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EMPREENDEDORISMO EM EMPRESAS FAMILIARES: A PESQUISA ATUAL E OS DESAFIOS FUTUROS

ENTREPRENEURSHIP IN FAMILY BUSINESSES: CURRENT RESEARCH AND FUTURE CHALLENGES

EMPRENDEDORISMO EN EMPRESAS FAMILIARES: LA INVESTIGACIÓN ACTUAL Y LOS DESAFÍOS FUTUROS

RESUMO

Objetivo:

Apresentar uma revisão do escopo da literatura disponível sobre empreendedorismo em empresas familiares.

Originalidade/lacuna/relevância/implicações:

Apesar de outros trabalhos de revisão de literatura sobre empresas familiares indicarem a existência de artigos que abordam a temática do empreendedorismo, não existem estudos sistemáticos de revisão sobre as especificidades das relações existentes entre os dois campos.

Principais aspectos metodológicos:

A partir da técnica de revisão de escopo da literatura, foi efetuado um levantamento da produção científica publicada em periódicos de reconhecida relevância para a área de empresas familiares. Identificaram-se 73 artigos científicos que trataram da temática, os quais foram categorizados de acordo com o periódico de origem, o tema de pesquisa abordado e a metodologia empregada.

Síntese dos principais resultados:

A leitura integrada dos artigos identificados permitiu verificar a exploração de diferentes temas de pesquisa e abordagens metodológicas para compreender a manifestação do empreendedorismo em empresas familiares.

Principais considerações/conclusões:

Concluímos que o alcance do potencial do campo do empreendedorismo em empresas familiares passa, necessariamente, pela construção de um quadro teórico capaz de contribuir para a compreensão de aspectos intrínsecos à natureza de empresas familiares. Ao mesmo tempo, tal abordagem, ao englobar fenômenos que se complementam sob o prisma da interação entre família e empresa, contribuiria de forma importante para a geração de conhecimentos mais aprofundados acerca da realidade desse tipo de organização e para a abertura de novas avenidas de pesquisa em empreendedorismo e em empresas familiares.

PALAVRAS-CHAVE
Empresa familiar; Empreendedorismo; Inovação; Empreendedorismo familiar; Revisão de literatura

ABSTRACT

Purpose:

The purpose of this paper is to review the literature on entrepreneurship in family businesses.

Originality/gap/relevance/implications:

Despite the fact that other literature reviews show the existence of papers that explore entrepreneurship in the context of family-owned businesses, there are no systematic reviews about the idiosyncrasies of the relation between these fields.

Key methodological aspects:

We reviewed the scientific production published in journals relevant to the family businesses field. Seventy-three articles published about entrepreneurship in family businesses were categorized through the scope literature review technique, according to variables such as journal of publication, research topic addressed, and methodological procedures adopted.

Summary of key results:

The integrated reading of articles categorized in this review allowed us to identify the exploration of different research topics and methodological approaches in the attempts to comprehend entrepreneurial phenomena in family businesses.

Key considerations/conclusions:

We conclude that the potential of this approach will be achieved by the construction of a theoretical framework able to contribute to the understanding of intrinsic aspects of family-owned businesses. This approach, by involving phenomena that are complementary in the light of the interaction between family and business, may contribute for the generation of further knowledge about this type of organization, and for the opening of new research avenues on entrepreneurship and family businesses.

KEYWORDS
Family Business; Entrepreneurship; Innovation; Family Entrepreneurship; Literature Review

RESUMEN

Objetivo:

Presentar una revisión de la literatura disponible acerca del emprendedorismo en las empresas familiares.

Originalidad/laguna/relevancia/implicaciones:

Aunque otras revisiones de la literatura sobre las empresas familiares indican la existencia de artículos que abordan el tema emprendedorismo, no hay una revisión sistemática de los estudios sobre los aspectos específicos de la relación entre los dos campos de investigación.

Principales aspectos metodológicos:

Revisamos la producción científica publicada en revistas relevantes para el campo de empresas familiares. Fueron identificados 73 artículos publicados sobre el emprendedorismo en las empresas familiares los cuales fueron clasificados a través de la técnica de revisión del alcance de la literatura, de acuerdo a variables tales como la revista de publicación, el tema de investigación abordado, y los procedimientos metodológicos adoptados.

Síntesis de los principales resultados:

La lectura integrada de los artículos encontrados en la presente revisión de la literatura permitió identificar la exploración de diferentes temas de investigación y enfoques metodológicos para la comprensión de la manifestación del fenómeno emprendedor en las empresas familiares.

Principales consideraciones/conclusiones:

Concluimos que el alcance del potencial de este área pasa por la construcción de un cuadro teórico capaz de contribuir para la comprensión de los aspectos intrínsecos a la naturaleza de las empresas familiares. Este abordaje, al incluir fenómenos que se complementan acerca del prisma de la interacción entre familia y empresa, puede contribuir de forma importante para la creación de conocimientos más profundos acerca de la realidad de este tipo de organización y para la abertura de nuevos caminos de investigación en emprendedorismo y empresas familiares.

PALABRAS CLAVE
Empresa familiar; Emprendedorismo; Innovación; Emprendedorismo familiar; Revisión de literatura

1 INTRODUÇÃO

A pesquisa sobre empresas familiares tem vivenciado um importante momento em termos de produção científica. A relevância da pesquisa sobre esse tipo particular de organização pode ser observada a partir da inserção da temática em diversos periódicos internacionais com alto fator de impacto, da criação e da consolidação de revistas especializadas sobre o tema, do estabelecimento de edições especiais em periódicos de diversas disciplinas e do surgimento de instituições acadêmicas e profissionais voltadas para a discussão de perspectivas teóricas e práticas associadas a esses objetos.

Assim, torna-se relevante compreender as especificidades da pesquisa sobre empresas familiares. Diversos estudos foram elaborados para identificar as características desse campo de estudos, envolvendo aspectos como os padrões da pesquisa e os temas abordados (Sharma, 2004Sharma, P. (2004). An overview of the field of family business studies: current status and directions for the future. Family Business Review, 17(1), 1-36.; Debicki, Matherne, Kellermanns, & Chrisman, 2009 Debicki, B. J., Matherne, C. F., III, Kellermanns, F. W., & Chrisman, J. J. (2009). Family business research in the new millennium: an overview of the who, the where, the what, and the why. Family Business Review, 22(2), 151-166.; Benavides-Velasco, Quintana-Garcia, & Guzmán-Parra, 2013Benavides-Velasco, C. A., Quintana-Garcia, C., & Guzmán-Parra, V. F. (2013). Trends in family business research. Small Business Economics, 40(1), 41-57.; Smyrnios, Poutziouris, & Goel, 2013Smyrnios, K. X., Poutziouris, P. Z., & Goel, S. (2013). Introduction: trends and developments in family business research. In K. X. Smyrnios, P. Z. Poutziouris & S. Goel. Handbook of research on family business (Vol. 1, 2nd. ed. pp. 1-16). Cheltenham: E. Elgar.), a evolução do campo ao longo do tempo (Bird, Welsch, Astrachan, & Pistrui, 2002Bird, B., Welsch, H., Astrachan, J. H., & Pistrui, D. (2002). Family business research: the evolution of an academic field. Family Business Review, 15(4), 337-350.) e suas direções futuras (Litz, Pearson, & Litchfield, 2012Litz, R. A., Pearson, A. W., & Litchfield, S. (2012). Charting the future of family business research: perspectives from the field. Family Business Review, 25(1), 16-32.; Sharma, Chrisman, & Gersick, 2012Sharma, P., Chrisman, J. J., & Gersick, K. E. (2012). 25 years of family business review: reflections on the past and perspectives for the future. Family Business Review, 25(1), 5-15.), os aspectos conceituais e de definição da expressão empresa familiar (Chua, Chrisman, & Sharma, 1999Chua, J. H., Chrisman, J. J., & Sharma, P. (1999). Defining the family business by behavior. Entrepreneurship Theory and Practice, 23(4), 19-39.; Westhead & Howorth, 2007Westhead, P., & Howorth, C. (2007). Types of private family firms: an exploratory conceptual and empirical analysis. Entrepreneurship & Regional Development, 19(5), 405-431.; Litz, 2008Litz, R. A. (2008). Two sides of a one-sided phenomenon: conceptualizing the family business and business family as a möbius strip. Family Business Review, 21(3), 217-236.), a estrutura intelectual do campo (Casillas & Acedo, 2007Casillas, J. C., & Acedo, F. (2007). Evolution of the intellectual structure of family business literature: a bibliometric study of FBR. Family Business Review, 20(2), 141-162.; Chrisman, Kellermanns, Chan, & Liano, 2010Chrisman, J. J., Kellermanns, F. W., Chan, K. C., & Liano, K. (2010). Intellectual foundations of current research in family business: an identification and review of 25 influential articles. Family Business Review, 23(1), 9-26.), os aspectos institucionais (Hoy & Sharma, 2006Hoy, F., & Sharma, P. (2006). Navigating the family business education maze. In P. Z. Poutziouris, K. X. Smyrnios & S. B. Klein (Orgs.). Handbook of research on family business. (Vol. 2, cap. 1, pp. 11-24). Cheltenham: E. Elgar.; Stewart & Miner, 2011Stewart, A., & Miner, A. S. (2011). The prospects for family business in research universities. Journal of Family Business Strategy, 2(1), 3-14.) e as escolhas metodológicas e epistemológicas (Winter, Fitzgerald, Heck, Haynes, & Danes, 1998Winter, M., Fitzgerald, M. A., Heck, R. K. Z., Haynes, G. W., & Danes, S. M. (1998). Revisiting the study of family businesses: methodological challenges, dilemmas, and alternative approaches. Family Business Review, 11(3), 239-252.; Zahra & Sharma, 2004Zahra, S. A., & Sharma, P. (2004). Family business research: a strategic reflection. Family Business Review, 17(4), 331-346.; Moores, 2009Moores, K. (2009). Paradigms and theory building in the domain of business families. Family Business Review, 22(2), 167-180.). Pode-se constatar que o campo de estudos se encontra em sua "adolescência", constituindo perspectivas interessantes para a realização de pesquisas (Gedajlovic, Carney, Chrisman, & Kellermanns, 2012Gedajlovic, E., Carney, M., Chrisman, J. J., & Kellermanns, F. W. (2012). The adolescence of family firm research: taking stock and planning for the future. Journal of Management, 38(4), 1010-1037.).

