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TURISMO VOLUNTÁRIO: UMA EXPERIÊNCIA EM BUSCA DO SENTIDO? VIDA E TRABALHO EM QUESTÃO

RESUMO

Objetivo:

Compreender as motivações do turismo voluntário e qual seria o sentido atribuído à realização dele nas relações com trabalho e vida.

Originalidade/valor:

Justifica-se pela novidade em torno desse turismo e desse ato de voluntariar, com carência de trabalhos no Brasil. Toma como base as mudanças no modo de produção e no trabalho no século XXI que implicaram uma busca por sentido no trabalho e na vida. Nesse sentido, propõe-se um olhar reflexivo para a temática, integrando noções de pós-modernidade e mobilização de subjetividades.

Design/metodologia/abordagem:

Estudo de abordagem qualitativa, com coleta de dados a partir de entrevistas semiestruturadas com 20 sujeitos que participaram de uma experiência de turismo voluntário; análise de dados via análise de conteúdo.

Resultados:

Foram identificados sujeitos que buscam experiências significativas de turismo. Como consumidores, buscam experiências de vida que possam dizer algo sobre si mesmos, que agreguem valor e colabore para a empregabilidade deles. Há produção e consumo de subjetividades em torno do turismo voluntário, voltadas para a busca por sentido na pós-modernidade. O próprio sentido do trabalho se torna uma mercadoria.

PALAVRAS-CHAVE
Turismo voluntário; Pós-modernidade; Sentido do trabalho; Vida; Trabalho

ABSTRACT

Purpose:

This paper aims to understand the motivations involved in volunteer tourism activities and the meaning of the experience to the volunteers in a post-modern context.

Originality/value:

Volunteer tourism is a response to the socioeconomic transformations of the 21st century. It is related to the contemporary search for meaning in the spheres of life and work. In this sense, the study proposes a new reflexive approach to the work debate, integrating issues involving the mobilization of subjectivity and post-modern perspectives.

Design/method/approach:

This study is a qualitative investigation with results collected through semi-structured interviews. Content analysis was used to analyze the transcripts.

Findings:

The participants are individuals who travel abroad seeking a meaningful tourist experience. As consumers, they welcome life experiences that represent particular aspects of their own identity, while also looking for ways to lend added value to their careers and increase their employability. The volunteer tourism industry mobilizes the production and consumption of such subjectivities, which are related to the search for meaning in the post-modern era. Self-realization, intercultural encounters, and a different perspective on reality are some outcomes of this activity. The meaning of work is itself now a merchandising instrument.

KEYWORDS
Volunteer Tourism; Postmodernity; Meaning of Work; Life; Work

1. INTRODUÇÃO

Vive-se num contexto de pós-modernidade em que se destacam questões como a não permanência, a instabilidade de relações, o enfraquecimento de antigas crenças e valores, o esfacelamento da religião, da moral ligada à religião e do sagrado, a dificuldade na manutenção de vínculos em diversos âmbitos sociais (Bauman, 2009Bauman, Z. (2009). Vida líquida. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.; Freitas, 2000Freitas, M. E. (2000). Contexto social e imaginário organizacional moderno. Revista de Administração de Empresas, 40(2), 6-15.). Em um ambiente cada vez mais complexo, mutável e imprevisível, observa-se que não há mais garantias (Bauman, 2009Bauman, Z. (2009). Vida líquida. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.; Gorz, 2005Gorz, A. (2005). Imaterial (o)-Conhecimento, Valor. São Paulo, SP: Annablume.), como ocorre nas relações do sujeito com seu próprio trabalho. Segurança, vínculo empregatício de longo prazo, lealdade do funcionário com a organização e carreira interna foram sendo substituídos por novos arranjos no trabalho e por um novo contrato psicológico voltado para a empregabilidade (Bendassolli, 2007Bendassolli, P. F. (2007). Trabalho e identidade em tempos sombrios. Aparecida, SP: Ideias & Letras.; De Vos & Van der Heijden, 2015De Vos, A., & Van der Heijden, B. I. (eds.). (2015). Handbook of research on sustainable careers. Cheltenham, UK: Edward Elgar.).

O paradigma dominante é pautado pela flexibilização do capital e dos processos produtivos (Harvey, 1996Harvey, D. (1996). Condição pós-moderna: Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultura. São Paulo, SP: Loyola.; Legge, 1995Legge, K. (1995). Human Resources management. London, UK: McMillan Business.). Entra em cena a reinvenção de modos de trabalhar e de viver, a partir de modos de subjetivação que são também mutantes e que mantêm conexões diretas com a atividade produtiva (Guattari & Rolnik, 1986Guattari, F. & Rolnik, S. (1986) Micropolítica: Cartografias do desejo. Rio de Janeiro, RJ: Vozes.; Lazzarato & Negri, 2001Lazzarato, M. & Negri, A. (2001) Trabalho imaterial: Formas de vida e produção de subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A; Mansano & Carvalho, 2015Mansano, S. R. V. & Carvalho, P. R. (2015). Políticas de subjetivação no trabalho: Da sociedade disciplinar ao controle. Psicologia em Estudo, 20(4), 651-661.). A ênfase recai num novo tipo de trabalho de caráter primordialmente imaterial, em que se produzem e se comercializam não somente objetos, mas, principalmente, os modos de vida que a eles estão associados (Bauman, 2009Bauman, Z. (2009). Vida líquida. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.; Lazzarato & Negri, 2001Lazzarato, M. & Negri, A. (2001) Trabalho imaterial: Formas de vida e produção de subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A; Mansano, 2009Mansano, S. R. V. (2009). Sorria, você está sendo controlado: Resistência e poder na sociedade de controle. São Paulo, SP: Summus.).

O trabalho passa a ser visto como "um suporte para a realização do projeto reflexivo do eu: ele é usado para expressar um estilo pessoal, para o cultivo de experiências e competências singulares num movimento contínuo de vinculação e desvinculação institucional" (Bendassolli, 2009aBendassolli, P. F. (2009). Recomposição da relação sujeito-trabalho nos modelos emergentes de carreira. Revista de Administração de Empresas, 49(4)., p. 394). Dada a impossibilidade da relação de longo prazo com as empresas, a identidade do indivíduo se mostra cada vez mais desconectada de seu trabalho e passa a ser constituída em outros âmbitos da vida (Bauman, 2009Bauman, Z. (2009). Vida líquida. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.; Bendassolli, 2007Bendassolli, P. F. (2007). Trabalho e identidade em tempos sombrios. Aparecida, SP: Ideias & Letras.). O consumo passa ser uma das principais fontes de construção de identidade do indivíduo, sendo o trabalho um meio para esse fim (Mansano, 2009Mansano, S. R. V. (2009). Sorria, você está sendo controlado: Resistência e poder na sociedade de controle. São Paulo, SP: Summus.; Bendassolli, 2007Bendassolli, P. F. (2007). Trabalho e identidade em tempos sombrios. Aparecida, SP: Ideias & Letras.). Ademais, o sentido do trabalho também se modifica e não diz mais só a respeito da realização do trabalho em si, mas também à satisfação que ele proporciona ao oportunizar o consumo.

Nesse contexto, fala-se em um sujeito pós-moderno, individualista, de múltiplas identidades, mais receptivo a processos de desterritorialização, que atua em redes sociais cada vez mais virtuais, entre outras características (Freitas, 2000Freitas, M. E. (2000). Contexto social e imaginário organizacional moderno. Revista de Administração de Empresas, 40(2), 6-15.; Bendassolli, 2007Bendassolli, P. F. (2007). Trabalho e identidade em tempos sombrios. Aparecida, SP: Ideias & Letras.), o que leva a pensar em um sujeito em constante busca de sentido.

