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Digitrab: Reflexões sobre o cenário do trabalho mediado por plataformas digitais no Brasil

RESUMO

Objetivo:

Este artigo analisa o cenário brasileiro do trabalho mediado por plataformas digitais (digitrab).

Originalidade/valor:

O digitrab representa o arranjo laboral alternativo ao modelo de emprego tradicional de longo termo que mais tem crescido nos últimos anos. Entretanto, não conhecemos com clareza esse cenário, nem em termos de quantidade nem de diversidade de produtos e serviços ofertados, muito menos quanto ao volume de indivíduos envolvidos. O presente artigo apresenta informações e reflexões que colaboram para a compreensão desses dados no Brasil.

Design/metodologia/abordagem:

Trata-se de um estudo analítico-exploratório. Artigos científicos foram utilizados para discutir as influências tecnológicas, políticas e socioeconômicas que favoreceram a emergência do digitrab e seus efeitos no mundo do trabalho e nos trabalhadores. Para sustentar tal discussão, foi feita uma análise documental de sites e aplicativos móveis (apps) que permitiu um mapeamento quali-quantitativo acerca das plataformas digitais de intermediação ativas no Brasil atualmente.

Resultados:

Foram identificadas mais de 100 empresas atuantes no país que oferecem 11 tipos de serviços nessa modalidade de negócio, com indicação de tendência de crescimento. Observou-se também um movimento de diversificação, absorvendo profissionais de diferentes tipos de formação e níveis educacionais. Tal crescimento se alinha à tendência político-econômica de incentivo ao afrouxamento das relações de trabalho, que individualiza e informaliza os vínculos, enfatizando a neces-sidade de debate sobre a regulamentação desse arranjo de trabalho e de mais pesquisas que se debrucem a investigar suas repercussões sobre a saúde do trabalhador, considerando, ainda, a heterogeneidade presente nessa nova classe.

Palavras-chave
arranjo alternativo de trabalho; plataformas digitais; gig work; uberização; crowdworking

ABSTRACT

Purpose:

This article analyzes the Brazilian scenario of work mediated by digital platforms (digiwork).

Originality/value:

Digiwork represents an alternative work arrangement to the traditional long-term employment model, with the highest growth rate in recent years. Details of this scenario are still unclear regarding the quantity and diversity of the offered products and services and the number of individuals involved. This article presents information and reflections that contribute to understanding these data in Brazil.

Design/methodology/approach:

This is an analytical-exploratory study. Scientific articles were used to discuss technological, political, and socioeconomic influences that supported the emergence of digiwork and its effects on the labor market and the workforce. In order to support this discussion, a documental analysis of websites and mobile application software was carried out, allowing for a qualitative-quantitative mapping of Brazil’s current digital intermediation platforms.

Findings:

More than 100 companies operating in the country were identified as offering 11 types of services in this business, indicating a growing trend. A diversification movement was also observed, absorbing professionals with different kinds of training and schooling levels. Such growth is in line with the political-economic trend of encouraging the loosening of labor relations, which individualizes and informalizes the bonds, emphasizing the need for debate on the regulation of this work arrangement and more research to investigate its repercussions on the worker’s health, also considering the heterogeneity present in this new class.

Keywords
alternative work arrangement; digital platforms; gig work; uberization; crowdworking

INTRODUÇÃO

Os arranjos de trabalho têm se transformado com grande velocidade nas últimas décadas, em parte atendendo aos motes da globalização e da digitalização. Ao mesmo tempo, tais transformações condizem com a agenda neoliberal que compreende o desmonte das instituições, a fragilização do papel do Estado e a flexibilização das leis trabalhistas como fatores neces-sários à sobrevivência do sistema capitalista e da lucratividade (Abílio, 2019Abílio, L. C. (2019). Uberização: Do empreendedorismo para o autogerenciamento subordinado. Psicoperspectivas, 18(3), 1-11. http://dx.doi.org/10.5027/psicoperspectivas-vol18-issue3-fulltext-1674
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; Druck, 2011Druck, G. (2011). Trabalho, precarização e resistências: Novos e velhos desafios? Caderno CRH, 24, 35-56. https://doi.org/10.1590/S0103-49792011000400004
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).

Esse processo se caracteriza por um afrouxamento das relações de trabalho, desencadeando o surgimento de formas alternativas de vinculação entre trabalhador e organização, as quais se distanciam do modelo de emprego formal, estável e de longo termo que figurou, desde a primeira Revolução Industrial, como referência central de arranjo laboral (Barling et al., 2002Barling, J., Inness, M., & Gallagher, D. G. (2002). Alternative work arrangements and employee well being. In P. L. Perrewe & D.C. Ganster (Eds.), Historical and current perspectives on stress and health (Vol. 2, pp.183-216). Emerald Group Publishing. https://doi.org/10.1016/S1479-3555(02)02005-X
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; Spreitzer et al., 2017Spreitzer, G. M., Cameron, L., & Garrett, L. (2017). Alternative work arrangements: Two images of the new world of work. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 4, 473-499. https://doi.org/10.1146/annurev-orgpsych-032516-113332
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). Entre essas formas alternativas, o segmento de trabalho que mais cresce é o gig work (trabalhos de “bico”, contingenciais, realizados sob demanda) (Spreitzer et al., 2017Spreitzer, G. M., Cameron, L., & Garrett, L. (2017). Alternative work arrangements: Two images of the new world of work. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 4, 473-499. https://doi.org/10.1146/annurev-orgpsych-032516-113332
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), especialmente o mediado por plataformas digitais, que aqui denominaremos de “digitrab”.

Por se tratar de um fenômeno recente (embora com expansão em ritmo exponencial), há carência de produções científicas voltadas a analisar esse arranjo de trabalho, tornando esse grupo de trabalhadores sub-representado nas pesquisas da área (Bergman & Jean, 2016Bergman, M. E., & Jean, V. A. (2016). Where have all the “workers” gone? A critical analysis of the unrepresentativeness of our samples relative to the labor market in the industrial-organizational psychology literature. Industrial and Organizational Psychology, 9(1), 84-113. https://doi.org/10.1017/iop.2015.70
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). As que existem encontram-se pulverizadas na literatura, que adota diferentes nomenclaturas, tais como uberização, turkerização, gig economy, gig work, crowdsourcing, crowdworking, work-on-demand via apps, entre outras (Bentivi et al., 2020Bentivi, D. R. C., Carneiro, L. L., & Peixoto, A. L. A. (2020). Trabalhadores em arranjos alternativos de trabalho diante da Covid-19. In M. M. Moraes (Org.), Os impactos da pandemia para o trabalhador e suas relações com o trabalho (pp. 15-22). Artmed.; Schulte et al., 2020Schulte, J., Schlicher, K. D., & Maier, G. W. (2020). Working everywhere and every time? Chances and risks in crowdworking and crowdsourcing work design. Gruppe. Interaktion. Organisation. Zeitschrift für Angewandte Organisationspsychologie, 51, 59-69. https://doi.org/10.1007/s11612-020-00503-3
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).

O digitrab apresenta, em seu bojo, uma grande diversidade de características, variando tanto em termos de conteúdo (o tipo de tarefa realizada) quanto em termos do processo de trabalho em si (geração de produto ou serviço, de forma remota ou presencial etc.). No entanto, em linhas gerais, ele pode ser definido como um arranjo de trabalho próprio de um modelo de negócio que, por meio de uma plataforma on-line, habilita organizações ou indivíduos a acessar outras organizações ou indivíduos para que possam resolver problemas ou prover serviços em troca de pagamento (Ropponen et al., 2019Ropponen, A., Hakanen, J. J., Hasu, M., & Seppänen, L. (2019). Workers’ health, wellbeing, and safety in the digitalizing platform economy. In Poutanen, S., Kovalainen, A., & Rouvinen, P. (Ed.), Digital work and the platform economy (pp. 56-73). Routledge. https://doi.org/10.4324/9780429467929-4
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; Tran & Sokas, 2017Tran, M., & Sokas, R. K. (2017). The gig economy and contingent work: An occupational health assessment. Journal of Occupational and Environmental Medicine, 59(4), e63-e66. https://doi.org/10.1097/JOM.0000000000000977
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). Envolve, assim, pelo menos três partes: a plataforma digital, o cliente/consumidor final e o trabalhador contratado (Schulte et al., 2020Schulte, J., Schlicher, K. D., & Maier, G. W. (2020). Working everywhere and every time? Chances and risks in crowdworking and crowdsourcing work design. Gruppe. Interaktion. Organisation. Zeitschrift für Angewandte Organisationspsychologie, 51, 59-69. https://doi.org/10.1007/s11612-020-00503-3
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).