Os pesquisadores também têm procurado mapear a produção científica sobre diferentes temáticas que são vinculadas à pesquisa em empresas familiares. Entre os tópicos estudados, destacam-se: sucessão (Brockhaus, 2004Brockhaus, R. H. (2004). Family business succession: suggestions for future research. Family Business Review, 17(2), 165-177.), família (Dyer, 2003Dyer, W. G., Jr. (2003). The family: the missing variable in organizational research. Entrepreneurship Theory and Practice, 27(4), 401-416.; Dyer & Dyer, 2009Dyer, W. G., Jr., & Dyer, W. J. (2009). Putting the family into family business research. Family Business Review, 22(3), 216-219.), estratégia (Sharma, Chrisman, & Chua, 1997Sharma, P., Chrisman, J. J., & Chua, J. H. (1997). Strategic management of the family business: past research and future possibilities. Family Business Review, 10(1), 1-36.; Chrisman, Chua, & Sharma, 2005Chrisman, J. J., Chua, J. H., & Sharma, P. (2005). Trends and directions in the development of a strategic management theory of the family firm. Entrepreneurship Theory and Practice, 29(5), 555-575.; Astrachan, 2010Astrachan, J. H. (2010). Strategy in family business: toward a multidimensional research agenda. Journal of Family Business Strategy, 1(1), 6-14.), administração financeira e desempenho (Mazzi, 2011Mazzi, C. (2011). Family business and financial performance: current state of knowledge and future research challenges. Journal of Family Business Strategy, 2(3), 166-181.), governança (Aguilera & Crespi-Cladera, 2012Aguilera, R. V., & Crespi-Cladera, R. (2012). Firm family firms: current debates of corporate governance in family firms. Journal of Family Business Strategy, 3(2), 66-69.), cultura (Fletcher, Melin, & Gimeno, 2012Fletcher, D., Melin, L., & Gimeno, A. (2012). Culture and values in family business: a review and suggestions for future research. Journal of Family Business Strategy, 3(3), 127-131.), conflito (Frank, Kessler, Nosé, & Suchy, 2011Frank, H., Kessler, A., Nosé, L., & Suchy, D. (2011). Conflicts in family firms: state of the art and perspectives for future research. Journal of Family Business Management, 1(2), 130-153.), gênero (Jimenez, 2009Jimenez, R. M. (2009). Research on women in family firms: current status and future directions. Family Business Review, 22(1), 53-64.), valor socioemocional (Berrone, Cruz, & Gomez-Mejia, 2012Berrone, P., Cruz, C., & Gomez-Mejia, L. R. (2012). Socioemotional wealth in family firms: theoretical dimensions, assessment approaches, and agenda for future research. Family Business Review, 25(3), 258-279.), familiness (Frank, Lueger, Nosé, & Suchy, 2010Frank, H., Lueger, M., Nosé, L., & Suchy, D. (2010). The concept of "familiness": literature review. Journal of Family Business Strategy, 1(3), 119-130.) e inovação (De Massis, Frattini, & Lichtenthaler, 2012De Massis, A., Frattini, F., & Lichtenthaler, U. (2012). Research on technological innovation in family firms: present debate and future directions. Family Business Review, 26(1), 10-31.). Contudo, não foram realizados ainda estudos sistemáticos de revisão da literatura sobre empreendedorismo em empresas familiares.

Diante do exposto, questionamos:

  • Como se configura o estado atual da produção científica sobre empreendedorismo em empresas familiares?

Para responder a esse questionamento, procuramos, neste trabalho, apresentar uma revisão de escopo da literatura disponível sobre empreendedorismo em empresas familiares. Para tanto, efetuamos um levantamento da produção científica publicada em periódicos internacionais de reconhecida relevância para a área de empresas familiares, selecionados com base na classificação apresentada por Chrisman, Chua, Kellermanns, Matherne e Debicki (2008)Kellermanns, F. W., Eddleston, K. A., Barnett, T., & Pearson, A. (2008). An exploratory study of family member characteristics and involvement: effects on entrepreneurial behavior in the family firm. Family Business Review, 21(1), 1-14.. Especificamente, buscamos reunir subsídios para compreender o estado atual da pesquisa, os temas de pesquisa abordados, os aspectos metodológicos, as tendências das pesquisas e a identificação de algumas lacunas e direções futuras. A partir desse movimento, esperamos que seja possível abrir novos caminhos e direções para a pesquisa sobre empreendedorismo em empresas familiares, contribuindo para o avanço e desenvolvimento do campo de estudos sobre esse tipo de empresa.

2 BREVE REVISÃO DO CAMPO DE PESQUISA SOBRE EMPRESAS FAMILIARES

O interesse pela compreensão das particularidades de empresas familiares tem aumentado significativamente no decorrer das últimas décadas (Gedajlovic et al., 2012Gedajlovic, E., Carney, M., Chrisman, J. J., & Kellermanns, F. W. (2012). The adolescence of family firm research: taking stock and planning for the future. Journal of Management, 38(4), 1010-1037.; Sharma et al., 2012Sharma, P., Chrisman, J. J., & Gersick, K. E. (2012). 25 years of family business review: reflections on the past and perspectives for the future. Family Business Review, 25(1), 5-15.). Tal fato tem gerado um aumento expressivo do volume de produção acadêmica sobre esse tipo de organização (Smyrnios et al., 2013Smyrnios, K. X., Poutziouris, P. Z., & Goel, S. (2013). Introduction: trends and developments in family business research. In K. X. Smyrnios, P. Z. Poutziouris & S. Goel. Handbook of research on family business (Vol. 1, 2nd. ed. pp. 1-16). Cheltenham: E. Elgar.). Diversas pesquisas têm sido realizadas no intuito de desenvolver teorias, gerar conhecimento e elaborar abordagens teóricas e metodológicas alternativas para apreender as especificidades e a dinâmica de empresas familiares (Borges, Lescura, & Oliveira, 2012Borges, A. F., Lescura, C., & Oliveira, J. L. (2012). O campo de pesquisas sobre empresas familiares no Brasil: análise da produção científica no período 1997-2009. Organizações & Sociedade, 19(61), 315-332.).

Com o objetivo de identificar o atual estágio de desenvolvimento da área, diversos autores efetuaram trabalhos de revisão da literatura sobre empresas familiares. Os trabalhos de Dyer e Sánchez (1998)Dyer, W. G., Jr. & Sánchez, M. (1998). Current state of family business theory and practice as reflected in Family Business Review 1988-1997. Family Business Review, 11(4), 287-295., Bird et al. (2002)Bird, B., Welsch, H., Astrachan, J. H., & Pistrui, D. (2002). Family business research: the evolution of an academic field. Family Business Review, 15(4), 337-350., Sharma (2004)Sharma, P. (2004). An overview of the field of family business studies: current status and directions for the future. Family Business Review, 17(1), 1-36., Casillas e Acedo (2007)Casillas, J. C., & Acedo, F. (2007). Evolution of the intellectual structure of family business literature: a bibliometric study of FBR. Family Business Review, 20(2), 141-162., Paiva, Oliveira e Melo (2008)Paiva, K. C. M., Oliveira, M. C. S. M., & Melo, M. C. O. L. (2008). Produção científica brasileira sobre empresa familiar: um metaestudo de artigos publicados em anais de eventos da Anpad no período de 1997-2007. Revista de Administração Mackenzie, 9(6), 148-173., Debicki et al. (2009) Debicki, B. J., Matherne, C. F., III, Kellermanns, F. W., & Chrisman, J. J. (2009). Family business research in the new millennium: an overview of the who, the where, the what, and the why. Family Business Review, 22(2), 151-166., Borges et al. (2012)Borges, A. F., Lescura, C., & Oliveira, J. L. (2012). O campo de pesquisas sobre empresas familiares no Brasil: análise da produção científica no período 1997-2009. Organizações & Sociedade, 19(61), 315-332., Sharma et al. (2012)Sharma, P., Chrisman, J. J., & Gersick, K. E. (2012). 25 years of family business review: reflections on the past and perspectives for the future. Family Business Review, 25(1), 5-15., Benavides-Velasco et al. (2013)Benavides-Velasco, C. A., Quintana-Garcia, C., & Guzmán-Parra, V. F. (2013). Trends in family business research. Small Business Economics, 40(1), 41-57. e Smyrnios et al. (2013)Smyrnios, K. X., Poutziouris, P. Z., & Goel, S. (2013). Introduction: trends and developments in family business research. In K. X. Smyrnios, P. Z. Poutziouris & S. Goel. Handbook of research on family business (Vol. 1, 2nd. ed. pp. 1-16). Cheltenham: E. Elgar., por exemplo, apresentam análises sistemáticas sobre o estado da arte do campo, as quais serão sintetizadas a seguir.

Dyer e Sánchez (1998)Dyer, W. G., Jr. & Sánchez, M. (1998). Current state of family business theory and practice as reflected in Family Business Review 1988-1997. Family Business Review, 11(4), 287-295., ao revisarem 186 artigos publicados na Family Business Review, entre os anos de 1988 e 1997, demonstraram que os temas mais estudados sobre empresas familiares foram sucessão, dinâmica da interação entre família e empresa, desempenho, consultoria, questões de gênero e etnia, questões legais e fiscais, questões governamentais ligadas a tributos, mudança e desenvolvimento da empresa familiar, governança, entre outros. Bird et al. (2002)Bird, B., Welsch, H., Astrachan, J. H., & Pistrui, D. (2002). Family business research: the evolution of an academic field. Family Business Review, 15(4), 337-350., visando caracterizar um corpo de conhecimento sobre o campo de empresas familiares, por meio da revisão de 148 artigos publicados durante o período de 1997 a 2002, identificaram, como temas de pesquisa mais recorrentes, estratégia e práticas de gestão, sucessão, elementos distintivos das empresas familiares, conflito, gênero, entre outros. Sharma (2004)Sharma, P. (2004). An overview of the field of family business studies: current status and directions for the future. Family Business Review, 17(1), 1-36., por sua vez, organizou a literatura disponível sobre empresas familiares de acordo com o nível de análise: individual, interpessoal, organizacional e societal. A partir disso, esta autora identificou as temáticas mais relevantes para os estudos sobre empresas familiares, compreendendo tópicos como sucessão, estratégia, conflitos e desempenho, fornecendo, assim, uma visão geral do campo de pesquisas.