Assim, novos serviços aparecem de forma a atender às necessidades cada vez mais sofisticadas dos consumidores. As empresas se especializam em criar e satisfazer as constantes demandas desse indivíduo que constrói sua própria identidade ao usufruir dos modos de vida vinculados às mercadorias que consome (Mansano, 2009Mansano, S. R. V. (2009). Sorria, você está sendo controlado: Resistência e poder na sociedade de controle. São Paulo, SP: Summus.; Lazzarato & Negri, 2001Lazzarato, M. & Negri, A. (2001) Trabalho imaterial: Formas de vida e produção de subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A). Na indústria turística, observa-se o aparecimento de um novo nicho de mercado: o turismo voluntário. São agências turísticas com serviços especializados em enviar indivíduos para atuar como voluntários em projetos sociais no exterior, em trabalhos permeados por situações de adversidade (Wearing, 2001Wearing, S. (2001). Volunteer tourism: Experiences that make a difference. Wallingford, UK: Cabi.; Wearing & Poiting, 2009Wearing, S., & Pointing, J. (2009). Breaking down the system: How volunteer tourism contributes to new ways of viewing commodified tourism. In The SAGE Handbook of Tourism Studies (pp. 254-268). London, UK: SAGE Publications.).

Em sua essência, o turismo está relacionado ao trabalho por ser realizado sobretudo em período de férias (Wearing, 2001Wearing, S. (2001). Volunteer tourism: Experiences that make a difference. Wallingford, UK: Cabi.). Conforme expõem Zahra e McIntosh (2007)Zahra, A., & McIntosh, A. J. (2007). Volunteer tourism: Evidence of cathartic tourist experiences. Tourism Recreation Research, 32(1), 115-119., a atividade carrega o caráter de escape ao oferecer uma possibilidade de descanso pelas rotinas de trabalho. Em corroboração a essa ideia, Mansano (2009)Mansano, S. R. V. (2009). Sorria, você está sendo controlado: Resistência e poder na sociedade de controle. São Paulo, SP: Summus. afirma que os pacotes turísticos existentes visam, inclusive, recompensar o trabalhador pelo estresse e pela perturbação vivenciados no ambiente de trabalho, incentivados por imperativos como "Você merece".

Assim, o turismo voluntário chama a atenção por sua natureza turística diferenciada. Envolve situações que fogem do puro lazer e colocam o consumidor em contato com uma realidade incômoda. Sua ideia não está somente atrelada ao lazer, mas também à vivência em situações de miséria em que o turista, na posição de voluntário, aparece para "fazer a diferença" e "contribuir socialmente" de alguma forma (Wearing, 2001Wearing, S. (2001). Volunteer tourism: Experiences that make a difference. Wallingford, UK: Cabi.; Zahra & McIntosh, 2007Zahra, A., & McIntosh, A. J. (2007). Volunteer tourism: Evidence of cathartic tourist experiences. Tourism Recreation Research, 32(1), 115-119.).

Desse modo, argumenta-se aqui que as relações de produção na contemporaneidade culminam na produção de novos modos de viver e na emergência de um sujeito pós-moderno em busca constante por sentido em sua vida. Numa nova relação com o trabalho, outras experiências de vida estariam funcionando como formas de suprir a lacuna deixada por esse conjunto de mudanças. Assim, objetiva-se compreender as motivações do turismo voluntário e qual sera o sentido atribuído à realização dele nas relações com trabalho e vida.

O estudo se justifica, principalmente, pela novidade em torno desse tipo de turismo e desse ato de voluntariar, observando-se uma carência de trabalhos acadêmicos no Brasil sobre o tema. De acordo com pesquisa realizada em novembro de 2016, por meio do critério "palavra-chave" na Scientific Periodicals Electronic Library (Spell), buscaram-se as expressões "volunteer tourism" e "turismo voluntário", sem restrição de tempo, e foram encontrados apenas dois artigos publicados sobre a temática, enquanto uma busca no Portal Periódico Capes levou a 56 artigos internacionais. Esse resultado revelou um campo teórico reconhecido internacionalmente e com potencial para exploração nacional.

Na sequência, discutir-se-ão brevemente trabalho e vida na pós-modernidade e a emergência do turismo voluntário, serão apresentados o percurso metodológico e os principais achados do estudo, e, por fim, as considerações.

2. TRABALHO E VIDA NA PÓS-MODERNIDADE

Ao referir-se aqui à pós-modernidade, está-se implicando a ideia de "não permanência", "mutabilidade" e "incertezas" em diversos âmbitos sociais. Com o fim das estruturas rígidas da estabilidade moderna, dá-se espaço a uma liquidez de vida que molda a sociedade atual.

Conforme posto por Bauman (2009, p. 7)Bauman, Z. (2009). Vida líquida. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.:

É uma forma de vida que tende a ser levada adiante numa sociedade líquido-moderna. "Líquido-moderna" é uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir. [...] as realizações individuais não podem solidificar-se em posses permanentes [...] as condições de ação e as estratégias de reação envelhecem rapidamente e se tornam obsoletas [...].

Toda essa impermanência não possibilita que se solidifiquem projetos e modos de ser e estar no mundo, diferentemente da modernidade em que quadros de referência davam ao indivíduo uma certa sensação de pertinência e estabilidade. Na pós-modernidade, há um maior descentramento do sujeito (Hall, 2003Hall, S. (2003). A Identidade Cultural na Pós-modernidade (7th ed.) Rio de Janeiro, RJ: DP&A.), que passa a se caracterizar por não ter uma identidade fixa, essencial ou permanente, baseada em um único centro. As novas (várias) identidades são, por vezes, contraditórias (Hall, 2003Hall, S. (2003). A Identidade Cultural na Pós-modernidade (7th ed.) Rio de Janeiro, RJ: DP&A., p. 13) e podem mudar de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado a partir de sistemas culturais. São identidades formadas e transformadas continuamente.

No trabalho, o paradigma pós-moderno apresenta uma nova estruturação pautada no trabalho flexível. Globalização e rápidas inovações tecnológicas facilitam a descentralização da produção e dão espaço a um ambiente mercadológico imprevisível. O processo produtivo, agora voltado para demandas especializadas de consumidores, exige sujeitos multifuncionais capazes de participar de todas as etapas da produção, em um trabalho que é material, mas sobretudo imaterial. Essas modificações levam a reestruturações e transformações organizacionais, acompanhadas por discursos gerenciais que visam acomodar essa realidade ao incitar posturas adaptáveis (Harvey, 1996Harvey, D. (1996). Condição pós-moderna: Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultura. São Paulo, SP: Loyola.; Ferrer, 1998Ferrer, F. (1998). Reestruturação Capitalista: Caminhos e descaminhos da tecnologia da informação. São Paulo, SP: Moderna.; Antunes, 1995Antunes, R. (1995). Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. Campinas, SP: Cortez., 2015Antunes, R. (2015). Os sentidos do trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo, SP: Boitempo.).

