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PRÁTICAS DE SEGREGAÇÃO E RESISTÊNCIA NAS ORGANIZAÇÕES: UMA ANÁLISE DISCURSIVA SOBRE OS "ROLEZINHOS" NA CIDADE DE BELO HORIZONTE (MG)

SECREGATION AND RESISTANCE PRACTICES IN ORGANIZATIONS: A DISCOURSE ANALYSIS ON "ROLEZINHOS" IN THE CITY OF BELO HORIZONTE (MG)

PRÁCTICAS DE SECREGACIÓN Y RESISTENCIA EN LAS ORGANIZACIONES: UN ANÁLISIS DEL DISCURSO SOBRE "ROLEZINHOS" EN LA CIUDAD DE BELO HORIZONTE (Estado de Minas Gerais)

RESUMO

Objetivo:

O objetivo do artigo é compreender como os discursos da mídia eletrônica apresentam reflexos e refrações das práticas de resistência dos jovens nos espaços organizacionais dos shopping centers. Essas práticas são denominadas atualmente "rolezinhos".

Originalidade/lacuna/relevância/implicações:

Considerando os espaços urbanos produzidos socialmente e as cidades como palcos práticos e discursivos de dinâmicas simbólicas segregatórias, analisamos os processos de ocupação dos shopping centers - intitulados pela mídia eletrônica de "rolezinhos" - na cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais, por jovens da periferia.

Principais aspectos metodológicos:

Adotamos a análise de discurso francesa como base metodológica da pesquisa. Ocorpus de análise é constituído por discursos presentes em 15 portais eletrônicos de notícias sobre a cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais, que produziram, durante o ano de 2013, 18 reportagens sobre a ocupação coletiva de shopping centers por jovens da periferia.

Síntese dos principais resultados:

As práticas de resistência ampliam as fronteiras dos espaços organizacionais, na medida em que deslocam pontos de controle das ações dos sujeitos e questionam a construção do shopping center como espaço organizacional de segregação avesso a grupos sociais desfavorecidos, enfatizando o potencial de resistência e de ressignificação de grupos marginalizados nessas organizações.

Principais considerações/conclusões:

Entendemos os "rolezinhos" como questionamento dos limites do espaço organizacional que produziram deslocamentos das fronteiras das organizações. Eles são efeitos de alterações de relações de forças socioeconômicas que estavam na rua e, quando expandidas para espaços organizacionais, provocaram tensões que continuam latentes, pois a rua continua sua dinâmica e novamente questionará essas fronteiras.

PALAVRAS-CHAVE
Práticas; Organizações; Análise de discurso; Rolezinhos; Shopping centers

ABSTRACT

Purpose:

The aim of this paper is to understand how discourses of electronic media present reflections and refractions of resistance practices of the youth in organizational spaces as shopping malls ; these practices are currently known as Rolezinhos.

Originality/gap/relevance/implications:

Considering urban spaces as socially produced and cities as practical and discursive stages of symbolic dynamics of segregation, we discuss the processes of occupation of shopping malls in the city of Belo Horizonte, Minas Gerais, by youngsters from run-down areas, namedRolezinhos by electronic media.

Key methodological aspects:

We adopted the French Discourse Analysis as the basis of analysis of this research. The analysis corpus consists of discourses present in fifteen electronic news portals of the city of Belo Horizonte, Minas Gerais, which produced during the year 2013 eighteen reports on the collective occupation of shopping malls by youngstersfrom run-down areas.

Summary of key results:

Resistance practices have expanded the boundaries of organizational spaces once they displace control points of the actions of subjects and question the construction of the shopping malls as organizational space to segregate disadvantaged social groups, emphasizing the potential for resistance and reframing of groups marginalized in these organizations.

Key considerations/conclusions:

We understand the "rolezinhos" as achallenge of the limits of organizational space that produced border displacement of organizations. They are effects of changes in the relations of socioeconomic forces that were in the streets and, when expanded into organizational spaces, caused tensions which remain latent because the streets continue their dynamics and will again challenge these boundaries.

KEYWORDS
Practices; Organizations; Discourse analysis; Rolezinhos; Shopping malls

RESUMEN

Objetivo:

El propósito de este artículo es entender cómo los discursos de los medios electrónicos presentan reflejos y refracciones de las prácticas de resistencia de los jóvenes en espacios de organización de los centros comerciales, estas prácticas conocidas en la actualidad como "Rolezinhos".

Originalidad/laguna/relevancia/implicaciones:

Teniendo en cuenta los espacios urbanos producidos socialmente, y las ciudades como escenarios prácticos y discursivos de dinámicas simbólicas de segregación, se analizan los procesos de ocupación de los centros comerciales en la ciudad de Belo Horizonte, Estado brasileño de Minas Gerais, para los jóvenes de la periferia que fueron llamados por los medios electrónicos "Rolezinhos".

Principales aspectos metodológicos:

Hemos adoptado el análisis del discurso francés como base metodológica de la investigación. El corpus de análisis consiste en discursos presentes en quince portales electrónicos de noticias sobre la ciudad de Belo Horizonte, Minas Gerais, que produjeron durante el año 2013 dieciocho reportajes sobre la ocupación colectiva de los centros comerciales realizada por jóvenes de la periferia.

Síntesis de los principales resultados:

Prácticas de resistencia amplían los límites de los espacios de organización en la medida que mueven puntos de control de las acciones de los sujetos y cuestionan la construcción del centro comercial como un espacio organizacional de segregación con aversión a grupos sociales desfavorecidos, destacando el potencial de la resistencia y la reformulación de grupos marginados en estas organizaciones.

Principales consideraciones/conclusiones:

Entendemos los "Rolezinhos" como una manera de cuestionar los límites del espacio de organización que produjeron el desplazamiento de las fronteras de las organizaciones. Ellos son efectos de los cambios de relaciones socioeconómicas que estaban en la calle y que cuando se expanden a los espacios de organización causan tensiones que permanecen latentes, ya que la calle sigue sus dinámicas y nuevamente cuestionará esos límites.

PALABRAS CLAVE
Prácticas; Organizaciones; Análisis del discurso; Rolezinhos; Centros comerciales

1 INTRODUÇÃO

Este artigo se insere em uma perspectiva mais ampla que considera que os espaços urbanos são socialmente produzidos e não dados pela natureza (Villaça, 2011Villaça, F. (2011). São Paulo: segregação urbana e desigualdade.Estudos Avançados, 25(71), 37-58.), e de uma perspectiva mais específica que considera as cidades como palcos práticos e discursivos de dinâmicas simbólicas segregatórias, bem como de práticas que resistem a essas dinâmicas. Especificamente, abordamos práticas organizativas da cidade que lhe conferem uma dinâmica segregatória em um processo cíclico de organização, resistência e ressignificação, sendo segregação e resistência os temas principais deste estudo.

Sobre processos segregatórios das cidades, escolhemos como foco do estudo espaços deshopping centers localizados na cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Os shopping centers são fenômenos que envolvem a centralização arquitetônica e administrativa de estabelecimentos comerciais que são agrupados em determinados espaços fechados a fim de propiciar, segundo os seus discursos de criação, mais conforto aos consumidores e aumento das vendas (Agostini, 2012Agostini, L. (2012). A proibição de entrada de pessoas emshopping centersRecuperado em 23 abril, 2013, de http://www.correaadvogados.com.br/wp-content/files/Leonardo_Agostini_-_A_Proibio_de_Entrada_de_Pessoas_em_Shopping.pdf.
http://www.correaadvogados.com.br/wp-con...
). A motivação para essa escolha advém, em primeiro lugar, da leitura de estudos e reflexões anteriores já realizados a respeito dos shoppings dessa cidade como espaços de segregação social e racial (Nascimento, Oliveira, & Teixeira, 2013Nascimento, M. C. R., Oliveira, J. S., & Teixeira, J. C. (2013). Com que cor eu vou pro shopping de BH que você me convidou?Anais do Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 37.). Em segundo lugar, acontecimentos recentes no Brasil (em 2013 e 2014) envolvendo os processos de ocupação de shopping centers - intitulados pela mídia de "encontros", "tumultos", "desafios à polícia" e "rolezinhos" - por jovens da periferia da cidade de Belo Horizonte.

Apesar de ter ganhado notoriedade na mídia brasileira a partir de seu acontecimento na cidade de São Paulo durante o mês de dezembro de 2013, visto este ser um período caracterizado pelo aumento da frequência de consumidores nos shopping centers, a ocupação desses espaços organizacionais pelos jovens da periferia já era realizada na cidade de Belo Horizonte e no Estado de Minas Gerais desde o mês de agosto do mesmo ano. Esse fenômeno social, o "rolezinho", é caracterizado por encontros realizados em grandes grupos de jovens moradores de periferias em shopping centers, o que vai ao encontro de uma pesquisa já realizada no âmbito dos estudos organizacionais que discute osshopping centers como espaços organizacionais de segregação social (Nascimento et al., 2013Nascimento, M. C. R., Oliveira, J. S., & Teixeira, J. C. (2013). Com que cor eu vou pro shopping de BH que você me convidou?Anais do Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 37.). Estudar os "rolezinhos" pode contribuir aos estudos organizacionais na compreensão de como contemporaneamente se estabelecem as práticas de resistência aos processos organizativos de ocupação do espaço urbano da cidade, o que ainda se apresenta como uma lacuna teórica de pesquisas, especialmente no que se refere aos jovens brasileiros.

Tendo já como pressuposto que as notícias publicadas a respeito desses acontecimentos se constituem como instrumentos de poder de reflexão e refração de práticas de grupos sociais marginalizados nas organizações, nosso objetivo neste estudo é analisar de que maneira os discursos da mídia eletrônica apresentam reflexos e refrações das práticas de resistência desses jovens na ocasião de "intervenções" nos espaços organizacionais de segregação socioespacial, nesse caso os shopping centers. Além de nosso foco ser os discursos da mídia sobre as práticas desses jovens nos shopping centers de Belo Horizonte, práticas que são curiosamente silenciadas quando essa mesma mídia tenta explicar o início dos "rolezinhos" como sendo na cidade de São Paulo, o foco é analisar discursos que noticiaram os primeiros casos dos hoje chamados "rolezinhos". Tentamos entender de que maneira os discursos midiáticos sobre esses encontros foram construídos a partir de suas primeiras evidências, ou seja, quando essa prática ainda não era disseminada em outras cidades e discursivamente nomeada de "rolezinhos".

Práticas de resistência, como os "rolezinhos", são importantes para se falar de cidades porque falamos de uma cidade que, planejada, ganha seus contornos do vivido (Certeau, 2008Certeau, M. (2008). A invenção do cotidiano: artes de fazerPetrópolis: Vozes.) em um processo de construção social em que práticas de resistência significam tanto uma oposição às dinâmicas da cidade planejada quanto afirmações de existência dos variados grupos sociais (Roque, 2003Roque, T. (2003). Resistir a quê? Ou melhor, resistir o quê?Lugar Comum, 17, 23-32.). Essas resistências podem envolver também ressignificações dos espaços organizacionais que, ao mesmo tempo, se juntam às práticas de planejamento, organização e controle das cidades, resultando na formação de práticas heterogêneas que organizam, desorganizam e descontroem esses espaços urbanos.

