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FINANÇAS COMPORTAMENTAIS: EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS UTILIZANDO MAGIC FORMULA NO MERCADO DE AÇÕES BRASILEIRO1 1 Agradeço a Fernanda Olinto Dimarzio pelo suporte e por me inspirar.

RESUMO

Objetivo:

Explicar as causas das ineficiências na precificação de ativos, na bolsa de valores brasileira, por meio da hipótese das finanças comportamentais.

Originalidade/valor:

Pesquisas feitas no mercado de ações ao longo das últimas décadas sugerem que há evidências de obtenção de retornos superiores à média de mercado, por meio da compra de ativos subva lorizados, isto é, quando estes possuem uma baixa relação entre o preço e os fundamentos da empresa. No entanto, existe uma notável discrepância quanto à interpretação das causas entre os acadêmicos. Foi apresentada hipótese dos mercados eficientes, a qual possui suas bases na premissa da estrita racionalidade dos agentes econômicos. Também se discutiu a teoria das finanças comportamentais que apresenta pressupostos diferentes.

Design/metodologia/abordagem:

Utilizando as cotações históricas das ações negociadas na B3, extraídas da base de dados Economatica(r), o presente trabalho adotou a metodologia Magic Formula para investigar o efeito comportamental, por meio das ineficiências encontradas na precificação desses ativos.

Resultados:

Os resultados sugerem que o mercado de ações brasileiro, em conformidade com trabalhos de mesma natureza realizados em mercados de outros países, possui ineficiências na precificação dos ativos, de forma a ser possível obter vantagens por parte dos agentes econômicos. A interpretação para as causas de tais ineficências se fundamenta nas premissas das finanças comportamentais e aponta para existência de uma limitação da racionalização desses agentes.

PALAVRAS-CHAVE:
Finanças comportamentais; Magic Formula; Precificação; Sobrerreação; Hipótese dos mercados eficientes.

ABSTRACT

Purpose:

Explain the causes of inefficiencies in asset pricing on the Brazilian stock exchange through the behavioral finance hypothesis.

Originality/value:

Research made in the stock market over the last decades suggests that there is evidence of obtaining returns above the market average, through the purchase of undervalued assets, that is, when it has a low relation between the price and the fundamentals of the company. However, there is a notable discrepancy regarding the interpretation of causes among academics. The efficient markets hypothesis was presented, which is based on the premise of the strict rationality of economic agents. On the other hand, the behavioral finance theory was also discussed, which presents different assumptions.

Design/methodology/approach:

Using the historical quotes of the shares traded on B3, extracted from economática(r)'s database, the present work used the Magic Formula methodology to investigate the behavioral effect through the inefficiencies found in the pricing of these assets.

Findings:

The results suggest that the Brazilian stock market, in conformity with works of the same nature performed in markets in other countries, has inefficiencies in the pricing of assets, so that it is possible to obtain advantages from economic agents. The interpretation for the causes of such inefficiencies is based on the premises of behavioral finance, and points to the existence of a limitation in the rationalization of these agents.

KEYWORDS:
Behavioral finance; Magic Formula; Pricing; Overreact; Efficient market hypothesis.

1. INTRODUÇÃO

A discussão a respeito da previsibilidade de retornos superiores à média de mercado é tema de várias pesquisas ao longo das últimas décadas, como é o caso da estratégia value(valor), que por muito tempo vem sendo testada e possui inúmeras evidências a seu favor. Como tais confirmações vêm gerando grande discussão sobre as causas, não há consenso entre os acadêmicos (Thaler, 2019Thaler, R. H. (2019). Misbehaving: A construção da economia comportamental (G. Schlesinger, Trans.). Rio de Janeiro: Intrínseca.).

A interpretação da hipótese dos mercados eficientes (HME) foi questionada por tais evidências. O que é colocado como causa para tais indícios é a hipótese das finanças comportamentais. Para tanto, novas explicações foram necessárias para que se mantivesse a HME (Fama & French, 1993Fama, E. F., & French, K. R. (1993). Common risk factors in the returns on stocks and bonds. Journal of Financial Economics, 33, 3-56. doi:10.1016/ 0304-405x(93)90023-5
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).

O presente trabalho buscou, da mesma forma, encontrar tais evidências por meio da aplicação da metodologia Magic Formula (MF), criada por Greenblatt (2007)Greenblatt, J. (2007). O mercado de ações ao seu alcance (3a. ed.). (C. C. Magri, Trans.). São Paulo: Landscape. , a qual possui os mesmos fundamentos (value) de metodologias presentes em outros trabalhos, porém se utilizando de outros parâmetros. Tal método foi aplicado com base nos ativos da bolsa de valores brasileira (Brasil, Bolsa, Balcão [B3]), no período de 1999 a 2018. A partir disso, buscaram-se respostas aos questionamentos decorrentes por meio da teoria das finanças comportamentais.

O objetivo maior é encontrar evidências que apoiem a teoria das finanças comportamentais por meio da obtenção de retornos consistentes acima da média de mercado, contrapondo os pressupostos da total racionalização e a impossibilidade de haver ineficiências na precificação dos ativos.

A fim de desenvolver o estudo proposto, este artigo está assim dividido: após este texto introdutório, a seção 2 discute os fundamentos teóricos dos temas abordados e cita os principais autores envolvidos; na seção 3, são descritos os procedimentos metodológicos adotados, seguida pela seção 4, em que os resultados da pesquisa são apontados e discutidos. Por fim, a seção 5 apresenta as considerações finais do estudo.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

De acordo com Fama (1965Fama, E. F. (1965). The behavior of stock market prices. The Journal of Business, 38(1), 34-105. doi:10.1086/294743
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, p. 34), como a precificação dos mercados é randômica, "os preços passados não podem ser usados para prever o futuro". Para tal comportamento, o autor deu o título de Random Walk. A discussão já havia se iniciado em Bachelier (1900)Bachelier, L. (1900). Théorie de la spéculation. Annales Scientifiques de L'Êcole Normale Supérieure, 3(17), 21-86. doi:10.24033/asens.476
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, no entanto suas afirmações foram ignoradas por anos. Apenas com Samuelson (1965)Samuelson, P. A. (1965). Proof that properly antecipated prices fluctuate randomly. Industrial Management Review, 41-49. doi:10.1142/97898145 66926_0002
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e Mandelbrot (1966)Mandelbrot, B. (1966). Forecasts of future prices, unbiased markets, and "martingale" models. The Journal of Business, 39(1), 242-255. doi:10.1086/ 294850
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, a relação da aleatoriedade na precificação dos ativos começou a ser associada com o fato de o mercado sempre refletir os reais valores dos ativos. De forma mais clara, "no mercado competitivo há um comprador para todo vendedor. Se um deles pudesse ter certeza de que os preços irão subir, o preço já terá subido" (Samuelson, 1965, p. 41, tradução nossa). As informações adquiridas são incorporadas eficientemente no preço dos ativos, e tal conceito é a base da HME.

Segundo Barberis e Thaler (2003)Barberis, N. & Thaler, R. (2003). A survey of behavioral finance. Handbook of the Economics of Finance. In: G. M. Constantinides & M. Harris & R. M. Stulz (Ed.), Handbook of the Economics of Finance, 1, 1053-1128. doi: 10.3386/w9222
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, tal pressuposto, que os autores denominam "o preço está certo", parte da utilização de modelos em que se consideram os agentes econômicos como "racionais". Por racionalidade, entende-se que tais agentes, ao receberem novas informações, incorporam-nas em suas análises de forma "correta", ou seja, pressupõe-se que esses agentes tomam decisões racionalmente de acordo com uma mesma função utilidade, isto é, todos estão em busca de otimizar valores.