Nesse modo de produzir, o foco passa a ser na criação de mundos subjetivos e idealizados a partir dos quais as mercadorias entram em circulação e conseguem atrair a atenção do consumidor, o que o eleva a fator primordial de produção, ao passo que as mercadorias são criadas em conformidade com suas necessidades, cuidadosamente planejadas pela indústria do marketing (Bauman, 2009Bauman, Z. (2009). Vida líquida. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.; Mansano, 2009Mansano, S. R. V. (2009). Sorria, você está sendo controlado: Resistência e poder na sociedade de controle. São Paulo, SP: Summus.). Produção e consumo acontecem, portanto, pelo desejo de pertencimento a esse mundo criado, numa promessa constante de alcançar um ideal de vida (Mansano, 2009Mansano, S. R. V. (2009). Sorria, você está sendo controlado: Resistência e poder na sociedade de controle. São Paulo, SP: Summus.; Lazzarato & Negri, 2001Lazzarato, M. & Negri, A. (2001) Trabalho imaterial: Formas de vida e produção de subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A). Sendo assim, com as mercadorias passam a ser comercializados também modos de viver, resultado dos esforços da indústria do marketing em "criar mundos" capazes de gerar identificação ao consumidor (Lazzarato & Negri, 2001Lazzarato, M. & Negri, A. (2001) Trabalho imaterial: Formas de vida e produção de subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A; Mansano, 2009Mansano, S. R. V. (2009). Sorria, você está sendo controlado: Resistência e poder na sociedade de controle. São Paulo, SP: Summus.).

Destarte, o trabalho flexível corrobora uma nova concepção de trabalho e novos vínculos com este. Como afirma Bendassolli (2007, p. 18)Bendassolli, P. F. (2007). Trabalho e identidade em tempos sombrios. Aparecida, SP: Ideias & Letras., ser pós-moderno é "saber combinar um apego e compromisso tênues com a facilidade de realizar o luto pela ruptura do vínculo com a empresa". Esse vínculo é igualmente incerto e instável, uma vez que não é mais garantido com "resultados" e "desempenho". Cabe, então, ao indivíduo buscar sua "inserção profissional" e o desenvolvimento constante de sua empregabilidade (Bendassolli, 2007Bendassolli, P. F. (2007). Trabalho e identidade em tempos sombrios. Aparecida, SP: Ideias & Letras.; De Vos & Van der Heijden, 2015De Vos, A., & Van der Heijden, B. I. (eds.). (2015). Handbook of research on sustainable careers. Cheltenham, UK: Edward Elgar.).

Tal situação gera um estado de risco constante e uma tendência à não atribuição de um sentido maior ao trabalho. Sem referências sólidas de identificação, a incerteza se torna uma constante. As lacunas deixadas por essa estruturação de vida e de trabalho são preenchidas, então, por valores hedônicos, pautados numa busca constante pelo prazer. A impotência ante as incertezas da liquidez de vida e desse mundo flexível do trabalho é ameni­zada pelo prazer proporcionado pelas experiências de consumo. Nesse sentido, Bauman (2009)Bauman, Z. (2009). Vida líquida. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. enfatiza a posição central do consumo como alternativa para a busca por sentido. Além disso, a posse de bens e mercadorias torna-se um meio pelo qual o sujeito mostra para si e para os outros quem é, ou quem imagina ser, seu estilo de vida, seu modo de viver, que precisa ser mostrado.

Assim, adota-se aqui a ideia sujeito pós-moderno. Individualista, é pautado em identidades múltiplas e busca seus objetivos com base em seus próprios interesses, "sem um objetivo único a qual se dedicar, nem uma tradição a que se fixar" (Bendassolli, 2009aBendassolli, P. F. (2009). Recomposição da relação sujeito-trabalho nos modelos emergentes de carreira. Revista de Administração de Empresas, 49(4)., p. 394).

O trabalho nessa conjuntura não perde sua importância moderna, apenas não é primordial e passa a dividir espaço com outros aspectos considerados igualmente relevantes pelo indivíduo.

Trabalho e vida mostram-se aspectos indissociáveis, uma vez que a falta de sentido no trabalho leva a busca para outros âmbitos inerentes à própria vida do sujeito (Sennet, 2000; Antunes, 2015Antunes, R. (2015). Os sentidos do trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo, SP: Boitempo.). Mudanças no modo de viver e no modo de trabalhar se embrincam, exigindo do sujeito novas buscas, novos modos de pensar e agir, de se mostrar e de experimentar nesse novo contexto.

A indústria do turismo, ao oferecer essencialmente novas experiências e sensações, ganha papel de destaque na nova economia (Bauman, 2009Bauman, Z. (2009). Vida líquida. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.). O turismo, por ser realizado no período de férias, expressa o ideal pós-moderno de busca por satisfação ou recompensa em face do desgaste proveniente das rotinas de atividades de trabalho (Mansano, 2009Mansano, S. R. V. (2009). Sorria, você está sendo controlado: Resistência e poder na sociedade de controle. São Paulo, SP: Summus.). Surgem, portanto, diversos pacotes e opções turísticas que visam satisfazer esse sujeito ávido por experiências que forneçam sentido à sua existência. O turismo voluntário aparece, então, como uma das alternativas que visam mobilizar consumidores em busca de experiências extraordinárias, diferentes da sua costumeira realidade de trabalho.

2.1 Turismo voluntário: uma resposta às demandas pós-modernas

Turismo voluntário refere-se a viagens internacionais, intermediadas por uma agência turística responsável por conectar o indivíduo a projetos sociais no exterior (Wearing, 2001Wearing, S. (2001). Volunteer tourism: Experiences that make a difference. Wallingford, UK: Cabi.). Envolve, portanto, trabalho voluntário formal, mas se caracteriza como um serviço oferecido por uma agência turística (Wilson, 2000Wilson, J. (2000). Volunteering. Annual Review of Sociology, 26(1), 215-240.; Wilson & Musick, 1997Wilson, J., & Musick, M. (1997). Who cares? Toward an integrated theory of volunteer work. American Sociological Review, 62(5), 694-713.; Wearing, 2001Wearing, S. (2001). Volunteer tourism: Experiences that make a difference. Wallingford, UK: Cabi.). Está-se referindo a uma indústria, com uma oferta-demanda específica, incitada por meio de propagandas que divulgam as atividades realizadas no programa de voluntariado, além dos atrativos do destino escolhido.

O turismo voluntário [...] refere-se aqui aos turistas que pagam para viajar para algum local onde escolhem usar seu tempo livre para engajar-se em experiências significativas. Os participantes estão envolvidos no auxílio de comunidades por meio de projetos educacionais ou comunitários, restauração e conservação do meio ambiente ou atuando com animais em risco de extinção. [...]. É uma experiência pessoal na qual as pessoas se engajam para preencher motivações intrínsecas as quais podem beneficiar a vida do participante e a comunidade-destino (Lo & Lee, 2011Lo, A. S., & Lee, C. Y. (2011). Motivations and perceived value of volunteer tourists from Hong Kong. Tourism Management, 32(2), 326-334., p. 327).

Wright (2013)Wright, H. (2013). Volunteer tourism and its (mis)perceptions: A comparative analysis of tourist/host perceptions. Tourism and Hospitality Research, 13(4), 239-250., Vrasti (2012)Vrasti, W. (2012). Volunteer tourism in the global South: Giving back in neoliberal times. Oxon, UK: Routledge., Wearing (2001)Wearing, S. (2001). Volunteer tourism: Experiences that make a difference. Wallingford, UK: Cabi. e Wearing e Poiting (2009)Wearing, S., & Pointing, J. (2009). Breaking down the system: How volunteer tourism contributes to new ways of viewing commodified tourism. In The SAGE Handbook of Tourism Studies (pp. 254-268). London, UK: SAGE Publications. concordam que o surgimento da indústria do turismo voluntário está intimamente relacionado com os ideais neoliberais que permeiam a economia do século XXI. Entre as características neoliberais que fomentam a atividade, destacam-se a liberdade econômica, que facilita a mobilidade de voluntários ao redor do globo, a globalização - marco neoliberal que colabora na divulgação e no incentivo do turismo voluntário -; a valorização de políticas de responsabilidade social corporativa - as quais enfatizam as expertises adquiridas na experiência -; e o aquecimento do mercado nas cidades-destino (Wright, 2013Wright, H. (2013). Volunteer tourism and its (mis)perceptions: A comparative analysis of tourist/host perceptions. Tourism and Hospitality Research, 13(4), 239-250.; Vrasti, 2012Vrasti, W. (2012). Volunteer tourism in the global South: Giving back in neoliberal times. Oxon, UK: Routledge.; Wearing, 2001Wearing, S. (2001). Volunteer tourism: Experiences that make a difference. Wallingford, UK: Cabi.).