Além da consideração das cidades como construções sociais e da importância das práticas de resistência dos grupos sociais, adotamos neste artigo uma perspectiva teórica de problematização da segregação social dos espaços (Andrade &Fonseca, 2008Andrade, L. M., & Fonseca,M. L. P. (2008). Uberlândia: a dinâmica do espaço público e a segregação social. Anais do Seminário de Iniciação Científica, Uberlândia, MG, Brasil, 7.; Leitão, 2005Kifer, C. (2013, outubro 19). Grupo faz arrastão emshopping de BH e outro é impedido em Contagem: em um dos casos a Polícia Militar apreendeu um adolescente com uma mochila repleta de materiais explosivos. Recuperado em 2 dezembro, 2013, de http://www.otempo.com.br/cidades/grupo-faz-arrast%C3%A3o-em-shopping-de-bh-e-outro-%C3%A9-impedido-em-contagem-1.733788
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). E os shoppings estão ligados a uma dinâmica de segregação urbana porque sua criação contribuiu para a produção de novos mapas urbanos (Andrade, 2007Andrade, L. T., Jayme, J. G., & Almeida, R. C. (2009). Espaços públicos: novas sociabilidades, novos controles. Cadernos Metrópole, 21, 131-153.). São espaços organizacionais que se envolvem nas dinâmicas de segregação porque são eles próprios construídos para a promoção de uma convivência entre iguais, em um processo ocorrido na sociedade brasileira de negação da rua (Leitão, 2005Leitão, L. (2005). Quando um muro separa e nenhuma ponte une.Cadernos Metrópole, 13, 229-253.) e de espaços de diversidade.

Pensar juntamente na existência de práticas de resistência e de processos de segregação dos espaços urbanos nos leva a uma reflexão a respeito da existência de práticas de resistência de oposição e enfrentamento aos processos de segregação social, sendo esses últimos processos integrantes de práticas hegemônicas de poder, como práticas de planejamento, organização e controle dos espaços urbanos. E são justamente as práticas de resistência a processos hegemônicos de segregação o foco deste estudo, especialmente no contexto das organizações.

Além deste texto introdutório, o artigo apresenta mais cinco seções. Na seção 2, discutimos as organizações como espaços de segregação socioespacial, tendo como referência os shopping centers. Na seção 3, postulamos a existência de práticas de resistência nos processos segregatórios, o que inclui as dinâmicas organizacionais. A seção 4 justifica a escolha da cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais, para a realização da pesquisa e da análise de discurso para compreender como os "rolezinhos" foram discursivamente construídos nos portais de notícias belo-horizontinos. Em seguida, realizamos as dicussões dos resultados da pesquisa sobre a construção discursiva dos "rolezinhos" na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. Ao final, as contribuições desta pesquisa aos estudos organizacionais são destacadas.

2 OS SHOPPING CENTERS COMO ESPAÇOS URBANOS DE SEGREGAÇÃO

O planejamento, a organização e a construção cotidiana dos espaços das cidades levam, de acordo com Leitão (2005)Kifer, C. (2013, outubro 19). Grupo faz arrastão emshopping de BH e outro é impedido em Contagem: em um dos casos a Polícia Militar apreendeu um adolescente com uma mochila repleta de materiais explosivos. Recuperado em 2 dezembro, 2013, de http://www.otempo.com.br/cidades/grupo-faz-arrast%C3%A3o-em-shopping-de-bh-e-outro-%C3%A9-impedido-em-contagem-1.733788
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, a uma configuração de segregação social. A segregação é a "localização de grupos sociais semelhantes em um mesmo espaço" (Andrade, 2002Andrade, L. T. (2002). Segregação socioespacial na vida cotidiana: o caso dos condomínios fechados. Anais do Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Caxambu, MG, Brasil, 26., p. 4), envolvendo práticas de hierarquização social de grupos por meio de aspectos como classe, renda, etnia, raça e interesses pessoais (Andrade, 2002Andrade, L. T. (2002). Segregação socioespacial na vida cotidiana: o caso dos condomínios fechados. Anais do Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Caxambu, MG, Brasil, 26.; Nascimento et al., 2013Maingueneau, D. (2006). Termos-chave da análise do discursoBelo Horizonte: Editora UFMG.). Por esse motivo, a segregação urbana só pode ser compreendida em sua articulação direta com as desigualdades sociais (Villaça, 2011Villaça, F. (2011). São Paulo: segregação urbana e desigualdade.Estudos Avançados, 25(71), 37-58.).

O processo de crescimento das cidades brasileiras foi acompanhado, a partir dos anos 1980, por um crescimento da desigualdade social, o que aumentou os índices de violência urbana e as delimitações espaciais entre pobres e ricos (Andrade & Fonseca, 2008Andrade, L. M., & Fonseca,M. L. P. (2008). Uberlândia: a dinâmica do espaço público e a segregação social. Anais do Seminário de Iniciação Científica, Uberlândia, MG, Brasil, 7.). Aos poucos, os grupos de classes mais favorecidas deixaram de utilizar de maneira significativa os espaços públicos, ficando mais confinados aos seus condomínios privados, a ambientes de lazer restritos e a ambientes de acesso controlado. Enquanto isso, alguns espaços das ruas, dos parques e das praças acabaram se tornando lugares quase exclusivos dos grupos desfavorecidos em termos sociais e econômicos (Andrade & Fonseca, 2008Andrade, L. M., & Fonseca,M. L. P. (2008). Uberlândia: a dinâmica do espaço público e a segregação social. Anais do Seminário de Iniciação Científica, Uberlândia, MG, Brasil, 7.).

Ao estudarem praças públicas da cidade de Belo Horizonte como espaços de sociabilidade, Andrade, Jayme e Almeida (2009)Andrade, L. T., Jayme, J. G., & Almeida, R. C. (2009). Espaços públicos: novas sociabilidades, novos controles. Cadernos Metrópole, 21, 131-153.observaram que esses locais não tiveram seu uso em declínio; na verdade, houve reconfigurações nos seus usos, mudanças na sociabilidade de ruas e praças (Jayme & Neves, 2010Jayme, J. G., & Neves, M. (2010). Cidade e espaço público: política de revitalização urbana em Belo Horizonte. Caderno CRH, 23(60), 605-617.). Se antes podiam ser espaços em que os diferentes conviviam, as praças simbolizam agora espaços não só de sociabilidade, mas de uma sociabilidade segregada. A busca pela convivência entre os iguais por parte dos grupos sociais mais favorecidos envolve não apenas um sentido simbólico de distanciamento do diferente, mas também insegurança e medo em relação à violência (Andrade et al., 2009Andrade, L. T., Jayme, J. G., & Almeida, R. C. (2009). Espaços públicos: novas sociabilidades, novos controles. Cadernos Metrópole, 21, 131-153.).

O surgimento dos shoppings e dos condomínios fechados e a sofisticação de clubes de lazer reforçaram a estratificação social dos espaços, contribuindo para esse abandono dos centros urbanos pelos grupos favorecidos (Andrade & Fonseca, 2008Andrade, L. M., & Fonseca,M. L. P. (2008). Uberlândia: a dinâmica do espaço público e a segregação social. Anais do Seminário de Iniciação Científica, Uberlândia, MG, Brasil, 7.). Osshopping centers fazem parte da configuração segregatória porque são espaços excludentes. Além de serem construídos para serem templos de consumo, centros de compra e serviços que não incluem como público-alvo grupos socialmente desprezados, eles estão contextualizados em um processo histórico de negação da rua pela sociedade (Leitão, 2005Kifer, C. (2013, outubro 19). Grupo faz arrastão emshopping de BH e outro é impedido em Contagem: em um dos casos a Polícia Militar apreendeu um adolescente com uma mochila repleta de materiais explosivos. Recuperado em 2 dezembro, 2013, de http://www.otempo.com.br/cidades/grupo-faz-arrast%C3%A3o-em-shopping-de-bh-e-outro-%C3%A9-impedido-em-contagem-1.733788
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). Essa negação ocorreu, em um primeiro momento, pela valorização do espaço privado da casa (e atualmente, como extensão, dos condomínios) como um espaço exclusivamente familiar, como sendo um não lugar para o público. Os shopping centers aparecem, nesse contexto, como uma extensão ainda simbolicamente privada (embora pública) destinada ao consumo e ao lazer de apenas uma parcela da população. A negação da rua reproduz a negação de um espaço no qual poderiam conviver os diferentes grupos sociais (Leitão, 2005Leitão, L. (2005). Quando um muro separa e nenhuma ponte une.Cadernos Metrópole, 13, 229-253.).

Distanciar-se da rua e, consequentemente, das opções de consumo presentes nessa rua tornou-se um símbolo patriarcal de diferenciação do que estava na rua, do que deveria manter distância: "Nesse contexto, não surpreende que a rua brasileira, o espaço de todos, tenha nascido feia, suja, fétida, desprestigiada, concebida como mero caminho em direção a casa, ao espaço que se queria nobre, distinto, fidalgo" (Leitão, 2005Kifer, C. (2013, outubro 19). Grupo faz arrastão emshopping de BH e outro é impedido em Contagem: em um dos casos a Polícia Militar apreendeu um adolescente com uma mochila repleta de materiais explosivos. Recuperado em 2 dezembro, 2013, de http://www.otempo.com.br/cidades/grupo-faz-arrast%C3%A3o-em-shopping-de-bh-e-outro-%C3%A9-impedido-em-contagem-1.733788
http://www.otempo.com.br/cidades/grupo-f...
, pp. 237-238). Leitão (2005)Leitão, L. (2005). Quando um muro separa e nenhuma ponte une.Cadernos Metrópole, 13, 229-253. ressalta a construção dos condomínios fechados como exemplos da segregação socioespacial. São lugares que se fecham em si mesmos e que oferecem aos condôminos opções de serviços e comércio que podem mantê-los mais naqueles lugares. Além disso, é comum nesses condomínios que as residências sejam mais amplas, mais abertas à rua, já que não se trata mais da "rua" tradicional, mas sim de uma "rua privatizada", uma rua que se torna simplesmente um acesso a casa e que não tem em si muitos vestígios de vida urbana (Leitão, 2005Leitão, L. (2005). Quando um muro separa e nenhuma ponte une.Cadernos Metrópole, 13, 229-253.). Para a autora, depois dos condomínios fechados, os shopping centers são os lugares que mais simbolizam essa segregação ao estimularem uma dinâmica simbólica de convivência entre os iguais e uma rejeição a grupos sociais marginalizados.

Os shoppings transformaram-se em lugares nos quais se pode passar o dia todo, não só comprando, como também usufruindo de uma gama ampla de serviços: alimentação, serviços bancários, educacionais, de lazer, de atividades físicas, de cuidados com a saúde e com a beleza (Leitão, 2005Kifer, C. (2013, outubro 19). Grupo faz arrastão emshopping de BH e outro é impedido em Contagem: em um dos casos a Polícia Militar apreendeu um adolescente com uma mochila repleta de materiais explosivos. Recuperado em 2 dezembro, 2013, de http://www.otempo.com.br/cidades/grupo-faz-arrast%C3%A3o-em-shopping-de-bh-e-outro-%C3%A9-impedido-em-contagem-1.733788
http://www.otempo.com.br/cidades/grupo-f...
). Para Leitão (2005), eles caíram como uma "luva" para uma sociedade que quer ser segregatória e que quer tirar determinado grupo social das ruas, confinando-as em espaços privados. Vários serviços que antes eram restritos ao ambiente urbano estão hoje presentes nos shopping centers. Trata-se de um processo em que a implantação de espaços-bloco, como são os condomínios e osshoppings, "favorece, frequentemente, a exclusão dos demais espaços da cidade, notadamente quando a vizinhança não lhes é conveniente social e economicamente falando" (Leitão, 2005Leitão, L. (2005). Quando um muro separa e nenhuma ponte une.Cadernos Metrópole, 13, 229-253., p. 245). Há estudos que apontam a rejeição, em espaços de shopping centers, a grupos como pobres, moradores de espaços periféricos, negros, homossexuais, travestis e transgêneros por meio de discursos discriminatórios; discursos criadores e reprodutores de estereótipos que carregam sentidos de inferioridade e negatividade; e de práticas de proibição de entrada ou de expulsão (Agostini, 2012Agostini, L. (2012). A proibição de entrada de pessoas emshopping centersRecuperado em 23 abril, 2013, de http://www.correaadvogados.com.br/wp-content/files/Leonardo_Agostini_-_A_Proibio_de_Entrada_de_Pessoas_em_Shopping.pdf.
http://www.correaadvogados.com.br/wp-con...
; Nascimento et al., 2013Nascimento, M. C. R., Oliveira, J. S., & Teixeira, J. C. (2013). Com que cor eu vou pro shopping de BH que você me convidou?Anais do Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 37.). Entretanto, nesses espaços organizacionais segregatórios, também ocorrem práticas de resistência, o que será debatido na próxima seção deste artigo.