O uso da internet para fins de vendas de serviços não é algo novo, mas o surgimento de plataformas e aplicativos de intermediação, com escopo funcional cada vez mais diversificado, amplificou demandas, serviços e utilidades. A missão dessas organizações consiste em divulgar e distribuir o trabalho, moderando a relação entre consumidor e trabalhador (Schulte et al., 2020Schulte, J., Schlicher, K. D., & Maier, G. W. (2020). Working everywhere and every time? Chances and risks in crowdworking and crowdsourcing work design. Gruppe. Interaktion. Organisation. Zeitschrift für Angewandte Organisationspsychologie, 51, 59-69. https://doi.org/10.1007/s11612-020-00503-3
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). Do ponto de vista do primeiro, a praticidade e a rapidez que elas oferecem favoreceram sua rápida adesão, potencializada, recentemente, pela pandemia da Covid-19, a qual, por conta das medidas de distanciamento social, levou muitos a utilizar o recurso virtual para que pudessem acessar produtos e serviços. Já do ponto de vista do trabalhador, as plataformas aparecem como um meio relativamente fácil de inserção, permanência ou retorno ao mercado de trabalho. Figuram, assim, como uma possibilidade de sustento cada vez mais procurada, à medida que cresce o desemprego estrutural e diminui a oferta de postos de trabalho formais (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2021Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2021, março). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - Pnad Contínua. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9173-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-trimestral.html?=&t=series-historicas&utm_source=landing&utm_medium=explica&utm_campaign=desemprego
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). Não obstante os benefícios gerados para a sociedade, o digitrab semeia muitas controvérsias, já que não fornece garantias e coloca o trabalhador em uma posição de “falso empreendedorismo”.

Hoje, apesar da sensação de que as plataformas e seus trabalhadores estão por todo o lado, não conhecemos com clareza esse cenário em termos de quantidade, diversidade de produtos e serviços ofertados ou volume de indivíduos envolvidos. A fim de contribuir para a compreensão desse novo arranjo de trabalho, este estudo busca analisar o cenário do digitrab no Brasil. A apresentação desse cenário, por meio de um mapeamento das plataformas ativas no país, contribui para a discussão acerca de como a multiplicidade de serviços nessa modalidade, aliada ao crescimento do quantitativo de trabalhadores inseridos nesse arranjo, pode fomentar a fragilização dos vínculos trabalhador-empregador, com efeitos na diversificação de formas de exploração que degradam a relação do sujeito com o seu trabalho, impedindo que este seja uma maneira de garantir a sobrevivência e de ter uma vida significativa de contribuição para a sociedade.

Para tanto, inicialmente ofereceremos uma contextualização sobre a emergência do digitrab, destacando as características tecnológicas, políticas e socioeconômicas que favoreceram a sua expansão, além de suas implicações para a transformação imposta ao mundo do trabalho. Na sequência, caracterizaremos como o digitrab se apresenta hoje no cenário nacional, a partir da avaliação de aspectos-chave, como dados gerais das plataformas que sustentam esses arranjos, a variedade dos tipos de serviços oferecidos, além de números e qualificações dos trabalhadores envolvidos. Por fim, discutiremos algumas tendências já em curso que podem subsidiar atuações nos campos da pesquisa em geral, das políticas públicas de gestão e do direito do trabalho, apesar das dificuldades de realizar previsões sobre um fenômeno recente e cujo momento de maior impulso ainda está em pleno andamento.

DIGITRAB: EMERGÊNCIA E PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

Para entender o macrocontexto do qual emerge o digitrab, é essencial analisar as influências e pressões da lógica neoliberal sobre o mundo do trabalho. O neoliberalismo é um processo construído historicamente, que, antes de ser uma ferramenta estrutural, econômica ou ideológica, é uma linha de raciocínio. Segundo Ganti (2014)Ganti, T. (2014). Neoliberalism. Annual Review of Anthropology, 43, 89-104. https://doi.org/10.1146/annurev-anthro-092412-155528
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, ele se organiza de duas formas: como uma força estrutural que afeta as possibilidades de vida dos sujeitos e como uma ideologia de governança que molda subjetividades, alterando radicalmente a lógica do trabalho e o perfil das sociedades contemporâneas. Tem como instrumento principal para acelerar as mudanças no mundo de trabalho o princípio universal da concorrência (Andrade & Ota, 2015Andrade, D. P., & Ota, N. K. (2015). Uma alternativa ao neoliberalismo: Entrevista com Pierre Dardot e Christian Laval (Santos, N. P). Tempo Social, 27(1), 275-316. https://www.scielo.br/j/ts/a/PsJH4bJHFgzmKnPmFHM9hDR/?lang=pt
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; Ganti, 2014Ganti, T. (2014). Neoliberalism. Annual Review of Anthropology, 43, 89-104. https://doi.org/10.1146/annurev-anthro-092412-155528
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), não apenas de preços, mas, sobretudo, por meio da inovação, seja técnica ou ideológica. É sob esse novo mecanismo de regulação mercadológica que surge a denominada revolução digital (Ganti, 2014Ganti, T. (2014). Neoliberalism. Annual Review of Anthropology, 43, 89-104. https://doi.org/10.1146/annurev-anthro-092412-155528
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; Whitacker, 2018Whitacker, G. M. (2018). Neoliberalismo, norma e concorrência: Temas para entender o desenvolvimento territorial rural sustentável. Boletim DATALUTA, 121, 1-15. http://www2.fct.unesp.br/nera/artigodomes/1artigodomes_2018.pdf
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), também conhecida como Indústria 4.0 ou Quarta Revolução Industrial, cujo marco inicial foi em 2011, na Feira de Hannover (Alemanha), dedicada ao desenvolvimento de máquinas com a capacidade de executar tarefas cognitivas mais complexas, em geral relacionadas à inteligência artificial (Bentivi et al., 2021Bentivi, D. R. C., Bastos, A. V. B., & Carneiro, L. L. (2021). Novas configurações no mundo do trabalho sob o olhar da psicologia positiva. In A. C. S. Vazquez & C. S. Hutz (Orgs.), Psicologia positiva organizacional e do trabalho na prática (Vol. 2, pp. 71-104). Hogrefe.).

No bojo dessas evoluções, as tecnologias de informação e comunicação (TIC) são responsáveis pela informatização crescente, em nível global, de todas as atividades econômicas. Sob o advento da digitalização, molda-se uma nova organização do mundo do trabalho composta por sistemas, relações e funcionamento focados em conectividade, agilidade, fluidez temporal e descentralidade do ambiente físico organizativo (Gondim, 2020Gondim, T. P. (2020). A luta por direitos dos trabalhadores “uberizados”: Apontamentos iniciais sobre organização e atuação coletivas. Mediações, 25(2), 469-487. https://doi.org/10.5433/2176-6665.2020v25n2p469
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). Assim como ocorreu em revoluções anteriores, a revolução informacional desencadeia uma transformação de paradigma na organização da economia, o que implica novos arranjos sociais e novas instituições, modificando a natureza das atividades econômicas, do emprego, do trabalho e da sociedade como um todo, alicerçados nas prerrogativas neoliberais (Fernández-Macías, 2018Fernández-Macías, E. (2018). Automation, digitalisation and platforms: Implications for work and employment. European Foundation. Publications Office of the European Union. https://hdl.handle.net/1813/87388
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). Como consequência, alcançam uma quantidade ilimitada de sujeitos que se tornam trabalhadores intermitentes globais, aumentando a condição de precariedade do trabalho (Gondim, 2020Gondim, T. P. (2020). A luta por direitos dos trabalhadores “uberizados”: Apontamentos iniciais sobre organização e atuação coletivas. Mediações, 25(2), 469-487. https://doi.org/10.5433/2176-6665.2020v25n2p469
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; Lima & Bridi, 2019Lima, J. C., & Bridi, M. A. (2019). Trabalho digital e emprego: A reforma trabalhista e o aprofundamento da precariedade. Caderno CRH, 32(86), 325-341. https://doi.org/10.9771/ccrh.v32i86.30561
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).

A Indústria 4.0 apoia-se, assim, em uma economia escalonada em demanda, também conhecida como gig economy, que abrange trabalhos e tarefas eventuais, contratados a partir de uma lógica que se distancia do emprego de dedicação integral e que usa, como veículo principal (porém não exclusivo), as startups de plataformas digitais e os aplicativos móveis (apps) (De Stefano, 2016De Stefano, V. (2016). The rise of the “just-in-time workforce”: On-demand work, crowdwork and labour protection in the “gig-economy”. International Labour Office. https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/---travail/documents/publication/wcms_443267.pdf
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public...
; Schulte et al., 2020Schulte, J., Schlicher, K. D., & Maier, G. W. (2020). Working everywhere and every time? Chances and risks in crowdworking and crowdsourcing work design. Gruppe. Interaktion. Organisation. Zeitschrift für Angewandte Organisationspsychologie, 51, 59-69. https://doi.org/10.1007/s11612-020-00503-3
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). Dentro da gig economy, muitas variações de formas alternativas de trabalho surgiram, as quais têm sido predominantemente classificadas em dois grupos, de acordo com a International Labour Organisation - ILO (Berg et al., 2018Berg, J. M., Furrer, M., Harmon, E., Rani, U., & Silberman, M. S. (2018). Digital labour platforms and the future of work: Towards decent work in the online world. International Labour Organisation. https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/---publ/documents/publication/wcms_645337.pdf
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; Cavallini, 2018Cavallini, G. (2018). The classification of crowdwork and work by platforms: Alternatives and implications. In E. Ales, Y. Curzi, I. Senatori, T. M. Fabbri, G. Solinas, & O. Rymkevich (Eds.), Working in digital and smart organizations (pp. 113-137). Palgrave Macmillan. https://doi.org/10.1007/978-3-319-77329-2_7
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; De Stefano, 2016De Stefano, V. (2016). The rise of the “just-in-time workforce”: On-demand work, crowdwork and labour protection in the “gig-economy”. International Labour Office. https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/---travail/documents/publication/wcms_443267.pdf
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).