Markowitz (1952)Markowitz, H. (1952). Portfolio selection. The Journal of Finance, 7(1), 77-91. doi:10.2307/2975974
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, ao apresentar suas hipóteses de otimização das carteiras, considera que os agentes econômicos buscam compensar o risco ao buscarem retornos, e isso ocorre com base em funções de utilidade esperada. Dessa forma, "Assumimos que o investidor age (e deve) como se tivesse convicção das probabilidades envolvidas nessas variáveis" (Markowitz, 1952, p. 81, tradução nossa). De acordo com o autor, o trabalho não considerou a maneira pela qual os investidores formam esses pressupostos probabilísticos. É nítida a necessidade de se desenvolver um raciocínio que preencha essas lacunas, isto é, das relações causais que expliquem o comportamento dos investidores. Tal causalidade poderia afetar o rumo que os trabalhos seguiram. Quando se alteram as premissas, supostamente se alteram os resultados, e é nesse ponto, na base em que se apoia a HME, que a teoria das finanças comportamentais coloca seus questionamentos.

Fama (1965)Fama, E. F. (1965). The behavior of stock market prices. The Journal of Business, 38(1), 34-105. doi:10.1086/294743
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confirma a mesma relação risco-retorno de Markowtitz (1952): ter a diversificação como ajuste ao risco. A lógica que se segue é: se a precificação dos ativos segue um movimento aleatório (Random Walk) e, portanto, os preços dos ativos em qualquer instante são a melhor estimativa do seu valor real, não há necessidade de um suposto investidor se ater a descobrir se um ativo está precificado erroneamente. Nesse caso, a única preocupação do investidor deve ser a análise do portfólio quanto ao risco. Risco entendido como o desvio padrão do preço de cada ativo em relação à sua média passada (Fama, 1965). Assim, o investimento deve ser otimizado com a diversificação do montante a ser investido entre um número certo de ações.

Reforça-se que as finanças comportamentais buscam, antes de tudo, questionar o ponto fundamental do qual deriva a lógica da HME, isto é, a consideração de que existe uma estrita racionalidade em busca de otimização (Simon, 1956Simon, H. A. (1956). Rational choice and the structure of the environment. Psychological Review, 63, 129-138. doi:10.1037/h0042769
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; Barberis & Thaler, 2003Barberis, N. & Thaler, R. (2003). A survey of behavioral finance. Handbook of the Economics of Finance. In: G. M. Constantinides & M. Harris & R. M. Stulz (Ed.), Handbook of the Economics of Finance, 1, 1053-1128. doi: 10.3386/w9222
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). Simon (1956) e Arrow (1986)Arrow, K. J. (1986). Rationality of self and others in an economic system. The Journal of Business: The Behavioral Foundations of Economic Theory, 59(4), 385-399. doi:10.1016/s0012-9593(99)90000-9
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indicam uma limitação da racionalidade nas decisões humanas.

A análise apresentada aqui lança sérias dúvidas sobre a real utilidade das teorias econômicas e estatísticas atuais, a respeito do comportamento racional como base para explicar as características humana e de outros organismos de racionalizar. Sugere-se, portanto, uma abordagem alternativa para a descrição do comportamento racional que está mais intimamente relacionado a teorias psicológicas de percepção e cognição (Simon, 1956Simon, H. A. (1956). Rational choice and the structure of the environment. Psychological Review, 63, 129-138. doi:10.1037/h0042769
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, p. 10, tradução nossa).

Em grande medida, se fosse possível encontrar evidências de irracionalidades no mercado financeiro propriamente dito, tal descoberta teria maior impacto, pois acredita-se que nesse mercado há maior eficiência na incorporação das informações nos preços. Para os economistas comportamentais, seria a forma de seus trabalhos ganharem maior prestígio (Thaler, 2019Thaler, R. H. (2019). Misbehaving: A construção da economia comportamental (G. Schlesinger, Trans.). Rio de Janeiro: Intrínseca.).

Para tanto, as formas possíveis de testes deveriam contrariar os postu lados de Fama (1969)Fama, E. F. (1969). Efficient capital markets: a review of theory and empirical work. The Journal of Finance, 25(2), 383-417. doi:10.2307/2325486
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ou, em outras palavras, as três formas de evidenciar as eficiências do mercado:

  • Fraca, que questiona o quanto os preços atuais refletem o comportamento dos preços passados. Esse é o pressuposto é a teoria do Random Walk.

  • Semiforte, que investiga se os preços "refletem totalmente" as informações publicadas, isto é, se não há discrepâncias entre os preços e seu valor intrínseco, gerando retornos consistentes caso identificados.

  • Forte, que alega que apenas haverá retornos superiores se existir um monopólio de informação, ou seja, se a informação estiver disponível somente para alguns.

A aplicação MF como metodologia deste estudo visa questionar a forma semiforte da HME, pois se utiliza de informações financeiras publicadas, a fim de obter retornos superiores de forma consistente e estatisticamente relevante.

2.1 Heurística de representatividade

O viés comportamental adotado como possível explicação dos resultados deste trabalho, assim como em De Bondt e Thaler (1985)De Bondt, W. F. M., & Thaler, R. (1985). Does the stock market overreact? The Journal of Finance, 40(3), 793-805. doi:10.1111/j.1540-6261.1985.tb 05004.x
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e Barberis, Shleifer e Vishny (1998)Barberis, N., Shleifer, A., & Vishny, R. (1998). A model of investor sentiment. Journal of Financial Economics, 49, 307-343. doi:10.1016/S0304-405X(98)00027-0
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, será a heurística de representatividade de Kahneman e Tversky (1973)Kahneman, D., & Tversky, A. (1973). On the psychology of prediction. Psychological Review, 80(4), 237-251. doi:10.1037/h0034747
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. A definição de heurística faz menção ao processo pelo qual as pessoas descobrem alguma coisa por elas mesmas, normalmente por tentativa e erro. De outro modo, pode ser entendido como cálculos aproximados que se baseiam em experiências. Também conhecidos como "regras de bolso" e cálculos mentais, que às vezes chegam perto de fornecer a resposta correta (Shefrin, 2002Shefrin, H. (2002). Beyond greed and fear: Understanding behavioral finance and the psychology of investing. New York: Oxford University Press. doi:10.1093/ 0195161211.001.0001
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).

A heurística de representatividade pode ser entendida como previsões intuitivas que seguem um julgamento. Essas previsões, por sua vez, não são sensíveis à realidade, às evidências ou à probabilidade prévia do resultado, em violação à lógica da previsão estatística. Dessa forma, as pessoas predizem de forma errada eventos extremos e valores exagerados (Tversky & Kahneman, 1974Tversky, A., & Kahneman, D. (1974). Judgment under uncertainty: Heuristics and biases. Science, 185(4157), 1124-1131. doi:10.1017/cbo978051180 9477.002
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). Para Shiller (2015)Shiller, R. J. (2015). Irrational exuberance: Revised and expanded third edition (3rd ed.). New Jersey: Princeton University Press. doi:10.2307/j.ctt1287kz5
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, é a forma como algumas situações familiares são usadas para fazer julgamentos e, portanto, assumir que os padrões futuros se assemelhem com os do passado, sem ao menos refletirem sobre as razões para tais padrões terem ocorrido.