3 DAS PRÁTICAS DE RESISTÊNCIA À SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL

O que é resistir? Essa palavra pode assumir diversos significados. Discorreremos aqui sobre as possibilidades de significados que consideramos neste artigo baseando-nos no estudo de Roque (2003)Roque, T. (2003). Resistir a quê? Ou melhor, resistir o quê?Lugar Comum, 17, 23-32. a respeito da resistência. A autora ressalta que, "no sentido corriqueiro, resistir é sempreresistir contra ou resistir a. Ou seja, é se opor ou suportar: é, em suma, lutar, coexistindo ou sucedendo certo exercício de poder" (Roque, 2003Roque, T. (2003). Resistir a quê? Ou melhor, resistir o quê?Lugar Comum, 17, 23-32., p. 25). Para autores como Foucault e Deleuze, a resistência faz parte de "um processo que está em curso antes [mesmo] do fato ao qual se resiste, que será, de fato, condição de possibilidade de resistência efetiva que irá se instaurar a partir deste fato" (Roque, 2003Roque, T. (2003). Resistir a quê? Ou melhor, resistir o quê?Lugar Comum, 17, 23-32., p. 25).

Na palavra resistência há, antes de tudo, o prefixo re, que aponta para uma duplicação, uma insistência, um desdobramento, umadobra, "outra vez". Do que o segue, lemos um substantivo derivado do verbo sistere: parar, permanecer, ficar, ficar de pé, estar presente. A esse verbo se associa também astantia da palavra resistência, que invoca a estadia, ideia perfeitamente expressa pela transitoriedade do verboestar, uma das preciosas singularidades do português. Até aqui, portanto, resistir é insistir em estar - em permanecer (Roque, 2003Roque, T. (2003). Resistir a quê? Ou melhor, resistir o quê?Lugar Comum, 17, 23-32., pp. 25-26).

A resistência envolve práticas e necessidades de afirmação de uma existência. Sobre a resistência, torna-se importante ressaltar que não só a existência precisa ser afirmada, como também suas produções, efeitos e consequências. Sob essa perspectiva, podemos considerar a resistência como a dobra da existência (Roque, 2003Roque, T. (2003). Resistir a quê? Ou melhor, resistir o quê?Lugar Comum, 17, 23-32.). Um dos grupos sociais que interferem com frequência na dinâmica segregatória das cidades são os jovens da periferia: adolescentes e jovens que moram em regiões periféricas demarcadas por um baixostatus social e hierárquico. Para Oliveira, Wolff, Henn e Conte (2006, p. 54)Oliveira, C. S., Wolff, M. P., Henn, R., & Conte, M. (2006). Criminalidade juvenil e estratégias de (des)confinamento na cidade.Revista Katálysis, 9(1), 53-62. Recuperado em 25 novembro, 2013, de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-49802006000100006&lng=en&tlng=pt. 10.1590/S1414-49802006000100006
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, são como "adolescentes trancados de fora" que "se veem projetados em um espaço infinito, muito embora colocados de fora, fechados numa exterioridade".

Esses jovens, pobres e em sua maioria negros, sofrendo duplamente o preconceito, são caracterizados, nas cidades, por andanças, nomadismos, deslocamentos sem rumo e agitações sem objeto (quando estão, por exemplo, fora do sistema educacional ou do mercado de trabalho, algo muito comum) (Oliveira et al., 2006Oliveira, C. S., Wolff, M. P., Henn, R., & Conte, M. (2006). Criminalidade juvenil e estratégias de (des)confinamento na cidade.Revista Katálysis, 9(1), 53-62. Recuperado em 25 novembro, 2013, de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-49802006000100006&lng=en&tlng=pt. 10.1590/S1414-49802006000100006
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). Oliveira et al. (2006)Oliveira, C. S., Wolff, M. P., Henn, R., & Conte, M. (2006). Criminalidade juvenil e estratégias de (des)confinamento na cidade.Revista Katálysis, 9(1), 53-62. Recuperado em 25 novembro, 2013, de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-49802006000100006&lng=en&tlng=pt. 10.1590/S1414-49802006000100006
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afirmam que essa dinâmica de exclusão estimula a existência de práticas de resistência, as quais podem ocorrer em um sentido de oposição ou afirmação de uma existência a quem são destinadas políticas públicas precárias, criando uma associação entre trabalho e condição penosa:

Para estes jovens habitantes sem proteção, radicalmente vulneráveis, torna-se insustentável exigir tolerância ao sacrifício e reiterada renúncia diante da desapropriação material e da destituição simbólica a que se encontram expostos e expectantes. Isto porque a própria capacidade de espera e obediência contrasta, sobremaneira, com os apelos de uma sociedade de mercado hedonista e permissiva [...]. É assim que atitudes ressentidas se tornam comuns entre eles, que encaram seus pais como desvalidos e até como otários, diante de um pai-Estado considerado tirano e injusto. Sem crédito e desacreditados por conta de uma dívida impossível de pagar devido aos imperativos de gozo consumista que os torna faltantes natos, tais segmentos juvenis precarizados acabam não sendo considerados como pertencentes à cidade, mas clandestinos [...] (Oliveira et al., 2006Oliveira, C. S., Wolff, M. P., Henn, R., & Conte, M. (2006). Criminalidade juvenil e estratégias de (des)confinamento na cidade.Revista Katálysis, 9(1), 53-62. Recuperado em 25 novembro, 2013, de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-49802006000100006&lng=en&tlng=pt. 10.1590/S1414-49802006000100006
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 54).

Todo esse contexto estimula práticas de resistência que são ao mesmo tempo oposição a ordens estabelecidas, como também mecanismos de afirmação de existências. Esses jovens se tornam temidos e rejeitados não só pelo potencial social e simbólico de delito que representam, como violências, roubos, assaltos, mas, igualmente, por serem uma das faces da desigualdade e do esgotamento de valores na sociedade. Seus delitos funcionam como sinais do fracasso do processo planejado e organizado de segregação das cidades (Oliveira et al., 2006Oliveira, C. S., Wolff, M. P., Henn, R., & Conte, M. (2006). Criminalidade juvenil e estratégias de (des)confinamento na cidade.Revista Katálysis, 9(1), 53-62. Recuperado em 25 novembro, 2013, de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-49802006000100006&lng=en&tlng=pt. 10.1590/S1414-49802006000100006
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). Por isso, estão resistindo e, em alguns casos, também ressignificando espaços urbanos e seus usos e sentidos sociais hegemônicos. Eles estão se negando a ocupar simplesmente os espaços urbanos centrais, espaços que são ainda percebidos como decadentes ou demandantes de menos investimentos. Como já discutido, no processo histórico de criação de outras centralidades urbanas, a classe dominante retirou não só suas casas desses lugares, como também suas empresas e empreendimentos de lazer. Todo esse processo reflete a existência de cidades planejadas, organizadas e controladas, cidades visíveis que são construídas no discurso urbanista (como a que constrói e organiza processos de segregação socioespacial) e cidades vividas, subjetivas e cotidianamente vivenciadas pelos sujeitos em suas práticas sociais (Castelo Branco, 2007Castelo Branco, E. A. (2007). Táticas caminhantes: cinema marginal e flanâncias juvenis pela cidade. Revista Brasileira de História, 27(53), 177-194.; Certeau, 2008Certeau, M. (2008). A invenção do cotidiano: artes de fazerPetrópolis: Vozes.).

4 A ANÁLISE DE DISCURSO

Esta pesquisa é qualitativa e emprega a análise do discurso (AD) para o desenvolvimento de nossas discussões. A AD constitui um percurso teórico-metodológico de estudo dos discursos com base nas articulações entre o linguístico e o social (Pêcheux & Fuchs, 1997Pêcheux, M., & Fuchs, C. (1997). A propósito da análise automática do discurso: atualização e perspectivas. In F. Gadet & T. Hak (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux (pp. 163-252). Campinas: Editora da Unicamp.). Constituindo o discurso como um objeto de estudo, a AD se volta para as análises do simbólico que produz sentido e está investido de significância para e por sujeitos, como discute Orlandi (2009)Orlandi, E. P. (2009). Análise de discurso: princípios e procedimentosCampinas: Pontes.. Consideramos discursos como sendo a produção de textos em um contexto sócio-histórico configurando instâncias da linguagem em que os processos ideológicos são articulados com fenômenos linguísticos (Dijk, 1997Dijk, T. A. (1997). Discourse as interaction in society. In T. A. Dijk (Org.). Discourse as social interaction (pp. 1-37). London: Sage.). Nossa base teórico-metodológica para a realização da AD é uma combinação das concepções de autores sobre o discurso, tais como Pêcheux e Fuchs (1997)Pêcheux, M., & Fuchs, C. (1997). A propósito da análise automática do discurso: atualização e perspectivas. In F. Gadet & T. Hak (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux (pp. 163-252). Campinas: Editora da Unicamp. e Maingueneau (2006)Maingueneau, D. (2006). Termos-chave da análise do discursoBelo Horizonte: Editora UFMG.. Empregamos essa corrente de AD francesa neste estudo, a qual envolve uma análise das condições de produção dos enunciados, não só em virtude dos autores que utilizamos como base teórica para considerar o discurso, mas porque temos focos analíticos que são comuns às análises francesas do discurso, tais como a análise lexical, a análise de elementos explícitos e implícitos, de personagens, de aspectos interdiscursivos, de processos de reflexão e de refração e de condições sociais de produção dos discursos (Faria, 2009Faria, A. A. M. (2009). Aspectos de um discurso empresarial. In A. P. Carrieri, L. A. Saraiva, T. D. Pimentel & P. A. G. Souza-Ricardo (Orgs.).Análise do discurso em estudos organizacionais (pp. 45-52). Curitiba: Juruá.). Consideramos que os enunciados são os textos literalmente escritos e que a enunciação é o processo que constitui o enunciado. O enunciado é, assim, o produto do processo enunciação, o qual é temporal e espacialmente localizado (Faria, 2009Faria, A. A. M. (2009). Aspectos de um discurso empresarial. In A. P. Carrieri, L. A. Saraiva, T. D. Pimentel & P. A. G. Souza-Ricardo (Orgs.).Análise do discurso em estudos organizacionais (pp. 45-52). Curitiba: Juruá.; Maingueneau, 2006Maingueneau, D. (2006). Termos-chave da análise do discursoBelo Horizonte: Editora UFMG.).

Na AD, os processos de linguagem são analisados com base em sua inscrição no contexto histórico da sociedade. A materialidade do discurso é a língua, pois trata-se de um objeto simbólico inscrito na história que atua como significante do contexto social (Pêcheux, 2008Pêcheux, M. (2008). O discurso: estrutura ou acontecimentoCampinas: Pontes.). Quando, por exemplo, enunciamos algo, filiamo-nos às redes de sentidos que existem anteriormente ao que foi enunciado (Orlandi, 2009Orlandi, E. P. (2009). Análise de discurso: princípios e procedimentosCampinas: Pontes.).

Este artigo traz discursos sobre a segregação socioespacial promovida pelas organizações nos espaços urbanos contemporâneos, especialmente com a expansão dosshopping centers nas cidades. E os discursos, para Faria (2009)Faria, A. A. M. (2009). Aspectos de um discurso empresarial. In A. P. Carrieri, L. A. Saraiva, T. D. Pimentel & P. A. G. Souza-Ricardo (Orgs.).Análise do discurso em estudos organizacionais (pp. 45-52). Curitiba: Juruá., envolvem também elementos espaciais e geográficos. Nesse sentido, os aspectos espaciais contidos nos discursos também serão analisados, sobretudo porque dizem respeito aos usos sociais deshopping centers que se localizam em espaços diversos da cidade.