Sobre o público-alvo a que um serviço de turismo voluntário visa atender, de maneira geral pode-se dizer que se trata de um tipo diferenciado de turista, com aspirações e objetivos distintos dos do turista "convencional" (Wearing, 2001Wearing, S. (2001). Volunteer tourism: Experiences that make a difference. Wallingford, UK: Cabi.; Brown, 2005Brown, S. (2005). Travelling with a purpose: Understanding the motives and benefits of volunteer vacationers. Current Issues in Tourism, 8(6), 479-496.; Caruana, 2007Caruana, R. (2007). A sociological perspective of consumption morality. Journal of Consumer Behaviour, 6(5), 287-304.; Zahra & McIntosh, 2007Zahra, A., & McIntosh, A. J. (2007). Volunteer tourism: Evidence of cathartic tourist experiences. Tourism Recreation Research, 32(1), 115-119.). As motivações particulares para viajar, no entanto, como já visto, são intrínsecas a cada participante (Lo & Lee, 2011Lo, A. S., & Lee, C. Y. (2011). Motivations and perceived value of volunteer tourists from Hong Kong. Tourism Management, 32(2), 326-334.). Indivíduos com desejo maior de ajudar ao próximo são mais propensos a se tornar voluntários. Os motivos centrais podem ser tanto egoísticos quanto partir de um verdadeiro desejo de ajudar - esses dois aspectos não são indissociáveis.

Sob outra perspectiva, Ulusoy (2016)Ulusoy, E. (2016). Experiential responsible consumption. Journal of Business Research, 69(1), 284-297. apresenta um viés diferenciado e considera o de turismo voluntário como um serviço e, consequentemente, analisa a atividade sob o viés do consumo. Caracteriza, portanto, o usuário como um "consumidor responsável", que é definido tipicamente como cidadão que viaja com um propósito maior do que o simples turismo. Esse tipo de consumidor é motivado pelo desejo de retribuir socialmente (to give back), imergir numa nova cultura e fazer a diferença no mundo (make a difference) (Wearing, 2001Wearing, S. (2001). Volunteer tourism: Experiences that make a difference. Wallingford, UK: Cabi.; Brown, 2005Brown, S. (2005). Travelling with a purpose: Understanding the motives and benefits of volunteer vacationers. Current Issues in Tourism, 8(6), 479-496.; Caruana, 2007Caruana, R. (2007). A sociological perspective of consumption morality. Journal of Consumer Behaviour, 6(5), 287-304.).

No contexto brasileiro, ainda não há estudos que ressaltem a motivação dos envolvidos e o sentido atribuído a essa atividade, tema do estudo que será aqui apresentado. Ressalta-se que o presente artigo é fruto de parte dos dados coletados para uma dissertação de mestrado.

3. PERCURSO METODOLÓGICO

Trata-se de uma pesquisa exploratória com vertente qualitativa porquanto se intenta a compreensão do fenômeno sob a perspectiva dos participantes. Cabe ao investigador preocupar-se em identificar "o significado que as pessoas dão às coisas e à vida" (Godoy, 1995Godoy, A. S. (1995). Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de Administração de Empresas, 35(2), 57-63., p. 62).

Foram entrevistados 20 indivíduos que realizaram atividade de turismo voluntário. Com base nos conceitos trabalhados, consideraram-se pessoas que realizaram viagens internacionais intermediadas por agências turísticas responsáveis por conectá-las a projetos sociais no exterior (Wearing, 2001Wearing, S. (2001). Volunteer tourism: Experiences that make a difference. Wallingford, UK: Cabi.), realizando atividades de "trabalho voluntário formal" (Wilson, 2000Wilson, J. (2000). Volunteering. Annual Review of Sociology, 26(1), 215-240.), envolvendo organização do terceiro setor. Entre final de agosto e início de outubro de 2017, iniciou-se o processo de busca por respondentes e coleta de dados. O acesso a esse grupo se mostrou complicado, pois as agências turísticas atendem em todo território nacional e não dependem de uma visita na sede física. Os voluntários, portanto, encontram-se espalhados Brasil afora.

Foram contatadas as agências de viagens que forneciam a modalidade de voluntariado no exterior, bem com as especializadas no serviço. Assim, a Exchange do Bem disponibilizou uma lista de clientes que realizaram viagens intermediadas pela agência. Inicialmente foi realizado um contato por e-mail, e obtiveram-se 11 pessoas interessadas na pesquisa. A rede de contatos com outros voluntários fomentou a atividade - fato constatado no trabalho de McGehee e Santos (2005)McGehee, N. G., & Santos, C. A. (2005). Social change, discourse and volunteer tourism. Annals of Tourism Research, 32(3), 760-779. - e facilitou o acesso a outros indivíduos. A Volunteer Vacations disponibiliza e incentiva o contato entre voluntários por meio de suas contas nas redes sociais (Facebook e Instagram) ao divulgar os perfis dos seus clientes. Conforme Wilson, Goslin e Graham (2012)Wilson, R. E., Gosling, S. D., & Graham, L. T. (2012). A review of Facebook research in the social sciences. Perspectives on Psychological Science, 7(3), 203-220., o Facebook se mostra profícua rede para recrutamento de participantes de pesquisa.

Percebeu-se o networking formado entre os turistas que realizam esses programas. Dependendo do trabalho voluntário desenvolvido, muitas atividades são realizadas em grupos e acabam por incentivar relações interpes­soais que são, inclusive, relatadas como ponto alto das viagens (McGehee & Santos, 2005McGehee, N. G., & Santos, C. A. (2005). Social change, discourse and volunteer tourism. Annals of Tourism Research, 32(3), 760-779.). Assim, o método bola de neve (Bernard, 2017Bernard, H. R. (2017). Research methods in Anthropology: Qualitative and quantitative approaches. Rowman & Littlefield.) se mostrou uma ferramenta também adequada à pesquisa.

Para coleta de dados, foram utilizadas entrevistas semiestruturadas. Esse tipo de entrevista combina perguntas abertas e fechadas em que se segue um roteiro previamente definido (Boni & Quaresma, 2005Boni, V., & Quaresma, S. J. (2005). Aprendendo a entrevistar: como fazer entrevistas em Ciências Sociais. Em Tese, 2(1), 68-80.). Realizaram-se entrevistas presenciais e via aplicativos on-line (Skype ou videoconferência pelo Messenger) conforme disponibilidade ou residência do entrevistado (Janghorban, Roudsari, & Taghipour, 2014Janghorban, R., Roudsari, R. L., & Taghipour, A. (2014). Skype interviewing: The new generation of online synchronous interview in qualitative research. International Journal of Qualitative Studies on Health and Well-being, 9(1), 241-252.). Dos 20 participantes, 15 residem em outros estados/cidades. Os procedimentos de entrevista foram semelhantes tanto na forma presencial como nos aplicativos. Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Em entrevistas on-line, o TCLE foi enviado via e-mail e discutido antes do início.