Segundo De Bondt e Thaler (1985)De Bondt, W. F. M., & Thaler, R. (1985). Does the stock market overreact? The Journal of Finance, 40(3), 793-805. doi:10.1111/j.1540-6261.1985.tb 05004.x
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, os indivíduos tendem a dar mais ênfase às informações recentes e ignorar o padrão que havia anteriormente a respeito de algum fator, e, dessa forma, tomam decisões que têm um peso estatístico que dê base para tais especulações.

Em suma, o esforço na aplicação do método foi demonstrar que, quando se compra um ativo com base em informações publicadas, este foi precifi cado de forma errada. Tal evidência é explicitada nos retornos que substancialmente se obtêm quando se compram tais ações, isto é, no prazo de um ano, com ganhos muito superiores ao do índice de mercado de bolsa.

2.2 Magic Formula

A estratégia value consiste em comprar ações que tenham um baixo preço em relação a lucros, dividendos, preços históricos, patrimônio líquido e outros fundamentos das empresas, com o objetivo de obter retornos maiores que o índice de mercado. Assim, as ações que possuem baixa relação de preço com esses parâmetros são conhecidas como value, e as ações que possuem uma alta relação de preço com esses parâmetros são denominadas growth. De forma similar, a estratégia MF, proposta e testada por Greenblatt (2007)Greenblatt, J. (2007). O mercado de ações ao seu alcance (3a. ed.). (C. C. Magri, Trans.). São Paulo: Landscape. , apresentou retornos superiores à média de mercado, contrariando o argumento da HME, ou seja, de que não é possível obter retornos superiores aos do mercado de maneira consistente.

Graham e Dodd (1934)Graham, B., & Dodd, D. L. (1934). Security analysis: Principles and technique. 6th ed. New York: McGraw Hill. e Graham (1949)Graham, B. (1949). O investidor inteligente (L. Sette, Trans.). Rio de Janeiro: Harpercollins. , assim como Dreman (1982)Dreman, D. (1982). Contrarian investment strategies: The psychological edge. New York: Free Press., já haviam evidenciado as possibilidades de se obterem esses retornos e apresentavam argumentos sobre as influências psicológicas que afetavam o mercado, de modo a distorcer os preços no curto prazo. De acordo com esses autores, haveria, no longo prazo, um comportamento de regressão à média que seria compelido pelos fundamentos das empresas. Dessa forma, se um investidor confiasse nesses fundamentos, e não na previsão dos preços, seria possível obter vantagens, isto é, com grande paciência, mas confiando no método.

Joel Greenblatt (2007)Greenblatt, J. (2007). O mercado de ações ao seu alcance (3a. ed.). (C. C. Magri, Trans.). São Paulo: Landscape. , autor da metodologia que será aplicada aqui, fundamenta-se no trabalho de Graham e Dodd (1934)Graham, B., & Dodd, D. L. (1934). Security analysis: Principles and technique. 6th ed. New York: McGraw Hill. não somente como base teórica, mas também como filosofia de investimento dos ativos sob sua gestão.

De modo prático, em Buffet (1984)Buffet, W. E. (1984). The superinvestors of Graham-and-Doddsville. Columbia Business School Magazine, pp. 4-15., são expostos os retornos superiores conquistados pelos adeptos da filosofia de Graham e Dodd (1934)Graham, B., & Dodd, D. L. (1934). Security analysis: Principles and technique. 6th ed. New York: McGraw Hill. . Esses value investors, ou "investidores de valor", estão constantemente buscando as discrepâncias entre os valores e os preços das ações. Dessa forma, esses investidores se concentram, necessariamente, nos fundamentos das empresas como pressuposto para tomada de decisão de investimento e buscam, por meio da análise mais aprofundada, um pensamento independente, na contramão das extravagâncias que o mercado impõe no curto prazo. Se uma empresa foi lucrativa por anos, isso diz respeito às suas qualidades próprias. Melhor dizendo, seu posicionamento competitivo, seu modelo de negócio, gestão, cultura organizacional, vantagens competitivas com fornecedores e clientes, entre outros fatores que culminem na produção de caixa. Eventualmente, podem ocorrer reveses ou vantagens que diminuam ou aumentem a expectativa de um investidor e, assim o façam incorporar tais expectativas nos preços dos ativos. Essas variações, não necessariamente afetam a real capacidade da empresa de produzir valor ao longo do tempo, de forma que, segundo os autores, podem haver grandes oportunidades de compra. A lógica de suas teses de investimentos está nos fundamentos das empresas, e não nos preços das ações (Buffet, 1984).

Como não se pode saber com exatidão os fluxos de caixa futuro, assim como a quantidade de dividendos que serão distribuídos, o melhor a se fazer é buscar maiores discrepâncias; em outras palavras, quanto maior for o valor dos fundamentos em relação ao preço, maior será a proteção em relação às volatilidades dos preços negociados no mercado de ações, denominado por Graham e Dodd (1934)Graham, B., & Dodd, D. L. (1934). Security analysis: Principles and technique. 6th ed. New York: McGraw Hill. e Graham (1949)Graham, B. (1949). O investidor inteligente (L. Sette, Trans.). Rio de Janeiro: Harpercollins. "margem de segurança". Novamente, vale ressaltar que esses autores consideram como motivo para essas discrepâncias as pressões psicológicas. Dessa forma:

Se falarmos com franqueza temos de admitir que as bases do nosso conhecimento para calcular a renda provável dentro de dez anos [...] pouco significam, e às vezes, a nada levam [...] o mercado estará sujeito a ondas de sentimentos otimistas e pessimistas, que são pouco razoá veis e ainda assim legítimos na ausência de uma base sólida para cálculos satisfatórios (Keynes, 1985Keynes J. M. (1985). A teoria geral do emprego, do juro e da moeda: Inflação e deflação (2a. ed.). (R. Kuntz, Trans.). São Paulo: Nova Cultural. , pp. 110-113).

Assim, o melhor a se fazer seria comprar ativos precificados com grande defasagem. De acordo com os pressupostos das finanças comportamentais, essas flutuações não condizem com a real capacidade de produzir valor da empresa, pois possuem influência dos vieses comportamentais. Caso fosse possível obter vantagem disso, ela seria em alguma oportunidade oferecida pelo mercado. Isso motivou os trabalhos que se seguem, os quais, por meio de teste empíricos, relatam tais vantagens.

Basu (1977)Basu, S. (1977). Investment performance of common stocks in relation to their price-earnings ratios: A test of the efficient market hypothesis. The Journal of Finance, 32(3), 663-682. doi:10.1111/j.1540-6261.1977.tb 01979.x
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obteve evidências de que os retornos das ações de empresas que possuíam baixo indicador de preço-lucro (P/L)4 4 A relação preço-lucro (P/L) é tido como uma forma de valuation, em que se pode observar rapidamente o quanto a empresa oferece de retorno para um investimento, dividindo-se o preço de mercado da ação pelo lucro por ação. O P/L tem suas imperfeições, porém, ainda assim, é o indicador mais amplamente reportado e usado para avaliações de valor por investidores profissionais (Gitman, 2010). (preço em razão do lucro da empresa) seriam maiores do que das empresas que possuíam alto P/L. Trabalho que foi muito respeitado e motivou novas pesquisas.