O corpus de análise é constituído por discursos presentes nos portais eletrônicos de notícias sobre a cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais, portanto a técnica de coleta de dados utilizada foi a pesquisa documental no ambiente virtual. Esses discursos se referem às práticas de ocupação dos espaços organizacionais dos shopping centers de Belo Horizonte por jovens da periferia dessa cidade ocorridos durante o ano de 2013, fenômeno que foi denominado "rolezinho" por esse grupo social e reproduzido pela mídia sob a mesma denominação. Apesar de esse fenômeno de ocupação dos espaços organizacionais ter ganhado notoriedade nacional a partir de seu acontecimento na cidade de São Paulo, especialmente desde o mês de dezembro de 2013, os jovens belo-horizontinos, no mês de agosto desse mesmo ano, já realizavam esse tipo de prática, ainda desconhecida, o que justificou a escolha dessa cidade como lócus de pesquisa deste estudo.

Foram identificados 15 portais de notícias sobre a cidade de Belo Horizonte que produziram, durante o ano de 2013, 18 reportagens sobre a ocupação coletiva deshopping centers por jovens da periferia. Desses 15 portais, dois fazem parte de duas das principais organizações que atuam na área de comunicação social no país, inclusive atuando no setor de televisão aberta. Dos outros 13 portais, um, que tem como foco a área de gestão e negócios, faz parte da maior empresa da área de comunicação social impressa no Brasil e 12 atuam exclusivamente no ambiente virtual, por meio de seus sites. Esses portais que atuam exclusivamente via internet têm como foco a produção de notícias sobre o cotidiano de vida no Estado de Minas Gerais, de matérias policiais a receitas da culinária mineira. Como será possível observar nas análises que se seguem neste artigo, inicialmente, os enunciados dos portais foram unânimes em se posicionar na caracterização dos "rolezinhos" como tumultos que ocorrem nosshopping centers provocados por adolescentes das periferias das cidades.

Entretanto, consideramos que os enunciados produzidos nessas reportagens se tornam singulares devido à sua produção em diferentes locais, ou portais de notícias, ao mesmo tempo que reproduzem em conjunto discursos sobre a presença coletiva de jovens da periferia nos espaços organizacionais dos shopping centers, pois esses enunciados estão em contínua relação no espaço público. Nesse sentido, é possível compreender como o discurso circula, (re)significa-se e reproduz o fenômeno social analisado neste artigo a partir de seus efeitos de localização em diferentes portais de notícias, destacando, especialmente no contexto dos estudos organizacionais, como as organizações são constituídas a partir dessas discussões.

As 18 reportagens publicadas pela mídia eletrônica de Belo Horizonte foram produzidas no período de 24 de agosto a 21 de dezembro de 2013 e relatam práticas intituladas por diversos léxicos como arrastões, confusões, tumultos, princípios de tumultos e desafios à polícia em shopping centers da cidade. Buscamos apenas notícias do ano de 2013 por objetivarmos a análise dos discursos sobre as práticas dos jovens da periferia quando elas ainda não eram tipificadas discursivamente de "rolezinhos" ou "rolês", como passaram a ser denominadas a partir da notoriedade provocada pelas práticas em São Paulo. Das 18 reportagens encontradas, selecionamos oito para análise. Eliminamos aquelas que apresentavam conteúdos repetidos, dentro de uma prática que observamos ser comum no campo de reportagens de portais de notícias eletrônicos: a reprodução do conteúdo de outras notícias já publicadas em outros portais.

5 DAS PRÁTICAS DE RESISTÊNCIA À SEGREGAÇÃO SOCIAL NOS SHOPPING CENTERS EM BELO HORIZONTE

O primeiro aspecto a ser considerado nas análises são os enunciados que caracterizam os shopping centers como espaços organizacionais. Para tanto, nas reportagens, os enunciados utilizados para essa delimitação são centro de compras, centro de consumo ou estabelecimentos comerciais (Estado de Minas, 2013Estado de Minas (2013, agosto 18). Segurança é reforçada em shopping da capital após tumulto. Recuperado em 3 dezembro, 2013, de http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2013/08/18/interna_gerais,436663/seguranca-e-reforcada-em-shopping-da-capital-apos-tumulto.shtml
http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/...
; Freitas, 2013Freitas, C. (2013). Shopping de BH causa polêmica ao pedir documento de identidade a clientes na entrada. Recuperado em 2 dezembro, 2013, de http://www.bhaz.com.br/shoppings-de-bh-tomam-medidas-de-seguranca-apos-arrastoes-ocorridos-no-mes-de-agosto
http://www.bhaz.com.br/shoppings-de-bh-t...
; G1 Minas Gerais, 2013G1 Minas Gerais (2013, agosto 24). Tumulto marcado por redes sociais assusta frequentadores de shopping Recuperado em 5 dezembro, 2013, de http://g1.globo.com/minasgerais/noticia/2013/08/tumulto-marcado-por-redes-sociais-assuta-frequentadores-de-shopping.html
http://g1.globo.com/minasgerais/noticia/...
), o que vai ao encontro das definições de shopping center apresentadas neste artigo a partir das discussões de Leitão (2005)Kifer, C. (2013, outubro 19). Grupo faz arrastão emshopping de BH e outro é impedido em Contagem: em um dos casos a Polícia Militar apreendeu um adolescente com uma mochila repleta de materiais explosivos. Recuperado em 2 dezembro, 2013, de http://www.otempo.com.br/cidades/grupo-faz-arrast%C3%A3o-em-shopping-de-bh-e-outro-%C3%A9-impedido-em-contagem-1.733788
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e Andrade e Fonseca (2008)Andrade, L. M., & Fonseca,M. L. P. (2008). Uberlândia: a dinâmica do espaço público e a segregação social. Anais do Seminário de Iniciação Científica, Uberlândia, MG, Brasil, 7.. Portanto, primeiramente, os enunciados posicionam os shoppings a partir das relações de mercado.

Em um segundo momento, as relações de mercado e consumo que distanciam osshoppings da rua, conforme discute Leitão (2005)Kifer, C. (2013, outubro 19). Grupo faz arrastão emshopping de BH e outro é impedido em Contagem: em um dos casos a Polícia Militar apreendeu um adolescente com uma mochila repleta de materiais explosivos. Recuperado em 2 dezembro, 2013, de http://www.otempo.com.br/cidades/grupo-faz-arrast%C3%A3o-em-shopping-de-bh-e-outro-%C3%A9-impedido-em-contagem-1.733788
http://www.otempo.com.br/cidades/grupo-f...
, ou seja, dos espaços públicos, produzem os grupos sociais que devem estar presentes nessas organizações: "clientes, lojistas e funcionários" (Estado de Minas, 2013Estado de Minas (2013, agosto 18). Segurança é reforçada em shopping da capital após tumulto. Recuperado em 3 dezembro, 2013, de http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2013/08/18/interna_gerais,436663/seguranca-e-reforcada-em-shopping-da-capital-apos-tumulto.shtml
http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/...
). Desse modo, há um estranhamento da sociedade quando os shopping centerssão ocupados por sujeitos ou grupos sociais que não se enquadram nas categorias sociais delimitadas, especialmente quando estes são jovens, negros e moradores das periferias da cidade, conforme discute Oliveira et al. (2006)Oliveira, C. S., Wolff, M. P., Henn, R., & Conte, M. (2006). Criminalidade juvenil e estratégias de (des)confinamento na cidade.Revista Katálysis, 9(1), 53-62. Recuperado em 25 novembro, 2013, de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-49802006000100006&lng=en&tlng=pt. 10.1590/S1414-49802006000100006
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
. Por isso, os primeiros eventos de ocupação deshopping centers na cidade de Belo Horizonte ainda apresentavam enunciados dispersos, mas com alguns elementos que caracterizam os espaços organizacionais dos shopping centers como centros de compra e serviços que não incluem como público-alvo grupos socialmente desprezados, reforçando o processo histórico de negação da rua pela sociedade brasileira (Leitão, 2005Leitão, L. (2005). Quando um muro separa e nenhuma ponte une.Cadernos Metrópole, 13, 229-253.). Nesse sentido,tumulto é o primeiro termo mobilizado nas reportagens nos portais de notícias belo-horizontinos para produzir discursivamente a prática de ocupação dos shopping centers por jovens, conforme pode ser observado no seguinte enunciado sobre o "rolezinho" praticado em 24 de agosto de 2013 no Minas Shopping: "dois dias antes, frequentadores do Estação, em Venda Nova, se assustaram com o tumulto" (R7 MG, 2013R7 MG (2013, agosto 27). Jovens desafiam a polícia e marcam arrastão em shopping de BH pelo Facebook. Recuperado em 1º dezembro, 2013, http://noticias.r7.com/minas-gerais/jovens-desafiam-a-policia-e-marcam-arrastao-em-shopping-de-bh-pelo-facebook-27082013
http://noticias.r7.com/minas-gerais/jove...
).

Oito notícias relataram práticas de "rolezinhos" ocorridas nos seguintes lugares e datas: Shopping Estação, localizado na região de Venda Nova, em Belo Horizonte, na quinta-feira, em 22 de agosto de 2013 (R7 MG, 2013R7 MG (2013, agosto 27). Jovens desafiam a polícia e marcam arrastão em shopping de BH pelo Facebook. Recuperado em 1º dezembro, 2013, http://noticias.r7.com/minas-gerais/jovens-desafiam-a-policia-e-marcam-arrastao-em-shopping-de-bh-pelo-facebook-27082013
http://noticias.r7.com/minas-gerais/jove...
); prática ocorrida no Minas Shopping, localizado no bairro União, em 24 de agosto de 2013 - um sábado (G1 Minas Gerais, 2013); uma prática agendada mas impedida para o Boulevard Shopping, em 31 de agosto de 2013 - um sábado (Dom Total, 2013Dom Total (2013, agosto 27). Pelo Facebook, jovens marcam arrastão no Boulevard Shopping. Recuperado em 1º dezembro, 2013, de http://www.domtotal.com/noticias/659671.
http://www.domtotal.com/noticias/659671....
); uma prática ocorrida no Shopping Del Rey, no bairro Caiçara, em 19 de outubro de 2013 - um sábado (Kifer, 2013Jayme, J. G., & Neves, M. (2010). Cidade e espaço público: política de revitalização urbana em Belo Horizonte. Caderno CRH, 23(60), 605-617.); e uma prática iniciada mas contida no Itaú Power Shopping, localizado em Contagem, em 19 de outubro de 2013 - também um sábado (Editoria Web, 2013Editoria Web (2013, outubro 20). Jovens provocam nova confusão emshopping da região noroeste de Belo Horizonte. Recuperado em 7 dezembro, 2013, de http://www.itatiaia.com.br/noticia/jovens-provocam-nova-confusao-dentro-de-shopping-em-belo-horizonte
http://www.itatiaia.com.br/noticia/joven...
). Sobre a primeira ocorrência (R7 MG, 2013R7 MG (2013, agosto 27). Jovens desafiam a polícia e marcam arrastão em shopping de BH pelo Facebook. Recuperado em 1º dezembro, 2013, http://noticias.r7.com/minas-gerais/jovens-desafiam-a-policia-e-marcam-arrastao-em-shopping-de-bh-pelo-facebook-27082013
http://noticias.r7.com/minas-gerais/jove...
), no Shopping Estação, no dia 22 de agosto de 2013, o que se observa é que a prática veio à tona porque, no dia 24 de agosto, ocorreu o primeiro grande tumulto no Minas Shopping. Sobre essa primeira prática noticiada, há o seguinte relato: "dois dias antes [do ocorrido, no dia 24 de agosto de 2013], frequentadores do Estação, em Venda Nova, se assustaram com o tumulto" (R7 MG, 2013R7 MG (2013, agosto 27). Jovens desafiam a polícia e marcam arrastão em shopping de BH pelo Facebook. Recuperado em 1º dezembro, 2013, http://noticias.r7.com/minas-gerais/jovens-desafiam-a-policia-e-marcam-arrastao-em-shopping-de-bh-pelo-facebook-27082013
http://noticias.r7.com/minas-gerais/jove...
).