A análise dos dados foi via análise de conteúdo, a partir da construção de categorias com elementos que foram agrupados em função das características comuns entre eles. O critério escolhido para a construção das categorias foi o semântico, com categorias temáticas que agruparam os elementos significativos relacionados àquele tema (Bardin, 2004Bardin, L. (2004) Análise de conteúdo. Lisboa: Edições, 70.).

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Antes de apontar as motivações para a viagem e discutir os sentidos atribuídos a essa experiência, cabe brevemente apresentar os participantes do estudo. A Figura 4.1 traz as características gerais dos respondentes e da atividade de turismo voluntário realizada.

Figura 4.1
CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS PARTICIPANTES

Observa-se que são, no geral, jovens adultos com idades entre 19 e 32 anos, em momentos de vida/carreira distintos. Em relação ao momento de vida, há um grupo (E1, E3, E4, E8, E9, E10, E13, E14, E15, E18, E19) em início de trajetória profissional com a graduação em curso. Suas experiências profissionais são no geral com estágio. Seus investimentos de vida/carreira são, na maioria das vezes, financiados pelos pais. Encaram o momento atual como uma etapa de descobertas e aprendizados.

Outro grupo (E2, E11, E12, E17, E20) são de pessoas com certa maturidade em decorrência de experiências de vida/carreira vivenciadas até então. Não deixam suas opções de vida em aberto e, na maioria das vezes, sabem já aonde querem chegar.

Há ainda o grupo (E5, E6, E7, E16) de indivíduos que se encontram numa etapa de ascensão profissional, atuando em cargos de responsabilidade e considerados de importância. Esses indivíduos elevam o trabalho a um patamar central de prioridade em suas vidas e possuem um estilo de vida voltado para a competição e para a excelência, tanto no âmbito pessoal como no profissional.

Entende-se que elementos como a história, contexto econômico, cultural e social e momento de vida têm relação com as motivações, o sentido e as escolhas tomadas pelos participantes, implicando sua forma de ser e de viver. Lo e Lee (2011)Lo, A. S., & Lee, C. Y. (2011). Motivations and perceived value of volunteer tourists from Hong Kong. Tourism Management, 32(2), 326-334., em seu estudo sobre turismo voluntário, apresentam o conceito de Dann (1981, p. 205)Dann, G. M. S. (1981). Tourism motivation: An appraisal. Annals of Tourism Research, 8(2), 187-219. sobre motivação turística: "é um estado de espírito significativo que impulsiona um ator ou um grupo de atores para viajar, e que é subsequentemente interpretado por aqueles como uma explicação válida para a decisão". Nesse sentido, a metodologia de pesquisa aqui empregada permite a reflexão a posteriori da experiência pelos participantes.

Assim, na busca por entender as motivações que os levaram a realizar a viagem, os entrevistados trouxeram reflexões sobre seu momento de vida à época de planejamento da viagem. Os relatos abordaram questões que, na interpretação aqui realizada, se relacionam com a busca por sentido na pós-modernidade. Desse modo, com base no conteúdo trazido, após leituras aprofundadas das entrevistas transcritas (Bardin, 2004Bardin, L. (2004) Análise de conteúdo. Lisboa: Edições, 70.), emergiram as categorias apresentadas na Figura 4.2.

Figura 4.2
MOTIVAÇÕES DOS PARTICIPANTES

As categorias formadas serão exploradas nos tópicos específicos que seguem.

4.1 Turismo com significado

Ao referir-se ao turismo voluntário como um turismo com "propósito", Wearing (2001)Wearing, S. (2001). Volunteer tourism: Experiences that make a difference. Wallingford, UK: Cabi. assume que as experiências devam ser significativas ao indivíduo. Quanto à natureza desse "propósito", ela varia de acordo com os interesses pessoais dos participantes. De maneira geral, o voluntariado é majoritariamente o aspecto mais relevante nessa opção turística.

O voluntariado é para tentar colocar um pouco mais de importância nas férias, na viagem em si. Dizer assim: "Ó, eu fui pra algum lugar e fiz alguma coisa diferente, assim, e que ajudou, que teve algum significado". Parece clichê, mas de fato eu não vejo outro motivo para fazer isso (E7).

No entanto, o significado maior da experiência pode ser também conquistado pelas aventuras e experiências que os destinos exóticos podem oferecer. A particpante E20 fala em realizar viagens mais "naturalistas" somadas à opção de realizar um voluntariado. Ao ser indagada sobre o porquê de não realizar apenas um turismo convencional na África do Sul, E20 mostra-se avessa à possibilidade de viajar para "talvez não fazer nada". A participante opta pela atividade, portanto não apenas pelo desejo de voluntariar, mas também pela possibilidade de usufruir dos atrativos naturais do local.

Eu prefiro as minhas experiências de viagens, elas são bem mais na- turalistas, no sentido de buscar energia através das naturezas, da natureza ou de lugares mais exóticos, assim. E o trabalho voluntário, eu atuo no voluntário já tem cinco anos, né? Então eu não pensaria em hipótese nenhuma, talvez, de sair de férias e ir para uma cidade, enfim, grande, que seja pra talvez não fazer nada, sabe? (E20).

A questão do trabalho aparece na ideia do turismo como "escape", aspecto discutido por Zahra e McIntosh (2007)Zahra, A., & McIntosh, A. J. (2007). Volunteer tourism: Evidence of cathartic tourist experiences. Tourism Recreation Research, 32(1), 115-119.. Tal questão é inerente à própria ideia do turismo voluntário, o qual é comumente realizado em período de férias (Wearing, 2001Wearing, S. (2001). Volunteer tourism: Experiences that make a difference. Wallingford, UK: Cabi.), num momento reservado para o descanso num contexto de trabalho. Sendo assim, os destinos exóticos e, de certa forma, isolados do movimento da civilização ocidental permitem aos participantes um distanciamento de suas atividades habituais. O caso de E6 é emblemático nesse sentido, pois o participante alega como principal motivador de suas viagens de férias a necessidade de isolar-se de problemas de trabalho.

Eu fui pra aproveitar, sabe? Eu fui pra fazer algo diferente do que eu faço no meu dia a dia. Meu dia a dia aqui é bem pesado. Então assim, eu trabalho bastante, tenho responsabilidade pra caramba. Eu sou responsável por toda a parte de logística da [...] em Alagoas. Então assim é uma porrada de coisa que eu tenho que fazer todo dia. Então quando você tiver férias, talvez... é por isso que eu tiro férias viajando também, é onde eu desligo o celular [...]. Você desconecta das coisas (E6).

Entretanto, um dos critérios de escolha do país-destino do participante foi, justamente, um país de língua inglesa. A necessidade faz referência às exigências de sua profissão, uma vez que atua numa multinacional e o inglês é um idioma demandando principalmente para profissionais com aspirações de ascensão. A aparente contradição de E6 demonstra a sutileza da separação dos espaços sociais e quão tênues são as barreiras entre vida e trabalho. Isso se reflete nas diferentes expertises agora valorizadas pelas empresas, focadas nos múltiplos saberes abstratos e não apenas em atributos estritamente materiais (Wright, 2013Wright, H. (2013). Volunteer tourism and its (mis)perceptions: A comparative analysis of tourist/host perceptions. Tourism and Hospitality Research, 13(4), 239-250.), num contexto de busca por empregabilidade.