A publicação de De Bondt e Thaler (1985)De Bondt, W. F. M., & Thaler, R. (1985). Does the stock market overreact? The Journal of Finance, 40(3), 793-805. doi:10.1111/j.1540-6261.1985.tb 05004.x
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buscou, além de evidenciar tais retornos, oferecer uma explicação por meio de vieses comportamentais, como discutido a seguir. O teste consiste na elaboração de dois portfólios: um possui ações com os últimos 10% menores retornos nos últimos 36 meses, e o outro tem ações com os 10% maiores retornos no mesmo período. Assim, é avaliado o retorno de cada um dos portfólios nos 60 meses subsequentes. O resultado obtido mostra que o primeiro portfólio, o das ações perdedoras, obtém um retorno de aproximadamente 30%. Para o segundo portfólio, o das ações vencedoras, o resultado é o inverso, obtendo um prejuízo de 10%.

Os autores explicam que os investidores que se apoiam em heurísticas de representatividade se tornam excessivamente pessimistas sobre as ações perdedoras do passado, assim como excessivamente otimistas sobre as ações lucrativas do passado, o que faz com que o preço dessas ações se desvie dos valores fundamentais delas. Por conseguinte, as ações perdedoras do passado são subestimadas, enquanto as ações vencedoras do passado são superestimadas: "Contudo, o erro na precificação não é permanente, com o passar do tempo os erros corrigem-se a si mesmos. Assim, os perdedores terão uma performance melhor em relação ao mercado, enquanto os vencedores terão uma performance pior" (Shefrin, 2002Shefrin, H. (2002). Beyond greed and fear: Understanding behavioral finance and the psychology of investing. New York: Oxford University Press. doi:10.1093/ 0195161211.001.0001
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, p. 34, tradução nossa).

Há ainda trabalhos que evidenciaram outras relações com o mesmo intuito. Banz (1981)Banz, R. W. (1981). The relationship between return and market value of common stocks. Journal of Financial Economics, 9(1), 3-18. doi:10.1016/ 0304-405x(81)90018-0
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propôs a existência de um size effect, isto é, as ações de empresas menores obtinham retornos maiores, na média, que as empresas maiores, ajustados pelo risco, no período entre 1936 e 1977. Fama e French (1993Fama, E. F., & French, K. R. (1993). Common risk factors in the returns on stocks and bonds. Journal of Financial Economics, 33, 3-56. doi:10.1016/ 0304-405x(93)90023-5
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, 1996) e Lakonishok, Shleifer e Vishny (1994)Lakonishok, J., Shleifer, A., & Vishny, R. W. (1994). Contrarian investment, extrapolation, and risk. The Journal of Finance, 49(5), 1541-1578. doi:10.11 11/j.1540-6261.1994.tb04772.x
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fizeram a mesma comparação, porém utilizaram outros indicadores, como B/M, E/P ou C/P5 5 B/M: book to market, valor contábil (ajustado em alguns casos) em relação ao valor de mercado. E/P: earnings to price, lucro da empresa por ação em relação ao preço da ação. C/P: cash flow to price, fluxo de caixa por ação (lucro mais depreciação) em relação ao preço da ação. , e obtiveram uma forte evidência de superioridade dos retornos das carteiras value. Chan, Hamao e Lakonishok (1991)Chan, L. K. C., Hamao, Y., & Lakonishok, J. (1991). Fundamentals and stock returns in Japan. The Journal of Finance, 46(5), 1739-1764. doi:10.1111/j. 1540-6261.1991.tb04642.x
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também evidenciaram tais retornos usando quatros variáveis: E/P, B/M, C/P e tamanho da empresa. Da mesma forma, Piotroski (2000)Piotroski, J. D. (2000). Value investing: The use of historical financial statement information to separate winners from losers. Journal of Accounting Research: Studies on Accounting Information and the Economics of the Firm, 38, 1-41. doi:10.2307/2672906
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testou com a variável B/M em conjunto com outros indicadores fundamentalistas e também constatou um acréscimo nos retornos.

As ações value têm maiores retornos que as ações growth nos mercados mundiais. Para o período entre 1975 e 1995, a diferença entre os retornos médios em portfólios de ações globais de altos e baixos B/M foi de 7,68% ao ano, e as ações value obtiveram melhores retornos que as ações growth em 12 dos 13 maiores mercados (Fama & French, 1998Fama, E. F., & French, K. R. (1998). Value versus Growth: The International Evidence. The Journal of Finance, 53(6), 1975-1999. doi:10.2139/ssrn.2358
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, p. 1975, tradução nossa).

Apesar de Fama e French (1998)Fama, E. F. (1998). Market efficiency, long-term returns, and behavioral finance. The Journal of Financial Economics, 49, 283-306. doi:10.1016/S0304-405X(98)00026-9
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confirmarem a existência de tais pos sibilidades de retornos superiores, a interpretação dada por esses autores é de que haveria um ajuste para o risco e este já não seria mensurado pela volatilidade, afinal, as ações value superavam as ações growth com retornos consistentes ajustados pelo risco. Dessa forma, "Muitos continuam a usar o modelo de um fator de Sharpe-Lintner para avaliar a performance de portfólios e custo de capital apesar da falta de evidência" (Fama & French, 1993, p. 54, tradução nossa). Os autores afirmam, com base em seu modelo de três fatores, que o risco é agora associado aos fundamentos "melhores" ou "piores" da empresa. Por exemplo, o size effect, já apresentado, produz retornos maiores pelo fato de as empresas menores correrem risco maiores. Dessa forma, a HME pode explicar as "ineficiências" encontradas, no entanto, para Thaler (2019Thaler, R. H. (2019). Misbehaving: A construção da economia comportamental (G. Schlesinger, Trans.). Rio de Janeiro: Intrínseca., p. 239, tradução nossa), "não há evidências de que um portfólio de ações value ou de pequenas empresas transpareça mais risco do que um portfólio de grandes ações de crescimento".

Para o mesmo padrão de teste, value, Barberis et al. (1998)Barberis, N., Shleifer, A., & Vishny, R. (1998). A model of investor sentiment. Journal of Financial Economics, 49, 307-343. doi:10.1016/S0304-405X(98)00027-0
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afirmam que há duas formas de os investidores reagirem às informações: subestimando-as e superestimando-as, isto é, sobrerreagindo a elas. O mercado subestima as novas informações que são menos extremas, ou salientes, apesar de possuírem maior peso estatístico. Desse modo, os investidores não incorporam essas informações imediatamente na precificação dos ativos, mas sim, ao longo de um período de 12 meses. Essas informações são lentamente levadas em conta, de modo a ser possível obter vantagens. Em contrapartida, as evidências de sobrerreação mostram que, em períodos mais longos, de três a cinco anos, os preços das ações são superestimados no mesmo sentido que as informações. Isto é, "ativos que possuem um longo registro de boas notícias, tendem a ser avaliados em excesso e têm um baixo retorno mais tarde" (Barberis et al., 1998, p. 308, tradução nossa). Em outras palavras, as ações que obtiveram boas avaliações subsequentes recebem cada vez melhores avaliações, isto é, são precificadas de forma exagerada, de modo que acabam obtendo baixo desempenho depois de um período de sobrerreação, pois seus preços não justificam os lucros, o que faz esses preços regridirem à média. Os autores utilizaram a heurística de representatividade de Tversky e Kahneman (1974)Tversky, A., & Kahneman, D. (1974). Judgment under uncertainty: Heuristics and biases. Science, 185(4157), 1124-1131. doi:10.1017/cbo978051180 9477.002
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para explicar o efeito de sobrerreação dos investidores às informações.