No primeiro, está o arranjo decorrente da “turkerização do trabalho”1 1 “Turkerização” é uma referência à Amazon’s Mechanical Turk (MTurk), plataforma de intermediação lançada pela empresa Amazon em 2005 que medeia a relação virtual entre empregadores e trabalhadores que aceitam desenvolver tarefas de forma esporádica e sem vinculação formal. , mais conhecido como crowdworking (trabalho de multidão). Nesse caso, a empresa assume o papel de conectar as demandas de terceiros (pessoas físicas ou empresas) a uma força de trabalho global, chamada de “multidão”, pois é composta por uma série de trabalhadores “anônimos” que decidem aceitar ou não as demandas propostas. O trabalho é contratado e realizado de forma on-line e abrange tarefas predominantemente cognitivas, que, inclusive, podem ser direcionadas a alimentar sistemas de inteligência artificial (Moreschi et al., 2020Moreschi, B., Pereira, G., & Cozman, F. G. (2020). The Brazilian workers in Amazon Mechanical Turk: Dreams and realities of ghost workers. Revista Contracampo, 39(1), 44-64. https://doi.org/10.22409/contracampo.v39i1.38252
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). As atividades variam bastante em termos de complexidade, de tempo despendido pelo trabalhador e de retorno financeiro, indo desde clicar em imagens ou rotulá-las até o desenvolvimento de projetos mais complexos, que em muito se assemelham aos contratados em empregos tradicionais, como escrever um livro e propor novas ideias de produtos (Schulte et al., 2020Schulte, J., Schlicher, K. D., & Maier, G. W. (2020). Working everywhere and every time? Chances and risks in crowdworking and crowdsourcing work design. Gruppe. Interaktion. Organisation. Zeitschrift für Angewandte Organisationspsychologie, 51, 59-69. https://doi.org/10.1007/s11612-020-00503-3
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). Apesar de tal variação, predominam nesse grupo as tarefas mais simples, parceladas e monótonas, também classificadas como microtarefas (De Stefano, 2016De Stefano, V. (2016). The rise of the “just-in-time workforce”: On-demand work, crowdwork and labour protection in the “gig-economy”. International Labour Office. https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/---travail/documents/publication/wcms_443267.pdf
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), por serem fruto de um processo que decompõe o trabalho em várias partes menores, as quais são realizadas via intermediação e, posteriormente, reagrupadas para alcançar o objetivo maior envolvido (Durward et al., 2020Durward, D., Blohm, I., & Leimeister, J. M. (2020). The nature of crowd work and its effects on individuals’ work perception. Journal of Management Information Systems, 37(1), 66-95. https://doi.org/10.1080/07421222.2019.1705506
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).

No segundo grupo, está o arranjo associado ao fenômeno da “uberização do trabalho”2 2 “Uberização” é uma referência à Uber, empresa prestadora de serviços eletrônicos na área do transporte privado urbano, lançada em 2009, e que se tornou um modelo de negócio sob demanda, em que o trabalhador atua por conta própria, assumindo custos da produção/serviço. , também chamado de work by platform (trabalho via plataforma) ou work-on-demand via apps (trabalho sob demanda via aplicativos). Diferentemente do que acontece no trabalho de multidão, nesse arranjo os trabalhadores desenvolvem suas tarefas no “mundo real”, não no virtual. Dirigir veículos para transportar pessoas, entregar produtos, realizar serviços de manutenção doméstica ou de limpeza seriam exemplos de tarefas pertinentes a esse grupo. Contudo, assim como acontece no primeiro tipo de arranjo, o controle sobre questões relativas ao tempo de desenvolvimento das tarefas e ao valor a ser recebido por elas costuma ser de responsabilidade das organizações intermediadoras.

Aqui, consideramos que ambos os arranjos podem ser classificados como digitrab. Apesar de possuírem particularidades, têm em comum o fato de abarcarem trabalhos nos quais a contratação do serviço se dá via uma empresa de tecnologia, que usa a internet para conectar a demanda e a oferta de trabalho, alcançando trabalhadores que se disponibilizam para a tarefa “na mesma hora” e que são remunerados de acordo com uma lógica de “pagamento conforme o uso” (De Stefano, 2016De Stefano, V. (2016). The rise of the “just-in-time workforce”: On-demand work, crowdwork and labour protection in the “gig-economy”. International Labour Office. https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/---travail/documents/publication/wcms_443267.pdf
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). Ter uma nomenclatura específica para designar esse fenômeno não desconsidera sua complexidade. Ao contrário, pode contribuir para o avanço das pesquisas sobre o tema, legitimando a existência dessa forma de vinculação entre trabalhador e organização, a qual, muitas vezes, fica em segundo plano enquanto as discussões são mais voltadas para o modelo de negócio, as plataformas ou mesmo as tarefas envolvidas, e não para o arranjo de trabalho em si.

Embora esteja claro que o digitrab está crescendo velozmente, ainda é difícil vislumbrar o quantitativo de trabalhadores envolvidos. Isso acontece especialmente porque ele pode funcionar, para alguns indivíduos, como uma forma complementar e/ou esporádica de atuação e, para outros, como trabalho principal. Assim, deparamo-nos com uma classe trabalhadora complexa, com processos laborais heterogêneos (Druck, 2011Druck, G. (2011). Trabalho, precarização e resistências: Novos e velhos desafios? Caderno CRH, 24, 35-56. https://doi.org/10.1590/S0103-49792011000400004
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). Para Brawley (2017)Brawley, A. M. (2017). The Big, gig picture: We can’t assume the same constructs matter. Industrial and Organizational Psychology, 10(4), 687-696. https://doi.org/10.1017/iop.2017.77
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, torna-se particularmente importante para os cientistas da área investigar o grupo de trabalhadores denominado por ela de “gig trabalhadores sérios”, que são aqueles que reconhecem o digitrab como sua ocupação laboral basilar.

Conquanto a palavra de ordem divulgada seja empreendedorismo, na prática, o que se vê é um arranjo de trabalho que se aproxima mais da informalidade do que do trabalho autônomo de profissionais independentes. Na configuração atual, a chamada “inclusão digital” demanda um novo perfil de trabalhador: adaptável, ágil e empreendedor (Lundvall, 2017Lundvall, B.-Å. (2017). Is there a technological fix for the current global stagnation?: A response to Daniele Archibugi, Blade Runner economics: Will innovation lead the economic recovery? Research Policy, 46(3), 544-549. https://doi.org/10.1016/j.respol.2016.06.011
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). No entanto, a conotação empregada ao empreendedorismo é bem diferente da ideia do empresário inovador, representando, na verdade, a transferência dos riscos para o trabalhador, que se apresenta como responsável por si próprio, sendo contratado como prestador de serviços de natureza autônoma, sem vínculo empregatício e sem acesso à seguridade social (Abramides-Brasil & Cardoso, 2019Abramides-Brasil, N. M., & Cardoso, J. A. (2019). Relações de trabalho em plataformas digitais: Desafios ao direito do trabalho a partir do estudo de caso da Uber nos tribunais regionais trabalhistas brasileiros. In F. C. Severi & F. Trentini (Orgs.), Desenvolvimento do estado democrático de direito: Coletânea de estudos em comemoração aos 05 anos do programa de mestrado em direito na FDRP-USP (pp. 152-180). Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP. http://www.direitorp.usp.br/wp-content/uploads/2019/10/10-11_LIVRO_DESENVOLVIMENTO-NO-ESTADO-DEMOCR%C3%81TICO-DE-DIREITO_FN_REVISTO_2.pdf
http://www.direitorp.usp.br/wp-content/u...
; Bentivi et al., 2020Bentivi, D. R. C., Carneiro, L. L., & Peixoto, A. L. A. (2020). Trabalhadores em arranjos alternativos de trabalho diante da Covid-19. In M. M. Moraes (Org.), Os impactos da pandemia para o trabalhador e suas relações com o trabalho (pp. 15-22). Artmed.; Gondim, 2020Gondim, T. P. (2020). A luta por direitos dos trabalhadores “uberizados”: Apontamentos iniciais sobre organização e atuação coletivas. Mediações, 25(2), 469-487. https://doi.org/10.5433/2176-6665.2020v25n2p469
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; Lima & Bridi, 2019Lima, J. C., & Bridi, M. A. (2019). Trabalho digital e emprego: A reforma trabalhista e o aprofundamento da precariedade. Caderno CRH, 32(86), 325-341. https://doi.org/10.9771/ccrh.v32i86.30561
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). Essa recusa da condição do empregador e a transferência das responsabilidades não foram criadas pelo desenvolvimento das TIC, mas acabam sendo facilitadas por elas. Se, por um lado, a disponibilidade de dados poderia ser um fator que facilitaria a regulamentação do trabalho, seu uso, por outro, tem sido o oposto, podendo acentuar a falta de limites à exploração do trabalho e à precarização de suas condições.

