional de forma mais eficaz. Tais práticas, quando bem gerenciadas, impactam de forma positiva na gestão da diversidade, assim como sua ausência limita seu sucesso. Gerir a diversidade requer, assim, dos gestores uma prática fundamentada em valores de inclusão, em interação e responsabilidade com as pessoas com deficiência que integram o quadro funcional.

Outra contribuição deste trabalho é ampliar o conhecimento sobre diferentes formas de inserção da pessoa com deficiência no contexto de trabalho. Como apresentado anteriormente, existe uma visão das organizações de que o profissional, para ser contratado, precisa vir preparado. O exemplo da Federação mostra que a organização, ao tomar para si a responsabilidade de qualificar o funcionário com deficiência para as atividades, permite que este já contextualize de forma mais significativa a dinâmica das práticas organizacionais. A experiência da organização em estudo revela que pode ser uma vantagem profissionalizar internamente as pessoas a serem inseridas no contexto de trabalho. É preciso verificar novas formas de inserção que não atribuam somente ao indivíduo com deficiência a responsabilidade de se profissionalizar para o mercado de trabalho.

No Brasil, assim como em diversos países, a preocupação com a diversidade no campo organizacional tem sido crescente tanto pela academia quanto pelos praticantes, tanto pelo contexto nacional e global quanto pela dimensão legal e normativa. No entanto, é preciso preocupar-se com os dois lados do processo de gestão da diversidade – o organizacional e o pessoal –, uma vez que estamos falando de integrar pessoas no mundo do trabalho, e, para isso, elas são retiradas de sua rotina usual. É por causa dessa preocupação que esta pesquisa ouviu funcionários diversos da Federação estudada, incluindo as pessoas com deficiência, uma vez que poucas pesquisas dão a voz aos indivíduos que realmente são impactados pelas ações de gestão das organizações. Esta é uma contribuição metodológica que pode trazer contribuições aos estudos sobre o tema.

Embora, o foco deste artigo não tenha sido analisar pontualmente as dificuldades na gestão da diversidade, mas sim a preocupação de verificar o alinhamento entre a gestão de recursos humanos e a gestão da diversidade, isso não significa que, para as autoras deste artigo, não existam outras categorias relevantes para o estudo desse tema, sobre as quais sugerem-se futuras pesquisas, como: a dimensão do comportamento com aspectos humanos como o preconceito e a discriminação; o sentido do trabalho para as pessoas com deficiência; a dimensão organizacional, com aspectos políticos e de adequação legal, e interesses mercadológicos; a dimensão social sobre como a sociedade e os clientes das organizações percebem a inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2014
  • Aceito
    11 Out 2014
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