De forma similar aos estudos apresentados, os quais demonstram retornos superiores para a compra de ativos depreciados, isto é, ações value, a aplicação da MF de Greenblatt (2007)Greenblatt, J. (2007). O mercado de ações ao seu alcance (3a. ed.). (C. C. Magri, Trans.). São Paulo: Landscape. obteve durante 17 anos um retorno anual de 30,8%, em comparação com o mesmo período, e a média de retorno das ações norte-americanas no mesmo período foi de 12,3% ao ano. A seleção dessas ações foi feita em uma lista de 3.500 ações, em que utilizaram duas métricas similares a outras adotadas nos trabalhos citados anteriormente.

Olin (2011)Olin, T. (2011). Value investing in the Finnish stock market. (Masters dissertation, Aalto University, Helsinque, Finland). testou a MF no mercado finlandês entre 2000 e 2009 e obteve retornos anuais de 9,4% a 20%, variando conforme a escolha da data de venda. O índice do mercado finlandês no mesmo período obteve retorno de 3,5% ao ano. Zeidler (2014)Zeidler, R. G. D. (2014). Eficiência da magic formula de value investing no mercado brasileiro. Dissertação de mestrado, Fundação Getulio Vargas, São Paulo, SP, Brasil. aplicou a metodologia no mercado brasileiro e obteve um retorno de 27,7% ao ano para a pior carteira considerada, entre os anos de 2002 e 2009. O mercado no mesmo período obteve um retorno anual de 14,1%.

A justificativa para o funcionamento da MF alinha-se com o assunto central deste estudo. Segundo Greenblatt (2007Greenblatt, J. (2007). O mercado de ações ao seu alcance (3a. ed.). (C. C. Magri, Trans.). São Paulo: Landscape. , p. 45), o comportamento do investidor, as emoções que fazem parte do processo de precificação dos ativos, "ainda é minha explicação favorita". O desafio está em identificar se a metodologia que obteve resultados positivos em outros países se aplica ao Brasil e oferecer uma interpretação das possíveis causas a partir das hipóteses das finanças comportamentais.

3. METODOLOGIA

A metodologia que foi aplicada buscou, por meio da análise estatística, fornecer evidências para o pressuposto do comportamento humano nas decisões financeiras. O método pode ainda se caracterizar como indutivo, pois parte de particularidades e generaliza as respostas. No entanto, limita-se a oferecer conclusões apenas prováveis. Dessa forma, "as explicações obtidas mediante a utilização do método estatístico não podem ser consideradas absolutamente verdadeiras, mas dotadas de boa probabilidade de serem verdadeiras" (Gil, 1999Gil, A. C. (1999). Métodos e técnicas de pesquisa social (5a. ed.). São Paulo: Atlas., p. 35).

O período amostral considerado foi de 20 anos. Os dados requeridos foram, para cada empresa da B3, no período de 1999 a 2018, os seguintes:

  • variação de preço de cada ativo para 12 meses subsequentes à data de compra6 6 Refere-se ao primeiro dia pós-data-limite de divulgação dos relatórios financeiros anuais das empresas listadas na bolsa. No caso, para relatórios anuais, contam-se três meses a partir de 31 de dezembro; portanto, a última semana de março e 45 dias a partir da divulgação dos dados trimestrais. O objetivo é eliminar o efeito look-ahead-bias, assim como em Olin (2011) e Zeidler (2014). Tal efeito ocorre quando dados ou informações são considerados, todavia eles não haviam sido divulgados na data considerada pelo estudo. ;

  • EV/Ebit referente aos 12 meses anteriores ao início da formação do port fólio7 7 Os dados utilizados para classificar as ações como aptas ou não para compra se referem ao ano anterior ao da escolha do ativo. Por exemplo, a carteira formada em abril de 2010 terá como critério de escolha os dados anuais das empresas de dezembro de 2009. ;

  • Roic referente aos 12 meses anteriores ao início da formação do portfólio;

  • valor de mercado.

Para cada ano, consideraram-se quatro datas de compra8 8 Exceto para 2018, quando só foi considerada uma compra, cujo término foi em 31 de março de 2019. , isto é, formaram-se quatro carteiras por ano9 9 Para 12 meses somente. . Para cada data, foram formados três tipos de carteira. Para cada tipo de carteira, foi ainda usado um filtro que resultou em mais três carteiras, uma para empresas com valores de mercado abaixo de um bilhão de reais, outra para empresas com valor de mercado acima de um bilhão de reais e ainda outra contemplando todos os ativos. No total, houve 693 dados para a formação de nove médias que foram comparadas com o índice Ibovespa para os mesmos períodos para 12 meses, dados utilizados para a formação da Figura 4.1.1.

A quantidade de empresas escolhidas dependeu da disponibilidade dos parâmetros requisitados pela MF na base de dados utilizada.

O esforço foi extrair o maior número de empresas possíveis disponíveis na base de dados da Economatica(r), de forma a obter maior precisão pos sível nas análises. Outros estudos se utilizaram de outras bases de dados. Por exemplo, Zeidler (2014)Zeidler, R. G. D. (2014). Eficiência da magic formula de value investing no mercado brasileiro. Dissertação de mestrado, Fundação Getulio Vargas, São Paulo, SP, Brasil. aplicou a metodologia MF para o mercado de ações brasileiro, no entanto utilizou a base de dados do terminal Bloomberg.

A seguir, descrevem-se as variáveis utilizadas neste:

  • EV/Ebit: Refere-se à relação entre o enterprise value (EV) e o earnings before interest and taxes (Ebit). O EV representa o valor de mercado da empresa, somado à dívida líquida; e o Ebit, os lucros da empresa anteriores aos pagamentos de juros e taxas; assim é explicitada somente a rentabilidade da operação.

Segundo Greenblatt (2007)Greenblatt, J. (2007). O mercado de ações ao seu alcance (3a. ed.). (C. C. Magri, Trans.). São Paulo: Landscape. , a relação EV/Ebit foi usada no lugar do P/L, pois ela leva em conta não somente o valor de mercado pago pelos acionistas, mas também o montante de dívida utilizado pela empresa para fi - nanciar suas operações, o que "permite colocar em pé de igualdade empresas com diferentes níveis de débito e diferente alíquotas de imposto [...]" (Greenblatt, 2007, p. 148). Costuma-se usar o indicador Ebitda para muitas análises em vez do Ebit, no entanto o Ebitda não subtrai as despesas não desembolsáveis, depreciação e amortização, o que, segundo o autor, pode trazer distorções; afinal não se consideram os altos custos para manutenção do capital (Capex), sendo o Ebit mais próximo disso.

  • Returns on invested capital (Roic): Relaciona o Ebit exposto anteriormente com o total de capital investido, no caso capital de terceiros (dívida) e capital próprio.