Assim, muitos desses trabalhadores se percebem como empregados de meio período, e não como empreendedores (Ravenelle, 2019Ravenelle, A. J. (2019). “We’re not uber”: Control, autonomy, and entre-preneurship in the gig economy. Journal of Managerial Psychology, 34(4), 269-285. https://doi.org/10.1108/JMP-06-2018-0256
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). Isso acontece porque, apesar da suposta flexibilidade usufruída pelo trabalhador, sua classificação se confunde em uma neblina que mistura autonomia e subordinação, pois, em muitos casos, é a plataforma que dita as regras principais do negócio, decidindo se e quando ele vai receber demandas e detendo, inclu-sive, o direito de desativar a conta do trabalhador quando assim desejar (Bentivi et al., 2020Bentivi, D. R. C., Carneiro, L. L., & Peixoto, A. L. A. (2020). Trabalhadores em arranjos alternativos de trabalho diante da Covid-19. In M. M. Moraes (Org.), Os impactos da pandemia para o trabalhador e suas relações com o trabalho (pp. 15-22). Artmed.; Cavallini, 2018Cavallini, G. (2018). The classification of crowdwork and work by platforms: Alternatives and implications. In E. Ales, Y. Curzi, I. Senatori, T. M. Fabbri, G. Solinas, & O. Rymkevich (Eds.), Working in digital and smart organizations (pp. 113-137). Palgrave Macmillan. https://doi.org/10.1007/978-3-319-77329-2_7
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), sem obrigação de sequer justificar o motivo do término do “contrato”. Para Filgueiras e Antunes (2020)Filgueiras, V., & Antunes, R. (2020). Plataformas digitais, uberização do trabalho e regulação no capitalismo contemporâneo. Revista Contracampo, 39(1), 27-43. https://doi.org/10.22409/contracampo.v39i1.38901
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, sob o pretexto da autonomia, ampliam-se o controle e a exploração sobre o trabalho. Seriam os chamados “empreendedores de si mesmos” (Magno & Barbosa, 2011Magno, A., & Barbosa, S. (2011). O empreendedor de si mesmo e a flexi-bilização no mundo do trabalho. Revista de Sociologia e Política, 19(38), 121-140. https://doi.org/10.1590/S0104-44782011000100008
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) ou “precariados” (Freitas, 2020Freitas, A. V. P. (2020). Pandemia, responsabilidade civil e direito à saúde do trabalhador de plataformas digitais: Uma reflexão a partir da concepção de irresponsabilidade organizada na teoria da sociedade do risco. Revista do Direito do Trabalho e Meio Ambiente do Trabalho, 6(2), 96-115. https://doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2525-9857/2020.v6i2.7067
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), que, em um claro eufemismo, são denominados de “parceiros” pelas empresas intermediadoras.

No digitrab, as plataformas, na condição de intermediadoras, precisam equilibrar o que os consumidores demandam com o que os trabalhadores oferecem (Ravenelle, 2019Ravenelle, A. J. (2019). “We’re not uber”: Control, autonomy, and entre-preneurship in the gig economy. Journal of Managerial Psychology, 34(4), 269-285. https://doi.org/10.1108/JMP-06-2018-0256
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). Para tanto, além de, em alguns casos, estabelecerem pré-requisitos para os equipamentos usados na prestação de serviço (como o ano do carro em plataformas de transporte de pessoas), lançam mão de algoritmos e estratégias de gamificação que visam incentivar os cadastrados a trabalhar mais duro e por mais tempo.

Esse “limbo” faz com que, na prática, o trabalhador não usufrua das seguranças oferecidas pelos empregos tradicionais nem da liberdade conferida ao empreendedor, trazendo repercussões das mais diversas ordens. Existem exceções, como é o caso das plataformas destinadas a aluguéis de espaços/hospedagem, nas quais o trabalhador de fato dita os valores do negócio e pode inserir regras próprias, o que demonstra a necessidade de comparar as vivências dos trabalhadores do digitrab (aqui chamados de digitrabes) em diferentes tipos de serviços.

MÉTODO

A fim de compreender o cenário das plataformas virtuais de intermediação de trabalho em funcionamento no Brasil, entre setembro de 2020 e março de 2021, foi realizado um levantamento dessas organizações mediante pesquisa documental, que incluiu diferentes fontes, como: mídia, buscadores gerais da internet, redes sociais e lojas de aplicativos digitais, além de publicações científicas sobre o tema.

Procedimentos de coleta de dados

As buscas foram iniciadas mediante palavras-chave estabelecidas a partir de plataformas digitais mais conhecidas, empregando o nome dessas empresas, e dos serviços envolvidos, como “plataforma de delivery”, “plataforma de transporte de pessoas” e “plataforma de atendimento psicológico”. Utilizaram-se tanto os resultados imediatos das palavras-chave adotadas quanto aquelas geradas de forma correlata pelos resultados. Então, por exemplo, por meio da busca por “Uber”, além de informações sobre essa empresa, foram acessadas outras empresas do mesmo ramo, que apareciam relacionadas à primeira. Com isso, novas plataformas foram sendo verificadas, e o tipo de serviço prestado por elas passou a estabelecer palavras-chave adicionais (por exemplo, “advogados”, “limpeza”), até que fosse atingido o nível de saturação - sem novas empresas ou novos ramos de serviço identificados para gerar novas buscas.

Excluíram-se as plataformas internacionais que contratam trabalhadores brasileiros para realização de serviços 100% digitais, mas que não são alocadas oficialmente no Brasil ou não possuem uma interface em português (como é o caso da MTurk). Excluíram-se também aquelas plataformas digitais cuja natureza de intermediação de mão de obra não estava explícita, assim como empresas sobre as quais não havia o mínimo de informações necessárias (talvez por serem ainda muito recentes ou estarem em fase de teste). Por fim, é importante destacar que existem plataformas que não se caracterizam como intermediadoras de mão de obra, e sim como comunidades de compartilhamento, como é o caso do BlaBlaCar (compartilhamento de caronas) ou do Couchsurfing (compartilhamento de hospedagens), não consideradas, portanto, nesse mapeamento.

Procedimentos de análise de dados

A tentativa de subdividir o amplo escopo de características das plataformas digitais com o intuito de entender esse crescente mercado já foi conduzida na literatura por alguns autores. No Brasil, é possível encontrar mapea-mentos voltados para as plataformas de consumo colaborativo (Cezar et al., 2018Cezar, B. G. S., Bandeira, M. V., Dorneles, F. M., Barcellos, M. M., & Corso, K. B. (2018). Panorama das plataformas digitais de consumo colaborativo no Brasil: Uma análise descritiva. International Journal of Business & Marketing, 3(1), 40-54. http://www.ijbmkt.org/index.php/ijbmkt/article/view/66
http://www.ijbmkt.org/index.php/ijbmkt/a...
; Teixeira & Paraizo, 2020Teixeira, L. C., & Paraizo, R. C. (2020). Plataformas digitais de mobilidade urbana: Tipos e modos de atuação. Gestão & Tecnologia de Projetos, 15(3), 19-33. https://doi.org/10.11606/gtp.v15i3.166299
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), mas elas não envolvem necessariamente intermediação de mão de obra, diferindo, portanto, do escopo aqui tratado.

No exterior, as tentativas se dedicam principalmente a agrupar e clas-sificar as diferentes tarefas da modalidade crowdworking (Schulte et al., 2020Schulte, J., Schlicher, K. D., & Maier, G. W. (2020). Working everywhere and every time? Chances and risks in crowdworking and crowdsourcing work design. Gruppe. Interaktion. Organisation. Zeitschrift für Angewandte Organisationspsychologie, 51, 59-69. https://doi.org/10.1007/s11612-020-00503-3
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). Nesse sentido, é possível encontrar classificações que incluem a divisão microtarefas versus tarefas de inovação ou ainda a divisão mais detalhada de plataformas que intermedeiam serviços de microtarefas, marketplace (e-commerce), design, testagem e inovação. Porém, Schulte et al. (2020)Schulte, J., Schlicher, K. D., & Maier, G. W. (2020). Working everywhere and every time? Chances and risks in crowdworking and crowdsourcing work design. Gruppe. Interaktion. Organisation. Zeitschrift für Angewandte Organisationspsychologie, 51, 59-69. https://doi.org/10.1007/s11612-020-00503-3
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destacam que tais divisões não foram avaliadas a partir de uma perspectiva prática para garantir que a taxonomia se sustentasse, tampouco levaram em conta a verificação de homogeneidade dentro de cada categoria (por exemplo, identificando se as microtarefas da plataforma A e da plataforma B realmente se assemelham).

No levantamento aqui exposto, buscou-se sanar tais lacunas com base em um detalhamento das características das plataformas mapeadas. Ademais, pretendeu-se avançar nas categorizações, uma vez que os estudos mencionados anteriormente dedicaram-se apenas à classificação dos tipos de tarefa/serviço prestados em uma das modalidades do digitrab. Para tanto, duas pesquisadoras independentes procederam à checagem e à classificação dos seguintes dados, com base na planilha contendo todas as empresas identificadas: 1. informações descritivas gerais (por exemplo, ano de lançamento) e 2. tipos e principais características dos serviços prestados (por exemplo, descrição das atividades realizadas, forma de contratação/pagamento). Após a consolidação das informações, foram conduzidas as análises estatísticas descritivas e as análises de conteúdo categorial, seguindo as etapas de pré-análise, codificação, categorização e interpretação (Gondim & Bendassolli, 2014Gondim, S. M. G., & Bendassolli, P. F. (2014). Uma crítica da utilização da análise de conteúdo qualitativa em psicologia. Psicologia em Estudo, 19(2), 191-199. https://doi.org/10.1590/1413-737220530002
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).