Ademais, o contato e a interação com outras culturas é outra motivação encontrada, bem como o processo de autodescobrimento que é apontado como resultado importante da experiência com o turismo voluntário. Percebe-se que indivíduos muito dedicados às suas carreiras apresentam tendência a sentir um certo vazio identitário, em decorrência da ocupação extrema com tarefas de trabalho e das complicações típicas do dia a dia. Buscam em experiências diferenciadas, portanto, uma forma de reencontrar sua verdadeira essência que se perde em decorrência das turbulências pós-modernas.

Eu acho que às vezes no dia a dia a gente vai fazendo tantas coisas que de repente a gente não acredita tanto, que a gente vê que não é por aí. A gente vê tanta gente passando a perna nos outros, sabe? Sendo meio maquiavélico. Quando a gente tem essas experiências que as pessoas só querem fazer o bem, ajudar. Você um pouco se conecta com quem você realmente, é, sabe? É uma experiência, juro por Deus, quase que divina, assim. É uma experiência de você se reencontrar, sabe? De você voltar a ser quem você realmente é (E16).

Destarte, como aponta Bendassolli (2007)Bendassolli, P. F. (2007). Trabalho e identidade em tempos sombrios. Aparecida, SP: Ideias & Letras., o "não trabalho" se mostra agora fonte de riqueza quando utilizado pelo sujeito como forma de se autodeterminar. Tudo é trabalho - tudo gera valor. Uma viagem que propicia encontros interculturais, desenvolvimento de habilidades e prática de um idioma também faz parte dessa construção, uma vez que contribui para moldar o indivíduo que está atualmente, de alguma forma, ligado ao trabalho. De semelhante modo, não raras vezes o verbo "agregar" foi utilizado nas falas como justificativa para a escolha do país, e, ao serem questionados sobre o porquê dessa escolha, as exigências do mercado de trabalho aparecem em pauta. Numa aproximação com o sentido do trabalho, percebe-se nos relatos a existência de um ethos gerencialista, no qual trabalhar é um "projeto pessoal" incorporado à personalidade do indivíduo (Bendassolli, 2007). Central a esse ethos está ideia do sujeito empreendedor de si, preocupado em traçar estratégias que o tornem valoroso ao mercado. O turismo voluntário é visto, portanto, como uma oportunidade de construção de empregabilidade e adentra aspectos identitários dos indivíduos, os quais buscam experiências de vida significativas de forma a "agregar", também, profissionalmente.

Então era assim, uma oportunidade de juntar o conhecimento, pra­ticar o meu inglês, de conhecer novas culturas e ao mesmo tempo ajudar, né? Então tipo, uniu tudo numa viagem só. As três vezes que eu viajei pro exterior, eu sempre procurei fazer algum curso, alguma coisa que me agregasse (E8).

A viagem, para mim, se ela não tem um significado, eu prefiro até às vezes não fazer. "Cara, o que eu vou ser melhor depois dessa viagem, sabe?"; "Que que eu vou agregar na minha vida depois disso?" (E6).

4.2 Experiências de vida

Para Wilson (2000)Wilson, J. (2000). Volunteering. Annual Review of Sociology, 26(1), 215-240., as motivações para voluntariar podem ser transmitidas aos filhos por meio de um encorajamento em atitudes pró-sociais pelo exemplo concreto vivenciado pelos próprios pais: "Meus pais fazem voluntariado há muito tempo, então eu comecei bem jovem, assim" (E19); "Meu pai é médico e minha mãe é enfermeira, então desde pequeno meu pai leva eu e meu irmão para conhecer o pessoal mais pobre assim [...] ir na casa do pessoal, pra conversar, pra conhecer, mesmo" (E15).

O desejo de retribuir socialmente por meio do turismo voluntário é um dos motores dos participantes. O estudo de Hallmann e Zehrer (2016)Hallmann, K., & Zehrer, A. (2016). How do perceived benefits and costs predict volunteers' satisfaction? Voluntas: International Journal of Voluntary and Nonprofit Organizations, 27(2), 746-767. aponta que pessoas com situações financeiras privilegiadas são mais propensas a realizar a viagem, pois, além de possuírem condições de financiar a viagem, demonstram um interesse em retribuir socialmente de maneira positiva a situação privilegiada em que se encontram. Em algum momento, os participantes experienciaram uma tomada de consciência (McGehee & Santos, 2005McGehee, N. G., & Santos, C. A. (2005). Social change, discourse and volunteer tourism. Annals of Tourism Research, 32(3), 760-779.) acerca da necessidade de uma postura menos egoística: "Eu queria realmente ver como é que é o lado bem pobre, sabe? Queria conhecer porque é muito fácil tu ter uma família financeiramente bem e morar na Europa" (E15); "Muita coisa boa aconteceu na minha vida nesses últimos tempos, e eu queria muito retribuir isso de alguma forma pro universo. É mais uma sensação assim, interna, uma realização interna mesmo" (E17).

Ademais, experiências prévias com voluntariado se apresentam como uma motivação para o turismo voluntário, que aparece então como "um passo a mais": "Eu faço aqui também, então era mais pela experiência tipo, pô, eu faço aqui e quero ver como é que é em outros lugares, né?" (E9).

Os participantes que já haviam realizado o turismo voluntário anteriormente apresentam a primeira viagem como motivador primordial para a segunda. No exemplo de E16, a entrevistada se diz transformada pela capacidade de aprender e vivenciar uma cultura por meio do trabalho. Isso vai ao encontro da pesquisa de Ulusoy (2016)Ulusoy, E. (2016). Experiential responsible consumption. Journal of Business Research, 69(1), 284-297., a qual defende modificações no autoconceito (self) dos participantes em razão da própria natureza do trabalho voluntário no exterior. Conexões cognitivas e relacionamentos interpessoais entre o voluntário com os habitantes locais e até mesmo com outros participantes impulsionam mudanças de comportamento e novas visões de mundo (Ulusoy, 2016Ulusoy, E. (2016). Experiential responsible consumption. Journal of Business Research, 69(1), 284-297.).

Foi uma experiência incrível, eu voltei completamente transformada de lá. Porque eu conheci pessoas que tavam pensando as mesmas coisas que eu. E eu tava muito carente disso porque eu tenho milhares de amigos que têm uma cabeça muito legal, que a gente troca ideia, mas que não bate... assim, que eu falo as coisas e eles falam assim: "Nossa, você viaja". Então lá na Tailândia eu conheci pessoas que falavam a mesma língua que eu. E eu falei: "Pronto, agora toda viagem que eu fizer na minha vida vai ter turismo, mas obrigatoriamente toda viagem vai ter voluntário porque engrandece muito. É você trabalhando, é você vivenciando o local" (E16).

4.3 Momentos de crise

Nessa categoria, será utilizada a definição de Crompton e McKay (1997, p. 427)Crompton, J. L., & McKay, S. L. (1997). Motives of visitors attending festival events. Annals of Tourism Research, 24(2), 425-439., dois teóricos do campo do turismo que descrevem motivação turísticas como "um processo dinâmico de fatores psicológicos internos (necessidades e desejos) que geram um estado de tensão ou desequilíbrio dentro dos indivíduos", tal qual foi nomeado aqui um estado de crise. Nesse sentido, términos de relacionamento são motivos comumente citados, em que o turismo voluntário funciona como uma válvula de escape. Em alguns casos, os participantes vivenciaram momentos de reflexões que culminaram em mudanças subjetivas em diversos âmbitos pessoais. Isso ocorre porque, enquanto estavam envolvidos em relacionamentos, os participantes não conseguiam se dedicar a projetos que fossem exclusivamente pessoais: "Eu queria fazer uma coisa que fosse mais pessoal, que fosse mais da minha vontade" (E2); "Bom, agora é hora de eu realizar meus sonhos" (E20).