Segundo Olin (2011)Olin, T. (2011). Value investing in the Finnish stock market. (Masters dissertation, Aalto University, Helsinque, Finland)., a ideia da MF é encontrar ações que são "baratas" e "boas". Ações são baratas quando o EV/Ebit é baixo. A interpretação disso é que o valor investido obterá retorno mais rapidamente levando em conta a lucratividade baseada no Ebit da empresa. Ações serão "boas" quando o Roic for alto, demonstrando que o capital investido para financiar suas atividades está sendo bem utilizado, de forma a produzir certo montante, o qual representa retorno tanto para o capital próprio quanto para o de terceiros.

A Figura 3.1 fornece um exemplo de como foi feito o ranqueamento dos ativos em cada ano. Observa-se que a coluna "Ranking MF" foi construída a partir do somatório das outras duas colunas "Ranking EV/Ebit" e "Ranking Roic". Estes, por sua vez, foram formados a partir do ranqueamento das colunas "EV/Ebit", quanto menor, mais bem posicionada no ranking EV/Ebit; e "Roic", quanto maior, mais bem posicionada no ranking ROIC.

Figura 3.1
CONSTRUÇÃO DO RANKING MF

CONSTRUÇÃO DO RANKING MF

Fonte: Elaborada pelos autores.

A partir da formação do ranking, foram construídas três carteiras. Uma delas continha os cinco primeiros ativos do "Ranking MF"; a outra, os dez primeiros ativos; e outra, os 30 primeiros ativos. Cada ativo teve o mesmo peso na carteira inicialmente, de forma que o retorno total da carteira foi a média aritmética do retorno de todos os ativos que a compõem em cada período considerado; portanto, não houve reajustes no que diz respeito à variabilidade de cada ativo ao longo do período.

Greenblatt (2007)Greenblatt, J. (2007). O mercado de ações ao seu alcance (3a. ed.). (C. C. Magri, Trans.). São Paulo: Landscape. sugere comprar os 30 primeiros ativos, isto é, as me- lhores ações MF do ranking. Zeidler (2014)Zeidler, R. G. D. (2014). Eficiência da magic formula de value investing no mercado brasileiro. Dissertação de mestrado, Fundação Getulio Vargas, São Paulo, SP, Brasil. construiu carteiras com as cinco, dez e 15 melhores e piores posições. O presente trabalho utilizou as cinco, dez e 30 primeiras empresas para análise. Empresas financeiras, incluindo se- guradoras, foram excluídas por conta das diferenças na contabilização dos balanços, principalmente no que se refere a níveis de endividamento (Greenblatt, 2007).

O retorno anual para níveis de comparação e posterior análise descritiva foi medido por meio da média geométrica. De forma algébrica, a expressão é a que segue:

X ¯ g = i = 1 n x i n

em que:

n = número de períodos considerados;

X = retorno de cada período.

O retorno do primeiro período de uma carteira foi multiplicado pelo retorno do segundo período; este, por sua vez, foi multiplicado pelo retorno do terceiro período e assim sucessivamente, sempre respeitando o número de ativos, de forma a obter a rentabilidade total do período para cada tipo de carteira (cinco, dez ou 30 ativos), no esforço de simular investimentos feitos ao longo dos anos (backtest). Em seguida, obteve-se a média geométrica desse retorno como representada anteriormente, a qual permite visualizarmos a taxa de crescimento anual composta (compound annual growth rate - CAGR), ou seja, a taxa anual com que esse investimento obteve retorno, assim como em Olin (2011)Olin, T. (2011). Value investing in the Finnish stock market. (Masters dissertation, Aalto University, Helsinque, Finland)..

A fim de obter melhor apuração dos resultados, foi aplicado o teste de diferença de médias. O teste buscou apresentar o quanto os resultados são estatisticamente significantes. De modo prático, o quanto os retornos das carteiras MF foram superiores aos retornos do Ibovespa, e isso a um nível de significância de 5% (a = 0,05). Para efeito de comparação, utilizou-se o p-value monocaudal que os testes forneceram.

Para tanto:

H 0 : μ 1 μ 2 H 1 : μ 1 > μ 1

em que:

µ1 = retorno médio anual Ibovespa;

µ2 = retorno médio anual das carteiras MF.

Algebricamente:

t = X ¯ 1 X ¯ 2 S 1 2 n 1 + S 2 2 n 2

em que:

X1 = média amostral dos retornos anuais do Ibovespa;

X2 = média amostral dos retornos anuais das carteiras MF;

S12 = variância amostral dos retornos anuais do Ibovespa;

S22 = variância amostral dos retornos anuais das carteiras MF;

n1 = número de observações de retornos anuais do Ibovespa;

n2 = número de observações de retornos anuais das carteiras MF.

Com o intuito de aprimorar a análise descritiva dos resultados apurados, foram disponibilizados ainda outros parâmetros, apresentados a seguir:

  • Desvio padrão: O desvio padrão é uma importante variável tanto para o tratamento estatístico quanto para o cálculo de outros indicadores que posteriormente foram usados para análise descritiva. Vale dizer que essa medida é comumente associada a risco, pois indica maior ou menor variabilidade nos preços dos ativos. A solução é a formação de um portfólio que busque obter a melhor combinação de ativos de diferentes variabilidades, desse modo, desvios padrão (Markowitz, 1952Markowitz, H. (1952). Portfolio selection. The Journal of Finance, 7(1), 77-91. doi:10.2307/2975974
    https://doi.org/10.2307/2975974...
    ). Apesar de já ter sido questionada a real eficácia de tais medidas de variabilidade na qualificação de risco, como apresentado anteriormente e mais especificamente em Buffet (1984)Buffet, W. E. (1984). The superinvestors of Graham-and-Doddsville. Columbia Business School Magazine, pp. 4-15..

  • Beat: Indicador que expõe, em termos percentuais, quantas vezes a carteira MF superou o índice Ibovespa ao longo do período amostral considerado (20 anos).

  • Sharpe Ratio: Medida comumente utilizada para comparações entre portfólios e, por conta disso, para avaliar a capacidade de gestores em equilibrar a relação risco-retorno, sendo risco entendido como volatilidade dos retornos. A métrica permite analisar o quanto um retorno excede, neste estudo, o ativo livre de risco (Selic) e essa diferença compensada pelo risco. O risco refere-se à volatilidade, como já exposto (desvio padrão). Sharpe (1966)Sharpe, W. F. (1966). Mutual fund performance. The Journal of Business, 29(1), 119-138. doi:10.1086/294846
    https://doi.org/10.1086/294846...
    propôs tal métrica motivado pela impossibilidade de identificar ativos precificados incorretamente, de modo a não ser possível obter retornos superiores à média de mercado. Para tal, o autor se fundamenta na teoria do Random Walk e complementa: "Em um mercado de capital perfeito, qualquer portfólio devidamente diversificado será eficiente; o gestor do fundo mútuo deve selecionar, dentre as possibilidades de portfólios diversificados, aquele com um grau de risco apropriado" (Sharpe, 1966Sharpe, W. F. (1966). Mutual fund performance. The Journal of Business, 29(1), 119-138. doi:10.1086/294846
    https://doi.org/10.1086/294846...
    , p. 46, tradução nossa).

Matematicamente:

S = R c R l σ c

em que:

Rc = retorno médio anual da carteira MF;

R1 = ativo livre de risco;

σc = desvio padrão dos retornos da carteira MF considerada.