PLATAFORMAS DIGITAIS NO BRASIL: CENÁRIO GERAL

No total, foram catalogadas 127 plataformas, sendo 82% delas empresas brasileiras, 4% estadunidenses, 1,5% francesas, 1,5% australianas, 1,5% holandesas e o restante (9,5%) oriundas do Chile, da Espanha, da Argentina, da Suíça, da Alemanha, da Bélgica, de Hong Kong, de Israel, da Rússia, da Polônia e da Colômbia (sendo uma de cada um desses países). As plataformas digitais foram também diferenciadas de acordo com sua natureza: multinacionais, aquelas que estão presentes no Brasil e em pelo menos mais um país; e locais, presentes unicamente no Brasil, podendo abranger todo o território nacional ou apenas regiões específicas. Todas as plataformas estrangeiras (23) são multinacionais, e, dentre elas, 15 (cerca de 65%) atuam em todo o território nacional e quatro (cerca de 17%) atuam somente em algumas regiões do Brasil. Nas demais (quatro), caracterizadas por intermediarem trabalhos 100% virtuais, a identificação do território não se aplica. Já entre as 104 empresas brasileiras, sete (cerca de 7%) expandiram a sua atuação para outros países, 53 (50%) atuam em todo o território nacional, enquanto 42 (cerca de 40%) atuam somente em algumas regiões do país, uma atua apenas no território virtual, e de oito não obtivemos informações sobre a abrangência.

A prevalência de plataformas de origem nacional, bem como a amplitude de seu funcionamento em todo o país, sinaliza a importância que esse modelo de negócio vem adquirindo no Brasil. Plataformas de atuação regional podem, ainda, reforçar essa constatação a partir de outra perspectiva, já que configuram um possível indicativo de negócios embrionários, com potencial de expansão, ou de negócios planejados para suprir demandas locais específicas. Um dado interessante a ser salientado é que algumas dessas plataformas, em especial as de serviços de delivery cujas origens são cidades do interior do Brasil, destacam nos seus históricos o fato de terem surgido a partir de ideias de grupos de estudantes universitários, principalmente de instituições públicas de ensino.

No intuito de verificar uma possível expansão da criação de plataformas digitais no mercado, buscou-se identificar o seu ano de lançamento. Essa informação só pôde ser identificada em 103 das 127 empresas levantadas. Destas, 14 foram lançadas no modelo de plataformas digitais entre os anos 2005 e 2010, sendo as empresas mais antigas nesse levantamento: Textbroker (2005), AjudaSim (2007) e Italki (2007). Entre 2011 e 2015, houve o lançamento de 31 das empresas identificadas; e, entre 2016 e 2020, o número de plataformas lançadas saltou para 58, conforme ilustrado na Figura 1. Tais dados apontam uma tendência de crescimento que corrobora o argumento de ampliação desse tipo de organização atrelado a formas alternativas de vinculação entre trabalhadores e empresas (Bergman & Jean, 2016Bergman, M. E., & Jean, V. A. (2016). Where have all the “workers” gone? A critical analysis of the unrepresentativeness of our samples relative to the labor market in the industrial-organizational psychology literature. Industrial and Organizational Psychology, 9(1), 84-113. https://doi.org/10.1017/iop.2015.70
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; Spreitzer et al., 2017Spreitzer, G. M., Cameron, L., & Garrett, L. (2017). Alternative work arrangements: Two images of the new world of work. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 4, 473-499. https://doi.org/10.1146/annurev-orgpsych-032516-113332
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).

Figura 1
Ano de lançamento das plataformas digitais atuantes no Brasil

Com relação ao número de profissionais cadastrados, houve dificuldade em acessar essas informações sistematicamente, uma vez que somente algumas empresas as divulgam em seus sites ou aplicativos, geralmente de maneira resumida. Tal dificuldade pode ser explicada, por um lado, pela relutância das plataformas em apresentar esses dados de forma transparente e, por outro, pelo fato de alguns trabalhadores atuarem simultaneamente em várias companhias, inclusive ao longo do mesmo dia (De Stefano, 2016De Stefano, V. (2016). The rise of the “just-in-time workforce”: On-demand work, crowdwork and labour protection in the “gig-economy”. International Labour Office. https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/---travail/documents/publication/wcms_443267.pdf
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), além de existirem casos nos quais o digitrab figura como um trabalho complementar, e não como o principal, “sério” (Brawley, 2017Brawley, A. M. (2017). The Big, gig picture: We can’t assume the same constructs matter. Industrial and Organizational Psychology, 10(4), 687-696. https://doi.org/10.1017/iop.2017.77
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; Schulte et al., 2020Schulte, J., Schlicher, K. D., & Maier, G. W. (2020). Working everywhere and every time? Chances and risks in crowdworking and crowdsourcing work design. Gruppe. Interaktion. Organisation. Zeitschrift für Angewandte Organisationspsychologie, 51, 59-69. https://doi.org/10.1007/s11612-020-00503-3
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).

No que diz respeito às plataformas multinacionais, algumas apresentam dados relativos à sua atuação no Brasil e no mundo (por exemplo, Uber), outras indicam apenas dados mundiais (por exemplo, Workana), enquanto há aquelas que não deixam claro se estão tratando de sua atuação global ou nacional (por exemplo, StarOfService). Algumas empresas optam por divulgar seu tamanho por meio da quantidade de profissionais cadastrados, como é o caso da Uber (um milhão de motoristas no Brasil), 99Freelas (800 mil freelancers), GetNinjas (mais de 500 mil profissionais de diferentes especialidades), Workana (cerca de três milhões de profissionais de diferentes especialidades em todo o mundo), Sontra Cargo (50 mil caminhoneiros), Superprof (300 mil professores) e Vittude (3,5 mil psicólogos). Já outras não revelam essas informações, optando por divulgar o número de serviços prestados, como é o caso do Zé Delivery (cerca de um milhão de entregas realizadas). Há, ainda, empresas que optam por informar a quantidade de downloads de seus aplicativos, como é o caso da Lady Driver (mais de 1,3 milhão de downloads de passageiras), iFood (1,5 milhão por mês) e James (mais de um milhão). Algumas plataformas também indicam o seu número de usuários, como a Uber (103 milhões de usuários no mundo todo), Rappi (dez milhões de usuários ativos) e Dr. Kids (mais de três mil clientes ativos). Ainda que não padronizados, os valores acessados ressaltam a magnitude da participação do digitrab no mundo do trabalho.

TIPOS E PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS SERVIÇOS OFERTADOS

Quanto ao serviço prestado, a análise dos dados levantados permitiu a identificação de 11 categorias (Tabela 1). Como existem plataformas que atuam com múltiplos focos, na categorização três delas foram alocadas em duas categorias simultaneamente (Giross, iTrust e Ryd). As plataformas que realizam serviços de três ou mais nichos distintos foram alocadas na categoria “multisserviços”.

Tabela 1
Mapeamento das plataformas de intermediação digital no Brasil de acordo com a classificação do tipo de serviço prestado

Observaram-se movimentos de diversificação de ofertas de serviços dentro de empresas de grande porte, porém com a criação de plataformas especializadas para cada área de atuação, como é o caso da Uber, que possui hoje uma segunda plataforma específica para o delivery de alimentos (UberEats), ou da 99 App e seu serviço de delivery, o 99Food. Nesse sentido, foi verificada uma tendência das plataformas em agrupar diferentes tipos de profissionais de acordo com o nicho de serviço que se deseja atingir, como é o caso da Dr. Kids, voltada particularmente para médicos pediatras de diversas especialidades, e da Lady Driver, que conecta apenas mulheres (profissionais e clientes). Pode-se entender essa tendência como uma tentativa de diferenciação em um mercado muito competitivo e que se desenvolve em alta velocidade. Além disso, trata-se de uma alternativa propiciada por um mecanismo que permite atingir um público grande, o que acaba, de certa forma, por exigir a criação de nichos de mercado.

No entanto, paralelamente à especialização, coexistem as plataformas de multisserviços, como é o caso das multinacionais Workana e Youtaf e das nacionais GetNinjas e Sem Patrão. Uma possível análise desse fenômeno se refere à facilidade em se buscar em um único site/aplicativo diferentes tipos de serviço, o que corrobora as mudanças socioeconômicas contemporâneas, em que a agilidade, a facilidade e a acessibilidade norteiam as relações e as novas empresas. Apesar da resistência ou desconfiança de algumas esferas da sociedade e das empresas tradicionais, as tecnologias e os novos tipos de trabalho consolidam uma ruptura de paradigma tanto na perspectiva econômica como na social e comportamental (Lundvall, 2017Lundvall, B.-Å. (2017). Is there a technological fix for the current global stagnation?: A response to Daniele Archibugi, Blade Runner economics: Will innovation lead the economic recovery? Research Policy, 46(3), 544-549. https://doi.org/10.1016/j.respol.2016.06.011
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).