Entretanto, o "rolezinho" realizado no dia 24 de agosto de 2013, no Minas Shopping, obteve maior repercussão na mídia. Na época, o G1 Minas Gerais (2013)G1 Minas Gerais (2013, agosto 24). Tumulto marcado por redes sociais assusta frequentadores de shopping Recuperado em 5 dezembro, 2013, de http://g1.globo.com/minasgerais/noticia/2013/08/tumulto-marcado-por-redes-sociais-assuta-frequentadores-de-shopping.html
http://g1.globo.com/minasgerais/noticia/...
atribuiu o seguinte título à notícia: "Tumulto marcado por redes sociais assusta frequentadores de shopping". No título e subtítulo, não há identificação do grupo responsável pelo tumulto. Eis o subtítulo da matéria: "Segundo a polícia, ação com cerca de 300 suspeitos ocorreu em BH. PM informou que um menor foi apreendido e um homem armado, preso" (G1 Minas Gerais, 2013G1 Minas Gerais (2013, agosto 24). Tumulto marcado por redes sociais assusta frequentadores de shopping Recuperado em 5 dezembro, 2013, de http://g1.globo.com/minasgerais/noticia/2013/08/tumulto-marcado-por-redes-sociais-assuta-frequentadores-de-shopping.html
http://g1.globo.com/minasgerais/noticia/...
). O título e subtítulo caracterizam a ação como "tumulto" e identificam os protagonistas como sendo um "menor" e um "homem armado".

Sendo integrantes da Polícia Militar os informantes para a composição da notícia, há estratégias de exaltação da ação da polícia na contenção da prática ocorrida:

Segundo a chefe do policiamento da capital, coronel Cláudia Romualdo, a polícia já sabia da ação. Conforme a militar, a PM reforçou o policiamento na parte externa do local. No interior do shopping, segundo a coronel, a segurança foi feita pelo próprio estabelecimento (G1 Minas Gerais, 2013G1 Minas Gerais (2013, agosto 24). Tumulto marcado por redes sociais assusta frequentadores de shopping Recuperado em 5 dezembro, 2013, de http://g1.globo.com/minasgerais/noticia/2013/08/tumulto-marcado-por-redes-sociais-assuta-frequentadores-de-shopping.html
http://g1.globo.com/minasgerais/noticia/...
).

Há uma explícita intenção, na matéria, de amenização da situação ocorrida:

A corporação informou que, por precaução, os lojistas fecharam as lojas para não ocorrerem maiores danos. Os militares disseram também que não houve confronto entre os suspeitos e a polícia. Por volta de 18h30, o grupo já havia se dispersado e as lojas começaram a ser reabertas, segundo a PM. Por meio de nota, a assessoria do Minas Shopping informou que já sabia da ação e que, por isso, havia acionado a polícia previamente. Ainda de acordo com a assessoria, os policiais e seguranças agiram e evitaram maiores transtornos. Os participantes do movimento foram levados para o estacionamento, onde foram revistados pelos militares (G1 Minas Gerais, 2013G1 Minas Gerais (2013, agosto 24). Tumulto marcado por redes sociais assusta frequentadores de shopping Recuperado em 5 dezembro, 2013, de http://g1.globo.com/minasgerais/noticia/2013/08/tumulto-marcado-por-redes-sociais-assuta-frequentadores-de-shopping.html
http://g1.globo.com/minasgerais/noticia/...
).

A escolha dos léxicos que compõem essa estratégia de amenização, como o caso do léxico "precaução", implicitamente traz a ideia de que os lojistas só tiveram que fechar as portas por precaução e não por evidente necessidade. Além disso, "não houve confronto entre os suspeitos e a polícia", tanto a polícia quanto oshopping já sabiam da ação, e "os policiais e seguranças agiram e evitaram maiores transtornos", sendo o grupo dispersado e as atividades doshopping retomadas. Essa amenização é contextualmente importante porque está em jogo a imagem do shopping center como espaço de segregação que garante o conforto e a negação dos perigos representados pelas ruas e pela convivência entre diferentes (Leitão, 2005Kifer, C. (2013, outubro 19). Grupo faz arrastão emshopping de BH e outro é impedido em Contagem: em um dos casos a Polícia Militar apreendeu um adolescente com uma mochila repleta de materiais explosivos. Recuperado em 2 dezembro, 2013, de http://www.otempo.com.br/cidades/grupo-faz-arrast%C3%A3o-em-shopping-de-bh-e-outro-%C3%A9-impedido-em-contagem-1.733788
http://www.otempo.com.br/cidades/grupo-f...
).

A terceira ocorrência foi o anúncio prévio de uma prática agendada pelos grupos de "jovens" (nas notícias analisadas, a primeira vez em que eles são caracterizados explicitamente como tal) que, segundo o R7 MG (2013)R7 MG (2013, agosto 27). Jovens desafiam a polícia e marcam arrastão em shopping de BH pelo Facebook. Recuperado em 1º dezembro, 2013, http://noticias.r7.com/minas-gerais/jovens-desafiam-a-policia-e-marcam-arrastao-em-shopping-de-bh-pelo-facebook-27082013
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, "desafiam a polícia e marcam arrastão emshopping de BH pelo Facebook". Essa é também a primeira notícia analisada que qualifica as práticas como fazendo parte de um "arrastão". Novamente, as práticas foram agendadas por meio de rede social e agora possuem como alvo o Boulevard Shopping, situado na região leste da cidade.

O enfrentamento à ordem representada pela Polícia Militar é explícito por meio do léxico "desafiam", o que caracteriza diretamente essa prática como uma prática de resistência de jovens em um sentido explícito de oposição e confronto a uma ordem estabelecida, o que nos remete à discussão que realizamos sobre os significados de resistir. É isso que Oliveira et al. (2006)Oliveira, C. S., Wolff, M. P., Henn, R., & Conte, M. (2006). Criminalidade juvenil e estratégias de (des)confinamento na cidade.Revista Katálysis, 9(1), 53-62. Recuperado em 25 novembro, 2013, de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-49802006000100006&lng=en&tlng=pt. 10.1590/S1414-49802006000100006
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
discutem ao afirmarem que alguns dos denominados "delitos" praticados por jovens nas cidades são formas de resistência e de ressignificação dos espaços urbanos, no caso em análise, dos espaços organizacionais. Por isso, "desafiar" os usos da cidade é estabelecer outros trajetos pelos espaços sociais, conforme discute Certeau (2008)Certeau, M. (2008). A invenção do cotidiano: artes de fazerPetrópolis: Vozes. e, com isso, questionar os mecanismos de segregação produzidos pelas práticas organizacionais. Se as organizações delimitam quem é ou não pertencente ao seu espaço, seja em uma dimensão física, simbólica ou virtual, as práticas de resistência desafiam esses limites e transpõem essas fronteiras.

Sobre as fronteiras, Certeau (2008)Certeau, M. (2008). A invenção do cotidiano: artes de fazerPetrópolis: Vozes. destaca que elas não pertencem a ninguém, elas deslocam, por isso as pessoas têm dificuldade de agir na fronteira, pois há necessidade de um deslocamento, ou seja, de sair do lugar. Assim, as práticas de resistência se posicionam na fronteira do que é a organização, do que é o shopping center, e como não se sabem os resultados e efeitos desse alargamento das fronteiras, ele demanda a força policial. Continuando a análise da notícia do R7 MG (2013)R7 MG (2013, agosto 27). Jovens desafiam a polícia e marcam arrastão em shopping de BH pelo Facebook. Recuperado em 1º dezembro, 2013, http://noticias.r7.com/minas-gerais/jovens-desafiam-a-policia-e-marcam-arrastao-em-shopping-de-bh-pelo-facebook-27082013
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, seu subtítulo é "Encontro deve ocorrer sábado; dois centros de compras foram alvos na última semana". A prática agora é descrita pelo léxico "encontro" e os shoppings são explicitamente caracterizados como os classificamos no referencial teórico: centros de compras, chamados neste artigo de centros de consumo. No corpo da matéria, a prática é novamente qualificada como "arrastão" e a polícia é também acionada como uma importante personagem, mas agora a Polícia Civil, já que se trata de uma prática investigativa de tentativa de impedimento prévio da prática. A matéria traz discursos dos próprios jovens que agendavam a ação por meio do Facebook, a exemplo de "Hoje eu vi uma reportagem do Minas Shopping e que no Boulevard seja[sic] pior que lá" (R7 MG, 2013R7 MG (2013, agosto 27). Jovens desafiam a polícia e marcam arrastão em shopping de BH pelo Facebook. Recuperado em 1º dezembro, 2013, http://noticias.r7.com/minas-gerais/jovens-desafiam-a-policia-e-marcam-arrastao-em-shopping-de-bh-pelo-facebook-27082013
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), ou ainda "Aproveitam o tumulto para roubar, vão usar drogas. Vai, mas não precisa quebrar nada, destruir nada. Acho melhor marcar na praça do lado porque no shopping sempre dá confusão" e "ta osso perder rolé[sic] por causa de algumas pessoas" (R7 MG, 2013R7 MG (2013, agosto 27). Jovens desafiam a polícia e marcam arrastão em shopping de BH pelo Facebook. Recuperado em 1º dezembro, 2013, http://noticias.r7.com/minas-gerais/jovens-desafiam-a-policia-e-marcam-arrastao-em-shopping-de-bh-pelo-facebook-27082013
http://noticias.r7.com/minas-gerais/jove...
).

Esses dois enunciados demonstram não haver um consenso entre os membros do grupo a respeito das práticas que realizarão, evidenciando o caráter polêmico de produção dos discursos (Faria, 2009Faria, A. A. M. (2009). Aspectos de um discurso empresarial. In A. P. Carrieri, L. A. Saraiva, T. D. Pimentel & P. A. G. Souza-Ricardo (Orgs.).Análise do discurso em estudos organizacionais (pp. 45-52). Curitiba: Juruá.) sobre os "rolezinhos". Essa falta de consenso justifica a adoção ora de léxicos como tumultos e arrastões, ora de léxicos como encontros, os quais podem ter sentidos diferentes. O primeiro enunciado é de um(a) jovem que reclama dos delitos cometidos durante as práticas, considerando implicitamente que esse não seria o sentido das práticas, já que os praticantes dos delitos estariam aproveitando a situação ("aproveitam o tumulto para roubar, vão usar drogas"). O(a) jovem inclusive sugere que o que caracteriza como sendo um "rolé" seja marcado na praça ao lado doshopping para evitar confusões (como se observa, pela primeira vez o léxico "rolé" é associado às práticas desses jovens, por intermédio do discurso de um deles). Os praticantes dos delitos são caracterizados como "algumas pessoas", o que sugere como implícito que não são todas as pessoas que cometem os delitos, produzindo o discurso sobre o "outro" entre os praticantes dos "rolezinhos". Já o segundo enunciado demonstra uma intenção explícita de provocar maior confusão e tumulto no Boulevard do que no Minas Shopping (a segunda ocorrência que teve a maior repercussão). Há também uma importância implícita conferida à midiatização das práticas: "hoje eu vi uma reportagem do Minas Shopping".