Casillas e Acedo (2007)Casillas, J. C., & Acedo, F. (2007). Evolution of the intellectual structure of family business literature: a bibliometric study of FBR. Family Business Review, 20(2), 141-162., ao revisarem 339 artigos sobre empresas familiares publicados no periódico Family Business Review, durante o período de 1988 a 2005, apontaram para diferentes conjuntos de artigos, cujas temáticas foram agrupadas em sucessão, forças e fraquezas das empresas familiares e o desafio de sua sobrevivência, conflitos e as relações familiares no âmbito organizacional. O estudo de Debicki et al. (2009) Debicki, B. J., Matherne, C. F., III, Kellermanns, F. W., & Chrisman, J. J. (2009). Family business research in the new millennium: an overview of the who, the where, the what, and the why. Family Business Review, 22(2), 151-166., a partir da análise de 291 trabalhos publicados em 30 periódicos da área de administração, no período compreendido entre 2001 e 2007, classificou como temas mais estudados pelos pesquisadores: governança, sucessão, a questão da propriedade, visão baseada em recursos, família e conflito. Em um segundo momento, o trabalho de Debicki et al. (2009) Debicki, B. J., Matherne, C. F., III, Kellermanns, F. W., & Chrisman, J. J. (2009). Family business research in the new millennium: an overview of the who, the where, the what, and the why. Family Business Review, 22(2), 151-166. também apontou para alguns tópicos que têm recebido pouca atenção dos autores da área, constituindo lacunas temáticas a serem exploradas no futuro, como objetivos econômicos e não econômicos de empresas familiares (altruísmo, dádiva, socioemotionalwealth, ativos não financeiros etc.), o papel dos stakeholders, ética e responsabilidade social, entre outros.

Sharma et al. (2012)Sharma, P., Chrisman, J. J., & Gersick, K. E. (2012). 25 years of family business review: reflections on the past and perspectives for the future. Family Business Review, 25(1), 5-15. abriram um novo movimento de reflexão sobre o campo de pesquisas sobre empresas familiares, a partir do 25º aniversário do periódico Family Business Review. Os autores empreenderam uma revisão qualitativa dos estudos publicados nessa revista e discutiram aspectos como a evolução histórica do campo, o papel das estruturas institucionais, o domínio e a delimitação teórica das pesquisas, bem como a relevância, o alcance e o rigor dos estudos sobre organizações familiares. Benavides-Velasco et al. (2013)Benavides-Velasco, C. A., Quintana-Garcia, C., & Guzmán-Parra, V. F. (2013). Trends in family business research. Small Business Economics, 40(1), 41-57. foram além ao efetuarem um estudo bibliométrico que compreendeu as publicações sobre empresas familiares no período entre 1961 e 2008, nas áreas de negócios, finanças, economia e administração, na base Social Science Citation Index. Os autores exploraram a evolução da produção científica ao longo do tempo, os pesquisadores que mais publicaram sobre o tema, as metodologias de pesquisa utilizadas e os temas de pesquisa, entre os quais se destacam sucessão, estudos organizacionais, governança, família, estratégia/mudança, finanças, empreendedorismo/inovação, gênero e etnias, recursos humanos, internacionalização, profissionalização, entre outros. Por fim, Smyrnios et al. (2013)Smyrnios, K. X., Poutziouris, P. Z., & Goel, S. (2013). Introduction: trends and developments in family business research. In K. X. Smyrnios, P. Z. Poutziouris & S. Goel. Handbook of research on family business (Vol. 1, 2nd. ed. pp. 1-16). Cheltenham: E. Elgar. apresentaram os temas mais trabalhados no âmbito da International Family Enterprise Research Association (Ifera), no período de 2007 a 2011, que foram família, desempenho, sucessão, estratégia, gênero, governança e empreendedorismo.

No plano da pesquisa e da produção científica sobre empresas familiares no Brasil, apresentou-se, nos artigos de Paiva et al. (2008)Paiva, K. C. M., Oliveira, M. C. S. M., & Melo, M. C. O. L. (2008). Produção científica brasileira sobre empresa familiar: um metaestudo de artigos publicados em anais de eventos da Anpad no período de 1997-2007. Revista de Administração Mackenzie, 9(6), 148-173. e Borges et al. (2012)Borges, A. F., Lescura, C., & Oliveira, J. L. (2012). O campo de pesquisas sobre empresas familiares no Brasil: análise da produção científica no período 1997-2009. Organizações & Sociedade, 19(61), 315-332., um panorama geral da investigação sobre a temática. O trabalho de Paiva et al. (2008)Paiva, K. C. M., Oliveira, M. C. S. M., & Melo, M. C. O. L. (2008). Produção científica brasileira sobre empresa familiar: um metaestudo de artigos publicados em anais de eventos da Anpad no período de 1997-2007. Revista de Administração Mackenzie, 9(6), 148-173., a partir da análise de 83 artigos publicados em eventos científicos do âmbito da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Anpad), durante o período de 1997 a 2007, relacionou os seguintes temas como os mais estudados: sucessão, estratégia, modelos de gestão, profissionalização, cultura, aprendizagem, representações sociais, mudança, empreendedorismo e sistemas contábeis. Já no trabalho de Borges et al. (2012)Paiva, K. C. M., Oliveira, M. C. S. M., & Melo, M. C. O. L. (2008). Produção científica brasileira sobre empresa familiar: um metaestudo de artigos publicados em anais de eventos da Anpad no período de 1997-2007. Revista de Administração Mackenzie, 9(6), 148-173., baseado na análise de 175 artigos publicados em periódicos e em anais de eventos científicos de relevância da área de administração no Brasil, no período de 1997 a 2009, identificaram-se os seguintes temas como os mais explorados pelos pesquisadores: sucessão, estratégia, governança, cultura, práticas de gestão, aprendizagem, família, gênero e empreendedorismo.

Apesar de algumas diferenças encontradas entre os estudos mencionados - sobretudo em termos da quantidade de artigos encontrados, das diferentes fontes de publicação consultadas, dos diversos temas de pesquisa identificados e do recorte temporal dos levantamentos -, a análise conjunta dos trabalhos citados permite constatar a pluralidade temática do campo de pesquisas sobre empresas familiares. Quando se focam temas como o processo de sucessão, a dinâmica da interação entre família e empresa, as fontes de distinção entre empresas familiares e não familiares, a estratégia, a governança, o empreendedorismo, a cultura, o conflito, o desempenho, entre outros, podem ser reunidos elementos que possibilitariam a configuração de uma "teoria da empresa familiar", nos termos propostos por Chrisman, Chua e Sharma (2003)Chua, J. H., Chrisman, J. J., & Steier, L. P. (2003). Extending the theoretical horizons of family business research. Entrepreneurship Theory and Practice, 27(4), 331-338., a partir um corpo teórico específico direcionado para a problemática desse tipo de empresa. Revela-se, adicionalmente, um movimento rumo à maturidade do campo de pesquisas, explorando perspectivas alternativas para a explicação das especificidades das organizações familiares (Gedajlovic et al., 2012Gedajlovic, E., Carney, M., Chrisman, J. J., & Kellermanns, F. W. (2012). The adolescence of family firm research: taking stock and planning for the future. Journal of Management, 38(4), 1010-1037.).

Nesse sentido, para que seja efetivamente viabilizada uma ampliação do horizonte teórico da investigação sobre organizações familiares (Chua, Chrisman, & Steier, 2003Chua, J. H., Chrisman, J. J., & Steier, L. P. (2003). Extending the theoretical horizons of family business research. Entrepreneurship Theory and Practice, 27(4), 331-338.), torna-se necessário identificar e explorar padrões e tendências emergentes de pesquisa sobre essas organizações, presentes nas publicações. Além disso, também é necessário dar continuidade aos estudos que exploram temáticas discutidas na academia, permitindo, assim, maior aprofundamento e compreensão das peculiaridades presentes nesse tipo de organização.

Por fim, cabe ressaltar que, nos estudos de revisão sobre empresas familiares, há menção ao tema empreendedorismo (Paiva et al., 2008Paiva, K. C. M., Oliveira, M. C. S. M., & Melo, M. C. O. L. (2008). Produção científica brasileira sobre empresa familiar: um metaestudo de artigos publicados em anais de eventos da Anpad no período de 1997-2007. Revista de Administração Mackenzie, 9(6), 148-173.; Borges et al., 2012Borges, A. F., Lescura, C., & Oliveira, J. L. (2012). O campo de pesquisas sobre empresas familiares no Brasil: análise da produção científica no período 1997-2009. Organizações & Sociedade, 19(61), 315-332.; Smyrnios et al., 2013Smyrnios, K. X., Poutziouris, P. Z., & Goel, S. (2013). Introduction: trends and developments in family business research. In K. X. Smyrnios, P. Z. Poutziouris & S. Goel. Handbook of research on family business (Vol. 1, 2nd. ed. pp. 1-16). Cheltenham: E. Elgar.) e à relação entre empreendedorismo e inovação (Benavides-Velasco et al., 2013Benavides-Velasco, C. A., Quintana-Garcia, C., & Guzmán-Parra, V. F. (2013). Trends in family business research. Small Business Economics, 40(1), 41-57.). Isso indica que a academia já enfocou essa temática do empreendedorismo em relação às empresas familiares, mas apenas como um dentre outros temas. Nesta pesquisa, realiza-se a busca de especificidades dessa relação. Buscamos reunir elementos e evidências para nortear e fundamentar o trabalho de pesquisadores interessados na investigação de aspectos inerentes à manifestação do fenômeno do empreendedorismo no âmbito de empresas familiares. Buscamos também identificar novos direcionamentos teóricos e metodológicos, possibilitando o estabelecimento de uma agenda profícua de pesquisas e a geração de conhecimentos para a academia e para a prática organizacional.

3 EMPREENDEDORISMO EM EMPRESAS FAMILIARES: PROCEDIMENTOS DE REVISÃO DA LITERATURA

Antes de iniciarmos a discussão acerca da produção científica sobre empreendedorismo em empresas familiares, cabe discorrer brevemente sobre os procedimentos que nortearam a presente revisão. Baseamos este estudo na abordagem de revisão de escopo da literatura. Segundo Rumrill, Fitzgerald e Merchant (2010)Rumrill, P. D., Fitzgerald, S. M., & Merchant, W. R. (2010). Using scoping literature reviews as a means of understanding and interpreting existing literature. Work, 35(3), 399-404., o referido procedimento oferece um quadro metodológico e um roteiro para a construção de estudos de revisão de literatura. A revisão de escopo permite a investigação de processos que identificam a extensão e natureza de evidências sobre um determinado tema de pesquisa, auxiliando na compreensão das particularidades de um campo específico e fornecendo possibilidades para a formulação de questões de pesquisa e para a identificação de padrões, tendências e lacunas da área, tornando-se viável para o exame da amplitude da investigação sobre uma determinada temática e para a orientação de estudos futuros.