  • Sortino Ratio (T): Tal indicador, utilizado também por Davyclov, Tikkanen e Äijö (2016)Davyclov, D., Tikkanen, J., & Äijö, J. (2016). Magic Formula vs. traditional value investment strategies in the finnish stock market. NJB, 65(3-4), 38-54., diferencia-se do indicador Sharpe pelo seu denominador. Usar o desvio padrão para mensurar o risco penaliza os retornos positivos, os quais não deveriam ser tratados da mesma maneira, já que, na prática, obter retornos acima de um benchmark escolhido não deveria ser considerado um risco. Considera-se, portanto, somente o desvio padrão dos períodos em que o retorno não alcançou o benchmark, que no presente trabalho foi o ativo livre de risco brasileiro, Selic (Estrada, 2006Estrada, J. (2006). Downside risk in practice. Journal of Applied Corporate Finance, 18(1), 117-124. doi: 10.1111/j.1745-6622.2006.00080.x
    https://doi.org/10.1111/j.1745-6622.2006...
    ).

Matematicamente:

T = R c R l σ ii

em que:

Rc = retorno médio da carteira considerada;

R1 = retorno médio do ativo livre de risco;

σneg = desvio padrão dos anos de retorno abaixo do ativo livre de risco.

Sendo:

σ neg = 1 n R c > R l R c R l 2

4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A princípio, são apresentados os dados obtidos com a aplicação da metodologia MF, conforme explicada anteriormente. Posteriormente será ofere cida uma análise descritiva para cada informação relevante.

4.1 Apresentação dos resultados

Para facilitar a compreensão e comparação, a Figura 4.1.1 mostra todos os valores resultantes da aplicação do método e seus pormenores, apresentados nos procedimentos metodológicos. Portanto, compreende a aplicação da MF para dados dos últimos 20 anos, sendo quatro carteiras formadas por ano, levando em conta investimentos com validade de 12 meses.

Figura 4.1.1
MAGIC FORMULA 12 MESES

Assim como em Zeidler (2014)Zeidler, R. G. D. (2014). Eficiência da magic formula de value investing no mercado brasileiro. Dissertação de mestrado, Fundação Getulio Vargas, São Paulo, SP, Brasil., todas as carteiras apresentaram retornos CAGR superiores ao Ibovespa. No entanto, as carteiras contendo cinco, dez e 30 melhores ações MF, com valor de mercado acima de um bilhão de reais, não possuem o nível de significância de 5% para que se rejeite a hipótese nula.

A carteira contendo dez e 30 melhores ações MF, com valor de mercado menor que um bilhão de reais, foi a com maior CAGR, isto é, média geométrica, assim como maior média aritmética, e está a um nível de significância de 5%, sendo p-value de 0,03% e 0,09%, respectivamente. Além disso, ambas obtiveram índice Sharpe e Sortino substancialmente maiores que o índice Ibov, indicando maior retorno e menor risco, algo contraditório na concepção da HME, no entanto dispensável para alguns investidores (Greenblatt, 2007Greenblatt, J. (2007). O mercado de ações ao seu alcance (3a. ed.). (C. C. Magri, Trans.). São Paulo: Landscape. ). O indicador beat mostra que, em 77 vezes (compras), as carteiras superaram o mercado 59 e 57 vezes, isto é, 76,6% e 74%, respectivamente.

A carteira que menos obteve retorno foi composta pelas 30 melhores ações MF, com valor de mercado acima de um bilhão de reais. Superou o Ibovespa, mas não obteve a significância estatística requerida (5%). Já os índices Sharpe e Sortino ainda obtiveram larga vantagem em relação ao Ibov, embora fosse considerado um nível de significância de 10%, as carteiras contendo as cinco e dez melhores ações teriam suas médias relevantes estatisticamente.

Dentre todas as carteiras, o Ibovespa teve menor retorno CAGR; menor média aritmética juntamente com maior coeficiente de desvio e, dessa forma, uma maior variabilidade em função da média; índice Sharpe substancialmente menor, indicando maior risco; índice Sortino igualmente inferior, indicando ainda maior risco, em se tratando da variação abaixo do ativo livre de risco.

A Figura 4.1.2 ilustra os retornos de cada uma das carteiras caso esses ativos fossem reinvestidos de 12 em 12 meses, funcionando como juros compostos. Optou-se por utilizar as carteiras MF com as 30 primeiras ações para demonstração.

Figura 4.1.2
RETORNOS REINVESTIDOS

Fonte: Elaborada pelos autores.


É notável a superioridade obtida no longo prazo, principalmente em relação ao Ibovespa, de tal modo que considerar o risco como sempre foi considerado, isto é, pela volatilidade, torna-se desnecessário, afinal, no longo prazo, obtém-se rentabilidade superior que ignora o caminho percorrido (Greenblatt, 2007Greenblatt, J. (2007). O mercado de ações ao seu alcance (3a. ed.). (C. C. Magri, Trans.). São Paulo: Landscape. ). Mesmo assim, outros trabalhos, já demonstrados, retrataram de forma mais precisa que tais retornos ainda existem mesmo que ajustados pelo risco, isto é, medidas de dispersão.

A melhor maneira, portanto, de explicar tais possibilidades de retornos no longo prazo seria admitir os elementos emocionais que no curto prazo dominam as expectativas dos investidores, mas que no longo prazo são percebidos pelo mercado, funcionando assim como uma regressão à média, o que foi inclusive retratado de forma mais precisa em outros trabalhos já citados, mas que fugiria do foco do presente trabalho. Assim, pouco importa essa volatilidade, conquanto o preço pago tenha sido baixo, argumento fundamental da MF (Greenblatt, 2007Greenblatt, J. (2007). O mercado de ações ao seu alcance (3a. ed.). (C. C. Magri, Trans.). São Paulo: Landscape. ).

É possível notar na Figura 4.1.3 mais uma forma de confirmar o padrão de superioridade dos retornos das ações value, cuja porcentagem é maior para todos os tipos de carteiras. Dessa forma, as ações mais bem posicionadas no "Ranking MF" (melhores) - portanto, as ações "boas" e "baratas" - obtiveram retornos maiores em relação às ações posicionadas por último no "Ranking MF" (piores), as quais possuem múltiplos maiores. As ações value, por algum motivo, são ignoradas no curto prazo, o que cria vantagens para os investidores que as compram (Shefrin, 2002Shefrin, H. (2002). Beyond greed and fear: Understanding behavioral finance and the psychology of investing. New York: Oxford University Press. doi:10.1093/ 0195161211.001.0001
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) e aguardam indícios de uma ineficiência no mercado.