Essa terceira ocorrência também foi relatada em outra notícia analisada, publicada pelo siteDom Total (2013)Dom Total (2013, agosto 27). Pelo Facebook, jovens marcam arrastão no Boulevard Shopping. Recuperado em 1º dezembro, 2013, de http://www.domtotal.com/noticias/659671.
http://www.domtotal.com/noticias/659671....
. Nessesite, há a caracterização mais explícita, até então, das ações como sendo de fato arrastões e dos protagonistas sendo jovens e adolescentes. É a partir dessa notícia, no final do mês de agosto de 2013, que a ocupação dosshopping centers por jovens da periferia começa a ser apresentada como uma prática organizada por esse grupo social. O título da reportagem é "Pelo Facebook, jovens marcam arrastão no Boulevard Shopping" (Dom Total, 2013Dom Total (2013, agosto 27). Pelo Facebook, jovens marcam arrastão no Boulevard Shopping. Recuperado em 1º dezembro, 2013, de http://www.domtotal.com/noticias/659671.
http://www.domtotal.com/noticias/659671....
). O corpo da matéria é iniciado pelo seguinte enunciado: "Depois de provocar tumulto no Minas Shopping, adolescentes e jovens de Belo Horizonte se organizam pelas redes sociais para promover um arrastão no Boulevard Shopping (Dom Total, 2013Dom Total (2013, agosto 27). Pelo Facebook, jovens marcam arrastão no Boulevard Shopping. Recuperado em 1º dezembro, 2013, de http://www.domtotal.com/noticias/659671.
http://www.domtotal.com/noticias/659671....
).

A notícia (Dom Total, 2013Dom Total (2013, agosto 27). Pelo Facebook, jovens marcam arrastão no Boulevard Shopping. Recuperado em 1º dezembro, 2013, de http://www.domtotal.com/noticias/659671.
http://www.domtotal.com/noticias/659671....
) reproduz discursos retirados da rede social e também confronta o objetivo enunciado do evento com os comentários dos participantes. Segundo a redação do Dom Total (2013)Dom Total (2013, agosto 27). Pelo Facebook, jovens marcam arrastão no Boulevard Shopping. Recuperado em 1º dezembro, 2013, de http://www.domtotal.com/noticias/659671.
http://www.domtotal.com/noticias/659671....
, são os comentários que revelam "o verdadeiro objetivo" das práticas: "Cada sabado é um shop que bota o terror [sic]??" e "o Booulevar nao vai aguentar leste toda laaa [sic]". Nesses enunciados, os objetivos de incomodar e ressignificar o espaço do shopping center são explícitos. "Ter" metonimicamente toda a região leste no shopping não condiz com os objetivos de criação dos shopping centers como espaços para propiciar conforto e rompe diretamente com seu sentido de segregação. De acordo com a reportagem, a orientação da polícia para a população a respeito da ação agendada para o sábado seguinte à reportagem é que "os pais acompanhem os filhos aoshopping" (Dom Total, 2013Dom Total (2013, agosto 27). Pelo Facebook, jovens marcam arrastão no Boulevard Shopping. Recuperado em 1º dezembro, 2013, de http://www.domtotal.com/noticias/659671.
http://www.domtotal.com/noticias/659671....
). Essa orientação traz uma classificação implícita dos grupos que farão potencialmente parte da ação: jovens desacompanhados dos pais.

Somente nessa notícia (Dom Total, 2013Dom Total (2013, agosto 27). Pelo Facebook, jovens marcam arrastão no Boulevard Shopping. Recuperado em 1º dezembro, 2013, de http://www.domtotal.com/noticias/659671.
http://www.domtotal.com/noticias/659671....
) é que há maior detalhamento da primeira ocorrência no Shopping Estação. Como a notícia foi publicada dias depois do ocorrido, e após a grande repercussão da segunda ocorrência, há uma qualificação mais explícita dos personagens participantes das práticas por meio de léxicos que os associam aos delitos: "vândalos invadiram o Shopping Estação BH, em Venda Nova, com objetivo de saquear as lojas. O objetivo dos delinquentes foi frustrado pela Polícia Militar, que chegou a prender suspeitos" (Dom Total, 2013Dom Total (2013, agosto 27). Pelo Facebook, jovens marcam arrastão no Boulevard Shopping. Recuperado em 1º dezembro, 2013, de http://www.domtotal.com/noticias/659671.
http://www.domtotal.com/noticias/659671....
). Podemos dizer que o destaque recorrente às ações da polícia diz respeito ao processo mencionado no referencial teórico sobre a importância de mostrar que algo está sendo feito para o combate da prática socialmente rejeitada. O sentido de resistência presente nessas práticas confronta diretamente com as práticas de planejamento, organização e controle das cidades, as quais precisam se reorganizar para tentar anular essas práticas ou mesmo seu conteúdo de resistência:

As frequentes tentativas de arrastões em centros de compras da capital fizeram a Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH) convocar reunião para esta quinta-feira, na instituição, com representantes de Polícia Militar, Ministério Público e superintendentes dos centros de compras da capital, para tentar resolver a questão (Dom Total, 2013Dom Total (2013, agosto 27). Pelo Facebook, jovens marcam arrastão no Boulevard Shopping. Recuperado em 1º dezembro, 2013, de http://www.domtotal.com/noticias/659671.
http://www.domtotal.com/noticias/659671....
).

Há ainda uma notícia que chama a atenção publicada pelo portal Terra (2013). Ela traz escolhas de léxicos que relacionam direta e explicitamente os jovens envolvidos na segunda ocorrência aos delitos, o que a diferencia das demais notícias. O subtítulo da notícia é "Bandidos provocaram tumulto e assustaram clientes e funcionários doshopping; crime foi coordenado através de redes sociais" (Terra, 2013Terra (2013, agosto 27). Adolescentes fazem arrastão emshopping de Belo Horizonte. Recuperado em 3 dezembro, 2013, de http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/videos/adolescentes-fazem-arrastao-em-shopping-de-belo-horizonte,483577.html
http://noticias.terra.com.br/brasil/poli...
), com uma afirmação enfática que não deixa dúvidas a respeito do ocorrido, estratégia essa que é persuasiva no sentido de antecipar conclusões sobre a ação realizada antes mesmo que inquéritos policiais, por exemplo, sejam finalizados acerca do caso. Tentativas de reorganização e de controle do espaço organizacional voltam como tema principal da notícia publicada no dia 10 de setembro de 2014 com o título "Shoppings de BH tomam medidas de segurança após arrastões ocorridos no mês de agosto" (Freitas, 2013Freitas, C. (2013). Shopping de BH causa polêmica ao pedir documento de identidade a clientes na entrada. Recuperado em 2 dezembro, 2013, de http://www.bhaz.com.br/shoppings-de-bh-tomam-medidas-de-seguranca-apos-arrastoes-ocorridos-no-mes-de-agosto
http://www.bhaz.com.br/shoppings-de-bh-t...
):

Shoppings de Belo Horizonte adotaram medidas de segurança para prevenir ações de criminosos e arrastões, como os que ocorreram no mês de agosto. Uma das ações colocadas em prática no Estação BH, localizado na região de Venda Nova, está causando polêmica. Nas redes sociais, alguns clientes afirmam que seguranças do centro de compras estão abordando as pessoas na entrada e pedindo documentos de identidade.

A polêmica envolvida com a prática de tentativa de controle de pedir documentos de identidade reflete, em termos de condições sociais de produção dos discursos analisados (Faria, 2009Faria, A. A. M. (2009). Aspectos de um discurso empresarial. In A. P. Carrieri, L. A. Saraiva, T. D. Pimentel & P. A. G. Souza-Ricardo (Orgs.).Análise do discurso em estudos organizacionais (pp. 45-52). Curitiba: Juruá.), o reforço à imagem do shopping center como um "espaço público" que se torna simbolicamente "privado" e que, nesse sentido, daria, em tese, liberdade para as práticas de controle exercidas por seus administradores e/ou proprietários de lojas. As características de execução dessa prática de controle de pedidos de documentos é que trazem mais aspectos dos shopping centers como espaços de segregação em uma tentativa de construção social de espaços para a convivência entre iguais (Agostini, 2012Agostini, L. (2012). A proibição de entrada de pessoas emshopping centersRecuperado em 23 abril, 2013, de http://www.correaadvogados.com.br/wp-content/files/Leonardo_Agostini_-_A_Proibio_de_Entrada_de_Pessoas_em_Shopping.pdf.
http://www.correaadvogados.com.br/wp-con...
; Nascimento et al., 2013Nascimento, M. C. R., Oliveira, J. S., & Teixeira, J. C. (2013). Com que cor eu vou pro shopping de BH que você me convidou?Anais do Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 37.). Os enunciados a seguir são da mesma reportagem de Freitas (2013)Freitas, C. (2013). Shopping de BH causa polêmica ao pedir documento de identidade a clientes na entrada. Recuperado em 2 dezembro, 2013, de http://www.bhaz.com.br/shoppings-de-bh-tomam-medidas-de-seguranca-apos-arrastoes-ocorridos-no-mes-de-agosto
http://www.bhaz.com.br/shoppings-de-bh-t...
e demonstram especificidades da prática de pedir documentos de identificação que nos dão elementos a respeito da caracterização dos grupos sociais indesejados nesses espaços:

Três shoppings de BH passaram por arrastão/saque no último mês com centenas de adolescentes que se organizavam pelo FB (Facebook). Por causa disso, o @Shop_EstacaoBH tomou a medida de olhar o RG de menores desacompanhados. Sem RG ou acompanhante, volta pra casa. "Só que eu tenho percebido que algumas pessoas têm sido revistadas sem sequer aparentarem ser menores de idade. Todas que vi, negras. Até que num dia, eu estava entrando lá de mochila. Um jovem negro, de chinelo e bermuda do meu lado, aparentando a mesma idade que a minha foi revistado", relatou um usuário pelo Twitter.

Pelo enunciado, observa-se que jovens negros desacompanhados, aparentando ou não serem menores de idade, são os jovens cuja identificação é solicitada no Shopping Estação. Utilizando a abordagem sobre as relações raciais no Brasil de Sansone (1996)Sansone, L. (1996). Nem somente preto ou negro: o sistema de classificação racial no Brasil que muda. Afro-Ásia, 18, 165-187. para estudar os shopping centers como espaços de segregação, Nascimento et al. (2013)Maingueneau, D. (2006). Termos-chave da análise do discursoBelo Horizonte: Editora UFMG. observaram que esses espaços tendem a se construir como áreas duras para os negros e para os jovens moradores de bairros periféricos e de favelas, que são áreas em que os negros dificilmente conseguem transitar além da posição socialmente determinada para esse grupo social. Os resultados do estudo dos autores nos trazem como reflexão o aspecto de que poder consumir não necessariamente liberta o negro dos lugares simbolicamente a ele destinados em uma dinâmica simbólica de segregação, embora o consumo seja um elemento de distinção. Nesse processo, os shoppings são inclusive considerados por Andrade (2007)Andrade, M. T. M. (2007). O shopping centerna sociedade globalizada e sua complexidadeDissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. como centros de consumo envoltos em um imaginário social de felicidade e sonhos. É como se os que têm acesso a essa prática de consumo fossem mais felizes.