Levac, Colquhuon e O'Brien (2010)Levac, D., Colquhuon, H., & O'Brien, K. K. (2010). Scoping studies: advancing the methodology. Implementation Science, 5(69), 1-9. e Rumrill et al. (2010)Rumrill, P. D., Fitzgerald, S. M., & Merchant, W. R. (2010). Using scoping literature reviews as a means of understanding and interpreting existing literature. Work, 35(3), 399-404. apresentaram alternativas para a realização de estudos devidamente fundamentados na técnica de revisão de escopo da literatura. De acordo com os autores, para que seja possível empregar esse procedimento de revisão, devem ser cumpridas as seguintes etapas: 1. identificação da questão de pesquisa; 2. identificação dos estudos relevantes para o campo a partir de refinamentos definidos pelos pesquisadores, delimitando-os de acordo com o tema, a fonte de publicação, o recorte temporal, os descritores, as palavras-chave, o número de citações, o fator de impacto do periódico, entre outros critérios; 3. mapeamento envolvendo a classificação e categorização dos temas abordados, a natureza teórica, empírica e metodológica dos estudos, as questões de autoria, entre outros aspectos; e 4. comparação, síntese e discussão dos resultados. Assim, ao adotar essa técnica, seria possível identificar os padrões do campo de pesquisas, fornecendo reflexões pertinentes para o desenvolvimento de futuras investigações.

No caso deste trabalho, a aplicação da técnica de revisão de escopo envolveu, em um primeiro momento, a seleção da temática a ser trabalhada e a definição da questão de pesquisa, buscando compreender como têm se configurado os estudos que abordam a relação entre empreendedorismo e empresas familiares. Em um segundo momento, efetuamos a busca de artigos que abordassem a temática aqui explorada. Para orientar essa busca, foram realizadas consultas às bases eletrônicas Web of Science (Thomson Reuters) e Scopus. Após uma primeira varredura, empregamos refinamentos para limitar os resultados da busca à exposição de artigos publicados em periódicos de relevância para o campo de pesquisa sobre empresas familiares. A definição desses periódicos foi efetuada a partir de uma seleção entre as opções apontadas por Chrisman et al. (2008)Chrisman, J. J., Chua, J. H., Kellermanns, F. W., Matherne, C. F., III, & Debicki, B. J. (2008). Management journals as venues for publication of family business research. Entrepreneurship Theory and Practice, 32(5), 927-934., os quais apresentaram um ranqueamento dos periódicos disponíveis para a publicação de artigos sobre empresas familiares. Com base nisso, foram selecionadas as revistas consideradas as mais adequadas para a publicação de artigos sobre empresas familiares (Tabela 1). Os periódicos Journal of Family Business Strategy (criado no ano de 2010) e Journal of Family Business Management (criado em 2011), não mencionados no trabalho de Chrisman et al. (2008)Chrisman, J. J., Chua, J. H., Kellermanns, F. W., Matherne, C. F., III, & Debicki, B. J. (2008). Management journals as venues for publication of family business research. Entrepreneurship Theory and Practice, 32(5), 927-934., foram incluídos no levantamento, por constituírem novos meios voltados para a divulgação de trabalhos científicos relacionados ao tema. Cabe ressaltar que o levantamento foi estruturado a partir de um recorte temporal, buscando compreender desde a primeira edição de cada periódico até a publicação de seu último número, no ano de 2013.

Tabela 1
PERIÓDICOS ADEQUADOS PARA A PUBLICAÇÃO DE PESQUISAS SOBRE EMPRESAS FAMILIARES

Com base nesse levantamento, procedeu-se à identificação dos estudos relevantes para esta revisão. Os artigos foram categorizados e sistematizados com base no título, no resumo, nas palavras-chave e no conteúdo propriamente dito, buscando identificar as principais temáticas abordadas nos trabalhos e as escolhas metodológicas dos pesquisadores, e apontar as possíveis tendências, lacunas e direções futuras da pesquisa sobre empreendedorismo em empresas familiares. Levamos em consideração ainda aqueles artigos que obtiveram o maior número de citações, conforme as bases Web of Science e Scopus. Por fim, é interessante ressaltar que o método para classificação dos artigos foi inspirado nas contribuições de autores como Dyer e Sánchez (1998)Dyer, W. G., Jr. & Sánchez, M. (1998). Current state of family business theory and practice as reflected in Family Business Review 1988-1997. Family Business Review, 11(4), 287-295., Bird et al. (2002)Bird, B., Welsch, H., Astrachan, J. H., & Pistrui, D. (2002). Family business research: the evolution of an academic field. Family Business Review, 15(4), 337-350., Sharma (2004)Sharma, P. (2004). An overview of the field of family business studies: current status and directions for the future. Family Business Review, 17(1), 1-36., Casillas e Acedo (2007)Casillas, J. C., & Acedo, F. (2007). Evolution of the intellectual structure of family business literature: a bibliometric study of FBR. Family Business Review, 20(2), 141-162., Debicki et al. (2009) Debicki, B. J., Matherne, C. F., III, Kellermanns, F. W., & Chrisman, J. J. (2009). Family business research in the new millennium: an overview of the who, the where, the what, and the why. Family Business Review, 22(2), 151-166. e Benavides-Velasco et al. (2013)Benavides-Velasco, C. A., Quintana-Garcia, C., & Guzmán-Parra, V. F. (2013). Trends in family business research. Small Business Economics, 40(1), 41-57..

4 EMPREENDEDORISMO EM EMPRESAS FAMILIARES: QUADRO GERAL DA PESQUISA

A análise da relação entre empresas familiares e empreendedorismo pode assumir um papel de destaque para a pesquisa envolvendo esses objetos. Tal interação, por englobar a manifestação de práticas e processos empreendedores que são recorrentes nesse tipo de empresa, tem potencial efetivo para contribuir para o avanço de ambos os campos de estudos. Tendo em vista essa perspectiva, e com base nos procedimentos metodológicos apresentados, foram identificados 73 artigos científicos, distribuídos entre os periódicos conforme exposto na Tabela 2.

Tabela 2
DISTRIBUIÇÃO DA PUBLICAÇÃO SOBRE EMPREENDEDORISMO EM EMPRESAS FAMILIARES

Os periódicos Family Business Review e Entrepreneurship Theory and Practice são os mais utilizados para a publicação de artigos envolvendo a relação entre empreendedorismo e empresas familiares. Esse cenário pode ser explicado, no caso de Family Business Review, pelo fato de ele ser considerado o periódico mais consolidado para a divulgação de estudos sobre empresas familiares e, no caso de Entrepreneurship Theory and Practice, por tratar-se de uma publicação especializada em estudos sobre empreendedorismo que tem fomentado, por meio de diversas chamadas especiais de trabalhos, a publicação de pesquisas em empresas familiares. Outras revistas, como International Journal of Entrepreneurial Behavior and Research, Small Business Economics, Journal of Family Business Strategy, Entrepreneurship and Regional Development e Journal of Business Venturing, também constituem meios interessantes para a divulgação de estudos sobre essa temática.

Alguns dos periódicos mencionados tiveram papel crucial no fomento da produção científica sobre empreendedorismo em empresas familiares, abrindo espaço para a divulgação de trabalhos e incentivando os pesquisadores a direcionar seus esforços de investigação para questões vinculadas a essa temática. A primeira iniciativa, e talvez a mais significativa, ocorreu no ano de 1994, no periódico Entrepreneurship Theory and Practice. Na referida ocasião, foram publicados, em uma edição especial sobre o tema, os primeiros estudos que exploram explicitamente a relação entre empreendedorismo e empresas familiares. Esses trabalhos, buscando fomentar pesquisas futuras sobre essa relação, indicaram que esses campos de estudos têm várias possibilidades de sobreposição, assumindo, assim, um caráter de complementaridade (Brockhaus, 1994Brockhaus, R. H. (1994). Entrepreneurship and family business research: comparisons, critique, and lessons. Entrepreneurship Theory and Practice, 19(1), 25-38.).

Hoy e Verser (1994)Hoy, F., & Verser, T. G. (1994). Emerging business, emerging field: entrepreneurship and the family firm. Entrepreneurship Theory and Practice, 19(1), 9-23. procuraram evidenciar, a partir da tese de sobreposição entre os campos, áreas comuns para a pesquisa sobre empreendedorismo em empresas familiares. Nesse sentido, os autores identificaram diferentes possibilidades de associação, relacionadas à participação da família em atividades de abertura de novos negócios, ao papel desempenhado pelo fundador, à busca pelo crescimento de empresas, ao fomento à inovação, entre outras. Esse conjunto de elementos pode determinar o crescimento e a renovação de empresas familiares. Assim, os autores lançaram luzes sobre o potencial de reunir elementos intervenientes à teoria de empreendedorismo e à sua aplicação para a compreensão de particularidades específicas de organizações familiares (Hoy & Verser, 1994).

Dyer e Handler (1994)Dyer, W. G., Jr., & Handler, W. (1994). Entrepreneurship and family business: exploring the connections. Entrepreneurship Theory and Practice, 19(1), 71-83. também apresentaram argumentos em prol da associação entre as teorias de empreendedorismo e empresas familiares. Para os autores, existem vários pontos de interseção entre esses dois campos de estudos: de um lado, a dinâmica empreendedora, voltada para características do indivíduo empreendedor e sua ação, revelaria elementos que possibilitariam uma melhor compreensão da atuação de membros da família no contexto de empresas familiares; de outro, a dinâmica familiar, voltada para a identificação de possibilidades de manutenção do negócio e de sua sobrevivência futura, constituiria o contexto de influência em que a ação empreendedora pode ocorrer. Partindo desse cenário, Dyer e Handler (1994)Dyer, W. G., Jr., & Handler, W. (1994). Entrepreneurship and family business: exploring the connections. Entrepreneurship Theory and Practice, 19(1), 71-83. destacaram evidências de sobreposição entre esses dois campos de pesquisa, vinculadas aos seguintes elementos: 1. experiências do empreendedor no âmbito familiar; 2. envolvimento da família nas atividades iniciais da organização; 3. participação da família na condução dos negócios; e 4. envolvimento dos membros da família na sucessão. Nesse contexto, seria possível questionar a capacidade da geração sucessora em manter o espírito empreendedor do fundador e/ou oferecer novas ideias para a organização, renovando e criando novas possibilidades para a empresa familiar.