O segmento de serviços de entrega de produtos/delivery foi a categoria que apresentou o maior número de plataformas representantes. Isso cor-robora os achados de Artur e Cardoso (2020)Artur, K., & Cardoso, A. C. M. (2020). O controle das plataformas digitais. Revista TOMO, 37, 349-390. https://doi.org/10.21669/tomo.vi37.13043
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quando destacam que as plataformas que oferecem serviços de transporte e entrega são as mais comuns entre aquelas de trabalho sob demanda que desenvolvem atividades presenciais. É importante mencionar que elas também são apresentadas como as mais “visíveis” no cotidiano, visto que os entregadores de aplicativo são muitos e estão por toda a parte. Essas plataformas são as que abrangem um maior número de trabalhadores e, por consequência, as primeiras a serem alvos de mobilizações por direitos e condições de trabalho e serem envolvidas em ações judiciais (Artur & Cardoso, 2020Artur, K., & Cardoso, A. C. M. (2020). O controle das plataformas digitais. Revista TOMO, 37, 349-390. https://doi.org/10.21669/tomo.vi37.13043
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).

Elas também estão entre as que mais reúnem características que afastam a ideia do trabalhador autônomo, anunciada como uma vantagem promovida por esses arranjos trabalhistas alternativos. Os digitrabes de serviços de entregas e transporte de passageiros, em geral, têm pouca autonomia para gerenciar o próprio serviço, além de serem submetidos a longas diárias de trabalho, incluindo as horas improdutivas, nas quais ficam disponíveis para tarefa, à espera de serem convocados para desenvolvê-la. Uma vez que aceitem a demanda, estão submetidos às regras e normas estabelecidas pela empresa intermediadora, com pouca margem de manobra, em um universo regido por urgências, no qual a rapidez é um aspecto considerado na sua avaliação de desempenho. Nesse sentido, estão constantemente sujeitos aos dois riscos mais graves à saúde mental destacados por Bajwa et al. (2018)Bajwa, U., Gastaldo, D., Di Ruggiero, E., & Knorr, L. (2018). The health of workers in the global gig economy. Globalization and Health, 14(124), 1-4. https://doi.org/10.1186/s12992-018-0444-8
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: vigilância da plataforma e avaliação dos clientes/consumidores.

Esses tipos de ferramentas permitem que as empresas exerçam um monitoramento constante, que possibilita saber quando os trabalhadores estão conectados, em que local e, talvez, até suas interações com os clientes (Bajwa et al., 2018Bajwa, U., Gastaldo, D., Di Ruggiero, E., & Knorr, L. (2018). The health of workers in the global gig economy. Globalization and Health, 14(124), 1-4. https://doi.org/10.1186/s12992-018-0444-8
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). Já em relação às avaliações, a classificação que é utilizada sob o pretexto de estabelecer a confiança entre trabalhadores e clientes tem efeitos perversos, pois desperta o aumento da competição entre os pares e uma insegurança constante, inclusive pela possibilidade de serem cancelados ou perderem ganhos sem justificativas muito claras por parte das plataformas, em uma desativação rápida e unilateral (Ropponen et al., 2019Ropponen, A., Hakanen, J. J., Hasu, M., & Seppänen, L. (2019). Workers’ health, wellbeing, and safety in the digitalizing platform economy. In Poutanen, S., Kovalainen, A., & Rouvinen, P. (Ed.), Digital work and the platform economy (pp. 56-73). Routledge. https://doi.org/10.4324/9780429467929-4
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; Tran & Sokas, 2017Tran, M., & Sokas, R. K. (2017). The gig economy and contingent work: An occupational health assessment. Journal of Occupational and Environmental Medicine, 59(4), e63-e66. https://doi.org/10.1097/JOM.0000000000000977
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). Isso tem como consequência uma exigência de trabalho emocional bastante intensa (De Stefano, 2016De Stefano, V. (2016). The rise of the “just-in-time workforce”: On-demand work, crowdwork and labour protection in the “gig-economy”. International Labour Office. https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/---travail/documents/publication/wcms_443267.pdf
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), incluindo a tolerância excessiva com possíveis comportamentos impróprios de clientes, o que pode ser mentalmente exaustivo e estressante.

No contexto da pandemia da Covid-19, foi evidenciado um risco adicional para essa classe, já que parte desses trabalhadores, por estarem inseridos no rol de “serviços essenciais”, como transporte de pessoas e entrega de alimentos, seguiu atuando in loco, mais expostos ao vírus (Bentivi et al., 2020Bentivi, D. R. C., Carneiro, L. L., & Peixoto, A. L. A. (2020). Trabalhadores em arranjos alternativos de trabalho diante da Covid-19. In M. M. Moraes (Org.), Os impactos da pandemia para o trabalhador e suas relações com o trabalho (pp. 15-22). Artmed.). Isso acabou por intensificar um debate que já estava em curso acerca da necessidade de novas interpretações no que tange à proteção ao direito à saúde e à segurança no trabalho. Embora a Constituição Federal brasileira imponha, em todos os âmbitos, o estabelecimento de mecanismos de solidarização de responsabilidades (que, nesse caso, poderiam ser extensivas às plataformas de intermediação de mão de obra), a desregulamentação dificulta o acesso a tais direitos e facilita a ocultação de ferramentas que exijam das empresas garantias de condições dignas de trabalho (Freitas, 2020Freitas, A. V. P. (2020). Pandemia, responsabilidade civil e direito à saúde do trabalhador de plataformas digitais: Uma reflexão a partir da concepção de irresponsabilidade organizada na teoria da sociedade do risco. Revista do Direito do Trabalho e Meio Ambiente do Trabalho, 6(2), 96-115. https://doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2525-9857/2020.v6i2.7067
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).

Após o segmento de delivery, destacou-se o de multisserviços, no qual as plataformas intermedeiam trabalhadores que prestam serviços diversos, predominantemente de forma digital, incluindo também as plataformas focadas apenas em microtarefas de crowdworking (Schulte et al., 2020Schulte, J., Schlicher, K. D., & Maier, G. W. (2020). Working everywhere and every time? Chances and risks in crowdworking and crowdsourcing work design. Gruppe. Interaktion. Organisation. Zeitschrift für Angewandte Organisationspsychologie, 51, 59-69. https://doi.org/10.1007/s11612-020-00503-3
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). O fato de focarem em atividades virtuais pode ser um dos fatores que explicam tal proliferação, dado que os riscos para a empresa intermediadora de mão de obra são bastante reduzidos quando o serviço prestado pelo “parceiro” tem pouco nível de interação com o cliente e não é oferecido no “mundo real”.

Sobre essa categoria, é interessante mencionar que apresenta como vantagem o potencial de reduzir comportamentos discriminatórios direcionados a quem oferece o serviço, já que a “contratação” se dá de forma virtual, muitas vezes até anônima. Adicionalmente, a possibilidade de trabalhar on-line de qualquer lugar (características de alguns desses serviços, em especial os de crowdworking) promove acesso a oportunidades de trabalho para pessoas que estão em casa por causa de problemas de saúde ou deficiência (De Stefano, 2016De Stefano, V. (2016). The rise of the “just-in-time workforce”: On-demand work, crowdwork and labour protection in the “gig-economy”. International Labour Office. https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/---travail/documents/publication/wcms_443267.pdf
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; Ropponen et al., 2019Ropponen, A., Hakanen, J. J., Hasu, M., & Seppänen, L. (2019). Workers’ health, wellbeing, and safety in the digitalizing platform economy. In Poutanen, S., Kovalainen, A., & Rouvinen, P. (Ed.), Digital work and the platform economy (pp. 56-73). Routledge. https://doi.org/10.4324/9780429467929-4
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). Ademais, considerando a crise econômica e sanitária intensificada pela Covid-19, trata-se de um meio mais fácil para a oferta de trabalho que atende às medidas governamentais de contenção da contaminação.

O terceiro segmento mais representado pelas plataformas mapeadas foi o de serviços de limpeza e manutenção doméstica. Somado ao segmento de entregas, esse dado indica a necessidade de refletir sobre como essa modalidade de negócio tem proliferado entre trabalhadores mais vulneráveis. É possível que esse tipo de arranjo favoreça um escape das responsabilidades impostas pelas conquistas legais recentes dessa classe, dificultando a sua saída das condições de precariedade e informalidade historicamente impostas. Apenas em 2013 foi aprovada uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), conhecida como PEC das Domésticas, que estende aos empregados domésticos direitos já garantidos pela Constituição aos trabalhadores em geral3 3 Mais informações estão disponíveis em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2013/03/18/entenda-o-que-muda-com-a-pec-das-domesticas. . Chama a atenção também o fato de a maioria das empresas que atuam como intermediárias desses serviços ter origem nacional, o que reflete a adaptação desse modelo globalizado de negócio às características da cultura local.

Na sequência, encontram-se as plataformas que ofertam serviços: de transporte de pessoas; de nível superior, especializados na área da saúde; na área de educação; de entretenimento (como aluguel de espaços, produtos/utensílios); de produção de textos, vídeos e outros conteúdos digitais; de consultoria de nível superior em áreas como direito, arquitetura etc.; e, por fim, os serviços de apoio doméstico e de atendimento em beleza.