Fazendo ainda uma ligação da mencionada reflexão com a trajetória histórica de negação da rua pela sociedade brasileira (Leitão, 2005Kifer, C. (2013, outubro 19). Grupo faz arrastão emshopping de BH e outro é impedido em Contagem: em um dos casos a Polícia Militar apreendeu um adolescente com uma mochila repleta de materiais explosivos. Recuperado em 2 dezembro, 2013, de http://www.otempo.com.br/cidades/grupo-faz-arrast%C3%A3o-em-shopping-de-bh-e-outro-%C3%A9-impedido-em-contagem-1.733788
http://www.otempo.com.br/cidades/grupo-f...
), poderíamos dizer que o espaço da rua seria então o espaço mais simbolicamente destinado para o consumo realizado por grupos sociais desfavorecidos, como é o caso dos centros urbanos tradicionais, que, de acordo com Alves (2011)Alves, L. A. (2011). Reestruturação urbana e criação de novas centralidades: considerações sobre os shopping centersCaminhos de Geografia, 12(37), 171-184., acabaram tendo suas dinâmicas de uso modificadas por meio da criação de outras centralidades urbanas, como osshopping centers. O discurso oficial do Shopping Estação é o de negação da discriminação relatada pelo frequentador do shopping no enunciado: "Nenhuma dessas ações adotadas possui caráter discriminatório. Oshopping reitera que repudia toda forma de preconceito, seja por condição social, raça, cor, credo ou qualquer outra" (Freitas, 2013Freitas, C. (2013). Shopping de BH causa polêmica ao pedir documento de identidade a clientes na entrada. Recuperado em 2 dezembro, 2013, de http://www.bhaz.com.br/shoppings-de-bh-tomam-medidas-de-seguranca-apos-arrastoes-ocorridos-no-mes-de-agosto
http://www.bhaz.com.br/shoppings-de-bh-t...
). Contextualmente, esse discurso de negação do preconceito e da discriminação é comum na sociedade brasileira, na qual o velamento de ações preconceituosas e a afirmação de discursos de democracia racial (Sansone, 1996Sansone, L. (1996). Nem somente preto ou negro: o sistema de classificação racial no Brasil que muda. Afro-Ásia, 18, 165-187.) são recorrentes. O usuário que escreveu o conteúdo do enunciado relata que denunciou o fato ocorrido para a ouvidoria do shopping (Freitas, 2013Freitas, C. (2013). Shopping de BH causa polêmica ao pedir documento de identidade a clientes na entrada. Recuperado em 2 dezembro, 2013, de http://www.bhaz.com.br/shoppings-de-bh-tomam-medidas-de-seguranca-apos-arrastoes-ocorridos-no-mes-de-agosto
http://www.bhaz.com.br/shoppings-de-bh-t...
). No entanto, essa prática é aprovada por outros usuários:

Outros parabenizam a direção. "Nossa quanta diferença no público hoje de Shopping Estação, muito bom poder andar tranquilo, em corredores vazios, silenciosos, lojas vazias, praça de alimentação com vários lugares!!! Adorei a censura dos jovens!!!", escreveu um dos seguidores da página (Freitas, 2013Freitas, C. (2013). Shopping de BH causa polêmica ao pedir documento de identidade a clientes na entrada. Recuperado em 2 dezembro, 2013, de http://www.bhaz.com.br/shoppings-de-bh-tomam-medidas-de-seguranca-apos-arrastoes-ocorridos-no-mes-de-agosto
http://www.bhaz.com.br/shoppings-de-bh-t...
).

No enunciado, a "censura dos jovens" ao shopping center é explicitamente comemorada. No entanto, há um silenciamento a respeito das características desse jovem que é alvo da censura comemorada, características essas explicitamente presentes no enunciado supracitado. Observamos, nas práticas de controle analisadas, uma dinâmica de proteção do espaço social do shopping center como espaço de segregação socioespacial e de negação da rua. Sobre essa dinâmica, há estudos que trazem relatos sobre o temor de proprietários deshoppings a grupos que são discursivamente caracterizados como "grupos de pessoas [...] inadequadamente trajadas, [...] em grandes grupos ou que possam trazer perigo aos demais frequentadores dos shoppings" (Agostini, 2012Agostini, L. (2012). A proibição de entrada de pessoas emshopping centersRecuperado em 23 abril, 2013, de http://www.correaadvogados.com.br/wp-content/files/Leonardo_Agostini_-_A_Proibio_de_Entrada_de_Pessoas_em_Shopping.pdf.
http://www.correaadvogados.com.br/wp-con...
, p. 2).

Agostini (2012)Agostini, L. (2012). A proibição de entrada de pessoas emshopping centersRecuperado em 23 abril, 2013, de http://www.correaadvogados.com.br/wp-content/files/Leonardo_Agostini_-_A_Proibio_de_Entrada_de_Pessoas_em_Shopping.pdf.
http://www.correaadvogados.com.br/wp-con...
, ao analisar as proibições ou exclusões do ponto de vista jurídico (que, apesar de não ser o ponto de vista que nos interessa diretamente, é importante para a discussão), afirma que são inconstitucionais a proibição ou a restrição de acesso de pessoas aosshopping centers em virtude de cor ou orientação sexual. No entanto, no caso de restrição de acesso a pessoas inadequadamente trajadas, ele relativiza essa medida por poder ser considerada não preconceituosa e simplesmente enquadrada em normas gerais dos shopping centers, que envolvem propriedade privada, com vistas a proteger unicamente a segurança de quem o frequenta. No entanto, o autor atém a discussão a um exemplo de restrição de entrada com camisas de time de futebol, o que poderia incitar a violência entre torcidas. O autor silencia outras discussões possíveis mesmo no âmbito da veste inadequada e também no âmbito dos grandes grupos e daqueles que possam ameaçar a segurança. Como se define quem são esses grupos? O autor silencia essa questão em sua discussão.

Extrapolando então o ponto de vista jurídico e nos remetendo a um estudo anteriormente utilizado sobre esse aspecto, pontuamos que os grupos definidos social e simbolicamente como grupos que conferem ameaça são grupos de pobres, negros e principalmente jovens (Agostini, 2012Agostini, L. (2012). A proibição de entrada de pessoas emshopping centersRecuperado em 23 abril, 2013, de http://www.correaadvogados.com.br/wp-content/files/Leonardo_Agostini_-_A_Proibio_de_Entrada_de_Pessoas_em_Shopping.pdf.
http://www.correaadvogados.com.br/wp-con...
; Nascimento et al., 2013Nascimento, M. C. R., Oliveira, J. S., & Teixeira, J. C. (2013). Com que cor eu vou pro shopping de BH que você me convidou?Anais do Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 37.). A aglomeração desse tipo de grupo social remete a práticas que tendem a ser ideologicamente generalizadas como práticas de moradores de regiões periféricas das cidades, tais como roubos, assaltos, violências, práticas consideradas imorais e inadequações comportamentais ao espaço social dos grupos mais socialmente privilegiados. Após a notícia (Freitas, 2013Freitas, C. (2013). Shopping de BH causa polêmica ao pedir documento de identidade a clientes na entrada. Recuperado em 2 dezembro, 2013, de http://www.bhaz.com.br/shoppings-de-bh-tomam-medidas-de-seguranca-apos-arrastoes-ocorridos-no-mes-de-agosto
http://www.bhaz.com.br/shoppings-de-bh-t...
) sobre as medidas de segurança adotadas pelos shoppings, as quais representam práticas de organização e de controle dos espaços urbanos, ocorre um intervalo de 39 dias para a quarta e a quinta ocorrências de prática de resistência por parte dos grupos de jovens. Elas ocorreram na mesma data, em um sábado, no dia 19 de outubro de 2013, e são relatadas pelas notícias dos portais da internet Kifer (2013)Jayme, J. G., & Neves, M. (2010). Cidade e espaço público: política de revitalização urbana em Belo Horizonte. Caderno CRH, 23(60), 605-617., Editoria Web (2013)Editoria Web (2013, outubro 20). Jovens provocam nova confusão emshopping da região noroeste de Belo Horizonte. Recuperado em 7 dezembro, 2013, de http://www.itatiaia.com.br/noticia/jovens-provocam-nova-confusao-dentro-de-shopping-em-belo-horizonte
http://www.itatiaia.com.br/noticia/joven...
e Estado de Minas (2013)Estado de Minas (2013, agosto 18). Segurança é reforçada em shopping da capital após tumulto. Recuperado em 3 dezembro, 2013, de http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2013/08/18/interna_gerais,436663/seguranca-e-reforcada-em-shopping-da-capital-apos-tumulto.shtml
http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/...
. A quarta ocorrência teve como alvo o Shopping Del Rey, localizado no bairro Caiçara, em Belo Horizonte:

Pelo Twitter, usuários que estavam no Shopping no momento da ação informam que todas as lojas baixaram as portas. Também circulou em redes sociais que na hora da confusão houve muita correria e que os seguranças impediram a saída dos clientes do centro comercial. Outras pessoas postam mensagens informando que ouviram barulho de disparos de arma de fogo (Kifer, 2013Jayme, J. G., & Neves, M. (2010). Cidade e espaço público: política de revitalização urbana em Belo Horizonte. Caderno CRH, 23(60), 605-617.).

Uma briga envolvendo duas gangues rivais provocou muita confusão na noite deste sábado no Shopping Del Rey [...]. Duas pessoas foram apreendidas, sendo um homem que tentava roubar produtos de uma loja e um adolescente de 15 anos com uma mochila contendo uma faca, um isqueiro e quatro rojões. [...] Já o menor apreendido negou que a briga tenha sido marcada pela Internet. "Não tem nada de Facebook. Vamos até a área deles quando a gente quiser, não marcamos nada. Essa coisa de Facebook é 'lero-lero', eles usam isso como desculpa", afirmou (Editoria Web, 2013Editoria Web (2013, outubro 20). Jovens provocam nova confusão emshopping da região noroeste de Belo Horizonte. Recuperado em 7 dezembro, 2013, de http://www.itatiaia.com.br/noticia/jovens-provocam-nova-confusao-dentro-de-shopping-em-belo-horizonte
http://www.itatiaia.com.br/noticia/joven...
).

Além da observada incongruência de informações a respeito da quarta ocorrência, um aspecto chama a atenção no enunciado: o uso do espaço do shopping center para práticas que são comumente realizadas nas próprias comunidades e periferias, nos guetos. Quando há a transferência dessas práticas para os espaços dos shopping centers, o sentido de resistência da prática é evidenciado tanto no sentido de oposição a ordens e organizações estabelecidas como também de afirmação de existências. Além disso, de acordo comRoque (2003, p. 23)Roque, T. (2003). Resistir a quê? Ou melhor, resistir o quê?Lugar Comum, 17, 23-32., "insistir em estar" produz o sentido de pertencimento ao lugar do shopping center.

Em relação a essa quarta ocorrência, ganha destaque o fato de o Shopping Del Rey negar que a prática tenha sido um arrastão ou que tenha sido uma briga entre grupos rivais, por meio da escolha de léxicos que retiram estrategicamente sentidos de gravidade às ações ocorridas: "Shopping Del Rey desmente arrastão e classifica ato como tumulto" (Kifer, 2013Jayme, J. G., & Neves, M. (2010). Cidade e espaço público: política de revitalização urbana em Belo Horizonte. Caderno CRH, 23(60), 605-617.);

A assessoria do Shopping Del Rey negou que tenha acontecido alguma briga dentro do centro de compras, afirmando [que] a confusão foi causada por um pequeno grupo de jovens que começou a gritar e a correr, assustando quem estava por perto (Editoria Web, 2013Editoria Web (2013, outubro 20). Jovens provocam nova confusão emshopping da região noroeste de Belo Horizonte. Recuperado em 7 dezembro, 2013, de http://www.itatiaia.com.br/noticia/jovens-provocam-nova-confusao-dentro-de-shopping-em-belo-horizonte
http://www.itatiaia.com.br/noticia/joven...
).

A quinta ocorrência, também do dia 19 de outubro de 2013, foi qualificada como um início de tumulto rapidamente impedido pela Polícia Militar no Itaú Power Shopping, localizado em Contagem, na região Metropolitana de Belo Horizonte:

Um outro princípio de tumulto, com cerca de 30 pessoas, mobilizou a segurança para evitar uma tentativa de arrastão também na noite deste sábado no Itaú Power Shopping, no bairro Cidade Industrial, em Contagem. A polícia informou que os seguranças do centro comercial ficaram sabendo da ação antes do horário programado e uma operação foi realizada para a retirada dos suspeitos do local (Kifer, 2013Jayme, J. G., & Neves, M. (2010). Cidade e espaço público: política de revitalização urbana em Belo Horizonte. Caderno CRH, 23(60), 605-617.).