Em um segundo momento, a pesquisa sobre empreendedorismo em empresas familiares foi alvo de edição especial do periódico Journal of Business Venturing, de 2003. Astrachan (2003)Astrachan, J. H. (2003). Commentary on the special issue: the emergence of a field. Journal of Business Venturing, 18(5), 567-572. e Rogoff e Heck (2003)Rogoff, E. G., & Heck, R. K. Z. (2003). Evolving research in entrepreneurship and family business: recognizing family as the oxygen that feeds the fire of entrepreneurship. Journal of Business Venturing, 18(5), 559-566., em seus comentários editoriais, lançaram luzes sobre a emergência do campo de estudos, sobre as possibilidades de construção de novas pesquisas e sobre a importância que essa relação assume para o avanço das respectivas áreas. No âmbito dos trabalhos publicados nessa edição especial, destaca-se o estudo de Aldrich e Cliff (2003)Aldrich, H. E., & Cliff, J. E. (2003). The pervasive effects of family on entrepreneurship: toward a family embeddedness perspective. Journal of Business Venturing, 18(5), 573-596., o mais citado entre aqueles que exploram o tema nas bases Web of Science e Scopus. Os autores analisam a influência da família sobre o empreendedorismo em organizações familiares, observando um claro papel dela na identificação de novas oportunidades de negócio, no reconhecimento dessas oportunidades e na consequente decisão de iniciar novos negócios e no processo de mobilização de recursos para a ação empreendedora. Nesse sentido, ao serem intrinsecamente relacionados, a família constituiria o "oxigênio que alimenta o fogo do empreendedorismo" (Rogoff & Heck, 2003Rogoff, E. G., & Heck, R. K. Z. (2003). Evolving research in entrepreneurship and family business: recognizing family as the oxygen that feeds the fire of entrepreneurship. Journal of Business Venturing, 18(5), 559-566., p. 559).

No ano de 2004, foi a vez de o periódico International Journal of Entrepreneurial Behavior and Research apresentar uma edição especial sobre o tema. Poutziouris, Steier e Smyrnios (2004)Poutziouris, P., Steier, L., & Smyrnios, K. X. (2004). A commentary on family business entrepreneurial developments. International Journal of Entrepreneurial Behavior & Research, 10(1/2), 7-11. defenderam, em seu comentário editorial, a realização de pesquisas que explorassem o desenvolvimento empreendedor de empresas familiares. Essa abordagem, segundo os editores, permitiria melhor compreender dinâmicas importantes para a longevidade desse tipo de empresa. O estudo de Fletcher (2004)Fletcher, D. (2004). Interpreneurship: organizational (re)emergence and entrepreneurial development in a second generation family firm. International Journal of Entrepreneurial Behaviour and Research, 10(1/2), 34-38. ilustra bem esse movimento. Segundo a autora, a sucessão em empresas familiares pode ser analisada a partir de uma perspectiva de (re)emergência organizacional, promovida pela presença do intraempreendedorismo em processos sucessórios. Assim, haveria a configuração de um empreendedorismo intergeracional, em que os membros da família interagem e constroem novas possibilidades para si próprios, suas vidas e suas empresas, enquanto lidam com eventos e experiências passadas e com projeções para o futuro da organização, contribuindo para movimentos de renovação e desenvolvimento de empresas familiares (Fletcher, 2004Fletcher, D. (2004). Interpreneurship: organizational (re)emergence and entrepreneurial development in a second generation family firm. International Journal of Entrepreneurial Behaviour and Research, 10(1/2), 34-38.).

Por fim, em 2008, o periódico Journal of Small Business Management também publicou uma edição especial sobre a relação entre empreendedorismo e empresas familiares. Inicialmente, Heck e Mishra (2008)Heck, R. K. Z., Hoy, F., Poutziouris, P. Z., & Steier, L. P. (2008). Emerging paths of family entrepreneurship research. Journal of Small Business Management, 46(3), 317-330., editoras do referido número da revista, teceram comentários acerca da evolução das pesquisas sobre essa associação, indicando o aumento de estudos publicados em periódicos e eventos científicos. Além disso, as editoras ressaltaram a amplitude temática desses trabalhos e argumentaram pela necessidade de aprofundar os conhecimentos existentes para promover avanços na área. Como sugestão, Heck e Mishra (2008)Heck, R. K. Z., & Mishra, C. S. (2008). Family entrepreneurship. Journal of Small Business Management, 46(3), 313-316. advogaram pela emergência de uma abordagem diferenciada para os estudos sobre empreendedorismo em empresas familiares, caracterizada como empreendedorismo familiar. Tal perspectiva está relacionada com a visão de que uma empresa familiar consiste na combinação do sistema familiar com o processo empreendedor de seus membros (Heck, Hoy, Poutziouris, & Steier, 2008Heck, R. K. Z., Hoy, F., Poutziouris, P. Z., & Steier, L. P. (2008). Emerging paths of family entrepreneurship research. Journal of Small Business Management, 46(3), 317-330.). As bases para a compreensão do empreendedorismo familiar surgem, de acordo com Heck et al. (2008)Heck, R. K. Z., Hoy, F., Poutziouris, P. Z., & Steier, L. P. (2008). Emerging paths of family entrepreneurship research. Journal of Small Business Management, 46(3), 317-330., a partir da distinção entre dois tipos de empreendedorismo, expostos anteriormente nos trabalhos de Schumpeter (1997)Schumpeter, J. A. (1997). Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro, e o ciclo econômico. São Paulo: Nova Cultural.: a criação de novos negócios e o empreendedorismo no âmbito de empresas já estabelecidas. Nesse sentido, o empreendedorismo familiar se articularia a partir das possíveis sobreposições entre família e empresa, fornecendo as bases para a apreensão de um amplo conjunto de aspectos que permitiriam compreender e explicar ações vinculadas às diferentes possibilidades de constituição, renovação e longevidade de empresas familiares empreendedoras.

Diante do cenário apresentado, torna-se relevante explorar, no volume total da produção científica alvo desta revisão de literatura, as diferentes possibilidades de pesquisa envolvendo os campos de estudos sobre empreendedorismo e empresas familiares. Na Tabela 3 expõem-se os principais temas de pesquisa sobre a temática.

Tabela 3
TEMAS DE PESQUISA SOBRE EMPREENDEDORISMO EM EMPRESAS FAMILIARES

Os dados da Tabela 3 se referem aos temas de pesquisa sobre empreendedorismo em empresas familiares. Entre esses temas, destacam-se os estudos voltados para compreender a orientação empreendedora e suas diferentes implicações nessas empresas (Pistrui, Welsch, Wintermantel, Liao, & Pohl, 2000Pistrui, D., Welsch, H. P., Wintermantel, O., Liao, J., & Pohl, H. J. (2000). Entrepreneurial orientation and family forces in the New Germany: similarities and differences between East and West German entrepreneurs. Family Business Review, 13(3), 251-264.; Short, Payne, Brigham, Lumpkin, & Broberg, 2009Short, J. C., Payne, G. T., Brigham, K. H., Lumpkin, G. T., & Broberg, J. C. (2009). Family firms and entrepreneurial orientation in publicly traded firms: a comparative analysis of the S&P 500. Family Business Review, 22(1), 9-24.; Casillas, Moreno, & Barbero, 2010Casillas, J. C., Moreno, A. M., & Barbero, J. L. (2010). A configurational approach of the relationship between entrepreneurial orientation and growth of family firms. Family Business Review, 23(1), 27-44., 2011Casillas, J. C., Moreno, A. M., & Barbero, J. L. (2011). Entrepreneurial orientation of family firms: family and environmental dimensions. Journal of Family Business Strategy, 2(2), 90-100.; Lumpkin, Brigham, & Moss, 2010Lumpkin, G. T., Brigham, K. H., & Moss, T. W. (2010). Long-term orientation: implications for the entrepreneurial orientation and performance of family businesses. Entrepreneurship and Regional Development, 22(3-4), 241-264.; Cruz & Nordqvist, 2012Cruz, C., & Nordqvist, M. (2012). Entrepreneurial orientation in family firms: a generational perspective. Small Business Economics, 38(1), 33-49.; Zellweger & Sieger, 2012Zellweger, T., & Sieger, P. (2012). Entrepreneurial orientation in long-lived family firms. Small Business Economics, 38(1), 67-84.; Sciascia, Mazzola, & Chirico 2013Sciascia, S., Mazzola, P., & Chirico, F. (2013). Generational involvement in the top management team of family firms: exploring nonlinear effects on entrepreneurial orientation. Entrepreneurship Theory and Practice, 37(1), 69-85.). A concepção de orientação empreendedora é visualizada como uma abordagem que procura captar a tendência de as famílias darem continuidade a empresas familiares e que tem diferentes meios de mensuração de suas categorias específicas. Nesse sentido, no âmbito desses estudos, elementos como inovatividade, proatividade e propensão a assumir riscos, próprios de um corpo teórico de orientação empreendedora, são verificados no âmbito de empresas familiares, vinculados à atuação de membros de famílias empresárias, e associados, inclusive, a categorias próprias da dinâmica familiar. Outra temática que se destaca consiste na atuação conjunta de casais empreendedores na criação e gestão de negócios familiares (Marshack, 1993Marshack, K. J. (1993). Coentrepreneurial couples: a literature review on boundaries and transitions among copreneurs. Family Business Review, 6(4), 355-369.; Ponthieu & Caudill, 1993Ponthieu, L. D., & Caudill, H. L. (1993). Who's the boss? Responsibility and decision making in copreneurial couples. Family Business Review, 6(1), 3-17.; Fitzgerald & Muske, 2002Fitzgerald, M. A., & Muske, G. (2002). Copreneurs: an exploration and comparison to other family businesses. Family Business Review, 15(1), 1-16.; Muske & Fitzgerald, 2006Muske, G., & Fitzgerald, M. A. (2006). A panel study of copreneurs in business: who enters, continues, and exits? Family Business Review, 19(3), 193-205.; Blenkinsopp & Owens, 2010Blenkinsopp, J., & Owens, G. (2010). At the heart of things: the role of the "married" couple in entrepreneurship and family business. International Journal of Entrepreneurial Behaviour & Research, 16(5), 357-369.; Hedberg & Danes, 2012Hedberg, P. R., & Danes, S. M. (2012). Explorations of dynamic power processes within copreneurial couples. Journal of Family Business Strategy, 3(4), 228-238.; Danes & Jang, 2013Danes, S. M., & Jang, J. (2013). Copreneurial identity development during new venture creation. Journal of Family Business Management, 3(1), 45-61.), o que denota uma apreensão, do ponto de vista conceitual e empírico, próxima dos estudos sobre a relação entre trabalho e família.