Tomados em conjunto, esses dados evidenciam a heterogeneidade dos tipos de trabalho abarcados pelas plataformas digitais, que pode ser entendida como a materialização das políticas neoliberais ao alcançar uma quantidade ilimitada de trabalhadores em regime intermitente e/ou sem vincu-lação empregatícia (Gondim, 2020Gondim, T. P. (2020). A luta por direitos dos trabalhadores “uberizados”: Apontamentos iniciais sobre organização e atuação coletivas. Mediações, 25(2), 469-487. https://doi.org/10.5433/2176-6665.2020v25n2p469
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). Reforçam, ainda, a influência desse modelo de negócio, que impõe um arranjo de trabalho alternativo ao emprego tradicional para diferentes segmentos de trabalhadores, aumentada em contexto de crise econômica, como a que foi desencadeada pela pandemia.

Nesse sentido, faz-se notar o grande número de plataformas voltadas exclusivamente para prestação de serviços que exigem formação educacional superior, que, por envolverem atividades que exigem mais qualificação, possibilitam ao trabalhador mais autonomia para tomar decisões acerca do trabalho (Spreitzer et al., 2017Spreitzer, G. M., Cameron, L., & Garrett, L. (2017). Alternative work arrangements: Two images of the new world of work. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 4, 473-499. https://doi.org/10.1146/annurev-orgpsych-032516-113332
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). A plataforma poderia significar, assim, uma ampliação das possibilidades de conexão a uma variedade maior de clientes, sobretudo, mais uma vez, devido à intensificação do trabalho remoto promovida pela pandemia.

Pode-se pensar que o digitrab também pode ser fonte de fatores protetivos à saúde do trabalhador. Ropponen et al. (2019)Ropponen, A., Hakanen, J. J., Hasu, M., & Seppänen, L. (2019). Workers’ health, wellbeing, and safety in the digitalizing platform economy. In Poutanen, S., Kovalainen, A., & Rouvinen, P. (Ed.), Digital work and the platform economy (pp. 56-73). Routledge. https://doi.org/10.4324/9780429467929-4
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destacam que a varie-dade de conteúdo das tarefas e de perfis de clientes, a possibilidade de desenvolver novas habilidades, a relativa autonomia e a flexibilidade de horário são aspectos que podem assumir essa função.

Além disso, comparando profissionais de maior ou menor qualificação profissional, outro fator tem recebido destaque como um importante antecedente de saúde e bem-estar: a volição (Barling et al., 2002Barling, J., Inness, M., & Gallagher, D. G. (2002). Alternative work arrangements and employee well being. In P. L. Perrewe & D.C. Ganster (Eds.), Historical and current perspectives on stress and health (Vol. 2, pp.183-216). Emerald Group Publishing. https://doi.org/10.1016/S1479-3555(02)02005-X
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; Berger et al., 2019Berger, T., Frey, C. B., Levin, G., & Danda, S. R. (2019). Uber happy? Work and well-being in the “gig economy”. Economic Policy, 34(99), 429-477. https://doi.org/10.1093/epolic/eiz007
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; Spreitzer et al., 2017Spreitzer, G. M., Cameron, L., & Garrett, L. (2017). Alternative work arrangements: Two images of the new world of work. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 4, 473-499. https://doi.org/10.1146/annurev-orgpsych-032516-113332
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; Tran & Sokas, 2017Tran, M., & Sokas, R. K. (2017). The gig economy and contingent work: An occupational health assessment. Journal of Occupational and Environmental Medicine, 59(4), e63-e66. https://doi.org/10.1097/JOM.0000000000000977
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). O ingresso do trabalhador no arranjo digitrab por imposição externa ou por percepção de falta de alternativas implica maior risco de deterioração do bem-estar (por exemplo, níveis menores de satisfação com a vida e maiores de ansiedade). Em contrapartida, quando o trabalhador, de fato, escolhe ter um contrato de trabalho dessa natureza, tais efeitos negativos são minimizados (por exemplo, níveis mais elevados de bem-estar subjetivo). Em suma, os trabalhadores parecem ter uma experiência mais positiva quando fazem acordos de trabalho alternativos por opção, para permitir uma vida profissional mais flexível e condizente com suas aspirações e necessidades pessoais do momento. Nesse caso, a tendência é a de que eles não classifiquem o seu trabalho como precarizado (Barling et al., 2002Barling, J., Inness, M., & Gallagher, D. G. (2002). Alternative work arrangements and employee well being. In P. L. Perrewe & D.C. Ganster (Eds.), Historical and current perspectives on stress and health (Vol. 2, pp.183-216). Emerald Group Publishing. https://doi.org/10.1016/S1479-3555(02)02005-X
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; Spreitzer et al., 2017Spreitzer, G. M., Cameron, L., & Garrett, L. (2017). Alternative work arrangements: Two images of the new world of work. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 4, 473-499. https://doi.org/10.1146/annurev-orgpsych-032516-113332
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).

Entretanto, a escolha sobre como se inserir no mercado de trabalho está disponível apenas para uma pequena parcela da população, e, por isso, torna-se comum que essa vivência positiva com arranjos de trabalho altamente flexíveis, como é o caso do digitrab, seja reservada a trabalhadores de alto nível de especialização/conhecimento. Segundo Spreitzer et al. (2017)Spreitzer, G. M., Cameron, L., & Garrett, L. (2017). Alternative work arrangements: Two images of the new world of work. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 4, 473-499. https://doi.org/10.1146/annurev-orgpsych-032516-113332
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, os trabalhadores de alto nível de especialização/conhecimento ocupam uma posição de serem disputados pelas empresas por seu talento, possuem maior autonomia para decidir quando, onde e como o trabalho será desenvolvido, lidam com um conteúdo mais enriquecido e podem rejeitar atividades quando o cronograma é pesado ou quando deixa de ser interessante para eles. Já no caso dos trabalhadores menos qualificados, crescem a insegurança, a exploração (pois existe maior distância de poder) e a dificuldade de garantir um retorno financeiro digno, de modo que, nesse grupo, a enaltecida flexibilidade do arranjo tende a beneficiar mais a empresa do que o trabalhador. Vale, no entanto, refletir sobre o que, de fato, pode ser caracterizado como escolha, mesmo para trabalhadores qualificados, em um contexto de trabalho como o brasileiro, marcado pela retração progressiva de oportunidades no mercado de trabalho formal (IBGE, 2021Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2021, março). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - Pnad Contínua. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9173-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-trimestral.html?=&t=series-historicas&utm_source=landing&utm_medium=explica&utm_campaign=desemprego
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).

As diferenças entre os perfis de trabalhadores de acordo com a qualificação exigida para o serviço prestado também se refletem no nível de autonomia conferida a eles pela plataforma no que diz respeito às transações financeiras e à remuneração obtida. Por meio do mapeamento, quatro modelos de intermediação de valores foram identificados.

No primeiro, mais raro, os profissionais, geralmente mais qualificados, apresentam o orçamento, o cliente contrata o serviço com base no valor orçado e um percentual do pagamento recebido é destinado à plataforma (por exemplo, DogHero e 99Freelas). Isso também acontece especialmente na categoria de entretenimento, quando o trabalhador é o detentor do bem que está em negociação (por exemplo, Airbnb). No segundo, o mais comum nos serviços menos especializados, além de cobrarem taxas percentuais sobre a transação, as plataformas são responsáveis por determinar o valor do serviço e por repassar o pagamento ao trabalhador (por exemplo, Uber e Bee Delivery). Há, ainda, plataformas que mesclam as duas formas anteriores, com alguns serviços específicos e personalizados sendo orçados pelos próprios profissionais, e outros mais simples, com valores estabelecidos previamente pela plataforma (por exemplo, Textbroker). Por último, o modelo peculiar a plataformas que prestam serviço de transporte de cargas e de algumas plataformas de multisserviços é o cliente estipular o valor a ser pago, cabendo ao trabalhador aceitar a oferta ou negociá-la diretamente com o usuário, também sendo cobradas taxas em cima do valor recebido (por exemplo, Busca Cargas e Quero Frete).

Observa-se, portanto, que os três atores interessados na transação (plataforma, clientes e trabalhadores) podem ter protagonismos diferentes em relação ao estabelecimento dos valores, principalmente de acordo com o tipo de serviço que é oferecido e o nível de qualificação/especialização do trabalhador envolvido. A Figura 2 ilustra essa distribuição, enfatizando como a plataforma assume um protagonismo maior em serviços cuja qualificação do trabalhador é menos exigida.

Figura 2
Controle sobre a precificação do valor pago ao trabalhador de acordo com o tipo de serviço prestado via intermediação da plataforma

De acordo com De Stefano (2016)De Stefano, V. (2016). The rise of the “just-in-time workforce”: On-demand work, crowdwork and labour protection in the “gig-economy”. International Labour Office. https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/---travail/documents/publication/wcms_443267.pdf
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, esses modelos expõem a variabili-dade das plataformas virtuais e a discrepância de poder entre as empresas e os profissionais. Para o autor, apesar de as primeiras se colocarem como simples intermediadoras dos serviços prestados, elas acabam por interferir fortemente nas transações, como algumas plataformas que permitem aos clientes recusar o pagamento caso o trabalho seja considerado insatisfatório, sem qualquer justificativa para o trabalhador.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo apresenta contribuições para a compreensão sobre o digitrab no Brasil, sintetizadas em três indicadores principais:

  1. tendência de crescimento de empresas do setor;

  2. progressiva e crescente adesão de trabalhadores a essas empresas;

  3. diversificação de serviços ofertados, já que progressivamente mais profissionais de diferentes áreas e níveis de formação têm se inserido nesse tipo de arranjo.