Figura 4.1.3
COMPARAÇÃO ENTRE AS MELHORES E PIORES AÇÕES

Os resultados obtidos nas carteiras MF não só obtiveram superioridade expressiva quanto aos retornos, como também na comparação com o risco pelo que é aceito. Outros trabalhos - De Bondt e Thaler (1985)De Bondt, W. F. M., & Thaler, R. (1985). Does the stock market overreact? The Journal of Finance, 40(3), 793-805. doi:10.1111/j.1540-6261.1985.tb 05004.x
https://doi.org/10.1111/j.1540-6261.1985...
, Basu (1977)Basu, S. (1977). Investment performance of common stocks in relation to their price-earnings ratios: A test of the efficient market hypothesis. The Journal of Finance, 32(3), 663-682. doi:10.1111/j.1540-6261.1977.tb 01979.x
https://doi.org/10.1111/j.1540-6261.1977...
, Davyclov et al. (2016)Davyclov, D., Tikkanen, J., & Äijö, J. (2016). Magic Formula vs. traditional value investment strategies in the finnish stock market. NJB, 65(3-4), 38-54., Lakonishok et al. (1994)Lakonishok, J., Shleifer, A., & Vishny, R. W. (1994). Contrarian investment, extrapolation, and risk. The Journal of Finance, 49(5), 1541-1578. doi:10.11 11/j.1540-6261.1994.tb04772.x
https://doi.org/10.11 11/j.1540-6261.199...
, Piotroski (2000)Piotroski, J. D. (2000). Value investing: The use of historical financial statement information to separate winners from losers. Journal of Accounting Research: Studies on Accounting Information and the Economics of the Firm, 38, 1-41. doi:10.2307/2672906
https://doi.org/10.2307/2672906...
, Zeidler (2014)Zeidler, R. G. D. (2014). Eficiência da magic formula de value investing no mercado brasileiro. Dissertação de mestrado, Fundação Getulio Vargas, São Paulo, SP, Brasil., Fama e French (1993)Fama, E. F., & French, K. R. (1993). Common risk factors in the returns on stocks and bonds. Journal of Financial Economics, 33, 3-56. doi:10.1016/ 0304-405x(93)90023-5
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, entre outros - também evidenciaram maiores retornos ajustados pelo risco. Dessa forma, a aplicação do método proposto indica não ser possível rejeitar a hipótese alternativa, melhor dizendo, os dados sugerem a possibilidade de se obterem retornos superiores à média de mercado, bem como propuseram os já citados trabalhos.

Uma possível interpretação se dá pelo viés de representatividade, assim como em Barberis et al. (1998)Barberis, N., Shleifer, A., & Vishny, R. (1998). A model of investor sentiment. Journal of Financial Economics, 49, 307-343. doi:10.1016/S0304-405X(98)00027-0
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e De Bondt e Thaler (1985)De Bondt, W. F. M., & Thaler, R. (1985). Does the stock market overreact? The Journal of Finance, 40(3), 793-805. doi:10.1111/j.1540-6261.1985.tb 05004.x
https://doi.org/10.1111/j.1540-6261.1985...
. Desse modo, diante de uma nova informação publicada, supostamente há uma reação por parte dos agentes econômicos, os quais desviam a decisão da total racio nalidade. Em outras palavras, os vieses comportamentais induzem esses investidores a reagir exageradamente a eventos salientes, sendo enfáticos a respeito de algumas informações e menos a respeito de outras. Ao exagerarem, eles criam espaço para a compra ou venda de ações a preços que não correspondem à real posição da empresa por detrás dessa ação. Os retornos superiores são possíveis para os que aguardam que a discrepância criada retorne à sua média, isto é, ao seu valor intrínseco: "Como pode uma diferença de retorno de 10% a 11% ao ano, entre as ações value e growth, persistir por tanto tempo?" (Lakonishok et al., 1994Lakonishok, J., Shleifer, A., & Vishny, R. W. (1994). Contrarian investment, extrapolation, and risk. The Journal of Finance, 49(5), 1541-1578. doi:10.11 11/j.1540-6261.1994.tb04772.x
https://doi.org/10.11 11/j.1540-6261.199...
, p. 1574, tradução nossa). Tal pergunta retórica induz à hipótese de que o mercado é ineficiente, pelo menos em partes.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, os pressupostos sugeridos pela teoria das finanças comportamentais consideram que os resultados das análises feitas por agentes racionais podem sofrer vieses psicológicos, e isso ocorre por causa da própria característica humana de ter emoções que impedem a mente de agir unicamente de modo racional. A imprevisibilidade dos fatores que afetam a renda das empresas no futuro, influenciando as expectativas dos investidores, e a ação psicológica que surte efeito na racionalização desses investidores criam distorções do preço real do ativo, o que gera espaço para que se obtenham vantagens.

A metodologia adotada no presente trabalho buscou evidenciar se existem tais vantagens, corroborando o silogismo da teoria das finanças comportamentais, ainda que não de forma inédita, já que trabalhos dessa natureza são amplamente conhecidos.

Vale ressaltar que, segundo Thaler (2019)Thaler, R. H. (2019). Misbehaving: A construção da economia comportamental (G. Schlesinger, Trans.). Rio de Janeiro: Intrínseca., ainda não há um consenso sobre a interpretação das causas dos retornos superiores encontrados aqui, de modo que as investigações devem continuar, e, assim, não há a pretensão de criar um modelo que faça previsões e muito menos que elas possam estar corretas. Entretanto, de acordo com Fama (1998Fama, E. F. (1998). Market efficiency, long-term returns, and behavioral finance. The Journal of Financial Economics, 49, 283-306. doi:10.1016/S0304-405X(98)00026-9
https://doi.org/10.1016/S0304-405X(98)00...
, p. 283, tradução nossa), é um indício de eficiência o fato de existirem reações exageradas e subestimadas: "as anomalias do mercado se resumem à chance, e as aparentes sobrerreações dos preços das ações são tão comuns quanto as sub-reações".

Considerando, no entanto, que o comportamento humano é mutável e inconstante, os padrões desses resultados são pouco prováveis de ocorrer ou pelo menos de forma precisa, o que impossibilita, até o momento, a criação de um modelo aceitável. Uma alternativa seria buscar indícios a partir do behaviorismo radical, isto é, a existência do mecanismo do condicionamento operante (Skinner, 2003Skinner, B. F. (2003 [1953]). Ciência e comportamento humano (11th ed). São Paulo: Martins Fontes. [1953]).

Dessa forma, poder-se-ia evidenciar que as mudanças no ambiente produzem estímulos que geram respostas por parte dos agentes, e, assim, por meio de reforços positivos e negativos, a existência de um mecanismo de reação dos indivíduos pode revelar padrões no comportamento. Mais especificamente, os estímulos que os investidores recebem do mercado, isto é, as variações dos preços, geram uma resposta por parte destes. Essa resposta pode ser reforçada ou punida por tendências de alta ou de baixa, ciclos financeiros, resultados positivos ou negativos das empresas e, assim, modelar um comportamento. Vale ressaltar que a mutabilidade do ambiente é levada em conta na teoria do behaviorismo radical, de forma que se considera a adaptabilidade dos indivíduos não engessada, mas constantemente em mutação. Assim, poder-se-ia traçar um paralelo entre a conclusão de Fama (1998)Fama, E. F. (1998). Market efficiency, long-term returns, and behavioral finance. The Journal of Financial Economics, 49, 283-306. doi:10.1016/S0304-405X(98)00026-9
https://doi.org/10.1016/S0304-405X(98)00...
e a de Thaler (2019)Thaler, R. H. (2019). Misbehaving: A construção da economia comportamental (G. Schlesinger, Trans.). Rio de Janeiro: Intrínseca..

Salienta-se que os resultados aqui discutidos limitam-se à amostra considerada e ao período estudado, não devendo ser extrapolados para outras situações. Já os conceitos discutidos e testados neste estudo carecem de pesquisas e testes adicionais a fim de consolidar o entendimento acerca dos temas, contribuindo, dessa forma, para aumentar continuamente o conhecimento acadêmico e científico da comunidade, bem como para oferecer subsídios para as empresas e pessoas que participam dos mercados financeiros tomando decisões.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2020
  • Aceito
    27 Ago 2020
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