Observam-se ainda outras duas correntes importantes de pesquisa sobre empreendedorismo em empresas familiares. De um lado, tem-se a influência da família sobre o empreendedorismo (Pistrui, Welsch, & Roberts, 1997Pistrui, D., Welsch, H. P., & Roberts, J. S. (1997). The [re]-emergence of family businesses in the transforming Soviet Bloc: family contributions to entrepreneurship development in Romania. Family Business Review, 10(3), 221-238.; Craig & Lindsay, 2002Craig, J., & Lindsay, N. J. (2002). Incorporating the family dynamic into the entrepreneurship process. Journal of Small Business and Enterprise Development, 9(4), 416-430.; Aldrich & Cliff, 2003Aldrich, H. E., & Cliff, J. E. (2003). The pervasive effects of family on entrepreneurship: toward a family embeddedness perspective. Journal of Business Venturing, 18(5), 573-596.; Klyver, 2007Klyver, K. (2007). Shifting family involvement during the entrepreneurial process. International Journal of Entrepreneurial Behaviour & Research, 13(5), 258-277.; Casillas & Moreno, 2010Casillas, J. C., & Moreno, A. M. (2010). The relationship between entrepreneurial orientation and growth: the moderating role of family involvement. Entrepreneurship and Regional Development, 22(3-4), 265-291.; Jennings, Breitkreuz, & James, 2013Jennings, J. E., Breitkreuz, R. S., & James, A. E. (2013). When family members are also business owners: is entrepreneurship good for families? Family Relations, 62(3), 472-489.; Powell & Eddleston, 2013Powell, G. N., & Eddleston, K. A. (2013). Linking family-to-business enrichment and support to entrepreneurial success: do female and male entrepreneurs experience different outcomes? Journal of Business Venturing, 28(2), 261-280.), estruturada a partir da busca pela verificação do papel de influência da família no comportamento empreendedor, na propensão ao empreendedorismo e no próprio processo empreendedor, envolvendo elementos sintetizados pela análise das origens dos negócios familiares, e não de seu desenvolvimento posterior. De outro, verifica-se a associação entre empreendedorismo e sucessão, convergindo em um tipo de empreendedorismo intergeracional e/ou transgeracional (Steier, 2001Steier, L. (2001). Next-generation entrepreneurs and succession: an exploratory study of modes and means of managing social capital. Family Business Review, 14(3), 259-276.; Fletcher, 2004Fletcher, D. (2004). Interpreneurship: organizational (re)emergence and entrepreneurial development in a second generation family firm. International Journal of Entrepreneurial Behaviour and Research, 10(1/2), 34-38.; Salvato, Chirico, & Sharma, 2010Salvato, C., Chirico, F., & Sharma, P. (2010). A farewell to the business: Championing exit and continuity in entrepreneurial family firms. Entrepreneurship and Regional Development, 22(3-4), 321-348.; Laspita, Breugst, Heblich, & Patzelt, 2012Laspita, S., Breugst, N., Heblich, S., & Patzelt, H. (2012). Intergenerational transmission of entrepreneurial intentions. Journal of Business Venturing, 27(4), 414-435.; Zellweger, Nason, & Nordqvist, 2012Zellweger, T. M., Nason, R. S., & Nordqvist, M. (2012). From longevity of firms to transgenerational entrepreneurship of families: introducing family entrepreneurial orientation. Family Business Review, 25(2), 136-155.; Nordqvist, Wennberg, Bau, & Hellerstedt, 2013Nordqvist, M., Wennberg, K., Bau, M., & Hellerstedt, K. (2013). An entrepreneurial process perspective on succession in family firms. Small Business Economics, 40(4), 1087-1122.; Welsh, Memili, Rosplock, Roure, & Segurado2013Welsh, D. H. B., Memili, E., Rosplock, K., Roure, J., & Segurado, J. L. (2013). Perceptions of entrepreneurship across generations in family offices: a stewardship theory perspective Journal of Family Business Strategy, 4(3), 213-226.), marcada pela ação empreendedora de sucessores, em que processos de criação de novos negócios e inovações são relacionados a mudanças na gestão dos empreendimentos antes e/ou depois da passagem do bastão ou ainda associadas ou não à sucessão patrimonial.

Em seguida, surgem temáticas clássicas do campo do empreendedorismo, aplicadas ao estudo de questões pertinentes ao contexto de empresas familiares. Entre elas, destacam-se: a questão do risco (Dyer & Mortensen, 2005Dyer, W. G., Jr., & Mortensen, S. P. (2005). Entrepreneurship and family business in a hostile environment: the case of Lithuania. Family Business Review, 18(3), 247-258.; Zahra, 2005Zahra, S. A. (2005). Entrepreneurial risk taking in family firms. Family Business Review, 18(1), 23-40.; Naldi, Nordqvist, Sjöberg, & Wiklund, 2007Naldi, L., Nordqvist, M., Sjöberg, L., & Wiklund, J. (2007). Entrepreneurial orientation, risk taking, and performance in family firms. Family Business Review, 20(1), 33-47.; Memili, Eddleston, Kellermanns, Zellweger, & Barnett, 2010Memili, E., Eddleston, K. A., Kellermanns, F. W., Zellweger, T. M., & Barnett, T. (2010). The critical path to family firm success through entrepreneurial risk taking and image. Journal of Family Business Strategy, 1(4), 200-209.; Wang & Poutziouris, 2010Wang, Y., & Poutziouris, P. (2010). Entrepreneurial risk taking: empirical evidence from UK family firms. International Journal of Entrepreneurial Behaviour & Research, 16(5), 370-388.; Huybrechts, Voordeckers, & Lybaert, 2013Huybrechts, J., Voordeckers, W., & Lybaert, N. (2013). Entrepreneurial risk taking of private family firms: the influence of a nonfamily CEO and the moderating effect of CEO tenure. Family Business Review, 26(2), 161-179.), o comportamento empreendedor (Littunen & Hyrsky, 2000Littunen, H., & Hyrsky, K. (2000). The early entrepreneurial stage in finnish family and nonfamily firms. Family Business Review, 13(1), 41-54.; Chrisman, Chua, & Steier, 2002Chrisman, J. J., Chua, J. H., & Steier, L. P. (2002). The influence of national culture and family involvement on entrepreneurial perceptions and performance at the state level. Entrepreneurship Theory and Practice, 26(4), 113-130.; Kellermanns, Eddleston, Barnett, & Pearson, 2008Kellermanns, F. W., Eddleston, K. A., Barnett, T., & Pearson, A. (2008). An exploratory study of family member characteristics and involvement: effects on entrepreneurial behavior in the family firm. Family Business Review, 21(1), 1-14.; Weismeier-Sammer, 2011Weismeier-Sammer, D. (2011). Entrepreneurial behavior in family firms: a replication study. Journal of Family Business Strategy, 2(3), 128-138.; Eddleston, Kellermanns, & Zellweger, 2012Eddleston, K. A., Kellermanns, F. W., & Zellweger, T. M. (2012). Exploring the entrepreneurial behavior of family firms: does the stewardship perspective explain differences? Entrepreneurship Theory and Practice, 36(2), 347-367.), a formação de equipes empreendedoras entre membros de famílias empresárias (Cruz, Hamilton, & Jack, 2012Cruz, A. D., Hamilton, E., & Jack, S. L. (2012). Understanding entrepreneurial cultures in family businesses: a study of family entrepreneurial teams in Honduras. Journal of Family Business Strategy, 3(3), 147-161.; Brannon, Wiklund, & Haynie, 2013Brannon, D., Wiklund, J., & Haynie, J. M. (2013). The varying effects of family relationships in entrepreneurial teams. Entrepreneurship Theory and Practice, 37(1), 107-132.; Cruz, Howorth, & Hamilton, 2013Cruz, A. D., Howorth, C., & Hamilton, E. (2013). Intrafamily entrepreneurship: the formation and membership of family entrepreneurial teams. Entrepreneurship Theory and Practice, 37(1), 17-46.; Schjoedt, Monsen, Pearson, Bar-nett, & Chrisman, 2013Schjoedt, L., Monsen, E., Pearson, A., Barnett, T., & Chrisman, J. J. (2013). New venture and family business teams: understanding team formation, composition, behaviors, and performance. Entrepreneurship Theoryand Practice, 37(1), 1-15.) e o empreendedorismo étnico (Poutziouris, O'Sullivan, & Nicolescu, 1997Poutziouris, P., O'Sullivan, K., & Nicolescu, L. (1997). The [re]-generation of family-business entrepreneurship in the Balkans. Family Business Review, 10(3), 239-262.; Poutziouris, Wang, & Chan, 2002Poutziouris, P., Wang, Y., & Chan, S. (2002). Chinese entrepreneurship: the development of small family firms in China. Journal of Small Business and Enterprise Development, 9(4), 383-399.; Pistrui, Huang, Oksoy, Jing, &Welsch, 2001Pistrui, D., Huang, W., Oksoy, D, Jing, Z., & Welsch, H. (2001). Entrepreneurship in China: characteristics, attributes, and family forces shaping the emerging private sector. Family Business Review, 14(2), 141-152.; Basu, 2004Basu, A. (2004). Entrepreneurial aspirations among family business owners: an analysis of ethnic business owners in the UK. International Journal of Entrepreneurial Behaviour & Research, 10(1-2), 12-33.). Constata-se que as oito temáticas apresentadas concentram 65,75% da produção científica sobre empreendedorismo em empresas familiares, constituindo opções relevantes para a realização de pesquisas.