O crescimento desses indicadores se alinha à tendência político-econômica de incentivo ao afrouxamento das relações de trabalho, que, ao individualizar e informalizar os vínculos, mina as possibilidades de organizações coletivas que são importantes para a luta e a garantia de direitos da classe trabalhadora. É interessante notar que, embora essa estratégia de desarticulação esteja imbricada em arranjos de trabalho como o digitrab, os trabalhadores acabam encontrando maneiras de se agrupar, criando coletivos que funcionam como fonte de suporte social instrumental, informacional e socioemocional. Entretanto, como parte dessas ações também é virtual e mediada por plataformas, elas acabam sofrendo de alguns problemas típicos do ativismo on-line, como dispersão de pautas e reduzida capacidade de fazer a transposição das reinvindicações para o mundo real. Além disso, a disponibilidade de dados provenientes do uso de plataformas e aplicativos, aliada a uma acirrada competição, aumenta as possibilidades das empresas de monitorar, desencorajar ou mesmo retaliar formas de ativismo. Outro ponto a ser observado é que o crescimento de algumas plataformas também poderia facilitar fusões e aquisições em alguns setores altamente fragmentados, como serviços de transporte de passageiros, que, por um lado, reduzem as opções de associação por parte dos motoristas e, por outro, dão origem a atores maiores, mais facilmente visados por sindicatos e reguladores, caso haja vontade política nessa direção (De Stefano, 2016De Stefano, V. (2016). The rise of the “just-in-time workforce”: On-demand work, crowdwork and labour protection in the “gig-economy”. International Labour Office. https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/---travail/documents/publication/wcms_443267.pdf
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).

Em relação à necessidade versus viabilidade de regulamentação e garantias legais, existem muitas controvérsias. É fato que se trata de um tipo de arranjo diferente do tradicional, tendo em vista a flexibilidade permitida em termos de horários e escalas, a possibilidade de atuar em múltiplas plataformas simultaneamente, entre outros aspectos. Se, de um lado, isso exigiria a criação de uma legislação específica e intermediária, de outro, alguns fatores precisam ser considerados nesse universo do digitrab antes de se propor maior regulamentação. Entre eles, destaca-se o grau de liberdade permitida ao trabalhador na realização do seu serviço. Isso significaria que, para uma plataforma negar o reconhecimento do vínculo, ela teria que se limitar a estabelecer as instruções mínimas, permitindo maior autonomia do trabalhador acerca do modo de executar suas tarefas (Todolí-Signes, 2017Todolí-Signes, A. (2017). The “gig economy”: Employee, self-employed or the need for a special employment regulation? Transfer: European Review of Labour and Research, 23(2), 193-205. https://doi.org/10.1177/1024258917701381
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). A partir do mapeamento realizado, identificamos que apenas algumas plataformas atendem, no momento, a esses pré-requisitos.

Como contraponto, cabe lembrar que os digitrabes são apenas parte de um espectro muito mais amplo de uma força de trabalho que era considerada atípica, mas que vem se tornando típica (Barling et al, 2002Barling, J., Inness, M., & Gallagher, D. G. (2002). Alternative work arrangements and employee well being. In P. L. Perrewe & D.C. Ganster (Eds.), Historical and current perspectives on stress and health (Vol. 2, pp.183-216). Emerald Group Publishing. https://doi.org/10.1016/S1479-3555(02)02005-X
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; De Stefano, 2016De Stefano, V. (2016). The rise of the “just-in-time workforce”: On-demand work, crowdwork and labour protection in the “gig-economy”. International Labour Office. https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/---travail/documents/publication/wcms_443267.pdf
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). Assim, a discussão sobre mecanismos que reduzam seus impactos negativos e potencializem os positivos não pode ocorrer sem que se considere esse universo mais amplo de trabalhadores temporários ou que atuem sob demanda, sob risco de criar uma segmentação do mercado de trabalho de difícil delimitação. Apesar disso, existem propostas na direção de que os digitrabes sejam considerados uma nova categoria, que demandaria um conjunto diferente de proteções. Nesse caso, seria exigido que as plataformas arcassem com alguns custos (reembolso de despesas necessárias à realização do trabalho, por exemplo) e não com outros (como seguridade social e despesas médicas em geral). A criação de uma categoria intermediária, entretanto, poderia legitimar a precarização e trazer mais proteção às empresas do que aos próprios digitrabes, além do risco de impelir trabalhadores formais para essa categoria de contrato “disfarçado” (De Stefano, 2016De Stefano, V. (2016). The rise of the “just-in-time workforce”: On-demand work, crowdwork and labour protection in the “gig-economy”. International Labour Office. https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/---travail/documents/publication/wcms_443267.pdf
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). Para Benach et al. (2002)Benach, J., Amable, M., Muntaner, C., & Benavides, F. G. (2002). The consequences of flexible work for health: Are we looking at the right place? Journal of Epidemiology & Community Health, 56(6), 405-406. https://doi.org/10.1136/jech.56.6.405
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, o fator mais importante que até hoje limita nossa compreensão acerca dos impactos potenciais de arranjos alternativos sobre os trabalhadores é a falta de um modelo social e de trabalho integrador, que só pode ser atingido com maior investimento em pesquisas sobre o tema.

Além do debate sobre uma possível regulamentação, muitos avanços ainda precisam ser feitos na direção de uma maior compreensão das condições de trabalho desses profissionais e dos limites e possibilidades de atuação da psicologia organizacional e do trabalho e da gestão de pessoas nesse contexto. O foco de estudos futuros, assim como qualquer proposta advinda disso, precisa ser, inicialmente, o ecossistema no qual os digitrabes estão inseridos. Desse modo, propomos que a abordagem adotada contemple tanto uma preocupação com políticas públicas mais gerais quanto políticas e práticas de gestão de pessoas voltadas às plataformas e, por fim, à saúde e ao bem-estar dos próprios digitrabes, considerando-os mais vulneráveis e mais susceptíveis a riscos.

Cabe destacar que todas essas condições podem ser atravessadas por características específicas da realidade de cada trabalhador, especialmente no que se refere à raça, ao gênero, à classe social e a vivências subjetivas. Podemos imaginar, por exemplo, que para um trabalhador de classe média, residindo em local razoavelmente amplo e com equipamentos que não precise partilhar com outros membros da família, a transposição do contexto de trabalho tradicional para alguns trabalhos mediados por plataformas (que não demandem atendimentos presenciais) poderá se dar de forma menos complexa do que para quem isso é uma realidade distante. Do mesmo modo, mulheres experimentam mais conflitos trabalho versus família, situação que tende a se intensificar nessas condições de fronteiras menos delimitadas (Rodrigues et al., 2020Rodrigues, A. C. A., Moscon, D. C. B., Queiroz, G. C., & Silva, J. C. (2020). Trabalhadores na pandemia: Múltiplas realidades, múltiplos vínculos. In M. M. Moraes (Org.), Os impactos da pandemia para o trabalhador e suas relações com o trabalho (Vol. 2, pp.1-14). Artmed.). Por isso, há que se privilegiar também a perspectiva individual dos trabalhadores em estudos que investiguem como eles percebem as condições de trabalho e suas respectivas influências em fenômenos de ordem psicológica (Durward et al., 2020Durward, D., Blohm, I., & Leimeister, J. M. (2020). The nature of crowd work and its effects on individuals’ work perception. Journal of Management Information Systems, 37(1), 66-95. https://doi.org/10.1080/07421222.2019.1705506
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).

Este estudo não teve a intenção de esgotar o mapeamento das plataformas ativas, até porque não haveria um método seguro para garantir que isso fosse alcançado, apesar de termos nos baseado em estratégias de busca que permitiram ter uma visão ampla do cenário atual. Considera-se, assim, que existe uma limitação em termos de generalização das análises apresentadas, uma vez que é possível que nem todas as empresas do setor tenham sido identificadas. No entanto, os dados levantados demonstram a necessidade de que novas pesquisas sigam se dedicando a compreender o digitrab, acompanhando a velocidade de expansão desse arranjo de trabalho e das empresas intermediadoras que o sustentam, bem como seus impactos sobre os trabalhadores.

  • 1
    “Turkerização” é uma referência à Amazon’s Mechanical Turk (MTurk), plataforma de intermediação lançada pela empresa Amazon em 2005 que medeia a relação virtual entre empregadores e trabalhadores que aceitam desenvolver tarefas de forma esporádica e sem vinculação formal.
  • 2
    “Uberização” é uma referência à Uber, empresa prestadora de serviços eletrônicos na área do transporte privado urbano, lançada em 2009, e que se tornou um modelo de negócio sob demanda, em que o trabalhador atua por conta própria, assumindo custos da produção/serviço.
  • 3

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    11 Mar 2021
  • Aceito
    16 Mar 2022
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