Nesse sentido, Zahra e McIntosh (2007)Zahra, A., & McIntosh, A. J. (2007). Volunteer tourism: Evidence of cathartic tourist experiences. Tourism Recreation Research, 32(1), 115-119. já discorriam sobre as recompensas intrínsecas, principalmente na reafirmação de suas identidades. As autoras fazem uma aproximação com perspectivas pós-modernas que vislumbram a busca de autoafirmação dos indivíduos por meio de experiências de consumo. Para legitimar a busca da satisfação por meio do consumo, os participantes referem-se à atividade como um "investimento" ao adotarem uma postura mais autocentrada num momento pós-crise.

Foi um relacionamento que não deu certo [...] de certa forma eu me dediquei muito a esse relacionamento e aí eu falei: "Eu preciso me dedicar a mim". E eu acho que viajar, de certa forma, é um investimento, né? Um investimento pra vida, né? (E20).

Situação semelhante ocorre com E11, mas com especificidades distintas. A participante alega necessitar de uma experiência que reafirmasse sua autonomia e identidade, uma vez que iniciava uma situação em que partilharia a vida com alguém (algo com o qual não estava acostumada). Procurou no turismo voluntário, numa experiência de consumo, os meios para auto­afirmar sua independência ante a nova conjuntura. No trabalho de Bauman (2009)Bauman, Z. (2009). Vida líquida. Rio de Janeiro, RJ: Zahar., a relação identidade-consumo é tomada como um marco pós-moderno. Sem uma referência para se fixar (Bendassolli, 2007Bendassolli, P. F. (2007). Trabalho e identidade em tempos sombrios. Aparecida, SP: Ideias & Letras.), a satisfação proporcionada pelo consumo, ainda que momentânea, funciona como um alicerce para esses sujeitos que buscam satisfazer suas necessidades por meio de processos de compra (Bauman, 2009Bauman, Z. (2009). Vida líquida. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.). Como resultado, constroem-se a si mesmos no que diz respeito à sua identidade, por meio das subjetividades envolvidas na experiência de consumo. Ora, na concepção de E11, uma viagem a um lugar exótico, sozinha, para atuar com animais - uma vontade antiga -, aparece como um alívio à angústia sentida ao se deparar com uma realidade fora do usual. Para a participante, a experiência tinha a primordial intenção de reafirmar aspectos identitários valorizados e postos num estado de "crise" em momento anterior.

4.4 Busca por sentido

Os participantes da pesquisa se dizem motivados a realizar o turismo voluntário por estarem vivenciando um momento de questionamentos em aspectos referentes a diversos âmbitos de suas vidas. Nesse sentido, a viagem ao exterior faz parte de um conjunto de atividades e novas posturas que foram sendo adotadas nesse processo de autodescobertas. O que primordialmente difere essa categoria da categoria "momentos de crise" é o fato de os participantes declararem ter, de fato, buscado a viagem para dar um sentido ou significado maior para suas vidas. Não houve um gatilho em especial, como na categoria anterior, mas sim uma série de acontecimentos que culminaram, juntamente com outros fatores, num turismo voluntário.

Essa "busca por sentido" é comumente relatada como motivador do turismo voluntário dentro da literatura especializada sobre o tema (Wearing, 2001Wearing, S. (2001). Volunteer tourism: Experiences that make a difference. Wallingford, UK: Cabi.; Brown, 2005Brown, S. (2005). Travelling with a purpose: Understanding the motives and benefits of volunteer vacationers. Current Issues in Tourism, 8(6), 479-496.; Caruana, 2007Caruana, R. (2007). A sociological perspective of consumption morality. Journal of Consumer Behaviour, 6(5), 287-304.; Zahra & McIntosh, 2007Zahra, A., & McIntosh, A. J. (2007). Volunteer tourism: Evidence of cathartic tourist experiences. Tourism Recreation Research, 32(1), 115-119.). Diz respeito a uma busca por autorrealização performada por indivíduos que, sem motivo concreto aparente, sentem-se insatisfeitos com sua condição atual de vida. São insatisfações intrínsecas, provenientes de questionamentos internos sobre seu valor no mundo. A participante E5 se diz uma pessoa satisfeita em diversos âmbitos de sua vida - possui boas projeções de carreira, saúde e condições financeiras para viajar -, mas ainda assim passa por um momento de confusão interna. Apresenta uma necessidade aqui interpretada como de "autorrealização". Assim sendo, para satisfazê-la, engaja-se em atividades que, do seu ponto de vista, estimulam qualidade de vida e autoconhecimento.

Eu acho que de repente eu tô também num momento diferente da vida que eu comecei a fazer ioga, também, sabe? [...] Tu para e reavalia tudo, sabe? Tu para e "é isso que eu quero mesmo?". Sabe? Foi um questionamento interno pessoal que foi chamando várias mudanças. [...] Agora eu tô um pouco melhor, porque na época que eu viajei eu tava perdida mesmo. Eu não sabia o que eu queria não no nível profissional, assim, mas da vida, sabe? Parecia que faltava mesmo, assim, alguma coisa, algum sentido maior (E5).

De semelhante modo, percebe-se a busca por sentido no próprio ato de voluntariar. Nesses casos, o trabalho voluntário, seja ele no exterior ou não, é visto como uma forma de fornecer sentido aos participantes na relação com seu trabalho. Relaciona-se à procura de autorrealização em outras atividades.

Eu tenho tentado me redescobrir de que exatamente área de finanças eu quero até o fim da minha vida fazer. Eu uso o voluntário, de certa forma, para essa redescoberta. Então eu já entendi que o voluntário, ele é um trabalho que me traz habilidades ou conhecimento de, por exemplo, trabalhar com pessoas, trabalhar com crianças. [...] O voluntário em si para mim é isso: me traz conhecimentos sobre mim mesma, entendeu? [...] Como aspiração eu já entendi que é isso que move a minha vida. Então eu quero procurar algo que eu possa fazer de melhor para ter algum impacto social, impacto na vida das pessoas (E20).

Assim, entende-se que, em razão de o turismo voluntário ter como resultado final o impacto positivo numa comunidade-destino e a satisfação do voluntário por fazer parte dessa atividade (Wearing, 2001Wearing, S. (2001). Volunteer tourism: Experiences that make a difference. Wallingford, UK: Cabi.), os indivíduos que aderem a essa experiência consomem subjetividades relativas às suas necessidades intrínsecas de "busca por sentido". É uma experiência de consumo extraordinária (Abrahams, 1986Abrahams, R. D. (1986). An ordinary and extraordinary experience. In V. Turner (ed.), The Anthropology of Experience (pp. 45-72). Chicago, IL: University of Chicago.) com potencial de causar transformações pessoais. Nesse sentido, o trabalho voluntário por si só não parece, para alguns entrevistados, satisfazer essa busca por sentido, sendo o turismo voluntário uma opção com mais impacto.

Eu já tinha feito vários trabalhos voluntários aqui mesmo no Brasil, sabe? Na minha cidade mesmo. Já tinha feito alguns trabalhos em hospitais, com crianças... Criança com câncer, fiz doação de sangue, fiz parte de alguns trabalhos em comunidades carentes. E na empresa, atuação e tudo mais. E eu sempre sentia que eu precisava fazer algo mais. Algum tipo de diferença (E14).