Adicionalmente, verifica-se que os 34,25% restantes dividem-se em 16 temáticas, entre os quais se verificam estudos sobre criação de novos negócios (Au & Kwan, 2009Au, K., & Kwan, H. K. (2009). Start-up capital and Chinese entrepreneurs: the role of family. Entrepreneurship Theory and Practice, 33(4), 889-908.; Chang, Memili, Chrisman, Kellermmans, & Chua, 2009Chang, E. P. C., Memili, E., Chrisman, J. J., Kellermmans, F. W., & Chua, J. H. (2009). Family social capital, venture preparedness, and start-up decisions: a study of Hispanic entrepreneurs in New England. Family Business Review, 22(3), 279-292.; Morris, Allen, Kutko, & Brannon, 2010Morris, M. H., Allen, J. A., Kutko, D. F., & Brannon, D. (2010). experiencing family business creation: differences between founders, nonfamily managers, and founders of nonfamily firms. Entrepreneurship Theory and Practice, 34(6), 1057-1084.), aprendizagem (Hamilton, 2011Hamilton, E. (2011). Entrepreneurial learning in family businesses: a situated learning perspective. Journal of Small Business and Enterprise Development, 18(1), 8-26.; Zahra, 2012Zahra, S. A. (2012). Organizational learning and entrepreneurship in family firms: exploring the moderating effect of ownership and cohesion. Small Business Economics, 38(1), 51-65.), cultura (Hall, Melin, & Nordqvist, 2001Hall, A., Melin, L., & Nordqvist, M. (2001). Entrepreneurship as radical change in the family business: exploring the role of cultural patterns. Family Business Review, 14(3), 193-208.; Zahra, Hayton, &Salvato, 2004Zahra, S. A., Hayton, J. C., & Salvato, C. (2004). Entrepreneurship in family vs. non-family firms: a resource based analysis of the effect of organization culture. Entrepreneurship Theory and Practice, 28(4), 363-381.), empreendedorismo feminino (Hisrich & Fülöp, 1997Hisrich, R. D., & Fülöp, G. (1997). Women entrepreneurs in family business: the hungarian case. Family Business Review, 10(3), 281-302.; Gundry & Ben-Yoseph, 1998Gundry, L. K., & Ben-Yoseph, M. (1998). Women entrepreneurs in Romania, Poland, and the United States: cultural and family influences on strategy and growth. Family Business Review, 11(1), 61-73.), famílias empreendedoras (Nordqvist & Melin, 2010Nordqvist, M., & Melin, L. (2010). Entrepreneurial families and family firms. Entrepreneurship & Regional Development, 22(3-4), 211-239.; Uhlaner, Kellermanns, Eddleston, & Hoy, 2012Uhlaner, L. M., Kellermanns, F. W., Eddleston, K. A., & Hoy, F. (2012). The entrepreneuring family: a new paradigm for family business research. Small Business Economics, 38(1), 1-11.), oportunidades (Randoy & Goel, 2003Randoy, T., & Goel, S. (2003). Ownership structure, founder leadership, and performance in Norwegian SME: implication for financing entrepreneurial opportunities. Journal of Business Venturing, 18(3), 619-637.; Patel & Fiet, 2011Patel, P. C., & Fiet, J. O. (2011). Knowledge combination and the potential advantages of family firms in searching for opportunities. Entrepreneurship Theory and Practice, 35(6), 1179-1197.), empreendedorismo corporativo (Kellermanns & Eddleston, 2006Kellermanns, F. W., & Eddleston, K. A. (2006). Corporate entrepreneurship in family firms: a family perspective. Entrepreneurship Theory and Practice, 30(6), 809-830.), empreendedorismo estratégico (Webb, Ketchen, & Ireland, 2010Webb, J. W., Ketchen, R., Junior, & Ireland, R. D. (2010). Strategic entrepreneurship within familycontrolled firms: opportunities and challenges. Journal of Family Business Strategy, 1(2), 67-77.), empreendedorismo familiar (Heck et al., 2008Heck, R. K. Z., Hoy, F., Poutziouris, P. Z., & Steier, L. P. (2008). Emerging paths of family entrepreneurship research. Journal of Small Business Management, 46(3), 317-330.), empreendedorismo internacional (Sciascia, Mazzola, Astrachan, & Pieper, 2012Sciascia, S., Mazzola, P., Astrachan, J. H., & Pieper, T. M. (2012). The role of family ownership in international entrepreneurship: exploring nonlinear effects. Small Business Economics, 38(1), 15-31.), governança (Brunninge & Nordqvist, 2004Brunninge, O., & Nordqvist, M. (2004). Ownership structure, board composition and entrepreneurship: evidence from family firms and venture-capital-backed firms. International Journal of Entrepreneurial Behaviour & Research, 10(1-2), 85-105.), liderança (Ng & Thorpe, 2010Ng, W., & Thorpe, R. (2010). Not another study of great leaders: Entrepreneurial leadership in a mid-sized family firm for its further growth and development. International Journal of Entrepreneurial Behaviour & Research, 16(5), 457-476.), minorias (Purvear et al., 2008Purvear, A., Rogoff, E., Lee, M.-S., Heck, R., Grossman, E., Haynes, G., & Onochie, J. (2008). Sampling minority business owners and their families: the understudied entrepreneurial experience. Journal of Small Business Management, 46(3), 422-455.), processo empreendedor (Shepherd & Haynie, 2009Shepherd, D., & Haynie, J. M. (2009). Family business, identity conflict, and an expedited entrepreneurial process: a process of resolving identity conflict. Entrepreneurship Theory and Practice, 33(6), 1245-1264.) e redes empreendedoras (Anderson, Jack, & Dodd, 2005Anderson, A. R., Jack, S. L., & Dodd, S. D. (2005). The role of family members in entrepreneurial networks: beyond the boundaries of the family firm. Family Business Review, 18(2), 135-154.). Destacam-se ainda os trabalhos seminais de Brockhaus (1994)Brockhaus, R. H. (1994). Entrepreneurship and family business research: comparisons, critique, and lessons. Entrepreneurship Theory and Practice, 19(1), 25-38., Dyer e Handler (1994)Dyer, W. G., Jr., & Handler, W. (1994). Entrepreneurship and family business: exploring the connections. Entrepreneurship Theory and Practice, 19(1), 71-83. e Hoy e Verser (1994)Hoy, F., & Verser, T. G. (1994). Emerging business, emerging field: entrepreneurship and the family firm. Entrepreneurship Theory and Practice, 19(1), 9-23..

A análise das temáticas identificadas permite algumas constatações importantes. Inicialmente, cumpre destacar que os três artigos seminais do campo, em conjunto, ofereceram direções para novas pesquisas, delineando a natureza de uma abordagem de investigações em que fossem reunidos os temas empreendedorismo e empresas familiares. O movimento de pesquisas que se seguiu após esse primeiro chamamento indica que várias das alternativas sugeridas por Brockhaus (1994)Brockhaus, R. H. (1994). Entrepreneurship and family business research: comparisons, critique, and lessons. Entrepreneurship Theory and Practice, 19(1), 25-38., Dyer e Handler (1994)Dyer, W. G., Jr., & Handler, W. (1994). Entrepreneurship and family business: exploring the connections. Entrepreneurship Theory and Practice, 19(1), 71-83. e Hoy e Verser (1994)Hoy, F., & Verser, T. G. (1994). Emerging business, emerging field: entrepreneurship and the family firm. Entrepreneurship Theory and Practice, 19(1), 9-23. foram exploradas pelos pesquisadores. Por um lado, abordagens próprias do campo do empreendedorismo - risco, comportamento empreendedor, equipes empreendedoras, criação de novos negócios, diferentes tipos de empreendedorismo (étnico, feminino, corporativo, estratégico, internacional), oportunidades - foram aplicadas para permitir a verificação da manifestação de elementos de natureza empreendedora nesse tipo de organização. Outras, como a concepção de orientação empreendedora, constituíram abordagens emergentes que também foram objeto de investigações por parte dos pesquisadores. Por outro lado, tópicos específicos do campo de empresas familiares, como a sucessão e a interação entre família e empresa, foram explorados em associação ao empreendedorismo, fornecendo explicações a evidências de construção de processos sucessórios empreendedores e da configuração de casais e famílias empreendedoras.

Não obstante, também podem ser observadas algumas lacunas nos estudos, em relação a questões lançadas pelos artigos seminais que não foram exploradas. Primeiro, Hoy e Verser (1994)Hoy, F., & Verser, T. G. (1994). Emerging business, emerging field: entrepreneurship and the family firm. Entrepreneurship Theory and Practice, 19(1), 9-23. ressaltaram a relevância de analisar a interseção entre empresas familiares, empreendedorismo e estratégia, abordagem que não foi adequadamente apreendida pelos pesquisadores. Nesse caso, uma solução seria a exploração da concepção de empreendedorismo estratégico, que envolve a busca pela sustentabilidade de empresas familiares por meio de iniciativas de exploração (exploitation) de produtos/serviços/mercados já operados pela empresa e de exploração (exploration) de novas oportunidades de negócio e novos produtos/serviços/mercados. O envolvimento da família influi sobre a medida na qual uma empresa é capaz de equilibrar exploitation e exploration, refletindo uma ambidestria (ambidexterity) de inovações incrementais e de ruptura (Moss, Payne, & Moore, 2014Moss, T. W., Payne, G. T., & Moore, C. B. (2014). Strategic consistency of exploration and exploitation in family businesses. Family Business Review, 27(1), 51-71.). Segundo, a relação entre família e empreendedorismo, considerada como central para Dyer e Handler (1994)Dyer, W. G., Jr., & Handler, W. (1994). Entrepreneurship and family business: exploring the connections. Entrepreneurship Theory and Practice, 19(1), 71-83., também não foi adequadamente explorada nos estudos. Os autores chamaram a atenção para a necessidade de compreensão do papel desempenhado pela família na conformação do empreendedorismo e do comportamento e da ação de membros de famílias empresárias. Apesar de temáticas como a relação entre empreendedorismo e sucessão, a influência da família sobre o processo empreendedor, casais e equipes empreendedoras efetuarem essa ligação, faltam estudos que agreguem, de forma mais contundente, a dinâmica familiar aos estudos sobre empreendedorismo. Para preencher essa lacuna, duas abordagens poderiam ser exploradas: a concepção de familiness e a de capital social familiar. Acreditamos que essas duas temáticas podem contribuir para inserir, de forma efetiva, a dinâmica familiar nas tentativas de compreensão do fenômeno empreendedor em empresas familiares.

Há, nesse sentido, um conjunto de particularidades de associação entre empreendedorismo e empresas familiares, envolvendo essa dupla influência do papel do fenômeno do empreendedorismo na conformação de empresas familiares e do papel de famílias empreendedoras na ação e na prática de ações empreendedoras. No bojo dessa discussão, podem-se incluir os artigos envolvendo desde a participação e a influência da família no processo empreendedor e o engajamento dos membros da família e de diferentes gerações em iniciativas empreendedoras até a ênfase no comportamento empreendedor de fundadores e sucessores e na orientação empreendedora de empresas familiares. Verifica-se que, nesses tipos de enfoque, há uma preocupação em abordar especificidades do fenômeno empreendedorismo como situado não somente na figura de um fundador empreendedor, mas buscando-se esclarecer características específicas do papel da família e de uma configuração da empresa que tenha direção de uma família empreendedora. Em outros termos, o fenômeno do empreendedorismo nessas empresas se verificaria pelo papel dessas famílias e não exclusivamente pelo papel original de um fundador. Trata-se, portanto, de um conjunto de evidências que abre caminhos para a construção de um campo de pesquisas a ser explorado, tendo como tema a relação empreendedorismo e empresas familiares.

Outro aspecto relevante consiste na abordagem metodológica das pesquisas. Na Tabela 4 apresentam-se os dados sobre os métodos empregados nos artigos consultados.