Alguns aspectos comuns podem ser mencionados em relação às práticas de resistência dos grupos de jovens: a localização regional dos shoppings que foram alvos das ações; a infraestrutura de transporte para chegada a essesshoppings; e os dias da semana em que as ações foram realizadas. Em relação à localização regional dos shoppings que foram alvos das ações, nenhum deles está localizado nas regiões mais nobres da cidade. Shoppings que são considerados mais nobres da cidade não foram alvo das práticas relatadas (como o BH Shopping, Diamond Mall e Pátio Savassi). Outro aspecto é que os shoppings que foram alvos estão todos localizados em regiões com acesso não só por ônibus, como também por metrô, com exceção do Shopping Del Rey, que não tem acesso direto por metrô. Osshoppings que não têm acesso por metrô não foram alvo das manifestações.

Essa dinâmica espacial de organização das práticas de resistência por meio dos jovens da periferia tem como contexto o fato de que os shoppingslocalizados em áreas nobres, ao apresentarem espacializações que são em si socioeconômicas e que direcionam seu foco para os grupos de poder aquisitivo, são construídos para que possam ser mais adequados ao acesso por meio de transporte individual (Alves, 2011Alves, L. A. (2011). Reestruturação urbana e criação de novas centralidades: considerações sobre os shopping centersCaminhos de Geografia, 12(37), 171-184.), o que contribui para a garantia do shopping como espaço para convivência entre os iguais. No caso das práticas de resistência analisadas, os jovens teriam dificuldade de se organizar em grandes grupos para agir nesse shopping. Essa dinâmica tem também como contexto o fato de que

[...] o controle do tempo de deslocamento é a força mais poderosa que atua sobre a produção do espaço urbano como um todo, ou seja: sobre a forma de distribuição da população e seus locais de trabalho, compras, serviços, lazer etc. Não podendo atuar diretamente sobre o tempo, os homens atuam sobre o espaço como meio de atuar sobre o tempo. Daí decorrem a grande disputa social em torno da produção do espaço urbano e a importância do sistema de transporte como elemento da estrutura urbana. Daí decorre também a segregação como um mecanismo espacial de controle dos tempos de deslocamento (Villaça, 2011Villaça, F. (2011). São Paulo: segregação urbana e desigualdade.Estudos Avançados, 25(71), 37-58., p. 56).

Demandando maior tempo de deslocamento para jovens que não possuem veículos individuais e que são inclusive muitas vezes menores de idade, osshoppings nas áreas nobres dificultam o desenvolvimento de ações de resistência e ressignificação como as observadas. O outro aspecto comum é que a maior parte das práticas foi realizada aos sábados. Os finais de semana facilitam os deslocamentos e o próprio tempo necessário para o deslocamento - a reunião de grandes grupos -, e também trazem maior visibilidade para as ações empreendidas, uma vez que os shoppings mencionados são mais intensamente frequentados pelas pessoas nesse período.

Uma reflexão importante propiciada pela análise das notícias é a relação que elas demonstram com um contexto social em que os jovens da periferia estão constantemente envolvidos em uma dinâmica de sedução pelo delito. Essa sedução, de acordo com Oliveira et al. (2006)Oliveira, C. S., Wolff, M. P., Henn, R., & Conte, M. (2006). Criminalidade juvenil e estratégias de (des)confinamento na cidade.Revista Katálysis, 9(1), 53-62. Recuperado em 25 novembro, 2013, de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-49802006000100006&lng=en&tlng=pt. 10.1590/S1414-49802006000100006
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, acaba denunciando uma crise de valores na contemporaneidade. Em um processo simbólico considerado como um "trancamento do lado de fora" no próprio meio urbano, esses jovens têm suas possibilidades de mobilidade social reduzidas. Os delitos cometidos por eles o são não só do ponto de vista legal, mas também do ponto de vista da denúncia de um processo de negação de uma postura de aceitação e resignação diante de processos sociais de exclusão. É como se rompessem com um contrato social no sentido funcionalista. No caso das intervenções em shopping centers, esses jovens percebem o quanto são indesejados em espaços de consumo construídos para negar a rua, sobretudo se ocupam esses espaços em bandos, podem, ali, "tocar o terror", fazer-se perceber, incomodar, resistir a processos que tentam confiná-los a práticas consideradas legais pelos grupos dominantes e limitá-los a espaços periféricos.

[...] é notório que seus corpos se tornam ainda mais indesejados na cidade, pois são deslocados de uma posição de potencialmente perigosos a "inimigos número um da ordem pública". Tal estigma permite, no mínimo, delimitar o alvo de uma cultura generalizada do medo: a juventude pobre em conflito com a lei (Oliveira et al., 2006Oliveira, C. S., Wolff, M. P., Henn, R., & Conte, M. (2006). Criminalidade juvenil e estratégias de (des)confinamento na cidade.Revista Katálysis, 9(1), 53-62. Recuperado em 25 novembro, 2013, de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-49802006000100006&lng=en&tlng=pt. 10.1590/S1414-49802006000100006
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, pp. 55-56).

Já a escolha específica dos shopping centers como espaços para práticas coletivas de resistência está relacionada com o fato de que ir ashoppings em grandes grupos, com o intuito ou não de praticar delitos, demonstra como grandes grupos de jovens caracterizados pela marca da juventude pobre causam medo e ameaçam a ordem de espaços de conforto como osshopping centers, colocando em discussão a construção desse espaço como possibilidade de convivência entre iguais e ameaçando ostatus do shopping center como um dos símbolos paradigmáticos dos processos de segregação dos espaços urbanos.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste estudo foi analisar de que maneira os discursos da mídia eletrônica apresentam reflexos e refrações das práticas de resistência de jovens das periferias de Belo Horizonte na ocasião de "intervenções" nos espaços dos shopping centers. Os resultados nos permitem observar que as notícias publicadas sobre as ações dos jovens nos espaços de alguns shopping centers da cidade refletem a existência de dinâmicas de segregação social relacionadas aos espaços dos shoppings e, principalmente, a ocorrência de práticas de resistência de oposição e enfrentamento à construção do shoppingcomo um espaço de segregação, avesso a grupos sociais desfavorecidos. Os jovens pobres (também caracterizados como negros) resistem à medida que enfrentam uma negação simbólica - e se opõem a ela - do espaço do shopping centercomo um espaço que lhes pertence. E também resistem à medida que afirmam a sua existência. Ao também praticarem delitos, esses jovens rompem com delimitações dos espaços urbanos como espaços de segregação entre grupos sociais.

Nessa atitude de "rebeldia", exercem também poder, pois provocam a necessidade de reorganizações e de novos mecanismos de controle por parte dos administradores dosshoppings e dos planejadores das cidades. Esse poder é, no entanto, contextualizado e, também, limitado, já que as práticas de resistência não tiveram como alvo shopping centers localizados em regiões nobres da cidade. Essas práticas refletem não só o medo que os jovens pobres e negros provocam na sociedade em um processo mútuo de resistência à integração, por estarem constantemente associados à criminalidade e, também, à ameaça ao processo de segregação que mantém o posicionamento social dos grupos dominantes, como também refletem uma rebeldia que é controlada por esse mesmo processo de segregação.

Os distanciamentos espaciais e o planejamento da infraestrutura de transporte das cidades tendem a promover a segregação característica da limitação dos usos dos espaços organizacionais por determinados grupos sociais. Ao fazê-lo, esses processos contribuem para a existência de práticas de resistência que ameaçam, agridem, mas que permanecem ainda controladas em determinados espaços urbanos. As refrações presentes nas notícias analisadas, por sua vez, dizem respeito principalmente à falta de coerência entre as denominações das práticas de resistência dos jovens, que são ora denominadas encontros, confusões e tumultos, ora arrastões e crimes. As gradações e intensidades das práticas relatadas são delimitadas não só por essas escolhas lexicais, mas também pela própria construção discursiva dos enunciados analisados.

Escolhas de léxicos como encontros, confusões, tumultos, suspeitos e participantes do movimento ajudam a dar um tom de cuidado em relação à apresentação de notícias de fatos não completamente confirmados. Já a escolha de léxicos como arrastões, crimes, jovens, adolescentes e bandidos traz uma menção mais explícita ao sentido de delito das práticas. Essa falta de coerência prejudica o próprio entendimento do fenômeno. Os resultados do estudo são importantes para a problematização da segregação social nos espaços urbanos; para a visualização dos shopping centers como espaços de relações sociais hierárquicas; para reflexões a respeito das características de grupos sociais marginalizados em espaços organizacionais como osshopping centers (como jovens, pobres e negros que não são explicitamente interligados a vínculos familiares - os jovens desacompanhados); e para se dar importância ao potencial de resistência e de ressignificação de grupos marginalizados.

Especificamente do ponto de vista da segregação, o estudo é relevante por extrapolar uma das formas mais utilizadas para o estudo da segregação moderna, que é o estudo dos condomínios fechados: a análise da segregação residencial (Villaça, 2011Villaça, F. (2011). São Paulo: segregação urbana e desigualdade.Estudos Avançados, 25(71), 37-58.). Nosso artigo atende ao que Villaça (2011, p. 41)Villaça, F. (2011). São Paulo: segregação urbana e desigualdade.Estudos Avançados, 25(71), 37-58. defende para esse campo de estudos: que as análises ultrapassem a perspectiva da segregação residencial, incluindo também o estudo da segregação de empregos, comércios e serviços. Abordamos aqui o que podemos chamar de processos segregatórios mais diretamente relacionados ao comércio e aos serviços.

Outra contribuição do estudo dos encontros de jovens da periferia sob a perspectiva da resistência é permitir reflexões de que as práticas de resistência realizadas por sujeitos ou grupos de sujeitos que não pertencem à organização possibilitam ampliar as fronteiras dos espaços organizacionais, por isso a necessidade de utilização do uso da força policial, na medida em que essa ampliação desloca os pontos e os focos de controle organizacional. É isso que Certeau (2008)Certeau, M. (2008). A invenção do cotidiano: artes de fazerPetrópolis: Vozes. discute sobre as práticas produzirem espaços de mobilidade que deslocam os lugares. À medida que praticamos, abrimos o centro ao outro, a periferia.

Entendemos os hoje chamados "rolezinhos" como um questionamento dos limites do espaço organizacional que produziram um deslocamento das fronteiras das organizações. Eles são efeitos de uma alteração de relações de forças socioeconômicas que estavam na rua e que, quando expandidas para o espaço das organizações, provocaram tensão. Após se delimitar o lugar desses jovens e repensar as práticas organizacionais relacionadas a esse processo, houve um abrandamento dessa tensão que continua, no entanto, latente, pois a rua continua sua dinâmica, ou seja, mais cedo ou mais tarde, novamente irá questionar essas fronteiras.

Apontamos como sugestões para futuros estudos sobre as práticas de resistência a extrapolação da dimensão discursiva midiática. Em vez de considerarmos apenas os discursos da mídia a respeito das práticas estudadas, que acabam por construir uma cidade comunicada (Duarte, 2006Duarte, F. (2006). Rastro de um rio urbano - cidade comunicada, cidade percebida. Ambiente & Sociedade, 9(2), 105-122.), a sugestão é que essas práticas sejam analisadas por meio das vozes dos sujeitos participantes, como os jovens da periferia, os trabalhadores e frequentadores dosshoppings. Pois esses são os sujeitos que vivenciaram os acontecimentos e podem nos dar mais elementos para estudar a própria caracterização que fazemos aqui de suas práticas como sendo práticas de resistência e também de ressignificação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2016

Histórico

  • Recebido
    21 Jul 2014
  • Aceito
    15 Jul 2015
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