O turismo voluntário é uma viagem "muito mais sensitiva do que contemplativa" (E6). A busca por sentido pode, portanto, está pautada nas sensações (ou resultados) dessa experiência. Isto é, o ato de consumir, o efetivo dinheiro dispensado na compra da viagem, parece legitimar a vali­dade dessa solução para alcançar o sentido de vida buscado. Vai ao encontro das demandas pós-modernas, em que "o consumo oferece a possibilidade de se 'ter uma experiência' - numa sociedade em que os indivíduos estão em busca de sensações, o importante é gratificar os desejos imediatos" (Bendassolli, 2007Bendassolli, P. F. (2007). Trabalho e identidade em tempos sombrios. Aparecida, SP: Ideias & Letras., p. 182).

O consumo aparece, então, como uma alternativa viável na busca por sentido quando o trabalho, que permeia diversas esferas da vida do sujeito, não consegue fornecer algo maior (Bauman, 2009Bauman, Z. (2009). Vida líquida. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.).

De uma certa forma no meu trabalho, eu sei que ele tem uma relevância muito grande, mas eu não vejo eu atuando de uma forma tão incisiva na vida das pessoas. Isso é uma coisa que eu sinto muita falta, muita falta mesmo. Como se eu tivesse sede disso e não tivesse conseguindo beber disso (E16).

Por isso que eu escolhi [o turismo voluntário], sabe? Porque, quando a gente tá no dia a dia, na correria, a gente às vezes acaba negligenciando várias coisas. Então tipo, acaba negligenciando a sua relação com sua família, negligencia é a sua boa educação com o próximo, por estresse, por isso (E12).

Percebe-se que os sujeitos se movimentam na construção de quem são (suas identidades), em constante atenção ao que têm a oferecer para o mercado (sua empregabilidade), mas que buscam aliar algum sentido nesse movimento, indo atrás de algo "maior" (turismo que não é só turismo, voluntariado que tem que ter algo diferenciado, viagem ao exterior que não é só viagem).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise das motivações permitiu verificar que o turismo voluntário é resultado de diversos fatores extrínsecos (contextos social e cultural, histórias de vida, momentos) e intrínsecos ao sujeito (desejos, buscas). Cabe destacar que o estudo diz respeito a um grupo de jovens oriundos de famílias com boa situação financeira, com curso superior concluído ou em andamento, que acessam diversas oportunidades profissionais. Além disso, por se tratar de uma atividade turística, não é de se espantar que os participantes já tenham uma certa experiência com viagens, sendo o turismo voluntário tomado como uma experiência diferente ante as já realizadas.

O voluntariado já fazia parte da vida dos entrevistados como forma de autorrealização e um caminho para o descobrimento pessoal. São indivíduos que se identificam com causas sociais e, tendo condições, buscam se engajar em atividades condizentes com suas crenças.

Desse modo, a escolha pelo turismo voluntário, por si só, num momento de férias - comumente destinado a atividades estritamente voltadas ao lazer - revelou a preferência por uma atividade turística e para um voluntariado diferenciado. No contexto atual pós-moderno (Harvey, 1996Harvey, D. (1996). Condição pós-moderna: Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultura. São Paulo, SP: Loyola.; Antunes, 1995Antunes, R. (1995). Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. Campinas, SP: Cortez., 2015Antunes, R. (2015). Os sentidos do trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo, SP: Boitempo.; Ferrer, 1998Ferrer, F. (1998). Reestruturação Capitalista: Caminhos e descaminhos da tecnologia da informação. São Paulo, SP: Moderna.; Bendassolli, 2007Bendassolli, P. F. (2007). Trabalho e identidade em tempos sombrios. Aparecida, SP: Ideias & Letras., 2009aBendassolli, P. F. (2009). Recomposição da relação sujeito-trabalho nos modelos emergentes de carreira. Revista de Administração de Empresas, 49(4)., 2009bBendassolli, P. F. (2009b). Psicologia e trabalho: Apropriações e significados. São Paulo, SP: Cengage Learning.) de comercialização de modos de vida (Mansano, 2009Mansano, S. R. V. (2009). Sorria, você está sendo controlado: Resistência e poder na sociedade de controle. São Paulo, SP: Summus.; Lazzarato & Negri, 2001Lazzarato, M. & Negri, A. (2001) Trabalho imaterial: Formas de vida e produção de subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A), é perceptível a resposta a ofertas por "fazer a diferença" e "retribuir socialmente" (Wearing, 2001Wearing, S. (2001). Volunteer tourism: Experiences that make a difference. Wallingford, UK: Cabi.), o que esteve presente nos discursos dos entrevistados. Em respostas a esses estímulos, os participantes declaram viajar em busca por experiências que preencham necessidades intrínsecas relacionadas a um propósito maior em suas vidas. Tomado como uma experiência de consumo, o turismo voluntário (e todas as subjetividades nele envolvidas) é justificado como fonte de sentido e alternativa ante as mudanças no mundo e crises vivenciadas pelos participantes.

Entretanto, apesar de a necessidade de autorrealização ser vislumbrada como motivação majoritária, percebe-se também a estreita relação com aspectos ligados ao trabalho. Ainda que aleguem buscar o turismo como forma de descanso, procuram aliar a atividade com algo que possa fomentar mais diretamente sua empregabilidade. Tal relação é tão sutil a ponto de se contradizerem nos seus próprios argumentos: revelam uma tentativa de fuga da rotina do trabalho, mas ao mesmo tempo buscam experiências de viagem que possam agregar profissionalmente. Trabalham nas férias e pagam, e não pouco, para trabalhar em condições muitas vezes de miséria.

Destarte, este artigo buscou discutir de que modo as mudanças no modo de produção e no trabalho no século XXI, e na sociedade como um todo, implicaram uma busca ampla por sentido no trabalho e na vida. As fronteiras entre vida e trabalho se misturam de forma acentuada, o sentido do trabalho se modifica ao longo dos tempos. Nesse contexto, tudo deve agregar valor não só às organizações, mas também aos sujeitos, que assim passam a buscar experiências de vida que possam dizer algo sobre eles e aumentar constantemente sua empregabilidade. Desse modo, a busca pelo sentido do trabalho se torna ela mesma uma mercadoria atrelada às subjetividades envolvidas e mobilizadas em torno de seu consumo.

Foram vistos sujeitos que querem fazer algo que tenha sentido, que buscam se autorrealizar, revelando um pouco de suas identidades, em constante atenção ao que têm a oferecer para o mercado. São sujeitos pós-modernos, pautados em valores pessoais, e construindo a si mesmos por meio de experiências de vida consideradas significativas, atreladas a promessas de satisfação vinculadas à oferta de serviços no mercado. Vão atrás de algo "maior": um turismo que não é só turismo, um voluntariado que tem que ter algo diferenciado, uma viagem ao exterior que não é só uma viagem.

Entende-se que há uma contribuição do estudo ao tomar-se o turismo voluntário como experiência de consumo, sendo justificado como fonte de sentido ao conciliar trabalho voluntário, possibilidade de realização, acesso a novas culturas, contato com uma realidade de necessidades e miséria. Amplia o campo teórico propondo um olhar reflexivo para a experiência de turismo voluntário, integrando noções de pós-modernidade e produção e consumo de subjetividades.

Para estudos futuros, sugere-se expandir e aprofundar as análises com o uso de histórias de vida de pessoas que realizaram mais de uma experiência de turismo voluntário ou mesmo com estrangeiros que venham ao Brasil, bem como estudos que discutam a ação voluntária realizada.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2018
  • Aceito
    10 Jul 2018
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