Tabela 4
MÉTODOS DE PESQUISA SOBRE EMPREENDEDORISMO EM EMPRESAS FAMILIARES

A abordagem quantitativa de pesquisa consiste no método mais empregado pelos pesquisadores que procuram explorar as especificidades da relação entre empreendedorismo e empresas familiares. Tal resultado, por sua vez, encontra-se de acordo com a primazia da aplicação do método quantitativo nos estudos em empresas familiares, conforme exposto por Winter et al. (1998)Winter, M., Fitzgerald, M. A., Heck, R. K. Z., Haynes, G. W., & Danes, S. M. (1998). Revisiting the study of family businesses: methodological challenges, dilemmas, and alternative approaches. Family Business Review, 11(3), 239-252., Zahra e Sharma (2004)Zahra, S. A., & Sharma, P. (2004). Family business research: a strategic reflection. Family Business Review, 17(4), 331-346., Debicki et al. (2009) Debicki, B. J., Matherne, C. F., III, Kellermanns, F. W., & Chrisman, J. J. (2009). Family business research in the new millennium: an overview of the who, the where, the what, and the why. Family Business Review, 22(2), 151-166., Benavides-Velasco et al. (2013)Benavides-Velasco, C. A., Quintana-Garcia, C., & Guzmán-Parra, V. F. (2013). Trends in family business research. Small Business Economics, 40(1), 41-57. e Smyrnios et al. (2013)Smyrnios, K. X., Poutziouris, P. Z., & Goel, S. (2013). Introduction: trends and developments in family business research. In K. X. Smyrnios, P. Z. Poutziouris & S. Goel. Handbook of research on family business (Vol. 1, 2nd. ed. pp. 1-16). Cheltenham: E. Elgar.. Os estudos qualitativos - divididos entre estudos de caso individuais, múltiplos e etnografia -, os ensaios teóricos e os trabalhos de revisão de literatura surgem como alternativas para pesquisadores interessados em questões que não são cobertas por propostas quantitativas de investigação.

Com base no exposto, observa-se que a produção científica no campo de estudos sobre empreendedorismo em empresas familiares ainda permanece restrita à abordagem quantitativa de pesquisa. Embora seja consenso entre os pesquisadores que os métodos quantitativos contribuem para a explicação das características desse tipo de organização, a partir de processos de amostragem mais sofisticados e análises mais robustas que convergem para a configuração de estudos com maior validade e confiabilidade, existe uma chamada por pesquisas de natureza qualitativa, as quais podem gerar evidências que possibilitam compreender, de forma mais aprofundada, as particularidades de empresas familiares (Winter et al., 1998Winter, M., Fitzgerald, M. A., Heck, R. K. Z., Haynes, G. W., & Danes, S. M. (1998). Revisiting the study of family businesses: methodological challenges, dilemmas, and alternative approaches. Family Business Review, 11(3), 239-252.; Zahra & Sharma, 2004Zahra, S. A., & Sharma, P. (2004). Family business research: a strategic reflection. Family Business Review, 17(4), 331-346.; Moores, 2009Moores, K. (2009). Paradigms and theory building in the domain of business families. Family Business Review, 22(2), 167-180.; Borges et al., 2012Borges, A. F., Lescura, C., & Oliveira, J. L. (2012). O campo de pesquisas sobre empresas familiares no Brasil: análise da produção científica no período 1997-2009. Organizações & Sociedade, 19(61), 315-332.). Diante desse cenário, acreditamos que seria apropriado explorar diferentes perspectivas de triangulação de métodos, permitindo a geração e o desenvolvimento de teorias que possibilitem a compreensão e a explicação da dinâmica empreendedora em empresas familiares.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente revisão de literatura permitiu constatar o esforço de diversos autores em lançar luzes sobre a relação entre empresas familiares e empreendedorismo. Os estudos analisados procuraram articular, a partir de aspectos comuns aos dois campos, modelos e teorias que contribuem para uma melhor compreensão das relações existentes entre a dinâmica familiar e a dinâmica empreendedora, gerando evidências para a compreensão do estado atual do campo e também implicações para a realização de futuras pesquisas.

A partir do levantamento efetuado, foi possível verificar algumas tendências para a pesquisa sobre empreendedorismo em empresas familiares. Inicialmente, identificamos alguns meios importantes para a divulgação de trabalhos que abordam temáticas vinculadas ao campo de estudos. Autores interessados em publicar resultados de pesquisa empírica, reflexões teóricas ou esforços de revisão de literatura podem encaminhar seus manuscritos para revistas com maior aceitação do tema, como Family Business Review, Entrepreneurship Theory & Practice, International Journal of Entrepreneurial Behavior and Research, Small Business Economics e Journal of Family Business Strategy.

Cabe, neste momento, ressaltar o papel desempenhado pelos periódicos que fizeram parte do levantamento aqui realizado em fomentar a publicação de trabalhos sobre essa relação, seja por meio de chamadas de trabalho para a configuração de edições especiais do tema, seja por meio da abertura para a temática em suas edições de fluxo contínuo. Nesse contexto, identificamos diferentes temas de pesquisa que ilustram a convergência de concepções teóricas do campo do empreendedorismo e do campo de empresas familiares. Assim, abordagens como orientação empreendedora, casais empreendedores, influência da família sobre o empreendedorismo, manifestação de empreendedorismo em processos de sucessão e manifestação de empreendedorismo no âmbito de empresas familiares (envolvendo questões como risco, comportamento empreendedor, casais/ equipes empreendedoras e criação de novos negócios) constituíram correntes profícuas para a pesquisa e a produção científica. Tópicos como famílias empreendedoras, as diferentes tipologias de empreendedorismo (étnico, corporativo, estratégico, feminino), o processo empreendedor, cultura, aprendizagem e liderança, apesar de pouco estudados, indicam tentativas dos pesquisadores em apreender uma diversidade de perspectivas que se associam a essa relação, colaborando para a conformação de um campo de estudos dinâmico, plural e multifacetado.

Não obstante, apesar dos esforços de direcionamento das pesquisas sobre empreendedorismo em empresas familiares, realizados inicialmente por Brockhaus (1994)Brockhaus, R. H. (1994). Entrepreneurship and family business research: comparisons, critique, and lessons. Entrepreneurship Theory and Practice, 19(1), 25-38., Dyer e Handler (1994)Dyer, W. G., Jr., & Handler, W. (1994). Entrepreneurship and family business: exploring the connections. Entrepreneurship Theory and Practice, 19(1), 71-83. e Hoy e Verser (1994)Hoy, F., & Verser, T. G. (1994). Emerging business, emerging field: entrepreneurship and the family firm. Entrepreneurship Theory and Practice, 19(1), 9-23., e posteriormente por Astrachan (2003)Astrachan, J. H. (2003). Commentary on the special issue: the emergence of a field. Journal of Business Venturing, 18(5), 567-572., Rogoff e Heck (2003)Rogoff, E. G., & Heck, R. K. Z. (2003). Evolving research in entrepreneurship and family business: recognizing family as the oxygen that feeds the fire of entrepreneurship. Journal of Business Venturing, 18(5), 559-566., Poutziouris et al. (2004)Poutziouris, P., Steier, L., & Smyrnios, K. X. (2004). A commentary on family business entrepreneurial developments. International Journal of Entrepreneurial Behavior & Research, 10(1/2), 7-11. e Heck e Mishra (2008)Heck, R. K. Z., & Mishra, C. S. (2008). Family entrepreneurship. Journal of Small Business Management, 46(3), 313-316., muitos dos tópicos levantados não foram adequadamente explorados, seja em termos do volume de estudos, seja em termos da necessária profundidade dos trabalhos. Assim, uma reflexão sobre o conjunto de temas categorizados nesta revisão de literatura permite constatar, a despeito da amplitude temática do campo, que há certa dispersão dos pesquisadores. Dentre os 24 temas identificados, poucos podem ser caracterizados como efetivas correntes de pesquisa envolvendo a relação entre empreendedorismo e empresas familiares. Nesse sentido, haveria a necessidade de um duplo esforço por parte dos pesquisadores, aprofundando investigações sobre abordagens como orientação empreendedora, influência da família sobre o empreendedorismo, sucessão, casais/equipes/famílias empreendedoras, e explorando perspectivas ainda pouco estudadas, como criação de novos negócios, oportunidades, processo empreendedor, aprendizagem, cultura e os diferentes tipos de empreendedorismo. Outra possibilidade a ser explorada é a apreensão de temáticas emergentes no campo de empresas familiares, como as concepções de familiness, capital social familiar, empreendedorismo estratégico, empreendedorismo intergeracional/transgeracional e inovação. A construção de conhecimento sobre essas temáticas contribuiria para o preenchimento de lacunas de pesquisa e para o avanço do campo de estudos.

Do ponto de vista metodológico, observa-se a primazia da aplicação do método quantitativo de pesquisa, em detrimento do uso de métodos qualitativos e triangulações entre ambos os métodos. Como mencionado, há um chamamento por pesquisas orientadas pelo método qualitativo, tanto no campo de estudos sobre empreendedorismo como no campo de estudos sobre empresas familiares. Pesquisas futuras poderiam explorar as possibilidades de pesquisa multimétodo, bem como valorizar a adoção de abordagens qualitativas de investigação, possibilitando uma compreensão mais densa e aprofundada das particularidades da relação entre empreendedorismo e empresas familiares.

Portanto, acreditamos que existe um potencial significativo na utilização da abordagem do empreendedorismo em empresas familiares, o que não deixa de ser também um importante desafio. Concluímos que o alcance do potencial desse campo e o atendimento dos chamamentos dos pesquisadores-líderes da área passam, necessariamente, pela construção de novas possibilidades de pesquisas, envolvendo a configuração efetiva de um campo de estudos sobre empreendedorismo em empresas familiares. Acreditamos que o investimento dos pesquisadores nessa perspectiva emergente possibilitaria a formação de um quadro teórico capaz de contribuir para a compreensão de aspectos intrínsecos à natureza desse tipo de organização. Ao mesmo tempo, tal abordagem, ao englobar fenômenos que se complementam sob o prisma da interação entre família e empresa, contribuiria potencialmente para a geração de conhecimentos mais aprofundados acerca da realidade desse tipo de organização e para a abertura de novos caminhos de pesquisa em empreendedorismo e empresas familiares.

Por fim, cabe ressaltar que não tivemos a pretensão de esgotar a literatura sobre empreendedorismo em empresas familiares e todo o debate sobre seu estado atual e desafios futuros. Além disso, apesar de termos como objetivo revisar a literatura internacional, o cenário do campo no Brasil também merece ser objeto de reflexões. Como exposto, o empreendedorismo tem sido trabalhado no âmbito dos estudos brasileiros sobre esse tipo de empresas. Entretanto, a exploração dessa temática tem sido feita de forma bastante incipiente, com iniciativas isoladas de poucos pesquisadores e grupos de pesquisa. Nesse sentido, esperamos que este trabalho fomente a realização de pesquisas envolvendo a relação entre empreendedorismo e empresas familiares no Brasil, contribuindo para uma melhor compreensão da natureza particular desses objetos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    30 Jan 2015
  • Aceito
    17 Jul 2015
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